INFORMATIVO Nº 609
TÍTULO
Reforma Agrária - Produtividade Fundiária - Controvérsia - Valor das Informações Oficiais - Esbulho Possessório (Transcrições)
PROCESSO
HC - 100875
ARTIGO
Reforma Agrária - Produtividade Fundiária - Controvérsia - Valor das Informações Oficiais - Esbulho Possessório (Transcrições) MS 25017/DF* RELATOR: Min. Celso de Mello EMENTA: REFORMA AGRÁRIA. DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO. ALEGADA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL. AFIRMAÇÃO CONTESTADA PELA AUTORIDADE IMPETRADA. SITUAÇÃO DE DÚVIDA OBJETIVA. INADMISSIBILIDADE DE SEU EXAME NA VIA SUMARÍSSIMA DO PROCESSO MANDAMENTAL. VALOR JURÍDICO DAS INFORMAÇÕES OFICIAIS PRESTADAS EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM” DE VERACIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA IDÔNEA EM SENTIDO CONTRÁRIO. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONCEITO EMINENTEMENTE PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM SEDE MANDAMENTAL. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE ESBULHO POSSESSÓRIO. A REPULSA DO ORDENAMENTO JURÍDICO E DA JURISPRUDÊNCIA DA SUPREMA CORTE A ESSA PRÁTICA ILÍCITA DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA (MS 23.759/GO, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.). FATO QUE TERIA OCORRIDO APÓS A DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA, EM CONTEXTO NO QUAL NÃO AFETADOS OS ÍNDICES DE PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DA PRETENDIDA NULIDADE DO DECRETO PRESIDENCIAL. PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado com a finalidade de invalidar declaração expropriatória, consubstanciada em decreto presidencial (fls. 140) – Decreto de 24 de junho de 2004 -, fundada em razões de interesse social, para fins de reforma agrária, referente ao imóvel rural denominado **, situado no Município de Lagoa Grande, Estado de Minas Gerais (fls. 03). Para justificar a sua pretensão mandamental, o autor deste “writ” alega que o “INCRA, motivado por denúncias infundadas (...), acabou por vistoriar o imóvel (...)” e, “(...) muito embora reconhecidamente produtivo, sendo mesmo um exemplo da moderna prática de agricultura na região, o imóvel (...) acabou sendo classificado como improdutivo, baseado em laudo administrativo eivado de erros (...)” (fls. 02/09 - grifei). A empresa impetrante informa, ainda, que, “com o resultado da vistoria administrativa realizada pelo INCRA”, propôs ação cautelar de produção antecipada de provas, “baseada em Laudo Técnico Agronômico que confirmou a alegada produtividade do imóvel” (fls. 03). Entretanto, “procurada pelo INCRA, que buscava um acordo, a autora, de boa-fé, concordou em peticionar, solicitando, ao MM. Juiz, a suspensão do feito aqui mencionado”, mas o INCRA, “em flagrante deslealdade processual, ao invés de perseguir o acordo que ele mesmo houvera proposto, preferiu (...) encaminhar à Presidência da República solicitação de desapropriação do imóvel em comento” (fls. 03 - grifei). A autora da presente ação mandamental sustenta a inviabilidade jurídica do procedimento expropriatório ora questionado, seja em face de alegada produtividade fundiária, seja, ainda, em decorrência de suposta inobservância da regra inscrita no § 6º do art. 2º da Lei nº 8.629/93, eis que, “inexplicavelmente”, o imóvel em referência teria sido invadido “exatamente na data da edição do decreto expropriatório, 24 de junho de 2004” (fls. 04). Após a manifestação da autoridade impetrada, indeferi o pedido de medida liminar e determinei a remessa dos autos ao Ministério Público Federal, que, em seu douto pronunciamento, formulou parecer consubstanciado na seguinte ementa (fls. 293): “Mandado de segurança. Desapropriação. Argumentações do ‘writ’ defendem a produtividade das terras. Anunciam também a invasão das terras após a publicação do Decreto Presidencial. Suposto descumprimento pelo INCRA de acordo firmado em juízo com o impetrante. Alegações que não se confirmam nos documentos dos autos. Produtividade é tema controverso no caso, insuscetível de exame em mandado de segurança. A invasão, além de ser um fato marcado por pesadas incertezas, teria tomado corpo após a vistoria do bem, em nada afetando os índices de produtividade, portanto. Não há qualquer indicação de desrespeito a acordo judicial. A cautelar que paralisava o procedimento administrativo foi cassada em vista de falta do impetrante, que deixou de ajuizar a ação principal. Parecer pela denegação da ordem.” (grifei) Sendo esse o contexto, passo a examinar a presente controvérsia mandamental, registrando, no entanto, em caráter preliminar, as observações que se seguem. O Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 28, de 18 de fevereiro de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de mandado de segurança, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 205, “caput”, na redação dada pela ER nº 28/2009). Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 544, § 4º) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal. Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). A legitimidade jurídica desse entendimento – que vem sendo observado na prática processual desta Suprema Corte (MS 27.649/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MS 27.962/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 - RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que o Plenário deste Tribunal, em recentíssima decisão (25/03/2010), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de mandado de segurança, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 205 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 28/2009: “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO FORMULADO POR PROCURADOR-REGIONAL DA REPÚBLICA PARA PARTICIPAR EM CONCURSO DE REMOÇÃO PARA O PREENCHIMENTO DE VAGA DESTINADA A PROCURADOR DA REPÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA NO DIREITO PLEITEADO. SEGURANÇA DENEGADA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. ......................................................... III – Nos termos do art. 205 do Regimento Interno do STF, pode o Relator julgar monocraticamente pedido que veicule pretensão incompatível com a jurisprudência consolidada desta Corte ou seja manifestamente inadmissível. IV – Agravo regimental improvido.” (MS 27.236-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno – grifei) Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia mandamental ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão. Entendo que as razões expostas na inicial desta impetração não autorizam o acolhimento da pretensão deduzida nesta sede mandamental, especialmente se se considerar, como bem destacado nas informações prestadas pela autoridade impetrada, que “(...) o único argumento da impetrante contra o Decreto tem por fundamento a produtividade do imóvel, mas essa circunstância, conquanto possa ser discutível, face ao laudo (...) torna o tema insuscetível de deslinde na via mandamental” (fls. 158/159). Não foi por outro motivo que a douta Procuradoria Geral da República, ao opinar pela denegação do presente mandado de segurança, destacou que “não há dados objetivos e incontroversos nos autos que admitam declarar, sem sombra de dúvida, que o imóvel seja efetivamente produtivo. Seria essa uma imposição indispensável ao acolhimento do pleito do impetrante, contudo, descumprida” (fls. 295 - grifei). Com efeito, a parte ora impetrante justifica sua pretensão mandamental com a afirmação, não comprovada, de que o imóvel rural em questão seria “reconhecidamente produtivo” (fls. 03), sendo certo, no entanto, que as informações prestadas pelo Senhor Presidente da República, especialmente naqueles pontos ressaltados pelo eminente Consultor-Geral da União (fls. 158), esclarecem que “o laudo agronômico deu o imóvel como grande propriedade improdutiva”, a indicar, portanto, que a solução da controvérsia mandamental depende, essencialmente, de esclarecimentos fáticos pertinentes à comprovação da alegada produtividade do imóvel rural afetado pela declaração expropriatória. Isso significa, portanto, que a situação de fato exposta pela parte impetrante – alegada produtividade do imóvel rural - apresenta-se destituída da necessária liquidez. Não se pode perder de perspectiva que a discussão em torno da alegada produtividade do imóvel rural em questão, notadamente se confrontada a pretensão da parte impetrante com as informações presidenciais, introduz, no âmbito desta causa, situação de dúvida objetiva, que se revela incompatível com a via sumaríssima do processo de mandado de segurança. Não constitui demasia rememorar, no ponto, que as informações oficiais prestadas por autoridades públicas, mesmo em sede de “habeas corpus” ou, como na espécie, de mandado de segurança, revestem-se de presunção “juris tantum” de veracidade. E a razão é uma só: precisamente porque constantes de documento subscrito por agente estatal, tais informações devem prevalecer, pois, como se sabe, as declarações emanadas de servidores públicos gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, salvo quando desautorizadas por prova idônea em sentido contrário, consoante assinala o magistério da doutrina (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 373, item n. 59, 13ª ed., 2001, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 182/184, item n. 7.6.1, 20ª ed., 2007, Atlas; DIOGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 63, item n. 7.1, 1989, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 54, item n. 43, 1999, Forense; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 116, item n. 2, 12ª ed., 2005, Lumen Juris). Esse entendimento - que põe em evidência o atributo de veracidade inerente aos atos emanados do Poder Público e de seus agentes – tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 86/212 - RTJ 133/1235-1236 - RTJ 161/572-573, v.g.), notadamente quando tais declarações compuserem e instruírem, como no caso, as informações prestadas pela própria autoridade apontada