EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USO NOCIVO DA PROPRIEDADE COM PRECEITO COMINATÓRIO – SERVIDÃO DE PASSAGEM – RESES SOLTAS – DIFICULDADE NA PASSAGEM DE AUTOMÓVEIS E PESSOAS – IMPOSSIBILIDADE DE O PRÉDIO SERVIENTE SER AGRAVADO ALÉM DO NECESSÁRIO PARA O USO DO PRÉDIO DOMINANTE – SENTENÇA MANTIDA – DESPROVIMENTO
Na servidão não é possível o prédio serviente ser agravado além do necessário para o uso do prédio dominante.
Se a servidão de trânsito acontece no interior de um potreiro, não pode o proprietário do prédio serviente ser forçado a tirar seu gado, principalmente em não sendo demonstrado que o gado impossibilita a passagem de automóveis ou pessoas.
RECURSO ADESIVO – SERVIDÃO CONFIGURADA – HIGIDEZ DAS PROVAS – SENTENÇA EXTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO
Havendo forte prova testemunhal dando conta que os vizinhos utilizam a passagem há longa data, há que ser reconhecida a servidão de passagem.
"O pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (STJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.039381-7, da comarca de Chapecó (3ª Vara Cível), em que são apelantes/recorridos adesivos Sérgio Ribeiro de Mello e outro, e são apelados/recorrentes adesivos Vilson Bressan e outro:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento aos recursos. Custas de lei.
RELATÓRIO
Sérgio Ribeiro de Mello e Oliva Francescon Ribeiro de Mello ajuizaram ação cominatória, autuada sob o n. 018.03.009588-0, contra Vilson Bressan e Carmelina Bressan, alegando, resumidamente, ser proprietários rurais vizinhos dos réus, onde sua propriedade encontra-se encravada, fazendo uso de uma única estrada que passa por terras dos requeridos.
Asseveraram que os réus passaram a deixar o gado solto em sua propriedade, e que os animais transitam pela a estrada que dá acesso à propriedade dos autores, causando sérios danos.
Afirmaram que há perigo para os veículos e os pedestres que transitam pelo caminho.
Mencionaram que esse fato traz inúmeros prejuízos, já que veículos de carga que trazem adubos e insumos à propriedade dos autores e aqueles que escoam a produção agrícola avisaram que não passarão mais, ante o perigo a que estão expostos, seja pela interrupção do tráfego pelos animais, seja pelo risco de acidentes com eles.
Explicaram que há, também, perigo à integridade física de seus filhos, crianças de 9 (nove) e 12 (doze) anos de idade, que se utilizam da estrada.
Asseguraram que os requeridos já foram notificados judicialmente, mas continuam a deixar seus semoventes soltos, interrompendo o acesso e deixando que invadam diariamente sua propriedade.
Certificaram que os requeridos devem ser condenados a retirar os bovinos que, livremente, se utilizam do caminho, aprisionando-os ou construindo cercas que impeçam os animais de utilizarem a via, sob pena de multa diária a ser fixada.
Por fim, pugnaram pela produção ampla de provas e procedência do pedido inicial (fls. 22 a 28).
A conciliação foi inexitosa (fl. 51).
Devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação, rechaçando os argumentos expedidos na exordial (fls. 52 a 57).
Foi determinada diligência no local à Polícia Civil de Planalto Alegre, tendo o investigador responsável juntado relatório (fls. 79 a 91).
A antecipação de tutela foi indeferida (fls. 97 e 98).
Designada audiência de instrução e julgamento, inexitosa a conciliação, foi coletada a prova oral (fls. 132 a 139).
Alegações finais por memoriais apresentada apenas pelos requeridos (fls. 141 a 147), embora ambas as partes tenham sido intimadas.
Sentenciando o feito, o Magistrado a quo julgou improcedente o pedido formulado na inicial, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil. Condenou os autores ao pagamento das despesas processuais, bem como em honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil (fls. 154 a 160).
