Acórdão: Apelação Cível n. 2006.013976-3, de Blumenau.
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.
Data da decisão: 21.11.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 117, edição de 19.12.2006, p. 30.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CONTRATO DE LOCAÇÃO – FIANÇA – INTUITU PERSONAE – VEDAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – MORTE DO LOCATÁRIO/AFIANÇADO – EXTINÇÃO DA FIANÇA – PRECEDENTES DO STJ – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
- De acordo com o entendimento jurisprudencial do STJ, o falecimento do afiançado extingue a fiança, desobrigando o fiador. Isto porque, o contrato de fiança é intuitu personae, e está expressamente vedada a sua interpretação extensiva.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2006.013976-3, Comarca de Blumenau (3ª Vara Cível), em que é apelante Valmor Nicolau Simas, sendo apelado Ricardo Wanderley Navarro Lins, e Marilena Rene Navarro Lins:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO:
Trata-se de apelação cível interposta por Valmor Nicolau Simas, contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito a quo, nos embargos à execução aforados por Ricardo Wandeley Navarro Lins e Marilena Rene Navarro Lins, em face do ora apelante. A referida decisão julgou parcialmente procedentes os embargos à execução, para limitar a responsabilidade dos fiadores ao débito existente até o falecimento do afiançado (15.02.1999), não sendo admitida a compensação nos termos pretendidos pelos embargantes. Neste desiderato ordenou a adequação do cálculo do valor do débito na execução. Condenou o embargado ao pagamento de honorários em favor do procurador da parte adversa, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor do débito que restou reduzido. Em contrapartida, condenou os embargantes ao pagamento de honorários em favor do advogado daquele, estes arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o novo valor da execução. Por fim, determinou que as partes devem dividir, proporcionalmente à sucumbência, as custas processuais, observada a assistência judiciária gratuita.
Nas razões de recurso, o embargado alegou que não se pode extinguir a da fiança pela morte do afiançado. Para tanto, destacou o artigo 1.503 do Código Civil de 1916 enumera taxativamente os casos de extinção da fiança, e que não consta em nenhum deles a hipótese de morte do afiançado. Assim sendo, requereu o provimento do recurso, para que os embargos à execução sejam rejeitados, com o prosseguimento da execução em seus termos originais.
Transcorrido in albis o prazo para apresentação das contra-razões, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte de Justiça.
É o relatório.
VOTO:
Os apelados eram fiadores do Sr. Marco Aurélio Navarro Martins, no contrato de locação entabulado entre este e o ora apelante na data de 07.11.1994. Destaca-se que o locatário afiançado veio a falecer em 15.02.1999.
Conforme se depreende dos autos em anexo, o apelante propôs ação de execução em face dos apelados e de Patrícia da Silva Navarro Lins, viúva do de cujus.
Diante disso, os apelados opuseram os embargos à execução, que foram julgados procedentes, nos termos anteriormente relatados.
Em suma, o apelante irresigna-se apenas quanto ao entendimento esposado pelo Magistrado a quo, no sentido de que a fiança se extingue com a morte do afiançado.
Melhor sorte não lhe socorre, conforme se analisará a seguir.
A fiança, de acordo com o artigo 818 do Código Civil de 2002, correspondente ao artigo 1.481 do Código Civil de 1916, é o contrato pelo qual o fiador garante a satisfação da obrigação assumida pelo afiançado (devedor), perante o credor, no caso de descumprimento da mesma.
Referido contrato deve ser feito por escrito, é unilateral, acessório, solene, e em regra não é oneroso. Destaca-se que a fiança é intuitu personae, uma vez que o fiador garante satisfazer a dívida daquele devedor (afiançado), e não de outra pessoa.
Sobre o contrato de fiança, comenta Jones Figueirêdo Alves:
“A fiança é um contrato mediante o qual uma parte (fiador) assume para com outra, credor de determinada obrigação de terceiro (afiançado), a garantia de por ela responder caso aquele não venha adimpli-la. Essa segurança oferecida constitui contrato acessório ao principal, onde subsiste a obrigação por este garantida. É garantia fidejussória, por tratar-se de garantia pessoal, e, como tal, uma espécie do gênero garantia. A doutrina o reconhece como um contrato unilateral, em regra não oneroso, acessório, solente, e intuitu personae”. (FIUZA, Ricardo; et al. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 739/740).
No mais, importante observar que, segundo dispõe o artigo 819 do Código Civil de 2002 (mesma redação do artigo 1.483, do Código Civil de 1916), não se admite interpretação extensiva da fiança.
