Acórdão: Apelação cível n. 2004.027543-4, de Blumenau.
Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento.
Data da decisão: 28.06.2005
Publicação: DJSC n. 11.707, edição de 08.07.05, p. 23.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C CONSTITUIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - PRETENSÃO DO SEGURADO DE RENOVAÇÃO AD ETERNUM DA APÓLICE SECURITÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL - INOCORRÊNCIA - OBRIGAÇÃO DA SEGURADORA LIMITADA À VIGÊNCIA DO CONTRATO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
Em homenagem ao princípio da autonomia da vontade das partes contratantes e, em obediência ao disposto no art. 774 do atual Digesto Substantivo Civil, não é a seguradora obrigada a proceder renovação automática do contrato, mormente se existente cláusula expressa sobre opção de rescisão do pacto após notificação do segurado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.027543-4, da Comarca de Blumenau (2ª Vara Cível), em que é apelante Tokio Marine Brasil Seguradora S/A, sendo apelada Leonilda Mogk:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Tokio Marine Brasil Seguradora S/A interpôs recurso de apelação cível, inconformada com a sentença prolatada pelo M.M. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Blumenau, o qual julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c constituição de obrigação de fazer c/c reparação de danos morais c/c consignação em pagamento ajuizada por Leonilda Mogk.
O ilustre magistrado declarou nulas as cláusulas contratuais 9.1.1 das Condições Gerais do Seguro de Vida em Grupo e 20.1 das Condições Gerais de Acidentes Pessoais Coletivos constantes do Manual do Seguro Resi-Vida e, em conseqüência confirmou a decisão interlocutória de fls. 56/58, que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, para o fim de que seja o seguro renovado a partir de 27/07/2003, com a mesma cobertura antes vigente.
Condenou, ainda, a seguradora/ré, ao pagamento das custas e despesas processuais (art. 21, parágrafo único, do CPC), bem como honorários advocatícios, fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), forte no art. 20, § 4º, alíneas "a" a "c", do § 3º do CPC (fl. 116/126).
A seguradora/apelante requereu a reforma da sentença, alegando que, no término do contrato de seguro pactuado com o autor/apelado, optou por não mais renová-lo.
Afirmou não ser sua atitude abusiva ou ilegal, posto ter agido dentro da contratualidade, não estando obrigada legalmente a renovar o contrato da maneira que pretende o autor/segurado.
Asseverou, assim, como o autor pode promover a resilição e contratar com outra seguradora, também pode ela não efetuar a renovação. Desta forma, argumentou, a cláusula permissiva de não renovação é plenamente válida.
Aduziu, com o intuito de facilitar um novo seguro, ofereceu nova proposta. Todavia, não se tratou de imposição, pois deve prevalecer, em matéria contratual, o princípio da autonomia da vontade, já que, ninguém é obrigado a contratar.
Salientou, ainda, não ter a avença securitária duração eterna, porquanto se assim o fosse, estar-se-ia ferindo o princípio da segurança jurídica indispensável nas relações contratuais e sociais.
Por derradeiro, pugnou pela redução da verba honorária, bem como pelo provimento do recurso (fls. 130/146).
Nas contra-razões, o autor/apelado alegou serem insubsistentes as alegações proferidas pela seguradora/apelante, posto contrariarem os desígnios do pacto securitário, bem como a legislação consumerista.
Clamou, também, pela manutenção da vigência contratual nos termos da avença anteriormente pactuada.
Por fim, pleiteou pela manutenção do decisum hostilizado e rechaçou os demais argumentos trazidos à tona na peça recursal (fls. 151/159).
Após, ascenderam os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
II -VOTO:
Trata-se de recurso de apelação cível, interposto com o desiderato de ver reformada a sentença prolatada nos autos da ação declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c constituição de obrigação de fazer c/c reparação de danos morais c/c consignação em pagamento, em que se julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial.
A renovação automática, expressa na apólice securitária, acostada à fl. 25 e seguintes dos autos, deve ser interpretada de forma coerente e lógica.
