USUCAPIÃO. REQUISITOS. SOMA DE POSSES. Posse vintenária não demonstrada. Pretensão de acessio possessiones. Necessidade de prova escorreita de seu tempo e qualidade. Art. 552, CC/1916. Prova testemunhal que não aponta para o exercício e tempo de posse dos cedentes. Ausência de prova da posse mansa e pacífica, ininterrupta e ânimo de dono, pelo período superior a vinte anos. Requisitos do art. 550, do CC/1916 não implementados. Ônus do autor. Art. 333, I, do CPC. Negaram provimento.
Apelação Cível
Décima Nona Câmara Cível
Nº 70022022107
Comarca de Porto Alegre
NARCISA LUCATELLI THEODORO
APELANTE
IVO JAIME FREIBERGER E OUTROS
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. José Francisco Pellegrini (Presidente e Revisor) e Dr.ª Denise Oliveira Cezar.
Porto Alegre, 08 de abril de 2008.
DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior (RELATOR)
Trata-se de apelação interposta por NARCISA LUZCATELLI THEODORO, inconformada com a sentença prolatada nos autos da AÇÃO DE USUCAPIÃO ajuizada contra IVO JAIME FREIBERGER E OUTROS.
Segundo a inicial, a autora é possuidora de imóvel situado na Vila Bom Jesus, rua Dr. Murtinho, 431, em Porto Alegre. Disse que tem a posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, adquirida de Pedro Cláudio da Silva e Jurema Soares dos Santos, que o utilizaram para sua moradia por mais de vinte anos. Pediram a declaração de domínio sobre o imóvel descrito na inicial.
Inexitosa a citação daqueles em nome de quem está registrado o imóvel.
A autora, diante da citação sem êxito, disse que o imóvel está situado dentro de um todo maior, e que havia irregularidades no loteamento original, sendo que em 1976 este foi alvo de decreto municipal, que reservava a área para implantação de praça, mas que em 1995 a reserva foi suprimida, já que a área foi ocupada. Pediu a citação por edital.
Nomeado curador.
Os réus Ivo e Edgar, alegaram na contestação que a autora conhecia o endereço dos demandados e que agiu com má fé ao requerer a citação por edital. Afirmaram que a autora nunca pagou qualquer imposto relativo ao imóvel, que eram pagos por eles, réus; que o réu Edgar manteve contrato de locação com Valmir José Fernandes, que ocupou o imóvel até 1998, ocupando não somente o nº 397, mas também o 429. Ressaltaram que área objeto do litígio é maior do que a permitida para ser usucapida pelo usucapião constitucional. Pediram que a ação fosse julgada improcedente.
O réu Carmelo Scabia continuou sendo representado pelo curador.
Houve produção de prova oral.
A Dra. Juíza de Direito julgou improcedente o pedido. Entendeu a Magistrada que não houve prova da soma de posses da autora com seu antecessor, mostrando-se insuficiente o prazo de posse da demandante para o reconhecimento da usucapião extraordinária.
A autora, nas razões de apelo, assevera o total desinteresse dos réus pela área, que permitiu o apossamento de lotes, área ocupada por pessoas humildes, que não têm onde residir. Disse que em razão do decreto municipal que reservava a área para construção de praça, os proprietários por ela se desinteressaram, o que acarretou na sua invasão.
Salientou que restou comprovada a soma de posses. Enfatizou que o documento de fl. 10, termo de cessão e transferência de posses, não foi impugnado e que as testemunhas mencionam ter conhecido o cedente, que ali morou por mais de vinte anos. Pediu a reforma da sentença.
Dispensada do preparo, em razão da gratuidade judiciária com a qual litiga, fl. 14, a apelação foi recebida, fl. 296. Juntadas as contra-razões, fls. 298/303, subiram os autos.
Com o parecer do Ministério Público pelo improvimento da apelação, fls. 306/308, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior (RELATOR)
Como se viu do relatório, a apelante ajuizou a presente ação, objetivando a declaração de domínio, pela prescrição aquisitiva, sobre o imóvel descrito na petição inicial, fundamentando o seu pedido na soma da sua posse com a de seu antecessor, como demonstra o documento de fl. 10. Além disso, disse que a posse sempre foi exercida de forma mansa e pacífica, ininterrupta e com ânimo de dono.
Os artigos 496, segunda parte, e 552, ambos do Código Civil de 1916, incidente na espécie, permitem ao sucessor singular unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais, como é o caso dos autos, no caso para o fim legal de usucapir o imóvel descrito na petição inicial.
Todavia, a posse, por ser fato, não se prova apenas com documentos, há que se produzir outras provas, em especial a testemunhal e pericial, para esclarecer os fatos alegados pelas partes.
Verifica-se que a autora, ora apelante, trouxe aos autos, fl. 10, a cessão de direitos possessórios, que fundamenta o seu pedido, firmada em 31 de maio de 2001, por Pedro Cláudio da Silva na condição de cedente para a autora, cessionária.
Esta, contudo, é prova frágil, sendo necessária a produção de outras que pudessem demonstrar, de forma irretocável, os requisitos da usucapião, em especial, no caso dos autos, o tempo de posse do antecessor da apelante, de forma qualificada.
Todavia, a posse qualificada do anterior possuidor não veio demonstrada nos autos.
Conforme a prova testemunhal:
Júlio Chaves Lencina, fl. 201:
"J: Quando ela foi morar lá já havia alguma casa construída no terreno? T: Não, tinha o pátio eu acho. J: Só o pátio? Era um terreno limpo? T: Era um terreno limpo, mas isso também que eles construíram. J: Mas antes morou alguém? T: Antes dela acho que tinha morador. J: O Senhor conheceu o morador? T: Não."
