Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - COMODATO - ATOS DE MERA TOLERÂNCIA - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI VERIFICADA - ARTIGO 1.208 DO NCC CORRESPONDENTE AO ARTIGO 497 DO CC/1916 - PEDIDO IMPROCEDENTE - RECURSO NÃO PROVIDO.- A posse que conduz à usucapião deve ser exercida por certo tempo com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e ininterruptamente.- Preleciona o artigo 579 do Código Civil que comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. - Os atos de mera detenção ou tolerância não induzem posse, conforme preleciona o artigo 1.208 do Código Civil/2002, cuja correspondência no Código Civil de 1916 é o artigo 497.- Recurso não provido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0471.03.005494-7/001 - COMARCA DE PARÁ DE MINAS - APELANTE(S): DALMI LOPES ASSUNÇÃO ESPÓLIO DE, BRENO ABREU DE ASSUNÇÃO E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): JAIR ASSUNÇÃO E OUTRO(A)(S) - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 24 de janeiro de 2008.
DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Relatora
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
A SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO:
VOTO
Dalmi Assunção Lopes ajuizou ação de Usucapião Extraordinário de Imóvel Urbano, alegando, em síntese, que desde 1965 tem a posse mansa, pacífica e ininterrupta de um imóvel constituído de um terreno urbano com duas construções, sendo uma casa residencial e um barracão, com ânimo de dono.
Alegou que até hoje reside no imóvel; que sempre realizou a conservação do imóvel e pagou todos os impostos devidos; que realizou consertos e obras de reparação; que nunca recebeu qualquer reembolso pelos gastos realizados; que possuiu e conservou o imóvel por 38 anos seguidos, como seu; que nunca houve qualquer oposição à sua posse; que inexiste qualquer contrato locatício ou pacto verbal de comodato.
Ao final o autor pediu a procedência do pedido, para que seja declarado o seu domínio sobre o imóvel usucapiendo e a condenação de eventuais contestantes nos ônus da sucumbência. Pugnou pela concessão de justiça gratuita. Juntou documentos às f. 14/62
Regularmente citado, Jair Assunção e sua mulher Luzia Poeiras Assunção, apresentaram contestação à f. 66/90, alegando, em síntese que o imóvel usucapiendo foi cedido ao autor mediante comodato; que a família do réu continuou usufruindo do imóvel nas férias escolares dos filhos; que eles sempre suportaram as despesas de reparos e tributos incidentes sobre o imóvel; que a posse do autor era precária, decorrente de comodato; que a posse do autor não foi contínua, vez que o autor morou em outros endereços; que a posse não foi exercida com ânimo de dono; que o autor morava no imóvel para dele cuidar para os réus. Pediram a improcedência do pedido, com as cominações legais. Juntaram documentos às f. 91/197.
À f. 275/289, foram juntados petição e documentos comunicando o falecimento do autor e requerendo a habilitação dos filhos e herdeiros dele, Breno Abreu Assunção, Flávia Abreu Assunção e Paula Abreu Assunção, que no ato requereram o benefício da assistência judiciária.
Os réus, às f. 290/291, atendendo despacho de f. 289-v, concordaram com a habilitação dos herdeiros, mas pediram o indeferimento do pedido de assistência judiciária.
Os habilitantes juntaram documentos comprobatórios de rendimentos às f. 293/323.
Na audiência de instrução e julgamento realizada conforme termo de f. 381/395, foi colhido depoimento de sete testemunhas arroladas pelas partes.
As partes apresentaram memorial às f. 299/304 (autores) e às f. 305/317, ratificando as alegações expendidas nos autos.
O Ministério Público em Parecer de f. 336/343, opinou pela improcedência do pedido ante a precariedade da posse exercida pelo autor, ora falecido, em razão da existência do comodato verbal o que foi inquestionavelmente corroborado pela prova testemunhal.
Na sentença de f. 360/364, a MM. Juíza, preliminarmente, rejeitou a impugnação à justiça gratuita feita no curso dos autos, por inábil, e deferiu a justiça gratuita aos autores. No mérito julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.
Constou do dispositivo da sentença:
"Julgo improcedentes os pedidos da inicial, condenando os autores ao pagamento das custas do processo e dos honorários dos advogados dos réus, ora arbitrados em R$ 850,00 (oitocentos e cinqüenta reais), suspendendo a exigibilidade dos encargos da sucumbência, nos termos do artigo 12 da Lei 1.060/50, face à gratuidade judiciária que ora lhes é deferida.
