EMENTA: SEGURO HABITACIONAL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AD CAUSAM, FALTA DE INTERESSE DE AGIR, LITISCONSÓRCIO ATIVO E PASSIVO NECESSÁRIOS. ARGÜIÇÕES AFASTADAS. PRETENSÃO À PARTICIPAÇÃO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL COMO ASSISTENTE. ART. 50 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. REQUERIMENTO QUE DEVE PARTIR DO TERCEIRO INTERESSADO. NO MÉRITO, DANOS NOS IMÓVEIS PREPONDERANTEMENTE CAUSADOS POR VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO, DEVIDAMENTE COMPROVADOS POR MEIO DE PERÍCIA. RISCO DE DESMORONAMENTO. HIPÓTESE INDENIZATÓRIA CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. INCIDÊNCIA DA MULTA, OUTROSSIM, QUE SE IMPÕE. FORMULAÇÃO DE VARIADAS TESES PRELIMINARES CONTRÁRIAS A TEXTO LEGAL, DENOTANDO NÍTIDO PROPÓSITO DE RETARDAR O DESATE DA LIDE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. APLICAÇÃO EX OFFICIO DA MULTA DE 1% E INDENIZAÇÃO DE 20% SOBRE O VALOR DA CAUSA.
1. Não merece prosperar a tese de ilegitimidade ativa. É fácil perceber, pelas promessas de compra e venda e respectivas cessões, que o autores procederam à aquisição dos imóveis financiados nos moldes do Sistema Financeiro de Habitação, sobre os quais incide obrigatoriamente o seguro, nos termos do art. 20 do Decreto 73/66. A própria apólice do seguro, aliás, dispõe que são seguradas as pessoas físicas vinculadas às operações abrangidas pelos programas do SFH na qualidade de “adquirentes” e “promitentes compradores” (cláusula 1ª, fl. 180), extirpando quaisquer dúvidas.
1. Condição da ação, a legitimidade para figurar no pólo passivo da lide, como pertinência subjetiva, se acha ligada “àquele em face do qual a pretensão levada a juízo deverá produzir efeitos, se acolhida” (MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. vol. I. São Paulo: Saraiva editora, p. 159). Sendo a causa de pedir a existência de vícios nas unidades habitacionais adquiridas pelos autores, unidades essas seguradas em pactos envolvendo a Caixa Seguradora S/A, e sendo o pedido à indenização correlato, é evidente a pertinência subjetiva da seguradora para responder por eventual procedência. Se o sinistro narrado não se vê sob a cobertura da apólice securitária, a questão é de mérito, conducente à posterior improcedência, não dizendo, todavia, com a ausência de legitimidade passiva.
3. O interesse processual, desdobrado no binômio adequação-necessidade, afigura-se presente quando o meio eleito é apto ao alcance da pretensão exposta e a necessidade do provimento jurisdicional é intuída da ampla resistência apresentada na contestação, dispensando-se a formalização de pedido prévio negado na via administrativa.
4. Versando a lide sobre a garantia securitária incidente sobre imóvel, dizendo, assim, com direito obrigacional entre a seguradora e o adquirente, e não havendo, nestes termos, incidência do regime jurídico dos direitos reais, ausente discussão sobre a sujeição da coisa ao titular, vinculando-a com o atributo de seqüela, é prescindível o assentimento do cônjuge do autor para a propositura da ação (art. 10, CPC).
5. Como agente financeiro do SFH, a CEF se envolve com os mutuários numa relação jurídica de financiamento para a aquisição da casa própria, esgotando-se tal relação nos contornos desse financiamento. O seguro, contrato embutido, constitui relação à parte, enredando, agora, a Caixa Seguradora e os segurados, por ele não respondendo o agente financeiro. Sendo o seguro a causa única de pedir, não há falar, portanto, em imprescindibilidade na integração da CEF à lide, porque a prestação jurisdicional não vem para o efeito direto de acarretar-lhe obrigações perante os sujeitos ativos do processo, tampouco há interesse jurídico próprio a defender-se pela via da assistência, devendo as relações internas entre CEF e seguradora discutir-se em sede própria.
