EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CONTRATO DE SEGURO - MORA - RESCISÃO UNILATERAL - CLÁUSULA ABUSIVA - NULIDADE - SINISTRO - FURTO - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - PREVISÃO LEGAL - RELAÇÃO DE CONSUMO - PRECEDENTES DO STJ - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.038907-3, da comarca de Concórdia (2ª Vara Cível), em que é apelante Luiz Carlos Penso e apelado Unibanco AIG Seguros S/A.:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conheceu do recurso para dar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO
Luiz Carlos Penso, irresignado com a sentença proferida nos autos da ação de cobrança, processo n. 019.04.005055-4, aforada em face de Unibanco AIG Seguros S/A., que julgou improcedente o pedido formulado, condenando-o ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa (fls. 65/67).
Aduziu, em estreita síntese, que: o contrato de seguro não se rescinde automaticamente pelo inadimplemento; que o contrato de seguro é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo portanto nula a cláusula que prevê o cancelamento do contrato de seguro, de forma unilateral, por falta de pagamento do prêmio, pois contraria o disposto no artigo 51, IV e XI; a rescisão do contrato de seguro deve ser precedida de notificação pessoal do segurado, pois há a possibilidade de purgação da mora.
Requereu o acolhimento da apelação e a reforma da sentença (fls. 71/78).
Contra-razões às fls. 83/91.
É o relatório.
II -VOTO:
Insurge-se o apelante contra a sentença proferida nos autos de ação de cobrança, aforada em face de Unibanco AIG Seguros S/A., processo n. 019.04005055-4, da comarca de Concórdia,
O apelante sustenta que o inadimplemento, de per si, não tem o condão de cancelar a apólice contratada, porquanto necessária a notificação, possibilitando inclusive, a purgação da mora. Requer, irresignado com o julgamento proferido pelo magistrado a quo, o pagamento da indenização pelo sinistro ocorrido.
Incontroverso nos autos a contratação do seguro (fl. 15), o sinistro havido (fls. 12/13) e bem assim o cancelamento da apólice (fl. 16).
A celeuma trazida pelo insurgente, tem razão de ser.
O seguro, no dizer de Silvio de Salvo Venosa Direito Civil, vol. III, 5ª. ed., Editora Jurídico Atlas, p. 371 1, constitui, em sua essência, transferência de risco de uma pessoa a outra. "Tecnicamente, só se torna possível quando o custeio é dividido entre muitas pessoas, por número amplo de segurados".
Por sua vez, o art. 757 do Código Civil de 2002 assim dispôs:
"Art. 757 - Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único - Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada."
Do que se extrai que, em ocorrendo o evento - sinistro Significa a realização do evento incerto previsto no contrato2 - previsto no caput do artigo supracitado, há a obrigação de indenizar por parte da seguradora.
A seguradora alega a existência de cláusula que prevê o cancelamento automático da apólice, em caso de inadimplemento.
Contudo, o posicionamento hodierno acerca de tal tema, principalmente após o advento do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil é o de que, pautado referido contrato no princípio da boa-fé, cuja relação contratual é tutelada também pelo CODECON, fazendo com que referida a cláusula fosse esvaziada.
Vejamos:
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, assim dispõe:
"Art. 51- São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[...]
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. "
Por sua vez, o Código Civil prevê:
"Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes." (grifo nosso)
Ainda, ao princípio da boa-fé, que norteia o presente contrato deve ser acrescido o princípio insculpido no art. 421 do Código Civil, verbis:
"Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (grifo nosso).
A lição do professor Silvio Venosa bem arremata o tema:
"A boa-fé é princípio basilar dos contratos em geral, expressa na letra do Código de Defesa do Consumidor. O mais recente Código, aliás, ressalta a boa-fé objetiva na teoria geral dos contratos como cláusula aberta (art. 422). Contudo, a boa-fé na contratação do seguro, tendo em vista a asseguração do risco, é acentuada e qualificada pelo art. 1.444 (do Código de 1916), que obrigava o segurado a fazer declarações verdadeiras e completas, sob pena de perder o direito ao seguro.
(...)
O art. 765 do atual Código enfatiza que a estrita boa-fé e a veracidade serão guardadas tanto na conclusão como na execução do contrato. A enfática e tradicional referência à boa-fé nos contratos de seguro significa que ela é qualificada: mais do que em outra modalidade de contrato, cumpre que no seguro exista límpida boa-fé objetiva e subjetiva, aspecto que dever ser levado em conta primordialmente pelo intérprete."
Nesta esteira, ainda que contratado o seguro com as cláusulas já pré-estabelecidas nas "condições gerais", referidas normas têm seu alcance relativizado, e, até mesmo o Decreto-Lei 61.587/67, que trata especificamente do assunto em seu art. 2º, foi revogado com o advento do Código de Defesa do Consumidor.
Destarte, o não pagamento do prêmio, não autoriza, de per si, o cancelamento do contrato de seguro, sem que lhe seja oportunizado a purgação da mora, efetivada a tempo e modo.