In casu, o que se discute nos autos, é a validade ou não da rescisão praticada pela seguradora ao término da vigência do contrato de seguro de vida pactuado com o apelado.
O fato de existir cláusula contratual expressa estipulando o dever da seguradora de renovar o aludido contrato automaticamente, não significa dizer que esta renovação deva ocorrer ad eternum, congelando-se os valores e as condições fixadas no primeiro pacto, pois, dessa forma, estar-se-ia onerando excessivamente uma parte contratante em benefício de outra.
É imperioso salientar, contrariamente ao alegado pelo apelado, a apólice não foi rescindida unilateralmente. Na verdade esta deixou de ser renovada devido ao desinteresse da seguradora. Todavia, a não renovação da apólice em nada feriu o pacto previsto, tampouco a legislação consumerista.
O magistrado singular declarou nulas as cláusulas contratuais 9.1.1. das Condições Gerais da Apólice de Seguro de Vida em Grupo e 20.1. das Condições Gerais da Apólice de Seguro de Acidentes Pessoais Coletivos, constantes do manual do seguro Resi-Vida, eis que a obrigação da seguradora, ora apelante, limita-se unicamente a renovar a apólice securitária por um ano, ou seja, por período e valor igual ao anteriormente acordado, diante de prévia notificação do segurado a respeito da sua pretensão de rescindir o contrato avençado.
Senão vejamos:
"Condições Gerais da Apólice de Seguro de Vida em Grupo
9. Vigência da apólice
9.1. O prazo de vigência da apólice é de 1 (um) ano.
9.1.1. A apólice ficará automaticamente renovada ao fim de cada ano de vigência caso não haja expressa desistência da seguradora ou do estipulante até 30 (trinta) dias antes de seu vencimento" (fl. 30 v). (grifou-se)
Adiante:
"Condições Gerais da Apólice de Seguro de Acidentes Pessoais Coletivo
20.1. A renovação desta apólice é automática ao fim de cada período de vigência, salvo se a seguradora ou o estipulante comunicar o desinteresse pela mesma, mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias, anteriores ao seu vencimento" (fl. 34). (grifou-se)
Em que pese o entendimento do nobre togado, não se pode aduzir que a apelante simplesmente negou-se em proceder a renovação do contrato, eis que amparada no próprio pacto securitário, o qual estipulava que esta será automática, como regra, mas no caso de desistência de qualquer das partes, bastaria prévia cientificação, no prazo de 30 (trinta) dias, como levado a efeito (fl. 50).
Ademais, não são abusivas as cláusulas 9.1.1. e 20.1., pois os dispositivos supra não ferem, de modo algum, o art. 51, IV, do CDC, uma vez que, tanto a desistência quanto a renovação do seguro é garantida à seguradora e ao segurado, prevalecendo, assim, a isonomia entre os contratantes, na medida em que ambos podem optar.
Portanto, para efetuar a renovação do contrato de seguro, ambas as partes devem estar de acordo. No caso em tela a apelante, não sendo, por óbvio, obrigada a repactuar, optou por não fazê-lo.
A propósito, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu:
"À seguradora assiste o direito de não mais renovar o contrato, ao término da vigência da apólice. Ainda mais, quando há cláusula contratual expressa nesse sentido. Em assim sendo, o segurado não pode exigir que a avença seja mantida, cabendo-lhe a opção de aderir ou não ao novo contrato oferecido" (ACV n. 70006136188 - Rel. Des. Leo Lima)
Corroborando, extrai-se da Corte de Justiça do Rio de Janeiro:
"Não é nula e nem ofende as disposições consumeristas a cláusula contratual que estabelece normas gerais do seguro em grupo, pactuada entre estipulante e seguradora, a qual permite seja operada a resilição do contrato por manifestação da vontade unilateral. Alegação de desequilíbrio econômico entre o índice máximo de prêmio e a sinistralidade que seria até mesmo desnecessária, pois a resilição independe de motivação e não ofende as disposições ao art. 51 da Lei n. 8.078/90. Notificação extrajudicial comprovada, extinguindo o contrato. Possibilidade. Recurso provido." (ACV n. 2003.00107147 - Rel. Des. Paulo Gustavo Horta)
Portanto, a apelante está isenta da obrigação de renovar automaticamente o contrato de seguro, reservando-se o direito de proceder nova avaliação do risco para, então, firmar novo pacto.