6. É inviável compelir um terceiro a adentrar na lide na condição de assistente, pois a assistência é instituto que depende da manifestação espontânea do interessado, não podendo ser fruto da vontade de um dos litigantes, como ocorre na situação em tela.
7. Atestando a prova técnica que os danos existentes no imóvel decorrem de vício de construção, resta configurado o sinistro acobertado pela apólice do seguro habitacional, cabendo à seguradora suportar o custo dos reparos devidos e a multa mensal prescrita no contrato, limitada ao valor da obrigação principal (art. 412, do CC/2002).
8. Litiga de má-fé a parte que "buscando firmar um convencimento judicial destoante da realidade e, pois, distorcido em seu favor, traz a juízo alegações completamente desarrazoadas, embromatórias e sem o menor apoio nos autos” (Apelação cível n. 2002.027979-5, rel. Des. Trindade dos Santos).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.000927-4, da comarca de Lages (4ª Vara Cível), em que são aptes/apdos Adão Gilson da Silva e outros e Caixa Seguradora S/A:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, à unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao apelo da ré, impondo-lhe, ainda, condenação por litigância de má-fé, e dar provimento ao recurso dos autores. Custas legais.
I - VOTO
Adão Gilson da Silva e outros ajuizaram "ação ordinária de responsabilidade obrigacional securitária" em face de Caixa Seguradora S.A.
Contam que firmaram contrato de mútuo para aquisição de casa própria, nos moldes do Sistema Financeiro de Habitação, tendo aderido aos termos do seguro gerido pela empresa requerida. Após alguns anos habitando seu imóvel, verificaram o aparecimento de defeitos sérios na estrutura, trazendo risco de desmoronamento. Invocando o Código de Defesa do Consumidor, aduziram que tais vícios, decorrentes de má construção, estavam cobertos pela apólice securitária, pugnando pela condenação da ré ao pagamento da importância apurada em perícia, considerada necessária para a recuperação dos imóveis, acrescida de juros de mora e multa contratual.
Citada, a Seguradora apresentou defesa. Inicialmente, aventou a ilegitimidade passiva, dizendo que a responsabilidade pela correção de eventuais vícios de construção era da empresa que edificou o imóvel. Argüiu o litisconsórcio passivo com a Caixa Econômica Federal e a COHAB/SC. Sucessivamente, pugnou o ingresso da CEF na lide, como assistente. Articulou a tese de litisconsórcio ativo necessário dos demandantes casados com os seus cônjuges e, ainda, em preliminar, aventou a carência da ação por falta de interesse processual, ante a alegação de que os demandantes deveriam primeiramente ter encaminhado a ela aviso de sinistro, sendo a medida judicial cabível apenas em caso de recusa ao pagamento do ressarcimento pela via administrativa. Na seqüência, disse que os autores não detêm legitimidade porque não comprovaram a sua condição de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação. No mérito, sustentou que os danos apontados pelos postulantes decorrem de vícios de construção, não estando cobertos expressamente pelo seguro, e que boa parte dos contratos de financiamento já foi quitada, encerrando assim a cobertura securitária. Asseverou que a multa era incabível na hipótese, porque não estabelecida no contrato firmado entre as partes. Por fim, aduziu que eram inaplicáveis juros moratórios sobre a obrigação, acaso condenada, pois a mora só se configuraria mediante recusa anterior dela ao pagamento do seguro, inocorrente na hipótese.
Houve impugnação à peça defensiva.
Em decisão interlocutória o Juízo a quo rejeitou as preliminares de ilegitimidade ativa, passiva e de litisconsórcio passivo necessário com a Caixa Econômica Federal e COHAB/SC. Também, observou que "a questão pertinente ao ingresso da CEF na condição de assistente dispensa digressões, porque o assistente simples somente poderia intervir espontaneamente ao processo". Refutou, por fim, a alegação de litisconsórcio ativo porque não se discute direito real na ação.
