SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Órgão julgador: Tribunal Pleno Relator: Ministro Ilmar Galvão Classe e nº da decisão: Mandado de Segurança nº 21.301 UF: DF Data da decisão: 17/09/93
EMENTA: Mandado de segurança. Demissão de Policiais Federais. Nulidade do processo disciplinar, consistente em realização de prova sem observância das normas processuais e em haverem sido indeferidas diligências requeridas pela defesa. Alegações improcedentes, por encontrar-se demonstrado que o reconhecimento dos impetrantes por suas vítimas, ocorrido 7 dias apenas após os fatos, se deu com observância de todas as cautelas legais, e por não haverem sido indicadas às diligências que lhes teriam sido recusadas no processo disciplinar, onde foram ouvidas nada menos que 48 testemunhas, 29 arroladas pela defesa. Independência das instancias administrativa e penal. Segurança denegada.
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Ilmar Galvão (Relator): (...) e (...) impetraram mandado de segurança, visando a invalidação de decretos do Presidente da República pelos quais foram eles demitidos do cargo de Agente de Polícia Federal, ao fundamento de terem-se “prevalecido, abusivamente, da condição de funcionário policial e praticado ato lesivo da honra de pessoal natural, com abuso de poder”.
(Nota: A presente decisão é anterior ao Decreto nº 3.035, de 27/04/99, no qual o Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União a competência para julgar processos disciplinares e aplicar as penalidades de demissão e cassação de aposentadoria.)
Alegam que o respectivo processo disciplinar se ressente das baldas de haver sido realizado reconhecimento pessoal ao arrepio das normas processuais em vigor e de terem sido indeferidas múltiplas e variadas diligências requeridas pela defesa.
Aduziram que, conquanto ainda penda de julgamento o processo-crime instaurado para apuração dos mesmos fatos, os depoimentos das pretensas vítimas foram unânimes e taxativos no sentido de que não foram os impetrantes os autores do delito de que são acusados, depoimentos esses que não foram trazidos para o inquérito administrativo, como seria necessário.
Concluíram por invocar orientação preconizada em parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, no sentido do sobrestamento do processo administrativo até a ultimação da ação penal.
O pedido foi deduzido no sentido de, liminarmente, serem reconduzidos os impetrantes a seus cargos e, no mérito, ser decretada a nulidade dos atos disciplinares impugnados.
À guisa de informações, veio para os autos parecer da douta Consultoria Geral da República, capeando, de sua vez, parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, onde se dá conta de que a punição dos impetrantes se deu com base no disposto no art. 364, incisos XLVIII e LXII, combinados com o art. 383, inc. X, ambos do Decreto nº 59.310, de 23 de setembro de 1966, após procedimento regular, que foi precedido de sindicância e de auto de reconhecimento realizado pela Polícia Federal, com observância do art. 266 do CPP, quando foram os impetrantes apontados como responsáveis pelo seqüestro, com tentativa de extorsão, de (...), (...) e (...), ocorrido em Santos, na manhã do dia 11 de julho de 1989.
Ainda segundo os mencionados pareceres, o ato presidencial não se apoiou apenas no mencionado reconhecimento, mas em confronto das demais provas colhidas na instrução, durante a qual foi facultada aos impetrantes a mais ampla defesa, havendo sido indeferidas diligências e inquirições de testemunhas que tinham caráter meramente protelatório, conforme entendido pela comissão.
Conclui-se por afirmar que o mandado de segurança não é o instrumento apropriado para verificação da materialidade dos fatos e das situações que serviram de estribo para a decisão administrativa.
A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer subscrito pela Drª Odília Ferreira da Luz Oliveira, opina pela denegação da segurança, in verbis:
“Desde logo, saliente-se que todas as alegações relativas ao procedimento disciplinar são gratuitas, pois não consta dos autos nenhuma cópia de peça que dele tenha sido comprovadamente extraída; a reprodução de fls. 41/103, supostamente a defesa que os impetrantes apresentaram, não está autenticada nem assinada e à cópia de parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça também falta autenticação.
Quanto ao desrespeito a regras do processo penal sobre reconhecimento pessoal e fotográfico, é certo que o procedimento administrativo disciplinar é regido por normas próprias, não se aplicando o Código de Processo Penal, a não ser subsidiariamente, caso haja norma expressa em tal sentido.
Aliás, os impetrantes sequer dizem em que consistiria a infringência de tais regras.
Da mesma forma, não há prova alguma nos autos seja do indeferimento de diligências requeridas por eles, seja da falta de fundamentação das decisões da comissão a esse respeito.
O desprezo da comissão de procedimento disciplinar pela suposta prova da inexistência de autoria, produzida na ação penal, ainda estivesse provado (e não está), seria irrelevante. A independência das instâncias administrativa, civil e penal faz com que a prova produzida em uma delas não afete aquela produzida na outra, a não ser em duas hipóteses, nas quais a decisão penal condiciona a administrativa e a civil: quando se julga provada a inexistência material do fato (isto é, que o fato não ocorreu) e quando se considera demonstrado que o réu não foi seu autor. E não é esse
o caso dos autos, em que a ação penal não fora julgada sequer em primeira instância, quando o mandado de segurança foi impetrado e, muito menos, quando os impetrantes foram demitidos.
Convém notar que o fato pode não ficar provado na esfera penal, mas ficar demonstrado na administrativa, servindo de base legal para a imposição de pena disciplinar.
Assim como não provam os defeitos formais do procedimento disciplinar, os impetrantes não demonstram o desvio de finalidade, isto é, a condução parcial dos atos procedimentais, com a intenção de demiti-los.
