Acórdão: Apelação Cível n. 2006.004609-7, de Balneário Camboriú.
Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil.
Data da decisão: 02.10.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 321, edição de 30.10.2007, p. 215.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. FEITO JULGADO IMPROCEDENTE POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. PREJUDICIAL AO MÉRITO INEXISTENTE. SENTENÇA ANULADA. PROCESSO QUE SE ENCONTRA APTO PARA JULGAMENTO POR ESTE ÓRGÃO AD QUEM. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INSURGÊNCIA PARA ACRESCENTAR SOBRENOMES PATERNOS E MATERNOS QUE FORAM SUPRIMIDOS QUANDO A AUTORA CONTRAIU NOVO MATRIMÔNIO NO EXTERIOR. PRINCÍPIO LOCUS REGIT ACTUM. RETIFICAÇÃO DO TRASLADO DO ATO CIVIL PRATICADO NO ESTRANGEIRO. ATO DE MERA TRANSCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.004609-7, da comarca de Balneário Camboriú (Vara da F. Púb., E. Fisc., A. do Trab. e Reg. Púb.), em que é apelante o Representante do Ministério Público:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por unanimidade votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para anular a sentença de fl. 35 e, com base no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgar improcedente os pedidos deduzidos na inicial. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta pelo representante do Ministério Público contra sentença exarada pela Magistrada da Vara da Fazenda Pública, Execução Fiscal, Acidente do Trabalho e Registro Público da comarca de Balneário Camboriú, a qual julgou improcedente o pedido inicial feito por Inês Seberino na ação de retificação de registro civil n. 005.05.003963-0, por meio da qual o apelante busca a alteração do registro civil do nome da autora.
Argumenta o apelante, em síntese, que: a autora deseja acrescer ao seu nome de casada, o sobrenome paterno e materno, que foram suprimidos ao tempo que contraiu novo casamento; na época que contraiu matrimônio possuía a faculdade de acrescentar o sobrenome do marido, sem, contudo, abdicar do sobrenome de seus pais (parágrafo único, do art. 240 do CC/16, vigente à época dos fatos). Por fim, requereu o provimento do recurso.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do eminente Procurador Tycho Brahe Fernandes, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 55/58).
Os autos ascenderam a esta Corte.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
Irresignado com a prestação jurisdicional entregue pela Magistrada a quo da Vara da Fazenda Pública, Execução Fiscal, Acidente do Trabalho e Registro Público da comarca de Balneário Camboriú, que, nos autos da ação de retificação de registro civil, extinguiu o feito sem julgamento do mérito, o Representante do Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação cível, pugnando por sua reforma a fim de julgar a actio procedente (fls. 39/45).
O juízo de primeiro grau considerou que não houve interesse de agir, assim, julgou o processo extinto sem julgamento do mérito (art. 267, VI, do CPC), eis que bastaria para a atualização e uniformização dos documentos da autora a simples apresentação da certidão de casamento ocorrida no exterior (fl. 35).
Entretanto, visou o pedido da autora o acréscimo ao seu nome de casada o sobrenome de seus pais, que foram suprimidos à época de seu casamento. Verifica-se, então, que a sentença laborou em erro ao declarar a falta de interesse de agir, visto não ter ele ocorrido.
Como cediço, "existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático" (Nelson Nery Junior. Código de Processo Civil Comentado. 9ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 436), o que é o caso dos autos, uma vez que a pretendida reinclusão ao seu nome atual dos sobrenome familiar só poderá ser realizada via judicial.
Assim sendo, merece ser anulada a sentença de 1º grau, a fim de ser analisado pleito formulado pela autora, análise esta que poderá ser feita por esta Corte de Justiça, conforme disciplina o § 3º do art. 515 do CPC, uma vez que o feito se encontra apto a julgamento, in verbis:
"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. Dessa forma reconhecido o interesse de agir, aplica-se o art. 515, §3º, do Código de Processo Civil".
Inicialmente, necessário se faz a realização de um breve relato dos fatos. A autora, ao nascer, foi registrada como Inês Alves da Fonseca (fls. 07), em 11/01/1969 casou-se pela primeira vez com Manoel Fernandes, passando a assinar como Inês Alves Fernandes (fls. 07, v.). Após o suposto divórcio, a autora afirma ter casado em Santa Ana, Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, perante o oficial Gary L. Granvile e, na sua certidão de casamento registrada no Brasil consta o nome que adotou após o casamento, sendo Inês Seberino, restou excluídos o sobrenome de seus pais (fl. 11). Ocorre que ao voltar ao Brasil a autora deseja atualizar e acrescentar os apelidos de família aos seus documentos, eis que estes encontram-se com nomes diversos, conforme documentos de fls. 08, 09 e 10.
Assim observa-se que ao caso em tela deverá ser aplicado o princípio locus regit actum, referido no art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil, por se tratar de matrimônio contraído em país do exterior, perante autoridade estrangeira (fl. 11),senão vejamos o supra artigo:
Art. 13 - A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
Salienta-se, que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.544, apenas limitou o prazo para o registro de casamento de brasileiros no exterior e, não afastou a aplicação dos arts. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil e o 32 da Lei de Registros Públicos limitou o prazo para o seu registro no Brasil.