Sobre o assunto, ensina Sílvio de Salvo Venosa:
"Como o art. 1.450 do velho Código mencionava a obrigação de o segurado pagar juros sobre prêmio em atraso, independentemente de interpelação, devemos entender que a falta de pagamento não autoriza o automático cancelamento do seguro. Na hipótese, fica apenas suspensa a exigibilidade da indenização, enquanto não purgada a mora. Para a liberação do segurador, há necessidade de interpelação formal, para possibilitar a purgação de mora. A melhor conclusão é de que o regulamento extrapolou o contido no Decreto-lei n. 73 e os dispositivos do Código Civil, não sendo possível à seguradora considerar unilateralmente rescindido o contrato". (in Direito Civil, vol. III, 5ª ed., p. 387).
Diante do exposto, em havendo a rescisão unilateral do contrato de seguro, e, em não havendo prova tenha sido o estipulante/apelado notificado previamente do inadimplemento e da possibilidade, inclusive, da purgação da mora, o ato reveste-se de ilegalidade flagrante.
Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
"SEGURO - INDENIZAÇÃO POR MORTE - PRESTAÇÕES MENSAIS DOS PRÊMIOS ATRASADAS - SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO CONTRATO - INEXISTÊNCIA - I - A Segunda Seção, quando do julgamento do RESP 316.449/SP, decidiu que o simples atraso não implica suspensão ou cancelamento automático do contrato de seguro, sendo necessário, ao menos, a interpelação do segurado, comunicando-o da suspensão dos efeitos da avença enquanto durar a mora. II - Ressalva do entendimento pessoal. Recurso não conhecido." (STJ - RESP 200500510213 - (737061) - RS - 3ª T. - Rel. Min. Castro Filho - DJU 01.07.2005 - p. 00533)
"SEGURO. CLÁUSULA DE CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DO CONTRATO EM CASO DE ATRASO NO PAGAMENTO DO PRÊMIO. INSUBSISTÊNCIA EM FACE DO CÓDIGO CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, incisos IV e XI). Recurso conhecido, em parte, e provido" (REsp 323186 / SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. em 06/09/01).
E este Tribunal:
"(...) Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, incisos IV e XI) (STJ, Min. Barros Monteiro)'. Por isso, deve a seguradora pagar ao segurado o importe correspondente à indenização, descontando o valor das parcelas atrasadas do prêmio." (Ap. Cível n. 2001.013170-6, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben)
Ainda:
"Se a titular do seguro mantinha, por imposição contratual, conta corrente em estabelecimento bancário do mesmo grupo empresarial da seguradora, tendo havido saques para o pagamento dos prêmios, mesmo sendo negativo o saldo, as dúvidas quanto a sua existência prevalecem a favor dos segurados. Tendo ocorrido o infortúnio durante a alegada suspensão do contrato de seguro, face à inexistência, segundo a seguradora, de saldo positivo em conta corrente, capaz de suportar o pagamento dos prêmios, afasta-se a questão de sua impontualidade, porque o banco em questão poderia fazer tais saques, uma vez verificadas antes do cancelamento do contrato." (Ap. Cível n. 1997.006699-6, rel. Des. Anselmo Cerello)
Deste relator:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO INDENIZAÇÃO - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA - DÉBITO EM CONTA-CORRENTE DO PRÊMIO - INSUFICIÊNCIA DE SALDO -- OCORRÊNCIA DE SINISTRO - NEGATIVA NO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO - CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DO CONTRATO FACE AO INADIMPLEMENTO DO PRÊMIO - NULIDADE - ART. 51, IV E XI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO APELANTE PARA PAGAMENTO DA PARCELA VENCIDA - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DA SEGURADORA -- SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. "Não subsiste a cláusula de cancelamento automático da apólice, seja porque a resolução da avença é de ser requerida previamente em Juízo, seja porque reputada nula em face do Código de Defesa do Consumidor (art. 51, incisos IV e XI)" (REsp 323186 / SP, rel. Min. Barros Monteiro). (Ap. Cível n. 2005.004451-9, Xanxerê)
Portanto, é medida legal que se impõe, a reforma do decisum, condenando-se a seguradora ao pagamento do valor da indenização contratada (R$ 103.417,00 [cento e três mil, quatrocentos e dezessete reais e dezessete centavos]), deduzindo-se, contudo, o valor de todas as parcelas eventualmente inadimplidas do prêmio.
Destarte, vota-se no sentido de dar provimento ao recurso, condenando-se a apelada ao pagamento do valor de R$ 103.417,00 (cento e três mil, quatrocentos e dezessete reais e dezessete centavos), corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data do sinistro e acrescidos de juros de mora, de 1% (um porcento) ao mês, a contar da citação e ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º do CPC), deduzindo-se o valor de todas as parcelas do prêmio eventualmente inadimplidas.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade, conheceu do recurso, para condenar a apelada ao pagamento do valor de R$ 103.417,00 (cento e três mil, quatrocentos e dezessete reais e dezessete centavos), corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data do sinistro e acrescido de juros de mora, de 1% (um porcento) ao mês, a contar da citação e ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º do CPC), deduzindo-se o valor de todas as parcelas do prêmio eventualmente inadimplidas.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 20 de março de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE COM VOTO
Sérgio Izidoro Heil
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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