Maria de Lourdes da Silva, fl. 205:
"J: A senhora conheceu a dona Narcisa onde? T: Dali mesmo. J: Ela morava nesse local? T: Sim. : Ela foi morar antes da senhora ou depois da senhora? T: Depois um pouco. J: E um morador que havia antes a senhora conheceu? T: Conheci. J: Como se chamava? T: Eu não lembro, era um senhor baixinho. J: A senhora não lembra? T: Não. J: Se eu lhe der uns nomes a senhora pode relacionar com a pessoa? T: é difícil. J: Pedro? Volmir? T: Era um baixinho, barrigudinho. J: E a senhora sabe se ele era dono, se ele era locatário? T: Não sei nada.(...) PA: A senhora conheceu o Claúdio que era sapateiro? T: Eu conheci ele. PA: O Cláudio morava onde? T: Ele morava por ali também. PA: A senhora não sabe se era ali no terreno da dona Narcisa? T: Logo que eu fui para ali eu via ele ali. (....) PA: A senhora não pode dizer que ele morava no terreno? T: Não."
Jorge Alberto Nunes da Silva, fl. 210:
"J: O senhor sabe quem era o anterior morador daquele terreno? T: Parece que era Cláudio. J: Podia ser Pedro Cláudio? T: Acho que é. J: E essa pessoa morou ali quanto tempo? T: Que eu saiba ele já tava ali há uns quinze anos. J: É o Pedro Cláudio? T: Esse. Sei que era Cláudio o nome. (...) J: O senhor mora há quanto tempo mesmo? T: Há cinco anos. (...) J: Mas se o senhor mora há cinco anos, como é que o senhor conheceu o Cláudio? T: Mas eu conhecia ele dali. Quando eu fui para ali ele tava saindo. J: Como é que o senhor sabe que ele morou uns quinze anos ali? T: como eu lhe disse, eu ouvi dizer."
Ângela Maria Rocha de Farias, fl. 215:
"J: Então a dona Narcisa já está morando lá há sete anos? T: Exatamente. Ela já morava lá quando eu fui..(.)J:Pedro Cláudio da Silva, a senhora conhece T: Não."
A autora requereu a inquirição de Pedro Cláudio da Silva, cedente, fl. 249, que compareceria, independente de intimação, o qual não compareceu à audiência, fl. 255.
Desta forma o exercício da posse do antecessor da apelante, não restou comprovado. Nem mesmo a autora tinha conhecimento da posse do seu antecessor.
Conforme seu próprio depoimento, fl. 194:
"J:Esse Pedro Cláudio da Silva, a senhora conheceu quando? D: Eu não cheguei a conhecê-lo. Segundo me contaram ele estaria ali desde 86,87, por ali. J: Quem lhe falou que ele estaria? D: O César, meu filho, que foi ele que comprou prá mim. (..) J: A senhora conversou com a vizinhança a respeito do imóvel depois que a senhora comprou (...) para saber a respeito da posse que ele vinha ocupando há mais tempo? (..) Eu perguntei pro César e o César disse: "Mãe ele tá desde 86,87 no lugar que a gente vai comprar agora." J: Mas algum vizinho também, a senhora chegou a conversar com algum vizinho prá saber a respeito disso? D: Não."
Portanto, a prova oral não aponta para o exercício da posse mansa e pacífica, sem interrupção, com ânimo de dono, do cedente.
Cumpre salientar, que para ser possível a soma das posses, como pretende a apelante, é necessário que as posses dos seus antecedentes sejam efetivamente demonstradas, pois a posse que se soma é transmitida com os mesmos caracteres daquele que é sucedido (art. 495, do CC/1916), ou seja, para o caso dos autos, deveria a apelante, além de provar o tempo de posse, demonstrar que o exercício da posse ocorreu de forma mansa e pacífica, com ânimo de dono e sem interrupção, nos exatos termos do art. 550, do CC/1916, o que não veio demonstrado nos autos, ônus que incumbia à recorrente, como dispõe o art. 333, I, do Código de Processo Civil.
Nesse mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial desta Corte, como são exemplos os acórdãos, cujas ementas abaixo são transcritas:
AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ACESSÃO DE POSSES. Não havendo prova suficiente da posse do transmitente, resta improcedente o pedido que pretende implementar o prazo prescricional com a sua soma. Irregularidade no patrocínio da causa. Apelação desprovida. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599341989, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. WILSON CARLOS RODYCZ, JULGADO EM 06/04/00).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PERÍODO AQUISITIVO. SOMA DE POSSES. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À POSSE ANTERIOR. Havendo soma de posses, é dever da prescribente demonstrar que a posse anterior a ser somada possuía os mesmos requisitos que a lei exige e que ela diz ter, quais sejam, posse mansa, pacífica e com ânimo de dona. Apelação improvida. (Apelação Cível Nº 70020158606, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 04/12/2007)
Desta forma, a apelante apenas demonstrou exercer posse no local desde maio de 2001, quando firmou o documento de fl. 10. Este lapso temporal não é suficiente para o fim de declarar o domínio em seu favor.
Assim, correta a sentença que julgou improcedente a presente ação.
Do exposto, nega-se provimento ao apelo.
Des. José Francisco Pellegrini (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
Dr.ª Denise Oliveira Cezar - De acordo.
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI - Presidente - Apelação Cível nº 70022022107, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME"
Julgador(a) de 1º Grau: DRA ANA BEATRIZ ISER
Precisa estar logado para fazer comentários.