Irresignados com o decisum, apelaram os autores sustentando a existência de uso nocivo da propriedade pelos apelados e requerendo a reforma da sentença com o deferimento do pleito cominatório (fls. 164 a 168).
Em suas contra-razões, pugnaram os apelados pelo desprovimento do recurso e a manutenção da decisão objurgada (fls. 177 a 180).
Os réus apresentaram recurso adesivo com o fim de reconhecer a inexistência de servidão de passagem sobre o imóvel de sua propriedade ou, alternativamente, reconhecer a nulidade do decisum na parte em que reconheceu a existência da servidão, por tratar-se de julgamento extra petita (fls. 188 a 192).
Em suas contra-razões, pugnaram os apelados adesivos pelo desprovimento do recurso e a manutenção da sentença objurgada, na parte em que os apelantes adesivos alegam lhes ser contrária (fls. 203 a 208).
Após, os autos ascenderam a esta Corte.
VOTO
O conteúdo da postulação há de ser apreciado ante a presença dos requisitos de admissibilidade do recurso.
Extrai-se dos autos que os apelantes são proprietários rurais vizinhos dos apelados, sendo a sua propriedade encravada, fazendo uso de uma única estrada que dá acesso à propriedade, que passa por terras dos recorridos.
Alegam pelos documentos juntados no caderno processual que inúmeras vezes os gados dos apelados invadiram sua propriedade, o que se revela em uso nocivo da propriedade pelos recorridos.
Os apelantes utilizam-se da via na propriedade dos apelados como servidão de passagem.
O Código Civil ao tratar das servidões, assim dispõe em seu artigo 1.378:
Art. 1.378. Impõe-se a servidão predial a um prédio em favor de outro, pertencente a diverso dono. Por ela perde o proprietário do prédio serviente o exercício de alguns de seus direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que ele se utilize, para certo fim, o dono do prédio dominante.
Sílvio de Salvo Venosa, discorrendo sobre o tema assevera:
Por tradição à origem histórica, no Código Civil de 1916 encontra-se a epígrafe Das servidões prediais, na verdade servidões propriamente ditas, porque usufruto, uso e habitação não merecem mais a denominação de servidões pessoais.
[...]
Nas servidões prediais, que ora nos interessam, estabelece-se relação de serviência, submissão (recordando-se a compreensão etimológica do vocábulo servitus) entre dois imóveis, independentemente de quem sejam seus titulares. [...] "As utilidades, cujo gozo o direito de servidão propicia, devem ser utilidades suscetíveis e serem gozadas por intermédio de outro prédio – o prédio dominante" (Moreira, Fraga, 1970-1971:305). Se a serventia não tem utilidade para o prédio (para qualquer que venha a ser seu dono, enfiteuta, usufrutuário, usuário, ou habitador), não há servidão; pode ocorrer mera relação jurídica pessoal entre sujeitos (Miranda, 1971, v. 18:197).
[...]
A servidão predial é concebida como direito estabelecido em imóvel sobre outro imóvel (in Direito Civil, 6ª edição, Direitos reais, Editora Atlas, São Paulo, 2006, p. 431 e 432).
Distinguindo a servidão da passagem forçada, doutrina o mesmo autor:
[...] a servidão é direito real sobre coisa alheia, enquanto a passagem forçada decorre da vizinhança e do encravamento de um prédio.
[...]
A servidão de trânsito pode ser estabelecida em favor de prédio não encravado, apenas para tornar mais cômoda a utilização do prédio dominante, decorrendo da vontade das partes (op. cit., p. 289).
A servidão de trânsito distingue-se da de passagem forçada, porque esta é imposta por lei mediante indenização apenas em favor do titular do prédio onerado.
Em resposta ao Ofício n. 1925/2003, da 3ª Vara Cível da comarca de Chapecó, o investigador policial do Planalto Alegre, cumprindo diligência, ao analisar a passagem alternativa aventada pelos apelados, descreveu que:
Outra possibilidade é a saída pelos fundos da propriedade de Sérgio, dando acesso à estrada da comunidade de Água Suja, porém é prejudicial para Sérgio, pois torna-se mais distante e de dificuldades para o acesso dos caminhões de insumos e demais utilitários usados na propriedade (fl. 90).