Transitada em julgado esta decisão, dê-se baixa e arquivem-se os autos independentemente de conclusão".
Breno Abreu de Assunção e outras, como sucessores do falecido autor Dalmi Assunção Lopes, inconformados, aviaram o recurso de apelação às f. 366/375, reprisando as alegações contidas na exordial, alegando, em síntese: que a posse do autor não era precária, tampouco descontínua; que o tempo da posse ultrapassou os prazos da preclusão aquisitiva seja no Código de 1916, seja no Novo Código Civil de 2002; que o autor, por 38 anos ininterruptos, fez do imóvel a sua moradia habitual; que o autor manteve o imóvel, conservando-o e explorando-o como se próprio fosse, com evidente ânimo de dono.
Ao final, pediram a reforma da sentença recorrida para que seja reconhecida a prescrição aquisitiva do imóvel usucapiendo.
Intimados, os réus apresentaram contra-razões às f. 380/389, requerendo o não provimento do recurso e a manutenção da sentença hostilizada.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça consta à f. 336.
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.
PRELIMINARES
Não foram argüidas preliminares no presente recurso.
MÉRITO
Dalmi Assunção Lopes ajuizou ação de Usucapião Extraordinário de Imóvel Urbano, alegando, em síntese, que desde 1965 tem a posse mansa, pacífica e ininterrupta de um imóvel constituído de um terreno urbano com duas construções, sendo uma casa residencial e um barracão, com ânimo de dono. Pediu a declaração de domínio.
Na sentença de f. 360/364, a MM. Juíza, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.
Breno Abreu de Assunção e outras, como sucessores do falecido autor, Dalmi Assunção Lopes, inconformados aviaram o recurso de apelação às f. 366/375, alegando, em síntese: que a posse do autor não era precária, tampouco descontínua; que o tempo da posse ultrapassou os prazos da preclusão aquisitiva seja no Código de 1916, seja no Novo Código Civil de 2002; que o autor por 38 anos ininterruptos, fez do imóvel a sua moradia habitual; que o autor manteve o imóvel, conservando-o e explorando-o como se próprio fosse, com evidente ânimo de dono. Pediram a reforma da sentença recorrida para que seja reconhecida a prescrição aquisitiva do imóvel usucapiendo.
Não assiste razão ao espólio apelante.
No caso, trata-se de ação de Usucapião Extraordinário de imóvel urbano.
Inicialmente, necessário se faça uma breve análise do instituto jurídico do Usucapião e, para tal mister valho-me dos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:
"Daí podermos reportar-nos aos civilistas como LAFAYETTE, BEVILÁQUA, ESPÍNOLA, MAZEAUD ET MAZEAUD, DE PAGE, enunciar uma noção: Usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de alterar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada." (Instituições de Direito Civil, 5ª ed., Ed. Forense, 1.984, v. IV, p. 109/112).
Isto é o que prevê o artigo 550 do Código Civil/1916:
"Art. 550 - Aquele que, por vinte anos, sem interrupções, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título e boa-fé que, tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título de transcrição no Registro de Imóvel."
Humberto Teodoro Júnior discorre sobre os requisitos necessários e imprescindíveis à aquisição da propriedade por Usucapião na obra, Curso Avançado de Processo Civil - Luiz Rodrigues Wambier e outros - 3ª edição - 2000 - RT):
"Segundo a clássica conceituação de Modestino, usucapião é o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada, durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei." (Curso Avançado de Processo Civil - Luiz Rodrigues Wambier e outros - 3ª edição - 2000 - RT):
Esse mesmo autor, discorrendo sobre os requisitos gerais da Usucapião, explica que, para se adquirir o domínio, deve haver a conjugação de três elementos fundamentais, que são a posse, o tempo e a coisa hábil.
Ressalte-se que é indispensável a concomitância soma dos mencionados requisitos para que seja alcançada a pretensão do Usucapião urbano, sendo que ausente qualquer deles, a pretensão torna-se impossível.
Para que referida ação tenha êxito, ao autor incumbe provar: a posse mansa, pacífica e ininterrupta e com ânimo de dono, e o lapso de tempo de exigido pelo Código Civil.
A posse ad usucapionem deve ser pacífica, ininterrupta e com intenção de dono.
