EMENTA: Apelação cível. Guarda. desinstitucionalização da menor recolhida em casa de abrigo.
O prosseguimento do pedido de guarda por parte dos padrinhos, poderá prosseguir como pedido de tutela, em face do disposto no inc. II do art. 1.728 do novo Código Civil, uma vez considerando o ajuizamento por parte do Ministério Público de uma ação de destituição do poder familiar. Como a criança, de meses de idade, se encontra institucionalizada, o novo dirigente da entidade de abrigo não mais é equiparado ao guardião, pois havendo a destituição do poder familiar nomeia-se um tutor, em respeito ao melhor interesse da criança, que institucionalizada vai ser colocada em lista de adoção (art. 50 do ECA), quando possui pais biológicos, que simplesmente firmaram um acordo com os padrinhos no sentido de delegar a estes a guarda da filha, nos termos do art. 33 do Estatuto. Agora, com o ajuizamento da ação de destituição do poder familiar, substitui-se a guarda pela tutela. Desinstitucionalização da menor para que retorne ao seio de sua família biológica, com a realização de um amplo estudo da situação por parte de técnicos da área da infância e da juventude. Apelo provido em parte.
Apelação Cível
Oitava Câmara Cível
Nº 70011341849
Comarca de Tapes
R.A.S. .
M.S.L.
.
A.A.L.
..
A.J.R.S.
.. APELANTES
M.P.
.. APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento, em parte, vencido o Des. Portanova.
Custas na forma da lei.
Participou do julgamento, além dos signatários, a eminente Senhora Dra. Catarina Rita Krieger Martins, Juíza de Direito convocada.
Porto Alegre, 12 de maio de 2005.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA,
Relator.
DES. RUI PORTANOVA,
Voto vencido.
RELATÓRIO
Des. Antonio Carlos Stangler Pereira (RELATOR e presidente)
Trata-se de recurso de apelação interposto por Rudimar A. da S., Mariseti dos A. L., Ademir A. L. e Ana R. da S., eis que inconformados com a decisão que, nos autos do pedido de homologação de acordo de guarda de menor, julgou prejudicado o pedido.
Aduzem os apelantes que Miriam é filha de Rudimar e Mariseti, pessoas de parcas condições financeiras, os quais não possuem condições de manter a filha biológica. Asseveram que os pretensos detentores da guarda da criança acompanharam toda a gravidez da mãe da menor, realizando chá de fraldas e exame pré-natal, com a aquisição de enxoval. Mencionam que o interesse do deferimento da guarda aos padrinhos da infante era manter o poder familiar e delegar os cuidados da filha ao casal, mantendo-a perto de seus pais biológicos. Referem que o Ministério Público ingressou com pedido de destituição do poder familiar, com o abrigamento da criança em instituição especializada, a fim de disponibilizá-la para adoção. Dizem que a suspensão do poder familiar foi determinada em momento posterior à realização do acordo constante dos autos. Discutem que a manutenção da menor na casa de seus padrinhos não prejudicaria o prosseguimento da ação de destituição do poder familiar, e nem prejudicaria futuro prosseguimento de adoção.
Foram opostas contra-razões.
O Ministério Público, neste grau de jurisdição, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
Des. Antonio Carlos Stangler Pereira (RELATOR e presidente)
Pretendem os apelantes seja homologado “acordo” de guarda firmado entre os pais biológicos e os padrinhos da criança.
Em verdade, em nosso ordenamento jurídico inexiste pedido de “homologação de guarda”, conforme postulado na ação inicialmente proposta, pois o encaminhamento da guarda exige uma série de procedimentos que vão além de um simples acordo.
A propositura da ação de destituição do poder familiar não prejudicaria, necessariamente, o prosseguimento do pedido de guarda, agora visto sobre um outro enfoque, pois na eventualidade da procedência da ação de destituição do poder familiar, vige o disposto no artigo 1.728, inciso II, do Código Civil de 2002, que assim dispõe:
“Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
(...)
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar”.
O pedido de guarda, na eventual procedência da destituição do poder familiar, não encontra óbice no sentido de prosseguir sob forma de pedido de tutela por parte dos padrinhos da criança, nascida em 26 de janeiro de 2005, com meses de idade.
O disposto no inciso II do art. 1.728 do Código Civil, afastou o parágrafo único do art. 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 92...
Parágrafo único: O dirigente de entidade de abrigo é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito”.
Com isso, não mais se discute as disposições do art. 33 do ECA, que disciplinam a guarda de crianças e adolescentes, pois aos filhos de casal destituídos do poder familiar se abre a possibilidade da tutela, com pessoas mais próximas da família biológica, evitando-se a institucionalização.
Dispõe o art. 33 do Estatuto:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º. Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados”.
A ação de destituição do poder familiar foi fundamentada no simples fato de terem os pais biológicos da criança realizado o acordo de transferência de guarda (fls. 31/36). Ainda que não esteja em comento a questão relativa à destituição do poder familiar, o pedido não se enquadra nas situações elencadas nos artigos 22 e 23 do ECA, que devem ser vistas em consonância com o art. 229 da CF, não sendo a ausência de recursos financeiros e a realização de “acordo de transferência de guarda” motivos suficientes a justificar a propositura da ação de destituição do poder familiar:
“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder”.