Embora a servidão não esteja formada, como dispõe o artigo 1.378, do Código Civil, dá ensejo a sua defesa possessória, admitindo aos apelantes ajuizar ação para interromper eventual esbulho ou turbação por parte dos proprietários do prédio serviente.
César Fiuza ensina que:
O titular do prédio serviente será indenizado por todos os danos que sofrer em virtude do exercício da servidão, na hipótese de culpa do titular do prédio dominante. Poderá, outrossim, remover a servidão de um local para outro, desde que não diminua as vantagens do dominante (in Direito Civil - Curso Completo, 8ª edição, editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004, p. 847)
Assim determina a Súmula 415 do STF – Supremo Tribunal Federal:
Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória.
Ocorre que na servidão, não é possível o prédio serviente ser agravado além do necessário para o uso do prédio dominante; in casu, se a servidão de trânsito acontece no interior de um potreiro, não pode o proprietário do prédio serviente, no caso, os apelados, ser forçado a tirar seu gado, principalmente em não sendo demonstrado que o gado impossibilita a passagem de automóveis ou pessoas.
O Código Civil ao tratar do assunto, assim dispõe em seu artigo 1.385:
Art. 1.385. Restringir-se-á o uso da servidão às necessidades do prédio dominante, evitando, quando possível, agravar o encargo ao prédio serviente.
§ 1º. Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro.
Sílvio de Salvo Venosa, discorrendo sobre o tema assevera:
As servidões, assim como o condomínio e os direitos de vizinhança, acarretam pontos de discórdia porque implicam a utilização de coisa comum e na proximidade de propriedades. [...] não pode o titular de servidão de passagem colocar em risco a segurança do prédio serviente, deixando, por exemplo, de fechar porteiras ou trancas no acesso.
[...]
Desse modo, se a servidão permite somente a passagem a pé, não podemos passar a cavalo (op. cit., p. 443).
Mais do que em qualquer outra situação em que é avaliada a finalidade social da propriedade, a servidão deve ser utilizada pelo prédio dominante da forma mais adequada possível. A interpretação de uma servidão é sempre restritiva.
Não é abusivo o ato dos apelados deixar gado bovino solto no acesso à passagem na servidão de trânsito, pois não estão vedando referida passagem.
De qualquer maneira, mesmo que o gado conduza perigo às pessoas e veículos conforme narrado, as obras indispensáveis para o impedimento precisam ser efetivadas pelo proprietário do prédio dominante, in casu, os apelantes, restringindo-se à construção de cercados na beira da estrada, não lhe competindo o direito de reclamar que o proprietário do prédio serviente retire seu gado do potreiro.
Assim determinam os artigos 1.380 e 1.381 do Código Civil:
Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos.
Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser o título.
Doutrina Sílvio de Salvo Venosa:
A regra geral é atribuir ao dono do prédio dominante a manutenção da servidão (op. cit., p. 445).
Dessa maneira, não só a construção de cercados à beira da estrada, se comprovada a necessidade, deverão ser efetivadas pelos apelantes, como, também, a conservação do caminho. Se o gado entra na propriedade dos recorrentes estes tem a obrigação de providenciar a edificação de portões apropriados, não concorrendo esta tarefa aos apelados.
Desse modo, impõe-se o desprovimento do apelo.
Do recurso adesivo
Sustentam os recorrentes a inexistência de servidão de passagem sobre o imóvel de sua propriedade.
Requerem o reconhecimento da inexistência de servidão ou, alternativamente, que seja admitida a nulidade do decisum na parte em que constatou a existência de tal servidão, por tratar-se de julgamento extra petita.
De início, cumpre salientar que os recorridos adesivos fazem uso da estrada na propriedade dos recorrentes adesivos como manifesta servidão de passagem.