A seguradora interpôs agravo retido, insistindo na tese de ilegitimidade passiva, necessidade de participação da CEF como ré ou assistente no processo; litisconsórcio dos autores com os seus cônjuges; falta de interesse processual por ausência de comunicação prévia do sinistro; e ilegitimidade ativa decorrente da ausência de prova "a demonstrar que o imóvel foi adquirido pelo Sistema Financeiro de Habitação, ante a ausência de contrato de mútuo firmado com a estipulante, juntando apenas contrato de promessa de compra e venda".
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que deu pela procedência do pedido inicial. Após refutar a prefacial de ausência de interesse processual, ainda não enfrentada, entendeu o MM. Juiz, quanto ao mérito, que tendo a perícia concluído serem os danos apresentados nos imóveis decorrentes de má construção, fazem os autores jus ao ressarcimento, nos valores indicados pelo expert como necessários para reparar as suas residências. Por outro lado, deixou de aplicar sobre a indenização multa de 1% por mês. Imputou à seguradora o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% do valor total da condenação.
Os autores interpuseram recurso de apelação, postulando a incidência da multa contratual sobre a dívida.
Da mesma forma, a vencida interpôs recurso de apelação. Primeiramente, pugnou a apreciação do seu agravo retido. Em seguida, insistiu que os danos decorrentes de vícios de construção não compunham a cobertura securitária, cabendo assim a reforma da decisão a quo. Ademais, disse serem incabíveis juros de mora sobre a condenação, acaso mantida. Frisou, ainda, que já pagou pelos componentes deteriorados após vendaval ocorrido em Lages no ano de 2003, devendo este montante ser excluído do ressarcimento. Por fim, afirmou que deveria ter sido admitido o conserto direto dos imóveis dos autores, ao invés de deferida indenização em pecúnia.
Contra-arrazoados os recursos, ascenderam os autos a esta Corte.
VOTO
A) Agravo Retido
1. Não merece prosperar a tese de ilegitimidade ativa. É fácil perceber, pelas promessas de compra e venda e respectivas cessões, que o autores procederam à aquisição dos imóveis financiados nos moldes do Sistema Financeiro de Habitação, sobre os quais incide obrigatoriamente o seguro, nos termos do art. 20 do Decreto 73/66. A própria apólice do seguro, aliás, dispõe que são seguradas as pessoas físicas vinculadas às operações abrangidas pelos programas do SFH na qualidade de “adquirentes” e “promitentes compradores” (cláusula 1ª, fl. 180), extirpando quaisquer dúvidas.
2. Sustenta também a ré, que é parte ilegítima para figurar na contenda, porque os sinistros seriam decorrentes de vícios de construção, não cobertos na apólice securitária, sendo de inteira responsabilidade da Construtora que edificou as casas.
Todavia, tal preliminar de responsabilidade pelos reparos confunde-se com o mérito e com ele será apreciado, mais adiante.
Já decidiu esta Corte:
“Argüida prejudicial de ilegitimidade passiva ad causam do réu, e constatado que a responsabilidade pelo evento só pode ser vislumbrada com a análise do mérito da quaestio, deve a prefacial ser afastada e a responsabilidade analisada no meritum causae” (Apelação cível n. 97.009722-0, da Capital. rel. Des. Mazoni Ferreira).
3. Já o interesse de agir, se desdobra no binômio necessidade–adequação. Ora, adequado o procedimento ordinário para o alcance da pretensão exposta, a necessidade do provimento jurisdicional é intuída da ampla resistência apresentada na contestação. Não subsiste, assim, a intenção de anular o processo se o pedido a ser formulado administrativamente será inequivocamente negado, dando ensejo a nova lide, nítido o retrocesso.