Nesse sentido:
"A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono, com animus domini. Este requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade. De início, afasta-se a mera detenção, pois não se confunde ela com a posse, uma vez que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui igualmente, toda posse que não se faça acompanhar da intenção de ter a coisa para si, como por exemplo a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, que, tendo embora o ius possidendi, que os habilita a invocar os interditos para defesa de sua situação de possuidores contra terceiros e até contra o possuidor indireto, não têm nem podem ter a faculdade de usucapir." (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil - Direitos reais, 18. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. 4, p. 140).
No caso, às f. 02 o autor alegou, para ter êxito na ação, que:
"desde o final de 1.965, mantém, mansa, pacífica e ininterruptamente, a posse do imóvel residencial representado pela casa localizada na Praça Francisco Valadares, 187, Bairro Lourdes, nesta cidade de Pará de Minas, onde juntamente com terrenos e construções adjacentes que integram o mesmo imóvel estabeleceu a sua moradia habitual"
Acerca do ônus da prova leciona Benedito Silvério Ribeiro na obra Tratado de Usucapião:
"Na ação de Usucapião, em especial, por servir a sentença de título de propriedade, para a perfecção dominial, é mister que os requisitos básicos e indispensáveis estejam comprovados suficientemente, no referente à posse qualificada para tanto (contínua, ininterrupta, mansa e pacífica, incontestada, etc...) e ao tempo estabelecido em lei. (...)" (Obra citada, volume II, Editora Saraiva, 1992, p. 1260)
Ainda o mesmo autor:
"Mas, volvendo à lição de Ihering, não basta o ânimo ou vontade de ter a coisa como dono, pois é indispensável que ele resulte da causa possessionis (do título pelo qual se exerce a posse): se esta se iniciou de uma ocupação, violenta ou pacífica, existirá ânimo; mas, se ela começou em razão de um contrato (locação, comodato etc.), que leva ao reconhecimento de alguém como dono, não existirá."
Assim, para que seja declarada a prescrição aquisitiva os requisitos legais devem ser comprovados suficientemente, ou seja, de forma inequívoca. In casu, entendo que o contexto probatório não demonstra de forma inequívoca os requisitos para a declaração da Usucapião.
No caso, a prova testemunhal revelou que a ocupação do autor foi por consentimento, comodato verbal. Vejamos os depoimentos a seguir transcritos.
A testemunha Benedita de São José Dalarin Silva às f. 382, inquirida declarou o seguinte:
"que conhece o imóvel usucapiendo no qual a depoente residiu de 1958 a 1962; que o imóvel lhe foi cedido por Jair Assunção gratuitamente; que além disso Jair continuou arcando com o pagamento de impostos e despesas de energia elétrica e água; que além da depoente ali residiram anteriormente, e também de favor, José Raimundo Assunção e depois da depoente o Sr. Dalmi Assunção; que Dalmi não residiu ininterruptamente pois morou e trabalhou em São Paulo mais de um ano quando se separou da esposa; que todos os móveis e equipamentos domésticos pertenciam a Jair Assunção e a depoente os devolveu juntamente com o imóvel quando se mudou; que Jair Assunção, sua mulher e filhos continuaram vindo a Pará de Minas nas férias e ficaram na casa, sendo que a depoente ajudava dona Luzia com os serviços domésticos e também a cuidar das crianças; que quando Dalmi passou a residir ali Jair e sua família continuaram passando férias no imóvel usucapiendo; que a depoente acredita que Dalmi continuou utilizando os móveis e equipamentos domésticos pertencentes a Jair. Grifei.
Bastante elucidativo o depoimento da testemunha Yukio Sakurada inquirida às f. 239:
"O depoente tem conhecimento que o requerido Jair assunção cedeu verbalmente e gratuitamente o imóvel objeto da ação para o autor, na década de 60. O proprietário Jair nunca cobrou aluguel. O depoente esteve no imóvel em uma oportunidade na década de 80, e na ocasião o imóvel encontrava-se ocupado pelo autor Dalmi. Dalmi desocupou o imóvel na década de 70, tendo indo morar na cidade de Maringá, onde ficou por aproximadamente 02 anos. Após esse prazo Dalmi solicitou ao réu que o imóvel fosse novamente cedido para moradia, sendo novamente emprestado a título gratuito. No período em que Dalmi residiu em Maringá o imóvel permaneceu desocupado. No período da desocupação tem conhecimento que o proprietário Jair cedeu o imóvel por alguns meses para outros parentes. De 1991 a 1993 o autor Dalmi foi chamado pelo réu para trabalhar na cidade de São Paulo, empresa pertencente a Jair. Neste período de 1991 a 1993 o imóvel objeto da ação permaneceu desocupado. Após deixar a empresa o autor voltou a residir no imóvel, objeto da ação igualmente, a título de cessão gratuita. Dalmi faleceu em 2005. A partir do momento em que Dalmi separou-se, este passou a residir no imóvel objeto da ação sem a família".
