PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 14 DA LEI 10.826/2003. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE INVESTIGADO POR CRIME DE HOMICÍDIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. HIPÓTESE DE FLEXIBILIZAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF. DEMORA NO JULGAMENTO DE HC IMPETRADO JUNTO A TRIBUNAL ESTADUAL. PACIENTE PRIMÁRIO, QUE POSSUI RESIDÊNCIA FIXA. CRIME CUJA PENA CORPORAL É DE 2 A 4 ANOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. INVESTIGAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE HOMICÍDIO NÃO OBSTA O DIREITO DE RESPONDER AO PROCESSO EM LIBERDADE.
I - A constatação de evidente constrangimento ilegal permite o conhecimento de habeas corpus contra decisão liminar em writ anteriormente impetrado, mediante a flexibilização do teor da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
II - Paciente acusado da prática de porte ilegal de arma de fogo, cuja sanção corporal não excede a 4 anos, ensejando a imposição de pena restritiva de direitos, ante a ausência de violência ou grave ameaça.
III - Ademais, a demora no julgamento de writ impetrado junto ao Tribunal de Justiça da Bahia, e o fato de ser o paciente primário e possuir residência fixa, permitem responda ele ao processo em liberdade.
IV - A circunstância de o paciente estar sendo investigado pela prática do delito de homicídio, por si só, não se mostra suficiente para a decretação de prisão preventiva sob o fundamentio de garantia da ordem pública.
V - Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Não participaram, justificadamente, deste julgamento os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto.
Brasília, 10 de abril de 2007.
RICARDO LEWANDOWSKI
RELATOR
RELATÓRIO
O Senhor Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: - Trata-se de habeas corpus impetrado por M.V.S.N e outros em favor de F.P.D.J, contra decisão monocrática do Presidente do Superior Tribunal de Justiça que, nos autos de HC 73.292/BA, indeferiu pedido de liminar, com fulcro na Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.
Os impetrantes narram, em suma, que o paciente foi preso em flagrante no dia 3 de outubro de 2006, à porta da residência, por policiais que cumpriam mandado de prisão expedido contra ele em investigação de homicídio, ocasião em que o encontraram portando ilegalmente uma arma de fogo municiada.
Afirmam, ainda, que, após a detenção, foi expedido outro mandado de prisão em desfavor do paciente, agora concernente ao crime de porte ilegal de arma, previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003 (Art. 14: "Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, entregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente"), face ao qual é impetrado o presente writ.
Sustentam os impetrantes, preliminarmente, que a flagrante ilegalidade da custódia provisória impõe o afastamento da Súmula 691 desta Corte Suprema.
No mérito, alegam não representar o paciente ameaça à ordem pública, como também não está obstruindo a instrução criminal e nem a aplicação da lei penal, únicas hipóteses que autorizariam sua custódia cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, (Art. 312: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"), considerada a sua condição de primariedade, e o fato de possuir "residência fixa no distrito da culpa e labor lícito" (fl 13).
Asseveram, mais, que, embora o art. 21 do Estatuto do Desarmamento (Art. 21: "Os crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória"), estabeleça que são insuscetíveis de liberdade provisória os delitos definidos em seus artigos 16, 17 e 18, o referido diploma não faz a mesma ressalva quanto ao crime de porte de arma de fogo defnido no art. 14, ainda que para este não seja admitida fiança, salvo quando esta estiver registrada em nome do agente.
Requerem, assim, o deferimento da medida liminar pleiteada e, após solicitação de informações à autoridade coatora, seja afinal concedida a ordem para que o paciente "possa aguardar o julgamento pelo Órgão Colegiado do Tribunal Estadual (TJBA) do mérito do Habeas nº 57.366-8/2006 daquela Corte, em liberdade" (fl. 17).
Indeferido o pedido de liminar pela Presidente do STF (fl. 21), vieram as informações solicitadas (fls. 31-63).