Em casos análogos, a jurisprudência vem se manifestando:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – FALTA DE INTERESSE DE AGIR – AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO SINISTRO – GARANTIA DE ACESSO AO JUDICIÁRIO – ART. 5º, XXXV, CRFB – DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA PARA INGRESSAR EM JUÍZO – PRELIMINAR AFASTADA
- Está consolidada, tanto na doutrina como na jurisprudência, a desnecessidade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa ingressar com a competente ação em juízo. Assim, e em aplicação à garantia do acesso à justiça (art. 5 XXXV, da CRFB), entende-se que não se pode exigir a prévia comunicação do sinistro para que a parte pleiteie judicialmente a indenização securitária.
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ATIVO DO CÔNJUGE – ART. 10 CPC – OUTORGA DE CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE APENAS QUANDO A LIDE VERSAR SOBRE DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS – NÃO CARACTERIZAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
- De acordo com o disposto no art. 10, do CPC, é necessária a outorga de consentimento do cônjuge para a propositura de ação que verse sobre direitos reais imobiliários. Contudo, referido dispositivo não se aplica ao caso em tela, haja vista que a ação proposta pelos agravados discute a obrigação da agravante em face de contrato de seguro.
ILEGITIMIDADE PASSIVA – VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO – ANÁLISE EM MOMENTO POSTERIOR À PERÍCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – ALEGAÇÃO DE QUE O JUIZ INDEFERIU A PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS REQUERIDAS – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO A RESPEITO NA DECISÃO AGRAVADA – QUESTÕES NÃO APRECIADAS PELA INSTÂNCIA A QUO – EFEITO DEVOLUTIVO – DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
- "O âmbito do recurso de agravo de instrumento está limitado ao acerto ou desacerto da decisão agravada, não se discutindo matéria não apresentada ao julgador de primeiro grau". (Agravo de Instrumento n. 98.008810-0, de Curitibanos. Rel. Des. Nilton Macedo Machado. Julgado em 20 de outubro de 1998).
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – AGENTE FINANCEIRO – SEGURO HABITACIONAL – IMÓVEIS COM DANOS – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – INEXISTÊNCIA
- "Se a relação de direito material deflui de contrato de seguro, é inaceitável a solidariedade passiva da seguradora com o agente financeiro". (Agravo de instrumento n. 9.656, de Palhoça. Rel. Des. Eder Graf. Julgado em 09.05.1995).
ILEGITIMIDADE ATIVA – AGRAVADOS QUE ADQUIRIRAM O IMÓVEL POR MEIO DE "CONTRATO DE GAVETA" – LEI 10.150/2000 – SUB-ROGAÇÃO DO CESSIONÁRIO NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO CONTRATO PRIMITIVO – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM CONFIGURADA
- "O adquirente de imóvel através de "contrato de gaveta", com o advento da Lei 10.150/200, teve reconhecido o direito à sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo. Por isso, tem o cessionário legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos". (STJ. REsp 705231/RS. Segunda Turma. Relª Minª Eliana Calmon. Julgado em 05.04.2005).
- Existindo prova de que o autor comprou o imóvel segurado via cessão e transferência de promessa de compra e venda, detém ele legitimidade para vir a juízo buscar da seguradora a indenização necessária para efetuar os reparos que comprometem a estrutura do bem". (Apelação Cível n. 2005.008602-9, de Palhoça. Relª Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta. Julgada em 21.03.2006).
CONTRATO DE SEGURO HABITACIONAL – RELAÇÃO DE CONSUMO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – APLICABILIDADE
- Há a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de seguro, por se tratar, claramente, de relação de consumo.
RECURSO DESPROVIDO" (Agravo de Instrumento n. 2006.013183-9, de Lages Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).
4. A lide, por outro lado, versa sobre a garantia securitária incidente sobre o imóvel, dizendo, portanto, com direito pessoal, de natureza obrigacional, entre a seguradora e adquirente. Não há incidência do regime jurídico ínsito aos direitos reais, porque a causa de pedir não exprime, perante terceiro, uma relação de sujeição entre o titular e a coisa, que a vincule àquele com os atributos de seqüela e prevalência, permitindo persegui-la nas mãos de quem quer que seja. Uma vez ausente a tônica do direito real, não há necessidade de assentimento do cônjuge para a propositura da ação (art. 10, CPC), cabendo observar, ademais, que "a admissibilidade de litisconsórcio ativo necessário envolve limitação a direito constitucional de agir; portanto, somente excepcionalmente pode-se admiti-lo" (REsp n. 750149/SP, Min. Denise Arruda).