No processo está claro que a ocupação do autor e posteriormente de seus herdeiros era precária, oriunda de comodato verbal confessado pelo próprio autor na ocasião em que ele ajuizou a ação de reintegração de posse (autos em apenso), às f. 05:
"A posse do autor está reconhecida explicitamente, pois faz parte do conteúdo do próprio texto da Notificação Extrajudicial, via cartorial, ao mesmo formulada pelos seus signatários, cujos nomes constam no Registro de Imóveis, conforme certidões que se juntam. No documento mencionado, ainda que de maneira imprópria, está explícito e reconhecido que a posse que não mais subsiste, eis que haveria um alegado comodato, que não mais interessa aos mesmos, e que o autor ainda poderia ficar por mais 30 (trinta) dias da data da notificação, e mais, se interessar, desde que pagasse aluguel".
Em seu depoimento às f. 23, interrogado o apelante disse:
"QUE com relação aos fatos narrados BOPM 1329/03, esclarece o seguinte: QUE, há trinta e oito anos o declarante reside em uma casa situada à Praça Francisco Valadares, 187, B. Nossa Senhora de Lourdes, nesta cidade, residência esta de propriedade de seu tio Jair Assunção, residente à Rua Benjamim Constante, 1378, centro, Londrina/PA; QUE na época seu tio Jair Assunção lhe pediu que morasse na casa acima citada, com o objetivo do declarante cuidar da casa e do terreno, pagar as conta de água, luz telefone e o IPTU".
Ora, foi o próprio apelante que também reconheceu que sua posse foi autorizada por seu tio, em troca de cuidar da moradia para ele na sua ausência, nada mais fazendo ele senão confirmar que residia no imóvel por mera tolerância do tio, caracterizando-se assim a ocorrência de simples comodato, que, sem dúvida alguma, não se coaduna com os requisitos da posse enquanto visibilidade do domínio, como a manifestação que se consubstancia pela conduta de quem, normalmente, procede como atuaria o dono em relação à coisa.
O referido comodato foi denunciado por notificação regular à f. 13 dos autos em apenso).
E cediço é que a posse por mera permissão do proprietário não pode de forma alguma ensejar o nascimento da posse ad usucapionem para quem detém de modo precário o domínio sobre o bem, pena de abuso da confiança daquele que consente na utilização, por terceiro, de propriedade sua.
Neste sentido leciona Maria Helena Diniz:
"Os atos de mera permissão são oriundos de uma anuência expressa ou concessão do dono, sendo revogáveis pelo concedente (...).
Os atos de mera tolerância representam uma indulgência pela prática do ato que, na realidade, não cede direito algum, mas, tão-somente, retira a ilicitude do ato de terceiro, sem o consenso prévio do possuidor, que, sem renunciar sua posse, mantém, ante aquela atividade, um comportamento omisso e consciente. Por outras palavras, consistem nas relações de boa vizinhança ou familiaridade que, tacitamente, permitem que terceiros façam na propriedade alheia aquilo que não teriam direito de fazer, como passar pelo jardim de uma casa ou pelos atalhos de uma fazenda." (Curso de Direito Civil Brasileiro, 4º vol., Saraiva: São Paulo, 2002).
Desta forma, pouco importa que o apelante tenha procedido ao pagamento de impostos, feito reparos e construções, como alega, uma vez que todos os atos que realizou no imóvel foi na qualidade de mero detentor a título precário, não decorrendo nem induzindo posse ad usucapionem, porque tida por comodato, que padece, além de outros requisitos, do ânimo de dono.
E nem se argumente tenha ocorrido qualquer alteração no caráter da posse, que foi obtida para ser exercida a título de simples detenção, já que oriunda de autorização do tio do apelante, sendo certo, lado outro, que nosso ordenamento jurídico consagra presunção iuris tantum no sentido de que a posse guarda o caráter de sua aquisição, razão pela qual seriam necessárias provas robustas em sentido contrário para que se pudesse admitir como possível ad usucapionem a ocupação do autor, ora apelante.