Saliente-se, por fim, relativamente aos contratos de seguro, o legislador inovou quanto a questão da renovação. O novo Código Civil, em seu art. 774, estatuiu: "A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez". Ou seja, não mais se permite a existência de contrato de seguro com cláusula de renovação anual automática, devendo as partes, em querendo, manifestarem, expressamente, a intenção de contratar novamente, até mesmo em respeito ao princípio da autonomia da vontade para contratar.
Neste sentido, Silvio Rodrigues leciona:
"O princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, através da manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade". (Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, 25ª ed., Saraiva: São Paulo, 1997, p. 15)
Destarte, os contratos de seguro fizeram constar em suas cláusulas, de acordo com a legislação consumerista, a possibilidade de resilição por parte de ambos os contratantes (segurado e seguradora). Com o advento do novo Código Civil, tal preceito foi confirmado pelo já citado artigo 774, o qual não permite a renovação automática dos contratos, devendo as partes manifestarem expressamente sua intenção de renová-lo, ou informarem seu desejo de rescindi-lo ao tempo do prazo.
Assim, diante da legislação supramencionada, bem como do disposto nas próprias condições gerais do seguro sub judice, não há que se falar em nulidade das cláusulas 9.1.1. e 20.1. do contrato de seguro firmado, razão pela qual se dá provimento ao apelo, julgando-se improcedentes os pedidos iniciais formulados.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por maioria de votos, dar provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. Invertem-se os ônus sucumbênciais. Vencido o Des. Sérgio Izidoro Heil.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Marcus Túlio Sartorato e Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 17 de junho de 2005.
Wilson Augusto do Nascimento
PRESIDENTE E RELATOR
Declaração de voto vencido do Dr. Sérgio Heil:
1. Trata a espécie de recurso de apelação interposto por Tokio Marine Brasil Seguradora S/A contra sentença proferida no autos de ação ordinária declaratória de nulidade contratual c/c constituição de obrigação de fazer c/c reparação de danos morais c/c consignação em pagamento proposta por Leonida Mogk, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, declarando a nulidade das cláusulas 9.1.1 das condições gerais do seguro de vida em grupo e 20.1 das condições gerais de acidentes pessoais constantes do manual do Seguro RESI-VIDA, condenando-a, ainda, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$600,00 (seiscentos reais).
Antes de proferir o voto, é necessária uma breve retrospectiva dos fatos.
A apelada manteve com a apelante, desde 27/07/2000, contrato de seguro de vida e acidentes pessoais, conjugado com seguro residencial, denominado RESI-VIDA. Ocorre que, em maio de 2003, recebe nova proposta da seguradora aumentando o valor do prêmio e, em contrapartida, diminuindo drasticamente algumas coberturas. Posteriormente, a seguradora rescindiu o contrato, com base nas cláusulas 9.1.1 das condições gerais do seguro de vida em grupo e 20.1 das condições gerais de acidentes pessoais constantes do manual do Seguro.
Sentido-se lesada, a apelada propôs a demanda em exame, sobrevindo a decisão apelada.
Feita esta breve síntese, peço vênia para dissentir da douta maioria, porquanto, a meu ver, as cláusulas declaradas nulas pela decisão de primeiro grau, assim como a rescisão contratual imposta pela apelante, vão de encontro aos princípios norteadores das relações de consumo, sobretudo a boa-fé contratual.
Vejamos: a seguradora seduz o consumidor para aderir ao contrato de seguro, certamente oferecendo vantagens e coberturas atrativas. Esse consumidor paga pontualmente o prêmio do seguro durante quase três anos, quando então, às vésperas da renovação automática do pacto, recebe proposta da seguradora aumentando o valor do prêmio (de R$42,41 para R$104,02), diminuindo e suprimindo algumas coberturas. Ato contínuo o contrato foi resolvido.
