Acórdão: Apelação Cível n. 2005.029730-9, de Tubarão.
Relator: Des. Henry Petry Junior.
Data da decisão: 21.08.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 296, edição de 24.09.2007, p. 87.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO EM INVENTÁRIO. CREDOR DE CÔNJUGE DE HERDEIRA, CASADOS EM REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. SENTENÇA RESOLUTIVA DE MÉRITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXTINÇÃO COM FULCRO NO ART. 267, VI, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR EXCESSIVO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO CONFORME PRECEITUA O ART. 20, § 3º DO CPC. MINORAÇÃO DA VERBA CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO.
Não há que se falar em habilitação no inventário de credores de herdeiros do falecido, porquanto apenas os credores do de cujus são parte legítima à habilitação de crédito, nos termos do art. 1.796 do CC/16 (art. 1.997 do CC/02).
A extinção do processo, sem resolução de mérito, é medida que se impõe quando ausente condição da ação que obsta o processamento regular do feito.
"Na fixação dos honorários advocatícios, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, o magistrado deverá avaliar, efetivamente, o trabalho realizado pelo advogado, considerando o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa e o tempo exigido para seu serviço." (AC 2007.008211-3, da Capital. Rel. Des. FERNANDO CARIONI. j. em 08. mai. 2007)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.029730-9, da comarca de Tubarão (3ª Vara Cível), em que é apelante Aires Monteiro Tártari, e apelado o espólio de João Manoel Rufino:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Aforou o autor Ayres Monteiro Tártari ação de habilitação de crédito no inventário de João Manoel Rufino perante a 3ª Vara Cível da comarca de Tubarão. Em apertada síntese, sustenta que é credor de Antônio de Souza Pacheco, casado em regime de comunhão universal de bens com Eli Rufino Pacheco, herdeira do de cujus. Requer sua habilitação no inventário que lá tramitava, a determinação do quinhão de cada herdeiro e a separação da verba correspondente à herdeira Eli para o pagamento da dívida contraída pelo esposo.
Citada (fl. 30), a procuradora do espólio manifestou-se (fls. 31/32) dando conta do falecimento do inventariante Luiz Porto Rufino, cessando seus poderes de representação da massa e requerendo a citação pessoal dos herdeiros, o que restou indeferido pelo juiz à fl. 39.
Requereu o autor a citação pessoal da herdeira Eli Rufino Pacheco à fl. 45. Citada (fl. 57, vº), deixou a herdeira transcorrer in albis o prazo para manifestação.
Solicitado pelo autor e deferido pelo juiz à fl. 55 o benefício da assistência judiciária gratuita.
Conforme determinado pelo magistrado (fl. 74), foi promovida a citação dos demais herdeiros, a saber, Ledo Braz Rufino, Maria Edi Rufino da Silva, Maria Eny Rufino, José Nery Rufino e Maria de Lourdes Rufino, estes herdeiros de João Manoel Rufino e Júlia Porto Rufino, bem como de Sueli Maria de Oliveira Rufino, Vera Lúcia Rufino, Eloise de Oliveira Rufino, Rosilene de Oliveira Rufino, Rui César Rufino, Maria Regina Rufino Delfino e Gilson Luiz Rufino, esses últimos herdeiros de Luiz Porto Rufino, descendente do de cujus João Manoel Rufino.
Transcorrido o prazo de contestação sem manifestação dos herdeiros, sentenciou a magistrada a quo às fls. 161/163 nos seguintes termos:
O pleito em tela, merece indeferimento.
(...)
A habilitação de créditos tem lugar, portanto, em relação às dívidas do espólio e não, como no caso dos autos, sobre dívidas do meeiro da herdeira.
(...)
Logo, não se tratando de dívida deixadas pelos de cujus ou seu espólio, descabida é a habilitação de crédito.
Destarte, as dívidas dos herdeiros e respectivos cônjuges do de cujus devem ser cobradas por meio de ação própria.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de habilitação de crédito formulado por Aires Monteiro Tártari.
Condeno o autor ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), cuja cobrança fica suspensa pelo prazo de 5 anos porque beneficiário da AJG, a teor do art. 12 da Lei 1.060/50.
Irresignado, interpôs o autor o presente recurso de apelação (fls. 169/172), a fim de reformular a parte dispositiva do decisium, entendendo merecer a ação sentença terminativa, porquanto juridicamente impossível o pedido formulado. Requereu também a minoração do valor fixado a título de honorários sucumbenciais.
Contra-razões de apelação às fls.182/184.
VOTO
1. Da admissibilidade
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, recebo o recurso.