como coatora: “- As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora gozam da presunção ‘juris tantum’ de veracidade.” (MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Cumpre ter presente, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal - pronunciando-se, especificamente, sobre a questão da produtividade fundiária e, também, sobre a qualificação do imóvel rural, como improdutivo, para efeito de reforma agrária (RTJ 128/1129 - RTJ 129/69) - tem ressaltado ser absolutamente imprópria a utilização da via processual do mandado de segurança, quando ausente, como ocorre no caso, prova pré-constituída: “A controvérsia documental em torno do índice de produtividade do imóvel rural basta para descaracterizar a necessária liquidez dos fatos subjacentes ao direito subjetivo invocado pelos impetrantes, tornando impertinente, por ausência de um de seus requisitos essenciais, a utilização da via processual do mandado de segurança. Precedentes.” (RTJ 168/163, Rel. Min. CELSO DE MELLO) “MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DESAPROPRIATÓRIO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. POSSIBILIDADE LEGAL DE EDIÇÃO DO DECRETO DESAPROPRIATÓRIO NA PENDÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO. INADEQUAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA AVERIGUAÇÃO DE EVENTUAIS EQUÍVOCOS NO RELATÓRIO DE PRODUTIVIDADE. SITUAÇÃO DE FORÇA MAIOR NÃO RECONHECIDA COMO JUSTIFICATIVA DA BAIXA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. ....................................................... 3. O mandado de segurança não é meio adequado para a resolução de controvérsia sobre a produtividade de imóvel rural objeto da desapropriação. Matéria controvertida que exige dilação probatória. Precedentes.” (MS 24.487/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - grifei) “CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. NOTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. AVISO DE RECEBIMENTO. ASSINATURA. EMPREGADO COM PODERES OUTORGADOS POR PROCURAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESBULHO POSSESSÓRIO POSTERIOR À VISTORIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 2º, § 6º, DA LEI N. 8.629/93. COMPOSIÇÃO NA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESCARACTERIZAÇÃO DA INVASÃO. PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. APRECIAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. ....................................................... 5. A impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança torna insuscetível de apreciação a questão relativa à produtividade do imóvel rural. Precedente [MS n. 24.518, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 30.04.2004 e MS n. 25.351, Relator o Ministro EROS GRAU, DJ 16.09.2005].” (MS 25.360/DF, Rel. Min. EROS GRAU - grifei) Na realidade, o tema pertinente à qualificação objetiva do imóvel rural - notadamente no que concerne à sua alegada condição de bem produtivo - envolve o exame necessário de matéria de fato, que se revela insuscetível de discussão em sede mandamental, especialmente quando se pretende questionar a inadmissibilidade da declaração expropriatória, sob o fundamento de que esta teria incidido sobre bem que, supostamente, realizaria, de modo pleno, a função social que lhe é inerente. A possibilidade dessa análise, na via do mandado de segurança, quando presente uma situação de controvérsia objetiva, tem sido rejeitada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/510-511, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RTJ 168/163, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 22.075/MT, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - MS 22.077/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 22.150/CE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 22.290/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.). É que refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o “iter” procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de um momento de dilação probatória, consoante adverte a doutrina (ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 127, 1989, Saraiva) e proclama o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal: “Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o iter procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de uma fase de dilação probatória. - A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.” (MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) “O exame de situações de fato controvertidas - como aquelas decorrentes de dúvida fundada sobre a extensão territorial do imóvel rural ou sobre o grau de produtividade fundiária - refoge ao âmbito da via processual do mandado de segurança, que não admite, ante a natureza especial e sumaríssima de que se reveste o ‘writ’ constitucional, a possibilidade de qualquer dilação probatória.” (RTJ 176/692-693, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Vê-se, desse modo, que a jurisprudência desta Suprema Corte