Dispõem as cláusulas impugnadas:
"9.1.1. A apólice ficará automaticamente renovada ao fim de cada ano de vigência caso não haja expressa desistência da seguradora ou do estipulante até 30 (trinta) dias antes de seu vencimento"
"21.1. A renovação desta é automática ao fim de cada período de vigência, salvo se a seguradora ou o estipulante comunicar o desinteresse pela mesma, mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias, anteriores ao seu vencimento."
Com efeito, não obstante a autonomia contratual mereça ser respeitada, sabe-se que em virtude da massificação dos contratos, principalmente a partir da última década do século XX, vem ela sendo mitigada em consagração, sobretudo, da função social dos contratos e também da boa-fé objetiva.
Ademais, não é demasiado lembrar ser direito básico do consumidor, conforme dispõe o art. 6º, inciso IV, do CDC, "a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços".
Nessa esteira, não pode prevalecer a odiosa prática perpetrada pela apelante que, depois de o apelado pagar pontualmente todas as suas obrigações tem sua confiança traída pela seguradora que, no momento da renovação do contrato impôs duas alternativas: aderir a um plano mais oneroso e menos vantajoso ou resolver o negócio.
Aliás, esse é o entendimento recém esposado pela Terceira Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 602397/RS, em notícia veiculada pelo site daquela Corte no dia 24/06/2005:
Cláusulas contratuais que autorizam as seguradoras a romper, unilateralmente, contratos de seguro de saúde são passíveis de anulação. Esse entendimento levou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a prover recurso interposto contra a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que havia reconhecido a legalidade da rescisão unilateral, feita pela Sul América Aetna Seguros e Previdência, de um contrato de seguro de saúde em grupo firmado com a empresa DNMS Factoring.
No recurso interposto no STJ, a DNMS alegou ser abusiva a cláusula do contrato firmado com a Sul América que permitia a rescisão do seguro de saúde sem sua concordância, mediante simples notificação prévia. A empresa argumentou que o ato da seguradora viola uma série de dispositivos legais, entre os quais a Lei nº 9.656/98, que trata dos planos e seguros privados de assistência à saúde, e o Código de Defesa do Consumidor.
No voto proferido no julgamento do caso, o relator do recurso, ministro Castro Filho, ressaltou que, para manter a confiança dos consumidores de planos e seguros de saúde e resguardá-los de abusos, a Lei nº 9.656/98 proíbe as empresas seguradoras de rescindir os contratos de maneira unilateral, com exceção dos casos de fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, por ano de contrato.
O ministro ressaltou que, mesmo que esse dispositivo legal não existisse, a cláusula do contrato firmado entre a Sul América e a DMNS é "claramente nula" porque fere o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que traz vantagem exagerada à seguradora em detrimento do segurado, além de ser contrária ao objetivo desse tipo de contrato que é exatamente o de proteger o contratado contra eventuais doenças.
O relator cita, em seu voto, doutrina segundo a qual é obrigatória a renovação de contratos dessa natureza após seu vencimento. 'Não assiste à operadora a simples recusa em continuar o contrato. Aliás, uma vez celebrado um primeiro contrato, nem mais caberia renovação, ou nem precisaria colocar nele um prazo de duração. Unicamente ao associado ou segurado reconhece-se o direito de continuar na contratação. (...) Um entendimento diferente pode levar as seguradoras a fixar prazos inferiores ao próprio período de carência, com a rescisão mesmo antes de o consumidor iniciar a usufruir de todos os benefícios.'
Na decisão que proveu o recurso especial da DNMS, os ministros da Terceira Turma reconheceram a nulidade da cláusula que autorizava a rescisão unilateral. A votação favorável ao recurso foi unânime" (http://www.stj.gov.br/webstj/noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=14388).
Por essas razões, sou pela manutenção da decisão apelada.
Florianópolis, 28 de junho de 2005
Sérgio Izidoro Heil
Juiz de Direito Substituto de 2º Grau
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