2. Questões antecedentes
2.1. Da ausência do valor da causa
Verifica-se que a petição inicial foi acolhida pelo juízo mesmo não preenchidos os requisitos à ela inerentes, nos termos do Código de Processo Civil. Não houve, na peça inicial, a determinação do valor da causa, conforme preceitua o art. 258 e 282, V, do Codex Adjetivo.
Contudo, irrelevante é sua discussão no caso ora em análise. Isso porque informa o autor, na peça vestibular, os valores referentes às dívidas que pretendia habilitar no inventário, a saber, R$ 19.935,30 (dezenove mil, novecentos e trinta e cinco reais e trinta centavos) condizente às parcelas já vencidas e R$ 13.952,26 (treze mil, novecentos e cinqüenta e dois reais e vinte e seis centavos) relativo às prestações vincendas, quando do ajuizamento do feito.
Ademais, a considerar o teor do decisium de primeiro grau e das razões recursais apresentadas pelo autor, que não se insurge perante a resolução do processo a ele desfavorável, reforço, de secundária importância a ausência de atribuição de valor à causa in casu.
2.2. Do recurso cabível
Insurge-se inicialmente o autor contra a parte dispositiva da sentença de mérito que, fundada no art. 269, I, da Lei Instrumental Civil, julgou improcedente seu pedido. Argumentando que a decisão pautou-se na impossibilidade jurídica do pedido, alega carência de ação, o que acarretaria a extinção do feito sem julgamento de mérito.
O procedimento adequado à pretensão do autor/recorrente, no que tange à reforma da parte dispositiva da sentença, é a interposição de embargos de declaração.
Isso se dá, conforme lecionam MARINONI e ARENHART pois a finalidade deste recurso é "corrigir defeitos – omissão, contradição e obscuridade – do ato judicial, os quais podem comprometer sua utilidade" (MARINONI, L. G., ARENHART, S. C. Manual do Processo de Conhecimento.4ª ed. São Paulo: RT, 2005. p. 540). E vão além os eméritos processualistas, referindo-se à contradição ensejadora do embargo declaratório:
A contradição, à semelhança do que ocorre com a obscuridade, também gera dúvida quanto ao raciocínio do magistrado. Mas essa falta de clareza não decorre da inadequada expressão da idéia, e sim da justaposição de fundamentos antagônicos, seja com outros fundamentos, seja com a conclusão, seja com o relatório (quando houver, no caso de sentença ou acórdão), seja ainda, no caso de julgamentos de tribunais, com a ementa da decisão. Representa incongruência lógica, entre os distintos elementos da decisão judicial, que impedem o hermeneuta de apreender adequadamente a fundamentação dada pelo juiz ou tribunal. (MARINONI, op. cit., p. 541)
No mesmo norte, é da lição de THEODORO JUNIOR:
Em qualquer caso, a substância do julgado será mantida, visto que os embargos de declaração não visam à reforma do acórdão, ou da sentença. No entanto, será inevitável alguma alteração no conteúdo do julgado, principalmente quando se tiver de eliminar omissão ou contradição. O que, todavia, se impõe ao julgamento dos embargos de declaração é que não se proceda a um novo julgamento da causa, pois a tanto não se destina esse remédio recursal. As eventuais novidades introduzidas no decisório primitivo não podem ir além do estritamente necessário à eliminação da obscuridade ou contradição, ou ao suprimento da omissão. (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 43ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 660-661)
Contudo, a considerar a natureza do presente voto, forte no princípio da instrumentalidade processual, de se superar esta questão e partir à análise do mérito propriamente dito.
3. Do mérito
3.1. Da ilegitimidade passiva
É o teor do disposto no art. 1.796 do Código Civil de 1.916:
Art. 1.796. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte, que na herança lhes coube.
É verdade que o Código Material de 1916 permitia ao credor do herdeiro requerer a partilha de bens do de cujus, a fim de assegurar o adimplemento da obrigação que mantém com o herdeiro-devedor, nos termos do art. 1.772, § 1º. Situação diametralmente oposta é a habilitação de crédito em inventário já em tramitação. O espólio responde apenas pelas dívidas contraídas pelo finado, o que evidencia a ilegitimidade da massa para responder pelas dívidas do sucessor.