In casu, não há como não admitir a existência de interesse das partes em formar servidão de passagem, já que não se pode aceitar o que ocorre naquela ser reputado como conduta de mero consentimento. Analisando o caderno processual, ainda que não seja seu dever, os recorrentes efetuaram obras na estrada para proveito dos recorridos, realizando atos evidentes para manutenção da servidão. E essa servidão foi criada como forma de tornar mais fácil o ingresso dos recorridos à estrada, como também a entrada de caminhões para a condução de insumos e escoamento da produção.
Os próprios recorrentes adesivos, em sua contestação, admitem que, antigamente e por sua mera liberalidade, a via era usada como estrada de ingresso à propriedade dos recorridos adesivos:
Convém esclarecer que antigamente os requeridos possuíam um portão no seu potreiro e, somente há cerca de 6 (seis) anos atrás, por insistência dos autores permitiram que estes utilizassem a passagem por dentro do mesmo (fl. 54).
A presente alegação contribuiu para concluir que a servidão existe e que foi consentida pelos recorrentes. Esse, no entanto, é um fator que colabora para consolidar a vontade das partes em formar a servidão, objetivando facilitar o ingresso à estrada pelos recorridos.
Em resposta ao ofício n. 12/2003, emitido pela 3ª Vara Cível da comarca de Chapecó, a autoridade policial informou todos os procedimentos adotados na presente situação.
O investigador relatou que ao conversar com o recorrente, este alegou que, por solicitação do recorrido, concedeu o acesso sendo que desde então a Prefeitura Municipal de Planalto Alegre vem efetuando a manutenção da estrada.
No mesmo sentido são as declarações de André Paulo Camatti, na audiência de instrução e julgamento:
Antigamente nas divisas haviam porteiras, as quais foram retiradas para dar melhor acesso aos caminhões que chegavam na propriedade do Sérgio. [...] Os filhos do Sérgio usam a estrada para pegar ônibus para ir para escola (fl. 133).
Observa-se, por meio do depoimento transcrito, que foram retiradas as porteiras que existiam nas divisas no passado para dar melhor ingresso dos caminhões até a propriedade do recorrido adesivo. Se a retirada dos portões ocorreu, foi por acordo de ambas as partes; no entanto, não há falar em inexistência de servidão.
Plínio Dallacorte, ex-prefeito do Município de Planalto Alegre, declarou:
A propriedade do Sérgio possui a possibilidade de um outro acesso, pelos fundos, o qual dependeria da anuência de no mínimo dois proprietários que há nos fundos, mas estes já se manifestaram contrários, até porque têm conhecimento dos desentendimentos do Sérgio e do Vilson e também porque vai mexer na propriedade deles. [...] O ano passado, eu solicitei ao Vilson e ao Sérgio que fizessem a manutenção dos mata-burros, pois, considerando que a estrada passou a ser considerada pública, qualquer acidente com os caminhões que ali transitam poderia gerar responsabilidade ao município. [...] O proprietário anterior ao Sérgio utilizava o mesmo acesso. [...] no mapa rodoviário do município foram registrados todos os acessos a propriedades, e o município considera pública toda a estrada em que o mesmo faz a manutenção (fl. 134).
Do relato acima, conclui-se que pelo fato de haver informação dos desentendimentos entre as partes, bem como porque serão alteradas suas propriedades, os proprietários de terras que dão acesso à propriedade do recorrido não querem consentir em abrir uma entrada para Sérgio. Se já existe a servidão, que passa pelas terras do recorrente, não há mexer em outras propriedades, até mesmo porque existiriam outros problemas a ser solucionados.
Ressalta-se, ainda, que a via passou a ser considerada pública. Desse modo, não restam dúvidas quanto à servidão existente.
No caso em apreço, dos depoimentos colhidos na instrução do presente feito, extrai-se o seguinte relato:
Se eu tivesse que passar por uma outra estrada, que o Sérgio comentou que eles iriam abrir, eu não mais pegaria o leite deles, pois seriam mais oito quilômetros a mais para eu percorrer (Batista Alberto Perosso, fl. 136).
