Acórdão: Apelação Cível n. 2003.005350-6, de Criciúma.
Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Data da decisão: 31.05.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 12, edição de 18.07.2006, p. 29.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO POR ERRO. VÍCIO NÃO DEMONSTRADO. REQUISITO DA ESCUSABILIDADE, ADEMAIS, INEXISTENTE. RECURSO DESPROVIDO.
"Como todo o direito sustenta-se em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabelecer, como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato para dele derivar a existência de algum direito, incumbe o ônus de demonstrar sua existência. Em resumo, cabe-lhe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes" (BAPTISTA, Ovídio. Curso de processo civil. v. 1. 4ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 344).
Conforme ensina a doutrina majoritária - em posicionamento adotado pelo Novo Código Civil (art. 138) - somente vicia o negócio jurídico o erro escusável. É dizer, incidindo o contraente em erro por negligência, imprudência, imperícia ou desleixo a ele imputáveis, prevalece o interesse social à segurança dos negócios em detrimento ao interesse meramente individual do contratante desatento em anular a desastrosa avença.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2003.005350-6, de Criciúma, em que são apelantes Ciro Coelho do Espírito Santo, Vera Lúcia Justo do Espírito Santo e Flávio Freitas Borges, sendo apelados Ciro Manoel Pacheco e Alenir Feliciano Nunes:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, à unanimidade, negar provimento ao apelo.
Custas de lei.
I - RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Ciro Coelho do Espírito Santo e outros contra a sentença que, nos autos da ação ordinária de rescisão de contrato de compra e venda, cessão e transferência de quotas e outros pactos c/c ressarcimento de danos ajuizada em face de Ciro Manoel Pacheco e outra, negou provimento ao pedido formulado na exordial.
Sustentam, em suma, que incidiram em erro essencial quando da contratação, propugnando pela anulação da avença.
Em contra-razões, os apelados rebateram os argumentos recursais.
II - VOTO
A sentença não merece retoques, pois realmente inexistem nos autos provas hábeis a demonstrar a ocorrência de erro por parte dos apelantes, afigurando-se, conseqüentemente, regular o pacto de fls. 13/17.
Como regra geral no processo civil pátrio, em que predomina o princípio dispositivo, o "ônus da prova incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor" (art. 333 do CPC, incisos I e II).
A este respeito, ensina Ovídio Baptista que "como todo o direito sustenta-se em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabelecer, como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato para dele derivar a existência de algum direito, incumbe o ônus de demonstrar sua existência. Em resumo, cabe-lhe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes" (Curso de processo civil. v. 1. 4ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 344).
Na hipótese vertente, os apelantes não se desincumbiram de tal ônus. Ao contrário, as provas carreadas no transcurso do trâmite processual enterram de vez a pretensão exordial.
Como bem observou o magistrado a quo, calcado na prova pericial, o Sr. Flávio Freitas Borges "foi responsável técnico pela Mineradora Pérola e participava de reuniões, fazia inspeções e emitia relatórios relativos à produção da empresa" (fl. 470). Tais relatórios consistiam em "Cubagem de Reservas, Estudos de Otimização no uso de equipamentos, Análise de prejuízos decorrentes de falta de materiais, Comentários sobre obras de recuperação ambiental, Inspeções de Segurança nas Minas e Superfície, Estudo de Aumento de produtividade, Planejamento de lavra para os anos de 1994 e 1995 e Plano de Lavra a Céu Aberto - Linha Antas" (fl. 471).
Atuava, como se vê, de forma efetiva e direta, presumindo-se-o, portanto, conhecedor das relações negociais da empresa, suposição esta reforçada diante de seu interesse em adquiri-la. Deveras, não é crível que o Sr. Flávio, responsável técnico com tão amplas atribuições, desconhecesse os contratos entabulados pela mineradora, mormente considerando que pretendia comprá-la.
Ademais, mesmo se admitindo, hipoteticamente, a ignorância dos compradores com relação a inexistência de reservas de carvão pertencentes ou arrendadas à Mineradora Pérola - questão esta, ressalte-se, estranha ao contrato de fls. 13/17 - impossível acolher a pretensão anulatória. Conforme ensina a doutrina majoritária - em posicionamento adotado pelo Novo Código Civil (art. 138) - somente vicia o negócio jurídico o erro escusável, "no sentido de que há de ter por fundamento uma razão plausível, ou ser de tal monta que qualquer pessoa inteligente e de atenção ordinária seja capaz de cometê-lo" (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. I. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 188).
Neste norte, leciona Caio Mário da Silva Pereira:
"A doutrina acrescenta ainda que somente é possível considerar o erro escusável, não afetando o negócio, quando o agente procede sem as cautelas normais, ou seja, tal que não o cometeria um indivíduo de inteligência comum. (..) A esculpabilidade do erro (...) deve ser apreciada a cada caso, mas submetida sempre a um critério abstrato orientador, que consiste em perquirir se seria suscetível de ser evitado se o agente houvesse procedido com cautela e prudência razoáveis em um indivíduo de inteligência e conhecimento normais, relativamente ao objeto do negócio jurídico. Com a aplicação desta teoria assinala De Page que a jurisprudência tem equiparado o erro inescusável à culpa, de que o seu autor corre os riscos, e, em conseqüência não leva à ineficácia do ato" (Instituições de direito civil. v. I. 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 522)
É dizer, incidindo o contraente em erro por negligência, imprudência, imperícia ou desleixo a ele imputáveis, prevalece o interesse social à segurança dos negócios em detrimento ao interesse meramente individual do contratante desatento em anular a desastrosa avença.
In casu, bastou um "Projeto Conceitual Plano de Lavra a Céu Aberto Linha Antas" (fls. 253/3110) para os compradores considerarem a Mineradora Pérola proprietária (ou arrendatária) dos direitos de exploração mineral sobre a jazida. Ora, como o próprio nome indica, aludido documento apenas traça um plano para a execução da atividade extrativa, não se prestando, todavia, para atestar um suposto vínculo contratual entre a empresa Pérola e a concessionária da reserva, Companhia Carbonífera Urussanga - CCU. Os compradores, pessoas bem instruídas e profissionais atuantes no ramo da mineração (um geólogo e outro engenheiro de minas), deveriam saber disso ou, ao menos, buscar informações mais precisas a respeito.
O mínimo que deveriam exigir dos vendedores, já que supunham ser a Mineradora Pérola arrendatária da lavra, era a exibição do respectivo contrato entabulado com a CCU. Se contentar com um simples projeto constitui medida reveladora de extrema imprudência, impossível de ser acobertada pelo Poder Judiciário.
À guisa de ilustração:
"ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. INÉPCIA DA INICIAL E CARÊNCIA DE AÇÃO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. AGRAVO RETIDO. MATÉRIAS REPISADAS COMO PRELIMINAR DO APELO. AFASTAMENTO. INVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ERRO INESCUSÁVEL. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.
(...)
III - Os atos jurídicos são anuláveis quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial e por isso mesmo escusável.
IV - Afigura-se inescusável o erro invocado pela parte que, já na petição inicial, confessa haver assinado o documento sem sequer lê-lo previamente. Nesta hipótese, em se tratando de erro grosseiro, derivado de imprudência e negligência do agente, não é viável a anulação da avença enfocada."
Por esses motivos, nega-se provimento ao recurso.
III - DECISÃO
Diante do exposto a Câmara, à unanimidade, negou provimento ao apelo.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Carlos Prudêncio e Joel Figueira Junior.
Florianópolis, 31 de maio de 2006.
Carlos Prudêncio
Presidente
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora
STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL, o autor
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