tem advertido, em inúmeras decisões (RTJ 124/948, v.g.), que “O mandado de segurança não é meio idôneo para o exame de questões cujos fatos não sejam certos” (RTJ 142/782, Rel. Min. MOREIRA ALVES). Insista-se, pois, presente o contexto que emerge desta causa, que a simples existência de matéria de fato controvertida - a tornar questionável a própria caracterização do direito líquido e certo (noção que não se confunde com a de direito material, cuja tutela se busca obter em sede mandamental) - revela-se bastante para tornar inviável a utilização do “writ” constitucional (RTJ 83/130 - RTJ 99/68 - RTJ 99/1149 - RTJ 100/90 - RTJ 100/537). O Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto do tema, deixou consignado que a discussão em torno do próprio significado de direito líquido e certo - que traduz requisito viabilizador da utilização do “writ” mandamental - veicula matéria de caráter eminentemente processual, mesmo porque a noção de liquidez, “(...) que autoriza o ajuizamento do mandado de segurança, diz respeito aos fatos” (RTJ 134/681, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RMS 23.443/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RMS 23.720/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): “O ‘direito líquido e certo’, pressuposto constitucional de admissibilidade do mandado de segurança, é requisito de ordem processual, atinente à existência de prova inequívoca dos fatos em que se basear a pretensão do impetrante e não à procedência desta, matéria de mérito (...).” (RTJ 133/1314, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei) “A formulação conceitual de direito líquido e certo, que constitui requisito de cognoscibilidade da ação de mandado de segurança, encerra (...) noção de conteúdo eminentemente processual.” (RTJ 134/169, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO) Cabe enfatizar, ainda, como ressaltado, que o conceito de direito líquido e certo, para os fins da ação civil de mandado de segurança, não constitui noção redutível à categoria do direito material reclamado pelo impetrante do “writ”. Tal como precedentemente assinalado, a formulação conceitual de direito líquido e certo, que constitui requisito de cognoscibilidade da ação de mandado de segurança, encerra, por isso mesmo, no plano de nossa dogmática jurídica, uma noção de conteúdo eminentemente processual. Daí o incensurável magistério do saudoso CELSO RIBEIRO BASTOS (“Do Mandado de Segurança”, p. 15, 1978, Saraiva), para quem “(...) o direito líquido e certo é conceito de ordem processual, que exige a comprovação dos pressupostos fáticos da situação jurídica a preservar. Conseqüentemente, direito líquido e certo é ‘conditio sine qua non’ do conhecimento do mandado de segurança, mas não é ‘conditio per quam’ para a concessão da providência judicial”. Registre-se que esta Corte, em sucessivas decisões, deixou assinalado que o direito líquido e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é, tão-somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis, de plano, mediante prova literal inequívoca (RE 269.464/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO): “(...) direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco.” (RTJ 83/130, Rel. Min. SOARES MUÑOZ - grifei) “O mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se entendem aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca...” (RTJ 83/855, Rel. Min. SOARES MUÑOZ - grifei) É por essa razão que a doutrina acentua a incomportabilidade de qualquer dilação probatória no âmbito desse “writ” constitucional, que supõe - insista-se - a produção liminar, pelo impetrante, das provas literais pré-constituídas, destinadas a evidenciar a incontestabilidade do direito público subjetivo invocado pelo autor da ação mandamental. Por isso mesmo, adverte HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (“O Mandado de Segurança Segundo a Lei n. 12.016, de 09 de agosto de 2009”, p. 19, item n. 9, 2009, Forense), que “O que importa não é a maior ou menor complexidade da tese jurídica, mas a prova pré-constituída (documental) do seu suporte fático. Se a demonstração do direito do impetrante estiver na dependência de investigação probatória, ainda a ser feita em juízo, o caso não é de mandado de segurança. Terá de ser resolvido pelas vias ordinárias” (grifei). Alega-se, ainda, nesta impetração, a ilicitude jurídica do esbulho possessório “ocorrido em propriedades alegadamente improdutivas” (fls. 05). No que concerne a esse específico ponto da impetração, já afirmei, em outros julgamentos (MS 23.759/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que a prática ilícita do esbulho possessório, quando afetar os graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração, comprometendo os índices fixados por órgão federal competente, qualifica-se, em face do caráter extraordinário que decorre dessa anômala situação, como hipótese configuradora de força maior, constituindo, por efeito da incidência dessa circunstância excepcional, causa