EMENTA: DIREITO CIVIL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. AMBIENTE FAMILIAR INADEQUADO PARA A FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DA CRIANÇA, CONFORME RETRATADO NOS ESTUDOS SOCIAIS E DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS. PRÁTICA DE ATOS CONTRÁRIOS À MORAL E AOS BONS COSTUMES. IMPOSSIBILIDADE DE PROPICIAR O SAUDÁVEL DESENVOLVIMENTO DO INFANTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Comprovada a prática reiterada de atos contrários à moral e aos bons costumes pela apelante — com 14 anos de idade — e sua família, onde nenhum deles apresenta condições psíquicas e morais para exercer as funções parentais, é imperativa a destituição do poder familiar (art. 1.638, inc. III, do CC c/c art. 24 do ECA), para que se possa proporcionar à criança uma formação saudável e, acima de tudo, uma existência digna.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.006789-1, da comarca de Coronel Freitas (Vara Única), em que é apelante M. A. A. de O., e apelado Representante do Ministério Público:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.
RELATÓRIO
Sentença lançada pela magistrada Nádia Inês Schmidt — cujo relatório adoto (fls. 141/143) — julgou procedente o pedido, com base no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, formulado na ação de destituição do poder familiar n. 085.07.000740-8, da comarca de Coronel Freitas, proposta pelo Representante do Ministério Público contra M. A. A. de O. representada por seus pais M. F. de L. e S. A. de O.,
para decretar a destituição do poder familiar de M. A. A. de O. representada por seus genitores [...], em relação ao seu filho C. E. A. de O., nascido em 24.06.2007, nos termos do art. 24, 155 a 163, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c os arts. 1.635 e 1.638 do Código Civil.
Inconformada com o teor do decisório, apelou a vencida (fls. 163/178), alegando, em suma, o seguinte: a) o Representante Ministerial ajuizou ação de destituição do poder familiar contra si, em virtude de ter engravidado aos 13 anos de idade e não possuir condições financeiras para sustentar o filho; b) a interpretação e a aplicação da lei se sobrepôs ao direito do poder familiar, desrespeitando a Constituição Federal; c) a sentença proferida não considerou a vontade da apelante, do pai e dos avós maternos de criar seu filho; d) improcede a alegação de promiscuidade sustentada pelo apelado, pois, fulcrada em declarações impertinentes, desvinculadas da realidade fática dos autos; e) não são verdadeiras as afirmações de que o pai não assumiu o filho, e, ademais, este tem plenas condições financeiras para o sustento da criança; f) também não é verdade que o pai da apelante abandonou a família, apenas trabalha de segunda à sexta em cidade vizinha e nos finais de semana convive com a família; e, g) o Estado deve assegurar o convívio familiar, além de colocar os filhos a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão, no entanto, não foi o que o Conselho Tutelar e a assistente social do município de Coronel Freitas realizaram durante o acompanhamento de sua gravidez.
Requereu o benefício da gratuidade judiciária e o provimento do recurso para a total reforma da sentença.
Acostou documentos (fls. 180/184).
Em sede de juízo de admissibilidade realizado em Primeiro Grau, foi concedida a justiça gratuita à apelante, isentando-a do recolhimento do preparo recursal (fl. 186).
Respondendo ao recurso (fls. 187/202), o apelado argumentou, em síntese, que a sentença merece ser mantida na íntegra.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 209/213).
É o relatório.
VOTO
Admito o reclamo, e, como razão de decidir, transcrevo as oportunas ponderações do Dr. Paulo Roberto de Carvalho Roberge, digno Procurador de Justiça.
Ei-las:
"O recurso satisfaz os pressupostos de admissibilidade, eis que próprio e tempestivo, com a recorrente dispensada do preparo (fl. 186), merecendo ser conhecido.
Não merece, todavia, provimento.
De plano cumpre registrar que é cediço que a pobreza, como se sabe, não justifica a destituição do poder familiar. A situação retratada nos autos — ao contrário do defendido no recurso —, entretanto, não é de pobreza material, mas de completa ausência de condições de ordem psicológica e moral de [M. A.], menor, com 14 anos de idade, de propiciar o desenvolvimento adequado a seu filho.
O Estatuto da Criança e Adolescente em seu artigo 22, assim como o Código Civil de 2002, art. 1.634, principalmente nos incisos I e II, prevêem competir aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores.
A não observação destes deveres, por configurar os crimes de abandono material, moral e intelectual (previstos, respectivamente, nos artigos 244, 246, 245, 247 do Código Penal), pode acarretar a perda do poder familiar, pois que configura verdadeira violência contra a criança. Vale registrar que a destituição do poder familiar não fica restrita às hipóteses de violência física, assim entendida a agressão propriamente dita, da qual resultam lesões corporais, mas também àquelas em que se configura o abandono que, juntamente com a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, reclamam a adoção da medida extrema, conforme previsto no inciso III do artigo 1.648 do CC.
Colhe-se dos autos que [M. A.] engravidou com apenas 13 anos de idade, seguindo o mesmo destino de sua mãe, [M. de L.] (fl. 56), gravidez a qual somente tomou conhecimento no 6º mês de gestação quando consultou no Posto de Saúde da Cidade onde vive, queixando-se de dor abdominal. Nesta Consulta, conforme se verifica do relato da assistente social (fls. 07/13), a apelante apresentava sérias lesões no útero em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis, tais como DST — condiloma acuminado — e HPV (fl. 10), sabidamente uma das causas de câncer uterino.