Por fim, é certo que o parecer de órgão da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, além de ser uma simples opinião, como todo parecer não-vinculante, não tem apoio no ordenamento jurídico, que consagra a independência das instâncias. Tanto isso é verdade, que a sugestão nele contida, de suspensão do procedimento disciplinar até que a ação penal fosse julgada definitivamente, não foi acolhida, pois os impetrantes foram demitidos.”
É o relatório.
VOTO
O Senhor Ministro Ilmar Galvão (Relator): A impetração é de todo improcedente.
Com efeito, tem ela por espeque dois argumentos que não podem ser considerados, seja, o de nulidade do auto de reconhecimento, bem como o indeferimento de diligências e inquirições requeridas pela defesa; e a aplicação da pena administrativa antes que estivesse concluída a ação penal.
No primeiro caso, não somente em razão de encontrar-se demonstrado que, contrariamente ao afirmado na inicial, o reconhecimento dos impetrantes pelas suas vítimas, ocorrido 7 dias apenas após os fatos, se deu com observância das cautelas legais, como mostram os documentos de fls. 146 e 147; mas também, pelo fato de não haverem sido indicadas pelos impetrantes quais as diligências que lhes teriam sido recusadas.
Registre-se, a propósito, que além de 19 depoimentos que já haviam sido tomados pela comissão, foram ouvidas nada menos que 29 testemunhas arroladas pela defesa.
Quanto ao mais, é de ter-se em conta que são independentes as instâncias administrativa e penal, conforme orientação consagrada não apenas na doutrina e na jurisprudência pátria, mas também na lei.
Com efeito, dispõe o próprio Decreto nº 59.310/66, em seu artigo 369, verbis:
“Art. 369. As cominações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se, sendo uma e outra independentes entre si, bem assim as instâncias civil, penal e administrativa.”
E a Lei nº 8.112/90, no art. 125:
“As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.”
Assim sendo, não havia razão para que a administração, diante da conclusão do
processo administrativo, deixasse de aplicar a sanção disciplinar cabível, diante do que foi
apurado contra os impetrantes.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria preceitua:
“Inquérito administrativo. Competência. Cerceamento de defesa. Justiça e
legalidade da pena. Independência das instâncias civil e penal.
É improcedente a alegada incompetência da comissão de inquérito, constituída pelo Ministro das Relações Exteriores, porque não foi ela destinada a apurar fatos ocorridos no âmbito da pessoa jurídica de direito privado -Fundação Visconde de Cabo Frio -, mas atos praticados por servidores do Ministério das Relações Exteriores, em exercício de seus cargos efetivos, com os direitos e vantagens a eles inerentes, embora lotados naquela entidade privada. Não ocorre, pois, violação do artigo 5º, LIII, da Constituição.
Inexiste, por outro lado, qualquer nulidade, por cerceamento de defesa, por não ter sido ouvida autoridade que, em momento algum do inquérito administrativo, foi indicada como testemunha.
A alegação de injustiça na graduação de pena imposta ao impetrante, em desproporção com os atos por ele praticados, é matéria que foge ao âmbito de competência do Poder Judiciário, que se restringe, apenas à legalidade da pena imposta.
Finalmente, não procede a alegação de que a decisão do processo administrativo deveria aguardar a do penal, dado entendimento da independência das instâncias civil e penal, quando não se discute a inexistência material do fato ou a sua autoria.
Mandado de segurança indeferido.” (MS 21.113, relator Ministro Moreira
Alves, DJ 14.6.91)
“Processo administrativo disciplinar. Demissão do serviço público após regular procedimento administrativo em que suas regras específicas foram observadas. Insubordinação do procedimento administrativo ao processo penal. Autonomia das responsabilidades civil, disciplinar e criminal e de suas respectivas sanções. Lei 1.711/52, art. 200 e Decreto nº 59.310/66, art. 369.” (MS 20.947, relator Ministro Paulo Brossard, DJ 10.11.89)
Ante o exposto, meu voto é no sentido de denegar a segurança.
VOTO DE VISTA
O Senhor Ministro Marco Aurélio -Conforme depreende-se das notas taquigráficas, solicitei vista dos autos para ensejar a apreciação da matéria pelo Tribunal em sua composição plena. Isto decorreu do fato de haver percebido como causa motivadora da demissão dos impetrantes fato típico penal. Assim, porque entendo que não se pode concluir pela culpa antes do trânsito em julgado da ação penal, ainda que os efeitos sejam administrativos, disse da conveniência do término do julgamento, atendendo, até mesmo, à ponderação do ilustre Ministro Néri da Silveira.
Os impetrantes foram demitidos ante o disposto no artigo 364, incisos XLVIII e LXII, combinado com o artigo 383, inciso X, ambos do Decreto nº 59.310, de 23 de dezembro de 1966. Quanto às duas primeiras causas de pedir da impetração, acompanho o nobre Ministro Relator. O reconhecimento dos impetrantes, pelas vítimas, ocorreu, consoante salientado por
S. Exa., com observância das cautelas legais. No tocante à nulidade pelo indeferimento de diligências, não restou devidamente esclarecido o objeto destas últimas. O que se nota, na hipótese dos autos, é que foram tomados dezenove depoimentos, sendo ouvidas testemunhas arroladas pela defesa. Assim, passo ao exame do tema que motivou o pedido de vista.
No caso vertente, muito embora a definição do tipo administrativo contida no inciso LXII do artigo 364 referido coincida com os tipos penais, verifico que também respaldou o decreto de demissão enquadramento dos impetrantes no que previsto no inciso LVIII do mencionado artigo: ter-se-iam prevalecido, abusivamente, da condição de funcionários policiais, o que, a teor do inciso X do artigo 383 do Decreto nº 59.310, é suficiente, por si só, a levar à demissão. Daí acompanhar S. Exa. o Ministro Relator para denegar a ordem.
É o meu voto.
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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