5. Ainda, não há como acatar a tese de litisconsórcio passivo necessário com a CEF. Este, simples ou unitário, configura-se como "fruto da exigência da lei", porque "forçosa a incidência da sentença sobre a esfera jurídica de várias pessoas", e, "sem que todas elas estejam presentes no processo, não será possível emitir um julgado oponível a todos os envolvidos na relação jurídica material litigiosa e, conseqüentemente, não se logrará uma solução eficaz no litígio" (Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 98/100). Não é o caso. A CEF, como agente financeiro do SFH, se envolve com os mutuários numa relação jurídica de financiamento para a aquisição da casa própria, recebendo, ao longo dos anos, o capital cedido com o acréscimo de juros. Tal relação se esgota nos contornos do financiamento. O seguro, contrato embutido, constitui relação à parte, enredando, agora, a Caixa Seguradora e os segurados. A responsabilidade por essa relação securitária perante os segurados, distinta da originária, não pode, portanto, ser assacada ao agente financeiro. Sendo o seguro a causa única de pedir, não há falar, portanto, na imprescindibilidade na integração da CEF à lide, porque a prestação jurisdicional não vem para o efeito direto de acarretar-lhe obrigações diretas perante os sujeitos ativos do processo, não a sujeitando aos efeitos da decisão. Tampouco há interesse jurídico próprio a defender-se pela via da assistência, devendo as relações internas entre CEF e seguradora discutir-se em sede apta.
6. Perceptível, outrossim, a impossibilidade de se compelir a Caixa Econômica Federal a adentrar no feito como assistente, pois a assistência é instituto que pressupõe manifestação espontânea do terceiro interessado, não podendo ser fruto da vontade de um dos litigantes, como ocorre na situação em tela.
Reza, a propósito, o art. 50 do CPC:
"Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la."
Destarte, o agravo retido merece ser desprovido, in totum.
B) Apelação
No mérito, observa-se que a seguradora pretende se esquivar aos reparos no imóvel adquirido pelos autores, financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, ao argumento de que os danos aventados seriam decorrentes da ação do tempo e de agentes internos, hipótese em que não estariam cobertos pelas disposições do seguro habitacional.
Pois bem.
Reza a cláusula 3a do contrato:
"CLÁUSULA 3a – RISCOS COBERTOS:
3.1 – Estão cobertos por estas Condições todos os riscos que possam afetar o objeto do seguro, ocasionando:
incêndio;
explosão;
desmoronamento total;
desmoronamento parcial, assim entendido a destruição ou desabamento de paredes, vigas ou outro elemento estrutural;
ameaça de desmoronamento, devidamente comprovada;
destelhamento;
inundação ou alagamento;"
Mais adiante, por outro lado, enuncia a cláusula 4a:
"CLÁUSULA 4a – RISCOS EXCLUÍDOS:
4.1 – Estas Condições não responderão pelos riscos, prejuízos ou gastos que se verificarem em decorrência, direta ou indireta, de:
(...)
f) uso e desgaste.
4.2 – Entende-se por uso e desgaste os danos verificados exclusivamente em razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, ainda que cumulativamente, a:
a) revestimentos;
b) instalações elétricas;
c) instalações hidráulicas;
d) pintura;
e) esquadrias;
f) vidros;
g) ferragens;
h) pisos."
Ora, da leitura desta cláusula depreende-se que os vícios de construção não estão expressamente incluídos nas causas excludentes do dever de indenizar. Razoável, portanto, reconhecer que estão implícitos na cláusula anterior, pois é evidente que eventuais falhas na consecução da obra contribuem para a deterioração anormal dos bens, gerando risco de degradação e desmoronamento, total ou parcial, com o tempo.