É o entendimento jurisprudencial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. ARROLAMENTO. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. CREDOR DO HERDEIRO. IMPOSSIBILIDADE. RENÚNCIA DE HERDEIRO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. VIA PRÓPRIA. O credor de herdeiro não detém direito de habilitar seu crédito no inventário, porquanto a faculdade conferida pelo art. 1.017 do CPC se refere apenas aos credores do autor da herança ou do Espólio. A alegação de fraude à execução decorrente da renúncia de quinhão hereditário por um dos herdeiros demanda dilação probatória, e, por isso, exige processo à parte, onde possa ser dirimida. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (TJRS. AI 70014111363. Rel. Des. JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE. J. em 16. mar. 2006)
E ainda:
INVENTÁRIO. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. O credor de herdeiro possui legitimidade para requerer a abertura do inventário, na forma do art. 988, VI, do CPC, mas não lhe assiste o direito de habilitar seu crédito no feito, faculdade conferida pelo art. 1.017 do CPC aos credores do espólio. Agravo provido. (TJRS. AI 70007487473. Relª. Desª. MARIA BERENICE DIAS. j. em 17. dez. 2003)
O procedimento adequado para a satisfação do credor em face do crédito perseguido deu-se conforme documentos de fls. 78/81 dos autos de inventário 075.98.003547-8, apensos à apelação em análise. Apenas a título de esclarecimento, registre-se que esse crédito é originário de sentença proferida em ação de indenização promovida pelo autor em face de Antônio de Souza Pacheco, cônjuge da herdeira Eli Rufino Pacheco. Naquela demanda, foi requerida e deferida a penhora no rosto dos autos da ação de inventário (apensa) no importe de 50% (cinqüenta por cento) do quinhão hereditário da esposa-herdeira do devedor do suplicante.
Assim, imperiosa se faz a extinção do feito por carência de ação, isso nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por inadequação da via eleita.
3.2. Dos honorários advocatícios
O magistrado de primeiro grau condenou o autor ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de honorários advocatícios, suspendendo a satisfação da verba devida pelo período de cinco anos, salvo se houver alteração na fortuna do nominado neste interregno, conforme o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50.
Insurgiu-se, então, o sucumbente, contra o quantum fixado sustentando, verbis:
(...) ainda que possível a condenação do Apelante no pagamento da verba honorária, a sua fixação deveria respeitar os critérios estabelecidos no artigo 20, §§ 4.º e 3.º do CPC, pelos quais se percebe a ausência nos autos de qualquer elemento apto a preencher tais requisitos, e, por conseqüência, a ensejar o arbitramento de verba honorária em quantia tão elevada (fl. 171)
Acerca da fixação dos honorários advocatícios, leciona o mestre PONTES DE MIRANDA:
Na fixação do quanto dos honorários advocatícios, tem a autoridade judicial de atender ao grau de zelo profissional, ao lugar da prestação de seviço e à natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
(...)
O que na decisão tem o juiz de atender é aquilo que se passou na lide e foi por ele verificado: a falta de zelo do profissional, ou o pouco elo que revelou, ou o alto zelo com que atuou; o ser difícil ou fácil o lugar em que atuou o advogado; a natureza e importância da causa, o trabalho que tem o advogado e o tempo que gastou (não o tempo que durou a causa, mas sim, o tempo que foi exigido para o seu serviço. (sic) (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. Tomo I. P. 395-396)
Compulsando os autos, o que se vislumbra é que houve apenas quatro manifestações dos procuradores dos réus, a saber, dois requerimentos para a juntada de instrumento procuratório (fls. 58 e 134), uma manifestação dando conta da inexistência de poderes para receber citação inicial, em duas laudas (fls. 31/32) e as contra-razões de apelação, em três laudas (fls. 181/184. Acresça-se a isto o fato de que o processo correu à revelia da parte ré, que, apesar de devidamente citada, não contestou o feito.
Diante disso, entendo que razão assiste ao apelante. Se a fixação dos honorários sucumbenciais, pelo juiz, deve levar em consideração, a teor do art. 20, §§ 3º e 4º do Código de Processo Civil, "o grau de zelo do profissional", "o lugar de prestação do serviço" e "a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço", entendo que a quantia fixada é excessiva frente à participação do procurador no feito e à complexididade jurídica. Assim, de minorar-se para R$ 1.000,00 (um mil reais) a verba sucumbencial devida ao profissional pela defesa realizada.
Em suma, conheço do recurso e dou-lhe provimento para julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. De igual forma, de se minorar o quantum estabelecido a título de honorários sucumbenciais, em conformidade com o art. 20, § 3º e 4º, do Código de Processo Civil, para R$ 1.000,00 (um mil reais), atualizados a partir da publicação desta decisão. Em virtude da assistência judiciária deferida, suspende-se o pagamento pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Lei 1.060/50.
DECISÃO
Ante o exposto, a Câmara decide, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos supra.
Participaram do julgamento o Des. Carlos Prudêncio (Presidente com voto) e a Desª. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 21 de agosto de 2007.
Henry Petry Junior (cooperador)
RELATOR
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