Nota-se que em não reconhecendo a servidão, até porque esta já foi comprovada pelos documentos acostados, bem como pelo depoimento das testemunhas arroladas, o recorrido seria prejudicado financeiramente, pois as pessoas que compram seu leite, o deixariam de fazer pela dificuldade de acesso à sua propriedade.
No mesmo sentido são as declarações de Claudir Antonio Camatti:
Faz uns dez anos que o Sérgio possui aviário, e antes havia portões nas divisas, e para facilitar o trânsito dos caminhões, que vão até a propriedade do Sérgio, os portões foram retirados, num acerto que houve entre Sérgio e Vilson, e acho que também a prefeitura, e então foram colocados mata-burros.
Dos relatos acima, conclui-se que existe servidão de passagem sobre o imóvel de propriedade do recorrente.
Com efeito, em se tratando de propriedade particular, a prova testemunhal torna-se fundamental à demonstração de servidão de passagem.
Ao reverso do que aduzem os recorrentes, verifica-se que a prova oral produzida traz a assertiva de que existe servidão de passagem sobre o imóvel de sua propriedade.
A respeito, encontramos perante o Superior Tribunal de Justiça:
SERVIDÃO DE PASSAGEM. CARACTERIZAÇÃO. SINAIS EXTERIORES DO ANTIGO CAMINHO. PROVA HÁBIL.
Segundo enuncia a súmula n. 415-STF, "servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória". Admissão das provas pericial e testemunhal para fins de caracterizar-se a existência da servidão, não se exigindo para tanto a efetivação de qualquer outro ato formal.
Recurso especial não conhecido (REsp n. 98695/MG, Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, j. em 4-11-1999).
E nos demais Tribunais Pátrios:
POSSESSÓRIA. Servidão de passagem. Utilização de caminho na base de morroque permite a passagem de automóvel. Impossibilidade do uso da encosta, que só permite o acesso apenas a pé. Necessidade do escoamento de produção agrícola. Utilização da passagem por muitos anos, consoante exteriorizado por sinais visíveis. "Ius in re aliena" caracterizada independentemente de título. Súmula n. 415 do STF. Manutenção de posse procedente. Recurso improvido. (TACSP, AI 795673-4, Primeira Câmara, rel. Juiz Luiz Correia Lima, j. em 19-10-1998).
Em tal situação, conclui-se, que a fase instrutória, com a realização da prova testemunhal, foi indispensável para o deslinde da ação, uma vez que necessária para verificar a existência da servidão de passagem.
Por outro lado, não existiu julgamento extra petita.
Dispõe o art. 128 do Código de Processo Civil que compete ao julgador decidir "a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".
Comentando o referido dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery acentuam:
O autor fixa os limites da lide e da causa de pedir na petição inicial (CPC 128), cabendo ao juiz decidir de acordo com esse limite. É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra e infra) do pedido. Caso o faça, a sentença estará eivada de vício, corrígivel por meio de recurso. A sentença citra ou infra petita pode ser corrigida por meio de embargos de declaração, cabendo ao juiz suprir a omissão; a sentença ultra ou extra petita não pode ser corrigida por embargos de declaração mas só por apelação. Cumpre ao tribunal, ao julgar o recurso, reduzi-las aos limites do pedido (in Código de processo civil comentado e legislação extravagante, 7. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 779).
De fato, cumpre ao magistrado julgar a lide dentro do requerido pelos autores. Contudo, o pedido não deve ser apenas extraído da parte final da petição inicial, mas, sim, da interpretação lógico-sistemática desta, considerando os requerimentos constantes no corpo da exordial, ainda que feitos de forma implícita, bem como a causa de pedir e sua fundamentação.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO "ULTRA PETITA". NÃO-CARACTERIZAÇÃO. PEDIDO EXISTENTE NO CORPO DA PETIÇÃO, EMBORA NÃO CONSTASSE DA PARTE ESPECÍFICA DOS REQUERIMENTOS. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO, A PARTIR DE UMA ANÁLISE GLOBAL DA PETIÇÃO INICIAL. PRECEDENTE. RECURSO DESACOLHIDO.