Ademais, ainda que pairem dúvidas quanto ao enquadramento dos vícios de construção como causa de indenizar, não se pode olvidar que, "Quando as cláusulas do contrato de seguro oferecerem a possibilidade de mais de uma interpretação, deve-se adotar a que vem em benefício do segurado." (Apelação cível n. 1998.007257-3, de Palhoça, rel. Des. Nilton Macedo Machado)
Diante de tal quadro, basta verificar se os danos aventados pelos requerentes são normais, decorrentes da ação do desgaste pelo tempo, ou se são imputáveis a defeitos capazes de levar à ruína, pelo menos parcial, das obras, hipótese em que exsurge para a seguradora o dever de indenizar.
Compulsando a perícia efetuada no processo nota-se que foi dada a seguinte resposta aos quesito 03, 18 e 33, formulados pelos postulantes:
"03) Houve o emprego na construção dos imóveis de técnicas de edificação não recomendáveis que tenham diretamente favorecido o surgimento dos danos verificados?
Resposta: Sim, os danos encontrados estão ligados a deficiências da construção do imóvel e à não observância de cuidados mínimos exigíveis.
(...)
22) Existem fissuras, trincas ou rachaduras nas alvenarias?
Resposta: Sim, vide item 5.8."
23) Em caso positivo, elas são estacionárias ou tendem a se agravar?
Resposta: A tendência é de que os problemas com o revestimento continuem evoluindo enquanto não forem sanados.
(...)
26) Acaso as alvenarias dos imóveis não tenham recebido suficiente impermeabilização, quais as conseqüências possíveis para os imóveis ao longo do tempo?
Resposta: O comprometimento de todo o revestimento, bem como da própria alvenaria. Ressaltando-se também o risco a saúde dos ocupantes do imóvel tendo em vista a insalubridade do ambiente submetido a umidade.
(...)
33) Os danos existentes nos imóveis dos Autores podem evoluir, de imediato ou no futuro, com risco de desmoronamento parcial ou total, ou estão estabilizados?
Resposta: Sim, o problema com a umidade futuramente pode vir a desgraçar as alvenarias a ponto de as mesmas não suportarem as cargas da própria edificação (grifei)".
Claro, pois, que as casas foram mal edificadas e que, na hipótese de não serem feitos os reparos relacionados pelo expert, serão comprometidas as estruturas, advindo daí o risco de desmoronamento. Por conseguinte, restou caracterizada a hipótese de indenização securitária contemplada pelas alíneas "c" ou "d" da cláusula 3a da avença.
Neste norte, haure-se da jurisprudência deste Sodalício:
"SEGURO HABITACIONAL. RISCO DE DESMORONAMENTO ATESTADO DE FORMA CONTUNDENTE PELA PERÍCIA. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA DEVIDA.
'Comprovado o dano físico de natureza irremediável em imóvel coberto por apólice de Seguro Habitacional, cumpre à Companhia Seguradora adiantar o valor necessário à reposição do bem danificado ou, por sua conta e risco, restituí-lo ao estado equivalente àquele em que se encontrava imediatamente antes do sinistro' (JC 34/227, rel. Des. Napoleão Amarante)" (Apelação cível n. 2000.006700-8, de Laguna, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 01.04.02)
SEGURO HABITACIONAL - IMÓVEIS FINANCIADOS PELO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - CONSTATAÇÃO DE FALHAS DE CONSTRUÇÃO, QUE OCASIONARAM RISCO DE DESMORONAMENTO DESTES - COBERTURA PREVISTA NA APÓLICE - INOCORRÊNCIA DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA - CLÁUSULAS CONTRATUAIS AMBÍGUAS - INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DOS SEGURADOS - JUROS MORATÓRIOS FIXADOS À RAZÃO DE 12%, NÃO CONVENCIONADOS CONTRATUALMENTE - REDUÇÃO AO PATAMAR DE 6% - PEDIDO EXORDIAL, ALTERNATIVO, DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO EM DINHEIRO OU DE REPARAÇÃO DOS IMÓVEIS - SENTENÇA QUE FIXOU À SEGURADORA/RÉ O PRAZO DE 10 (DEZ) DIAS PARA O EXERCÍCIO DA OPÇÃO ENTRE UMA OU OUTRA FORMA DE INDENIZAÇÃO PARA O CASO DOS IMÓVEIS AINDA NÃO RECUPERADOS, CONDENANDO-A, OUTROSSIM, AO PAGAMENTO EM DINHEIRO NA HIPÓTESE DAQUELES JÁ CONSERTADOS - POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