inibitória da válida edição do decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória, por interesse social, para fins de reforma agrária, notadamente naqueles casos em que o coeficiente de produtividade fundiária – revelador do caráter produtivo da propriedade imobiliária rural e assim comprovado por registro constante do Sistema Nacional de Cadastro Rural – vem a ser descaracterizado como decorrência direta e imediata da ação predatória desenvolvida pelos invasores, cujo comportamento, frontalmente desautorizado pelo ordenamento jurídico, culmina por frustrar a própria realização da função social inerente à propriedade. Esta Suprema Corte, por mais de uma vez, pronunciando-se sobre a questão específica do esbulho possessório praticado, mediante ação coletiva, por movimentos de trabalhadores rurais, não hesitou em censurar essa ilícita manifestação de vontade política, ao mesmo tempo em que invalidava o decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória de imóveis rurais, pois, com a arbitrária invasão de tais bens, não mais se viabiliza a realização de vistoria destinada a constatar se a propriedade invadida teria atingido, ou não, coeficientes mínimos de produtividade fundiária. A hipótese destes autos, no entanto, não se ajusta à situação que venho de referir. Isso porque o esbulho teria ocorrido “logo após a publicação do decreto presidencial”, como corretamente destacou, em seu fundamentado parecer, a douta Procuradoria Geral da República (fls. 295): “(...) Contudo, de qualquer maneira, resta evidenciado que o esbulho teria ocorrido logo após a publicação do decreto presidencial, ou seja, tempos depois da vistoria do imóvel. Dessa maneira, não há qualquer envolvimento do dito movimento com os índices de produtividade das terras. Tal circunstância, como vem acenando a jurisprudência da Corte Suprema, inviabiliza a consideração desse tópico na regularidade do procedimento administrativo (MS 24.136, Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 8/11/2002, p. 22).” (grifei) Cumpre ter presente, ainda, a respeito do tema, a orientação jurisprudencial resultante de julgamentos plenários do Supremo Tribunal Federal: “(...) DESAPROPRIAÇÃO - REFORMA AGRÁRIA - INVASÃO DO IMÓVEL - ÓBICE À VISTORIA. Se a vistoria é anterior à vigência do preceito que veio a obstaculizá-la, tem-se como improcedente a causa de pedir da impetração. O Decreto nº 2.250, de 11 de junho de 1997, mostrou-se simples orientação administrativa, não gerando direito subjetivo. (...).” (MS 25.006/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei) “MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL OCUPADO POR INTEGRANTES DO MST ANTES DA VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.027/00. VISTORIA REALIZADA EM DATA ANTERIOR À OCUPAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ....................................................... 2. Vistoria realizada sete meses antes da referida ocupação, inexistindo, no ponto, óbice que possa viciar o decreto presidencial.” (MS 23.818/MS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno - grifei) No que concerne, finalmente, à alegação de “deslealdade processual” do INCRA (fls. 07), tenho por suficiente, para descaracterizá-la, a seguinte passagem do parecer oferecido pela douta Procuradoria Geral da República (fls. 295/296): “(...) Sobre a suposta deslealdade processual em que teria incorrido a autarquia federal, é tema que não encontra ressonância nos documentos dos autos. Do mesmo modo, não influi no deslinde do processo administrativo, que se mostrou regular, pois ocorrido em momento em que não havia qualquer empecilho judicial ao desenvolvimento daquele expediente. Note-se, nesse sentido, que a ação cautelar de produção antecipada de prova fora extinta sem julgamento de mérito em virtude de o requerente, ora impetrante, não haver diligenciado o ajuizamento da ação principal – fls. 137-139. Portanto, não se identifica qualquer mácula no processo administrativo, no que resta apenas a indicação da impropriedade das alegações do ‘mandamus’.” (grifei) Sendo assim, tendo em consideração o fato de que a situação exposta nesta causa não diverge dos precedentes ora referidos, e acolhendo, ainda, o douto parecer do eminente Procurador-Geral da República, denego o presente mandado de segurança. Arquivem-se os presentes autos. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 05 de novembro de 2010. Ministro CELSO DE MELLO Relator *decisão publicada no DJe de 11.11.2010 ** nome suprimido pelo Informativo
Íntegra do Informativo 609
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STF - Agráro. Reforma Agrária - Produtividade Fundiária - Controvérsia - Valor das Informações Oficiais - Esbulho Possessório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/24826/stf-agraro-reforma-agraria-produtividade-fundiaria-controversia-valor-das-informacoes-oficiais-esbulho-possessorio. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Precisa estar logado para fazer comentários.