Diante da impossibilidade de se interpretar extensivamente a fiança, tem-se que, em razão de ser intuitu personae, no caso de morte do afiançado, exonera-se o fiador. Isto porque o fiador somente se obriga a garantir a dívida assumida pela pessoa afiançada; ocorrendo a morte desta, o contrato de fiança fica extinto. Destarte, o fiador não pode ser obrigado a permanecer como garantidor de uma pessoa que não possui qualquer vínculo de confiança, ou que talvez nem conheça.
Outrossim, de acordo com o artigo 819, do Código Civil de 2002, com redação idêntica à do artigo 1.483 do Código Civil de 1916, não se admite interpretação extensiva na fiança.
Assim, somando-se a vedação de interpretação extensiva ao caráter intuitu personae da fiança, vislumbra-se que a morte do afiançado extingue a fiança e, conseqüentemente, exonera o fiador da obrigação prestada naquele contrato.
Este posicionamento encontra supedâneo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“No acórdão embargado, restou expressamente consignado que se deve aplicar a Súmula 83/STJ, pois a jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de exoneração do fiador no caso de morte do afiançado, entendimento harmônico com o acórdão do Tribunal a quo”. (EDcl no REsp 586230/SP. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 03.11.2005).
“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. MORTE DO LOCATÁRIO. EXTINÇÃO DO CONTRATO.
1. O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente, não vinculando o fiador a prorrogação do pacto locatício sem sua expressa anuência, ainda que haja cláusula prevendo sua responsabilidade até a entrega das chaves.
2. Ressalva do ponto de vista do relator.
3. Por ser contrato de natureza intuitu personae, a morte do locatário importa em extinção da fiança e exoneração da obrigação do fiador.
4. Recurso provido”. (STJ. REsp 555615/RS. Sexta Turma. Rel. Min. Paulo Gallotti. Julgado em 02.03.2004).
“LOCAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA. MORTE DO AFIANÇADO. RESPONSABILIDADE DOS FIADORES. EXTINÇÃO.
I – Assentada jurisprudência deste Tribunal no sentido de que o instituto da fiança não comporta interpretação extensiva, obedecendo, assim, disposição expressa do artigo 1.483 do Código Civil.
II – O contrato de fiança tem caráter intuitu personae, pelo que a morte do locatário afiançado acarreta a extinção da fiança e, de conseqüência, a exoneração da obrigação do fiador. Precedentes.
Recurso conhecido e provido”. (STJ. REsp 439945/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Felix Fischer. Julgado em 27.08.2002).
Perfilhando este entendimento, extrai-se da jurisprudência pátria:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO FIADOR. MORTE DO LOCATÁRIO. EXTINÇÃO DA FIANÇA. SUCUMBÊNCIA. ÔNUS DO AUTOR. Condenada a parte autora na ação de despejo a arcar com ônus sucumbencial, visto que o fiador não é parte legítima na ação de despejo não cumulada com cobrança, sendo o pedido apenas de rescisão do contrato de locação e a conseqüente desocupação do imóvel pelo inquilino, o que não atinge o garantidor dos encargos. Contrato de fiança que tem natureza personalíssima e não admite interpretação extensiva, não podendo ser atribuída aos fiadores responsabilidade por obrigações surgidas após a morte do locatário. Sucumbência invertida. APELO PROVIDO”. (TJRS. Apelação cível n. 70012488938, Décima Sexta Câmara Cível. Relatora: Helena Ruppenthal Cunha. Julgada em 26.04.2006)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. EXTINÇÃO DA FIANÇA COM A MORTE DO AFIANÇADO. CONTRATO DE NATUREZA PERSONALÍSSIMA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRECEDENTE DO STJ. PREJUDICADO O APELO NOS DEMAIS ASPECTOS. APELO PROVIDO”. (TJRS. Apelação cível n. 70005281274, Décima Quinta Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Silveira Difini. Julgada em 02.04.2003)
“LOCAÇÃO. FIANÇA. MORTE DO LOCATÁRIO/ AFIANÇADO. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE FIANÇA. RECURSO NÃO PROVIDO A morte do inquilino, sem que existam provas apontando para a contratação da fiança em atenção à família, extingue o contrato de fiança. Recurso não provido”. (TJPR. Apelação cível 0216881-6. Décima Câmara Cível. Rel. Albino Jacomel Guerios. Julgada em 28.06.2005).
Assim sendo, os apelados, na qualidade de fiadores do falecido Marco Aurélio Navarro Martins, respondem pelos valores devidos apenas até a data do óbito deste, que se deu em 15.02.1999.
Por estes fundamentos, deve ser mantida a sentença atacada.
DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, a Exma. Sra. Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, e o Exmo. Sr. Desembargador Joel Figueira Júnior.
Florianópolis, 21 de novembro de 2006.
Sérgio Roberto Baasch Luz
PRESIDENTE E RELATOR
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