E em que pese a recorrente afirme que o pai do pequeno [C. E. A. de O.] seja [C. L. F], perante a assistente social e a conselheira tutelar demonstrou não ter certeza quanto à paternidade de seu filho relatando que tanto poderia ser [C. L. F.] quanto [É. dos S.] (fl. 15).
Da prova amealhada, tanto por meio dos estudos sociais realizados (fls. 07/13 e 53/62) quanto pelo depoimento das testemunhas (fls. 73/87 e 97/102) prestado em Juízo, é incontroverso o fato de que [M. A.] e sua mãe, [M. L.], promoviam festas para adolescentes na residência das mesmas, regada à bebida alcoólica, mantendo com estes relações sexuais. Também consta, especialmente no Estudo Social (fl. 59), que [M. L.] sempre se prostituiu, levando [M. A.] a trilhar o mesmo caminho, havendo notícias de que nestas ocasiões quando faltava comida saiam para furtar alimentos (salame, queijo e galinha) (fl. 58).
A conduta promíscua da apelante (e de sua mãe), pelo que se observa no depoimento da conselheira tutelar que acompanhou [M. A.] nas consultas médicas (que comparecia somente por intervenção do Conselho Tutelar) não cessou mesmo após o nascimento de seu filho (fl. 73).
Importante também, o relato da assistente social relativamente às vistas de [M. A.] ao Abrigo — impressões repassadas pela guardiã do Abrigo, Sra. Rosa:
Que [M. A.] não demostra amor pelo filho, que o segura nos braços, por orientação da Sra. [M. L.], mas que se senta em frente à TV e fica envolvida esquecendo de olhar a criança, que fica "solta" em seu colo e que apesar da insistência de Rosa, ela não quer dar banho nem fazer troca de fraldas. Que sempre manda Rosa fazer porque diz que não sabe ou não quer fazer (fl. 60).
Já por ocasião do primeiro Estudo Social (22.06.2007) a assistente social registrava que [M. A.] demostra ser alienada, ausente, não se manifesta quando questionada e não mostra interesse pela própria saúde. Claramente não tem compreensão da dimensão dos problemas que enfrenta (fl. 11).
É inegável o acerto da magistrada ao decidir pela perda do poder familiar, eis que indisfarçável a falta de condições de ordem psicológica da apelante em manter o menor sob sua guarda.
Não há que se perder de vista que o interesse primordial a ser protegido é o da criança, que deve estar livre de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme assegura a Constituição Federal, em seu artigo 227. E como a recorrente não possui condições para exercer o poder familiar, a destituição é imperativa para que o infante possa se desenvolver de forma saudável e tenha uma vida com um mínimo de dignidade, sendo este o bem jurídico mais relevante e que deve ser preservado.
Por evidente que não há como se agasalhar a pretensão de colocação da criança sobre a guarda da mãe da apelante, uma vez que ela própria já não foi capaz de criar de forma digna sua filha, a ora apelante.
Igualmente não se poderia admitir que fosse a guarda do pequeno [C. E. A. de O.] conferida ao avô materno, [S. A. de O.], porquanto foi para a recorrente um pai ausente, tanto que com sua conduta omissiva contribuiu para a problemática instalada (fl. 57), fato que ele próprio reconhece. Não se pode ainda deixar de consignar, como bem destacou a magistrada, que seu dever paterno não se limita a pagar despesas da família (fl. 151).
Também não haveria como buscar a colocação da criança sob a guarda de [C. L. F.], pessoa que, a princípio, é totalmente estranha e não obstante tenha sido apontado como possível pai, ele próprio, além de fazer referências às "festas" realizadas na residência de [M. L.], deixa evidente não ter certeza sobre a alegada paternidade, a qual somente poderia ser confirmada através de exame DNA.
Registre-se que o próprio [C.], ao afirmar em juízo (fl. 90) que participava das festas promovidas por [M.], irmão de [M. L.]; que ao que sabe [T. da R.], [C. da S.], [D. da S.], entre outros freqüentava a cada de [M. L.] durante o tempo em que [M.] morou lá; (...) que [C.], que ele é seu amigo; que freqüentava a casa de [M. L.] quando o depoente estava lá, acaba reforçando todos os elementos e denúncias que revelavam a prostituição e a total falta de valores morais daquela família. Flagrante, de outro lado, a inércia com que houve ao longo do processado, jamais tomando qualquer atitude de proteção ou que revelasse interesse pela criança (fl. 90) e em assumir eventual papel de pai.
Não obstante reconheça que a ação do Estado não pode ficar limitada à medida de proteção adotada em favor do recém nascido, pois que deve avançar também objetivando assegurar proteção à [M. A.], com estudo sobre a possibilidade de inclusão da família em programa assistencial, a verdade é que a manutenção dos laços consangüíneos não deve prevalecer sobre o melhor interesse da criança, que sempre há de ser a prioridade absoluta nestes casos."
Ante o exposto, pelo meu voto eu nego provimento ao recurso, aplicando à apelante, de ofício, as medidas previstas nos incisos I e IV do artigo 129 do ECA.
DECISÃO
Ante o exposto, nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado no dia 15 de maio de 2008, os Exmos. Srs. Desembargador Monteiro Rocha e Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva.
Florianópolis, 19 de maio de 2008.
Eládio Torret Rocha
PRESIDENTE E Relator
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