- O pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica "dos pedidos" (STJ, REsp n. 120.299, do Espírito Santo, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, j. em 25-6-1998, DJ de 21-9-1998, p. 173).
Com efeito, da exordial, extrai-se o pedido dos autores (fls. 02 a 12), haja vista que a ação foi nominada como ação de uso nocivo da propriedade com preceito cominatório e, mesmo não havendo pedido expresso de declaração de servidão de passagem nos requerimentos finais, pode-se concluir de forma clara, com a narração dos fatos, que os demandantes pretendem o reconhecimento da servidão. Vejamos trecho da explanação dos autores em sua inicial:
[...] Os requerentes ingressam em Juízo, objetivando receber prestação jurisdicional sentencial, que condenem os requeridos a retirarem os semoventes bovinos que livremente se utilizam da estrada que dá acesso a propriedade dos requerentes e freqüentemente adentram a tal propriedade [...] (fl. 05)
[...] os requerentes tem o direito de circular pela propriedade sem a presença dos semoventes dos requeridos [...] (fl. 06)
[...] terão inviabilizado o recebimento de insumos e adubos agrícolas e o escoamento da produção agrícola, pela presença contínua dos semoventes sobre a estrada de acesso e sobre a propriedade dos requerentes [...] (fl. 06)
Dessa feita, em que pese não constar de forma explícita o pedido de declaração de servidão de passagem, constou ele na fundamentação da petição inicial, não havendo motivos para declarar a nulidade da decisão que o acolheu.
A respeito, extrai-se da jurisprudência:
Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Ação de indenização por danos pessoais e materiais julgada procedente. Recurso especial. Alegação de ofensa aos arts. 293, 459 e 460, do Código de Processo Civil. Julgamento Extra petita. Inocorrência. Dano pessoal. Configuração.
I - Não ocorre julgamento extra ou ultra petita na hipótese em que o tribunal reconhece os pedidos implicitamente formulados na inicial.
II - O princípio de que os pedidos são interpretados restritivamente não impede que os implícitos sejam conhecidos.
[...]
(STJ – REsp n. 222.644, do Rio Grande do Sul, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. em 19-5-2005, DJ 13-6-2005, p. 287) (sublinhei).
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO GENÉRICO. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA PEÇA INICIAL. PRECEDENTES.
1. Os pedidos, como manifestações de vontade, devem ser interpretados à luz do princípio da efetividade e da economia processual, que visam conferir à parte um máximo de resultado com um mínimo de esforço processual. O pedido de indenização engloba perdas e danos de natureza material e moral.
2. Inexiste julgamento extra petita e, em conseqüência, ofensa aos arts. 128 e 460, do CPC, quando o Tribunal interpreta de forma ampla o pedido formulado na petição inicial. Isto porque, "o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (STJ, AgRg no Ag n. 468.472, do Rio de Janeiro, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 20-5-2003, DJ de 2-6-2003, p. 194).
Diante do exposto, é medida de rigor desprover o recurso adesivo, mantendo-se incólume a sentença de primeiro grau.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao apelo e ao recurso adesivo.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Salete Silva Sommariva.
Florianópolis, 29 de maio de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Apelação. Ação de uso nocivo da propriedade com preceito cominatório. Servidão de passagem. Reses soltas. Dificuldade na passagem de automóveis e pessoas. Impossibilidade de o prédio serviente ser agravado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2010, 18:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/22431/tjsc-civil-apelacao-acao-de-uso-nocivo-da-propriedade-com-preceito-cominatorio-servidao-de-passagem-reses-soltas-dificuldade-na-passagem-de-automoveis-e-pessoas-impossibilidade-de-o-predio-serviente-ser-agravado. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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