Em se tratando de imóveis cobertos por apólice habitacional, detectando a prova técnica a existência de danos físicos de natureza irremediável, ensejando a pressuposição de ameaça de iminente desmoronamento, a tutela securitária faz-se devida, incumbindo à seguradora adiantar o importe necessário à reposição dos bens danificados ou, por sua conta e risco, restituí-los ao estado original. Dessa obrigação a seguradora somente se eximirá, acaso resulte comprovado à saciedade - e o ônus probatório quanto a isso é exclusivamente seu - que os danos se vinculam à má conservação dos imóveis financiados, caracterizando a culpa dos mutuários." (Apelação cível n. 2001.001537-0, de Joinville, rel. Des. Anselmo Cerello, j.15.10.01)
"SEGURO HABITACIONAL. IMÓVEIS FINANCIADOS PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. FALHAS CONSTRUTIVAS ALIADAS A CAUSAS EXTERNAS. RISCO DE DESMORONAMENTO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA SOBRE "RISCOS COBERTOS". CONTRATO DE ADESÃO. TUTELA SECURITÁRIA DEVIDA. MULTA DECENDIAL. LIMITAÇÃO AO VALOR DA INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. INDENIZAÇÃO DO CONTEÚDO. VERBA DEVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL COMPATÍVEL. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS DO IRB E DOS AUTORES. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA SEGURADORA. DECISUM CONFIRMADO.
Em se tratando de imóveis cobertos por apólice habitacional, detectando a prova técnica a existência de danos físicos de natureza irremediável, ensejando a pressuposição de ameaça de iminente desmoronamento, a tutela securitária faz-se devida, incumbindo à seguradora adiantar o importe necessário à reposição dos bens danificados ou, por sua conta e risco, restituí-los ao estado original. Dessa obrigação a seguradora somente se eximirá, acaso resulte comprovado à saciedade - e o ônus probatório quanto a isso é exclusivamente seu - que os danos se vinculam à má conservação dos imóveis financiados, caracterizando a culpa dos mutuários (...)." (Apelação cível n. 97.015829-7, de Palhoça, rel. Des. Trindade dos Santos).
Estabelecida a responsabilidade securitária, observa-se que o ressarcimento deverá ser pago em dinheiro, adotando-se aqui as razões expostas pelo Exmo. Des. Alcides Aguiar, que nos autos da apelação cível n. 48.257 afirmou:
"...o pagamento em dinheiro é que deve prevalecer se for contra indicada a restauração, contra-indicação, que, como nos presentes autos, resultaria do largo espaço de tempo decorrido do tumultuado relacionamento com a Seguradora, e, portanto, insuportável aversão dos autores em relação a ela; o processo não será extinto enquanto as casas não estiverem consertadas; surgirão questiúnculas a serem resolvidas judicialmente; a Seguradora optaria por reforma com economia de custos, e, portanto, com utilização de mão de obra desqualificada e material de baixa qualidade, enfim, que o pagamento em moeda é a forma mais simples e descomplicada do cumprimento da obrigação."
Quanto à alegação de que já foi pago pela seguradora o montante relacionado a serviços executados nos telhados das casas dos autores, destruídos após um vendaval ocorrido na região de Lages em 2003, não encontra respaldo na prova existente. Portanto, deve ser rejeitada a assertiva lançada, compondo aquela verba o total do montante indenizatório a cargo da demandada.