É cediço que atos de mera tolerância não induzem posse, conforme o disposto no artigo 497 do Código Civil/1916:
"Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade".
Se autor era mero detentor por comodato já rescindido, sua ocupação, por mais longa que tenha sido, conserva esta mesma origem ou característica de ocupação por permissão do dono.
O conceito de comodato consta do artigo 579 do Novo Código Civil que assim dispõe:
"Art. 579 - comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz- se com a tradição do objeto."
Colha-se o teor do artigo 1.251, do mesmo Código:
"Art. 582 - O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante."
Nesse sentido a lição do Mestre Orlando Gomes:
"A posse que conduz à Usucapião, deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente.
a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de Usucapião dos fâmulos da posse. (. . .) Necessário, por conseguinte, que o possuidor exerça a posse com animus domini. Se há obstáculo objetivo a que possua com esse animus, não pode adquirir a propriedade por usucapião. (. .) Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem." (in "Direitos Reais", Editora Forense, 12ª edição, Rio de Janeiro-1996, pág. 166).
Se a ocupação era oriunda de comodato, não há se falar em posse, nem em ânimo de dono.
Assim, à luz de todos os elementos probatórios contidos nos autos, é inquestionável que o autor ocupava o imóvel usucapiendo por mero ato de permissão de seu tio, proprietário do bem, sem vínculo empregatício e sem cobrança de aluguel, não estando devidamente caracterizado, para obtenção do título de proprietário, através do Usucapião, o animus domini exigido pela Lei.
Diante de tais ensinamentos, resta induvidoso que os atos de mera tolerância não podem caracterizar posse, porquanto simbolizam apenas o exercício precário de um direito, por lhes faltar o ânimo de dono.
Nesse sentido é o entendimento do egrégio STJ:
1)"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE COMODATO. USUCAPIÃO. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. ESBULHO. CARACTERIZAÇÃO. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL. MULTA. ARTIGO 557, parágrafo segundo, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES.
I - Se o tribunal de origem, com base nos elementos de prova carreados aos autos, conclui pela impossibilidade do reconhecimento da posse, afasta o usucapião, e entende provada a existência do comodato e do esbulho imputado ao demandado, como comodatário, rever tais fundamentos demandaria o reexame de matéria probatória, inadmissível na via eleita, conforme preceitua a Súmula 7 desta Corte.
II - Configurada nas instâncias ordinárias a existência de comodato, aplica-se o artigo 1.252 do Código Civil de 1916.
III - Descabimento da multa do artigo 557, parágrafo segundo, do Código de Processo Civil, se o agravo interno visa a abertura da instância excepcional.
Recurso especial parcialmente provido".
(STJ) - REsp 765246 / RS, Recurso Especial, 2005/0111553-0, Relator, Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJ, 14.08.2006 p. 281.
2"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E USUCAPIÃO. DOMÍNIO RECONHECIDO. COMODATO POR PRAZO INDETERMINADO EM PARTE DA ÁREA OBJETO DA REINTEGRATÓRIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE DESOCUPAÇÃO SOBRE O TERRENO OBJETO DO COMODATO. MATÉRIA CONHECÍVEL DE OFÍCIO. VIABILIDADE DE SUA PROVOCAÇÃO EM APELAÇÃO APRESENTADA À CORTE ESTADUAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS INOCORRENTES. CC, ARTIGOS 960, 1.250 E 1.252, CPC, ARTIGO 267, IV, VI E parágrafo terceiro. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. MATÉRIA DE FATO. SÚMULAS NS. 282 E 356-STF, E 211-STJ.
I. Firmado pelas instâncias ordinárias que a área de 5.000m2 onde reside o réu decorreu de ocupação autorizada pelos autores, é de se reconhecer a existência de comodato verbal, por prazo indeterminado, de sorte que para a reintegração na posse do bem exigível a prévia constituição em mora do comodatário, aqui inexistente, como condição
imprescindível ao pedido reintegratório.
(...)
VII. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido."
(STJ) - REsp 97859 / MG, Recurso Especial, 1996/0036264-5, Relator, Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, 09/05/2006.