“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Do que se extrai dos autos, não pretendem os apelantes, como bem referiu o agente ministerial neste grau de jurisdição, o afastamento dos pais do poder familiar. Embora tivessem os recorrentes a intenção inicial de apenas delegarem a guarda da criança, a propositura da ação de destituição do poder familiar em nada prejudica o pedido de guarda, que agora deve ser visto como tutela, ante a existência de uma ação de destituição do poder familiar.
A medida de abrigamento da menor, com colocação em família substituta, para posterior adoção, não se mostra a mais adequada à salvaguardar os interesses da criança, ainda mais considerando que o objetivo dos pais biológicos era o de permanecer junto à filha, delegando apenas o dever de prestação de assistência material, moral e educacional à menor.
Desta forma, estou endereçando o meu voto no sentido de desinstitucionalizar a criança, retirando-a do abrigo onde se encontra, conforme guia de abrigamento datada de 19 de janeiro de 2005, como mostra a fl. 53, para que retorne ao seio da família biológica, podendo os padrinhos pleitearem a tutela da menina, na eventual procedência do pedido de destituição do poder familiar.
Recomenda-se, por último, que o caso seja submetido a uma avaliação de uma equipe interprofissional, constituída de técnicos da área da infância e da juventude, como psiquiatra, psicólogo e assistente social, em vista do melhor interesse da criança a ser protegido, como ser em desenvolvimento, livre de qualquer violência física ou psicológica.
A Comarca de Tapes encontra-se dentro da base territorial do Juizado Regional da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Alegre, nos termos do disposto no art. 1º, alínea “a”, da Resolução 99/93, da Corregedoria–Geral da Justiça, e cabe ser acionado no sentido da realização das avaliações necessárias que demanda o caso.
Dou parcial provimento ao apelo.
Des. Rui Portanova (REVISOR)
Senhor Presidente, qual é o centro da questão? Uma mãe e um pai sentindo-se impossibilitados de momentaneamente cuidar do filho fazem um acordo de guarda com os padrinhos: deixam a criança na sua guarda e pedem para homologar essa guarda.
Não se fala, por enquanto, em adoção, em pátrio poder, em destituição de pátrio poder, em abandono, em nada disso, só na guarda.
É natural acontecer de uma mãe e de um pai entregarem uma criança para o padrinho em guarda para ser criada durante um tempo. Só guarda, apenas isso.
Eu sei que da tribuna veio que a intenção é adoção, e no memorial também. Acontece que, se está furando a tal lista, é uma outra questão.
Não entendo oportuno intentar um processo de destituição do poder familiar, retirar a criança do poder da mãe e do padrinho, institucionalizar a criança só porque se acha que alguém está passando por cima de uma lista diante de um processo de guarda. Digamos que esteja passando por cima da lista. Data vênia, parece demasia fazer essa violência contra a criança, contra o padrinho e contra a mãe. Melhor se alertar e dizer que há uma lista. A lei diz que há uma lista e se estiverem passando por cima de uma lista, correm o risco de ver mudada a situação.
Agora estou indo além da solução do eminente Relator. Estou deferindo a guarda definitivamente para os padrinhos.
Aqui, estou dando provimento total para deferir a guarda aos apelantes - padrinhos.
Provejo integralmente o apelo.
Dra. Catarina Rita Krieger Martins
Eminentes colegas, primeiramente quero ressaltar que, da tribuna, foi-nos passado que, na verdade, a intenção dos apelados é de adoção da criança, afirmando, inclusive, estarem preparados para isso. Recebi esta informação agora e entendo que os pais biológicos têm de ser alertados sobre essa intenção.
Se a guarda fosse concedida para os padrinhos, poderia ser revertida no momento em que os pais assim pretendessem, porque se acredita que essa família, esses pais, teriam convivência com a filha que, no momento, já se encontra com os padrinhos.
Entretanto, de acordo com a sustentação oral feita neste momento, não posso deixar de analisar ter sido dito que o casal apelado está com a intenção de adoção, que está preparado para a adoção, que preparou essa mãe durante a gestação, encaminhando-a e fazendo exames. Tudo isso, para mim, está totalmente na contramão da lei.
Então, não posso desconhecer que essa guarda está direcionada para a adoção. Acho que, gestada a criança, os apelados, padrinhos da menina, propuseram-se a manter essa gestação, a arcar com as despesas de uma boa gestação, com o objetivo de adotar essa criança. Isso eu rejeito totalmente.
Neste caso, o meu voto seria no sentido de que essa criança retornasse para os pais e que eles fossem alertados sobre esse interesse dos padrinhos/apelados, bem como sobre o processo de adoção. E, se desejam colocar a criança para a adoção, que sigam os trâmites legais. Eu não concordo com a situação em questão. Esses pais devem ser orientados sobre como se processa uma adoção.
Eu até vejo uma grande probabilidade de que eles tenham sido escolhidos como padrinhos por terem prestado todo esse trabalho durante a gestação.
Vislumbro interesse nesse agir, interesse este que, provavelmente, não tenha sido do conhecimento dos pais biológicos da menina. Não me parece aquele caso do compadre de coração que depois quer a guarda do afilhado.
Acompanho, pois, voto do eminente Relator.
Des. Antonio Carlos Stangler Pereira – presidente:
apelação cível nº 70011341849, de tapes:
“por maioria, deram provimento, em parte, vencido o des. portanova”.
Julgador(a) de 1º Grau: LOURDES HELENA PACHECO DA SILVA
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJRS - Civil. Guarda. desinstitucionalização da menor recolhida em casa de abrigo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/24773/tjrs-civil-guarda-desinstitucionalizacao-da-menor-recolhida-em-casa-de-abrigo. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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