Já a assertiva segundo a qual seriam inaplicáveis juros de mora sobre a dívida, não merece maiores comentários, porquanto evidente o atraso no adimplemento da obrigação desde a citação, quando a seguradora foi instada ao seu pagamento, mas quedou inerte.
Por fim, reputa-se a ré apelante litigante de má-fé.
Como se verifica, argüiu em sede de agravo retido uma infinidade de teses contrárias a texto legal (art. 17, I), como a de carência da ação por falta de interesse processual, decorrente do não esgotamento da esfera administrativa antes do ajuizamento da lide; litisconsórcio ativo dos autores com os seus cônjuges; chamamento da CEF como assistente, o que somente seria viável por requisição própria desta. Também deve ser aplicada a sanção, pois ela lançou argumentos absolutamente despropositados, a título de litisconsórcio passivo necessário, tudo sempre com o objetivo de desviar o foco central do processo, ou seja, “enrolar” o juízo, intentando tornar complexa uma questão de simples resolução, o que bem denota a falta de consciência sobre o real escopo da atividade jurisdicional. Seu intento, é fácil perceber, foi o de tornar muito maçante a abordagem da causa, sonhando que assim o órgão julgador postergasse o seu julgamento, o que para ela, infelizmente, não ocorreu, tanto é que o apelo está sendo apreciado menos de um ano após ter ascendido a esta Corte.
Com esta atitude não pode se compadecer o Poder Judiciário, merecendo incidência as penas do art. 17 do CPC, quiçá ainda majoradas acaso a seguradora oferte eventuais aclaratórios insistindo nas alegações, como de praxe, hipótese em que a multa do art. 538 do Digesto Processual pátrio ser-lhe-á aplicada.
Como assentou o Des. Trindade dos Santos, na apelação cível n. 2002.027979-5, “litigância de má-fé existe quando a parte, buscando firmar um convencimento judicial destoante da realidade e, pois, distorcido em seu favor, traz a juízo alegações completamente desarrazoadas, embromatórias e sem o menor apoio nos autos”.
Destarte, com fulcro no art. 17, I, VI e VII, c/c o art. 18, caput e § 2º, ambos do CPC, comino à apelante, de ofício, multa de 1% e indenização no patamar máximo legal, de 20% sobre o valor da causa atualizado, em favor dos apelados. Na atual conjuntura, em que os três Poderes e a sociedade concentram forças para tornar mais célere a tramitação dos processos, impossível relevar abusos do direito de demandar.
B) Apelação dos autores.
Finalmente, é perfeitamente aplicável sobre a verba indenizatória a multa 1% ao mês prevista na cláusula 17.15.6.1. das "condições particulares para riscos de danos físicos" do seguro. A circunstância de não ter havido aviso de sinistro prévio não impede a incidência da sanção a partir da citação, momento em que a pretensão dos autores passou a sofrer resistência pela seguradora, constituída em mora a partir dali. Ora, a sanção serve justamente para compelir atrasos desarrazoados, incidindo assim desde o momento em que deveria ter sido pago o ressarcimento, ou seja, desde quando requerido contra a seguradora em juízo.
Por fim, registre-se que "o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal" (art. 412 do CC atual).
DECISÃO
Ante o exposto, acordam, em Primeira Câmara de Direito Civil, à unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao apelo da ré, impondo-lhe, ainda, condenação por litigância de má-fé, e dar provimento ao recurso dos autores.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Henry Petry Junior e Marli Mosimann Vargas.
Florianópolis, 11 de setembro de 2007.
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
PRESIDENTE E RELATORA
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Seguro hatibatacional. Preliminares de ilegitimidade ativa e passiva. Danos nos imóveis preponderantemente causados por vícios na construção, devidamente comprovada por meio de perícia. Risco de desmoronamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2010, 10:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/19782/tjsc-civil-seguro-hatibatacional-preliminares-de-ilegitimidade-ativa-e-passiva-danos-nos-imoveis-preponderantemente-causados-por-vicios-na-construcao-devidamente-comprovada-por-meio-de-pericia-risco-de-desmoronamento. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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