Nesse sentido tem julgado este Tribunal:
1)"AÇÃO DE USUCAPIÃO - REQUISITOS INDEMONSTRADOS - POSSE DOS AUTORES DECORRENTE DE MEROS ATOS DE PERMISSÃO E TOLERÂNCIA DOS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL USUCAPIENDO
- Constituindo requisito essencial a caracterizar o usucapião extraordinário o exercício da posse pelo usucapiente por vinte anos, com o ânimo de dono, mansa, pacífica, contínua e ininterrupta, mister se faz que o possuidor demonstre, de modo claro e preciso, essas circunstâncias básicas e essenciais a que se lhe reconheça a prescrição aquisitiva, não se adaptando à espécie a posse exercida por mero ato de permissão e tolerância dos proprietários do imóvel".
(TJMG) - Processo nº 2.0000.00.476221-2/000, Relator, Des, Otávio Portes, DJ, 03/06/2005.
2)"APELAÇÃO - AÇÃO DE USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PROVA DOS REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - NEGATIVA DE PROVIMENTO DO RECURSO. Não há que se cogitar negativa de prestação jurisdicional baseada na ausência de fundamentação quando declinadas as razões de decidir do magistrado a quo, sendo de se lembrar que ao julgador também não se impõe a abordagem de todos os argumentos deduzidos pelas partes no curso da demanda. A aquisição do imóvel pela prescrição aquisitiva reclama a conjugação de três elementos fundamentais, que são a posse, o tempo e a coisa hábil. Tais requisitos se somam às exigências de que a coisa usucapienda não seja superior a 250 m² e de que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel, pretendendo o bem para sua moradia, para que seja alcançada a pretensão da usucapião constitucional urbana; ausente qualquer deles, a pretensão torna-se impossível ""ex vi legis"". Na ação de usucapião constitucional urbana cabe ao autor produzir a prova de sua posse prolongada, ininterrupta, mansa e pacífica pelo lapso legalmente exigido, como também do animus domini, sob pena de não se lhe declarar o domínio da terra que pretende
(TJMG) - Apelação nº 1.0625.03.031015-9/001, Relator, Des, Dídimo Inocêncio de Paula, DJ, 05/07/2006.
3)"USUCAPIÃO - POSSE MANSA E PACÍFICA - ELEMENTO SUBJETIVO - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI VERIFICADA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONFORME A EXEGESE DO ARTIGO 550 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, a posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente."" Os atos de mera detenção ou tolerância não induzem posse, conforme preleciona o artigo 1.208 do Código Civil, cuja correspondência no Código Civil de 1916 é o artigo 497".
(TJMG) - Apelação nº 1.0342.03.037720-0/001, Relator, Des, Nilo Lacerda, DJ, 12/05/2007.
4)"DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. POSSE AD USUCAPIONEM. INEXISTÊNCIA. COMODATO.O contrato de comodato não prevê formalidades à sua formação, exigindo-se como pressuposto de validade que a coisa emprestada seja certa, não fungível, a título gratuito, elementos estes que podem ser comprovados por testemunhas, independentemente do valor do objeto.A posse por mera tolerância do proprietário do bem não autoriza aquisição do domínio via usucapião, ante a ausência do pressuposto de ocupação cum animus domini".
(TJMG) Apelação nº 1.0073.04.015456-6/001, Relator, Des. Mauro Soares de Freitas, 11/10/2007.
Como restou configurado, a permissão para residir no imóvel objeto do litígio resultou de ato de permissão do proprietário, sem que, contudo, tal tolerância resultasse em aquisição da posse dessa área, com ânimo de dono, sendo induvidoso que o exercício do autor é a título precário, decorrente de mera permissão e tolerância, do Sr. Jair Assunção, ora apelado.
A meu aviso, o fato de o apelado afirmar que residiu no imóvel, ainda que ininterruptamente, é irrelevante para o deslinde da questão, uma vez que o que importa é que ficou realmente provado, e inclusive reconhecido por ele mesmo em seu depoimento às f. 23, que se encontrava no imóvel usucapiendo por ato de mera tolerância do tio, situação esta que demonstrou não desconhecer.
Por isto, a ação de usucapião se mostra improcedente, cuja sentença deve ser mantida.
DISPOSITIVO
Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.
Custas pelo apelante, observada a Lei 1.060/50.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): LUCAS PEREIRA e EDUARDO MARINÉ DA CUNHA.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Data da Publicação: 04/03/2008
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