Como ensina a doutrina de Walter Ceniviva, comentando o art. 32 da Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), "A Lei do lugar em que foram feitos os assentos regula os elementos formais, não cabendo o exame intrínseco do ato", bem como: "A trasladação, como é do sentido gramatical da palavra, se fará nos termos em que se lançou o assentamento original, ainda quando diversos do exigido pela Lei Brasileira". (Lei dos Registros Públicos Comentada, 8ª ed., São Paulo: Saraiva. p. 63 e 64).
É cediço que a transcrição da certidão de matrimônio contraída no exterior tem a função de fazer gerar os efeitos legais do registro realizado no Brasil e, sendo este a tradução fiel do ato solene lá ocorrido. In casu, como bem ponderou o ilustre Procurador:
"Para que a autora beneficiária do apelo pudesse ter sucesso em sua pretensão deveria comprovar qu a legislação do país no qual celebrou seu casamento impediam que ela adotasse os apelidos de família do marido, como de fato ocorreu, ônus que não se desincumbiu.
[...]
A par disso, a prova existente nos autos não é segura a autorizar a retificação pretendida, sendo que, à guisa de exemplo, apontou as seguintes lacunas que devem ser preenchidas antes da apreciação da postulação: no assento de nascimento de fl. 17 consta a averbação de uma casamento que, ao que tudo indica, já restou dissolvido, não havendo, porém, a averbação de eventual divórcio e de novo casamento; no documento de fl. 11 consta que a autora é divorciada, não havendo nos autos esclarecimentos acerca de onde se deu esse divórcio, caso ocorrido no exterior, se foi devidamente registrado no Brasil; ainda em relação ao documento de fl. 11, não há uma explanação da razão de ter sido registrado o casamento realizado no estrangeiro na cidade de Natal-RN, quando a autora afirma que dos EUA passou a residir em Santa Catarina".
Dessa forma, a retificação na forma pretendida na exordial, deve ser requerida no país onde foi realizado o casamento, eis que o casamento subordinou-se às leis do local em que foi realizado, uma vez que não foi tomado pelo Cônsul brasileiro, aplicando-se os preceitos do art. 32 da Lei de Registros Públicos.
O nosso Tribunal de Justiça já se posicionou a respeito, senão vejamos:
"REGISTRO PÚBLICO - CASAMENTO REALIZADO ENTRE BRASILEIRA E ITALIANO NA ITÁLIA - INSERÇÃO DO SOBRENOME DO MARIDO AO DA MULHER - IMPOSSIBILIDADE PELA LEGISLAÇÃO ITALIANA - TRANSCRIÇÃO DO ATO NUPCIAL COM INSERÇÃO DO SOBRENOME DO CÔNJUGE ITALIANO - IMPROCEDÊNCIA - PRINCÍPIO DO LOCUS REGIT ACTUM - RETIFICAÇÃO DO TRASLADO DO ATO CIVIL PRATICADO NO ESTRANGEIRO - ATO QUE NÃO PODE SER OBJETO DE QUALQUER INSERÇÃO OU SUPRIMENTO - PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA - PROVIMENTO NEGADO.
A legislação concernente às relações privadas da pessoa natural é única - locus regit actum -, objetivando assegurar à pessoa e à sociedade, segurança e estabilidade através de um mesmo sistema jurídico.
Não se insere, no Brasil, o sobrenome de cônjuge italiano ao nome de brasileira, após casamento realizado na Itália porque o direito peninsular - que regulou o ato jurídico -, não permite a inserção do nome de um cônjuge ao nome do outro nubente.
O traslado é o ato registral por meio do qual é transcrito em livro cartorário competente o inteiro teor de documento original, em língua portuguesa, não podendo referido ato inserir quaisquer anotações, registros ou averbações não constantes do documento original". (AC n. 2002.018547-2, de Criciúma, rel. Des. Monteiro Rocha, j. Em 12.09.2003)
Nesse mesmo sentido é o entendimento da egrégia corte de Minas Gerais:
"Registro público. Casamento no exterior. Brasileiros. Assento. Transcrição. Eficácia. Certidão. Retificação. Dados. Acréscimo. Inviabilidade. O traslado, no cartório de registro civil nacional competente, do assento de casamento de brasileiros, contraído no exterior, perante autoridade estrangeira, destina-se a dar-lhe eficácia no Brasil, sendo inviável o acréscimo de dados não existentes no ato originário, porque submetido ao princípio "locus regit actum". Nega-se provimento ao recurso". (AC N. 1.0024.04.449963-0/001, de Belo Horizonte, rel. Des. Almeida Melo, j. em 17/03/2005)
Ante ao exposto, dá-se provimento ao recurso, anulando-se a sentença de fl. 35, e, com base no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julga-se improcedente os pedidos deduzidos na inicial, condenando a autora ao pagamento das custas processuais.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade de votos, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, anulando-se a sentença de fl. 35, e, com base no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgou improcedente os pedidos deduzidos na inicial, condenando a autora ao pagamento das custas processuais.
O julgamento, realizado no dia 02 de outubro de 2007, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 02 de outubro de 2007
Sérgio Izidoro Heil (cooperador)
RELATOR
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