O Ministério Público Federal, por meio do parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Wagner Gonçalves, manifestou-se pelo não conhecimento do writ e, caso conhecido, pela concessão da ordem (fls. 65-69).
É o relatório.
VOTO
O Senhor Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Buscam os impetrantes com este writ, em síntese, possa o paciente aguardar em liberdade o julgamento de mérito do HC 57.366-8/2006 impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, cujo pedido de liminar foi indeferido.
Por tratar-se de habeas corpus impetrado contra decisão do Presidente do STJ, que indeferiu pedido de liminar em habeas corpus, mister se faz analisar-se, previamente, a existência de eventual óbice representado pela Súmula 691 desta Corte Suprema, que apresenta o seguinte teor: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".
Ora Supremo Tribunal Federal tem admitido a flexibilização do referido verbete, quando configurada a hipótese de flagrante constrangimento ilegal (Precedentes: HC-AgR 89.985/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC-MC 86.864/SP, Rel. Min. Carlos Velloso; HC 85.185/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
No caso, a meu ver, encontra-se configurada a circunstância excepcional, que permite a superação da Súmula em questão.
Com efeito, a decisão do STJ que denegou o pedido de liminar está assim redigida:
"Vistos, etc.
1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de F.P.D.J, contra decisão de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que indeferiu a liminar em writ ali impetrado, por não vislumbrar, de plano, o constrangimento ilegal alegado.
Objetivam os impetrantes a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, ao fundamento de ausência dos requisitos necessários à decretação da prisão preventiva.
2. De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte e com a Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta ou abuso de poder, não cabe habeas corpus contra decisão que denega a liminar em outro habeas corpus, sob pena de indevida supressão de instância.
No caso, não há flagrante ilegalidade.
Ressalte-se que a decisão liminar supra referida traduz apenas análise provisória, a ser confirmada ou não pelo órgão colegiado competente.
3. Posto isso, indefiro liminarmente o pedido, nos termos do art. 210 do RISTJ.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 03 de janeiro de 2007" (fl. 32).
Como salienta o parecer do Ministério Público Federal, favorável à concessão da ordem, "o fundamento da impetração reside na demora do julgamento do HC 57366-8/2006 - pendente no Tribunal de Justiça/BA (em anexo) - impetrado em 15.12.2006" (fl. 69). Não bastasse tal demora no julgamento, registre-se, como bem assinalado pelos impetrantes, que:
"(...) o simples fato de ser o Paciente mero suspeito de envolvimento no vaticínio (sic) de terceira pessoa, ainda na fase de investigação extrajudicial, não pode servir de lastro ao decreto de prisão processual pelo porte ilegal de arma de fogo, cuja pena prevista é de reclusão de 02 a 4 anos, o que, em se tratando de crime cometido sem violência contra a pessoa poderá significar em caso de condenação a aplicação de uma pena não privativa de liberdade a teor do que dispõe os arts. 44 e ss. do Código Penal vigente" (fl. 13).
Destarte, não se mostra razoável a prisão do paciente pelo cometimento, em tese, do crime de porte ilegal de arma de fogo - e que não impede possa ele responder ao processo em liberdade - sob o fundamento de garantia da ordem pública, pelo simples razão estar sendo investigado pela prática do delito de homicídio.
Ademais, o paciente não possui antecedentes criminais (vide certidões de execução penal e de distribuição que constam do apenso), além de residir em local certo.
Esses fatos todos, ensejam o sucesso do presente writ, com a superação da Súmula 691 desta Corte, sobretudo em homenagem aos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito.
Ante o exposto, defiro a ordem para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento do mérito do HC 57.366-8/2006 impetrado junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, ressalvada a hipótese de estar encarcerado por motivo diverso.
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 90.443-2 BAHIA
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACIENTE(S): F.P.D.J OU F.P.D
IMPETRANTE(S): M.V.S.N. E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participaram, justificadamente, deste julgamento os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. 1ª Turma, 10.04.2007.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Ricardo Dias Duarte
Coordenador
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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