EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE PASSAGEM FORÇADA – AGRAVO RETIDO – CERCEAMENTO DE DEFESA – ACERVO PROBATÓRIO ABUNDANTE – DEVER DO JULGADOR PROFERIR SUA DECISÃO – MÉRITO – CC, ART. 1.285 – PASSAGEM FORÇADA – ACESSO À VIA PÚBLICA – ENCRAVAMENTO NÃO DEMONSTRADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSOS IMPROVIDOS. As provas levadas ao processo servem para o convencimento do julgador e, se isso já ocorreu, desnecessária maior dilação probatória. Destarte, motivado o convencimento do julgador pelas provas já existentes nos autos, deve ele proferir seu decisum, sem que se possa falar em cerceamento de defesa ou mesmo em nulidade. Somente se justifica a passagem forçada se houver imóvel, urbano ou rural, sem acesso a via pública, nascente ou porto – conforme o caso –, ou se esse acesso for perigoso ou inadequado, considerando-se, para tanto, as necessidades de exploração econômica da propriedade. No caso em tela, não restou caracterizado o encravamento do imóvel do apelante, porque pode ele acessar a via pública através da estrada existente na propriedade rural vizinha a sua, de modo que não há falar em passagem forçada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação.
Campo Grande, 26 de janeiro de 2010.
Des. Divoncir Schreiner Maran – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran
Osmar Felício de Andrade apelou sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da Ação de Passagem Forçada em desfavor de José Roberto dos Santos e Maria do Carmo Santos.
Preliminarmente, pleiteou o conhecimento e julgamento do agravo retido interposto às fs. 373-378, em que defende o cerceamento do seu direito de defesa, por ter sido obstada a produção de prova em audiência de instrução.
Obtemperou que “[...] somente com a audiência de instrução e julgamento e com a oitiva do perito e do assistente técnico é que efetivamente poderia deixar o feito maduro para julgamento” (f. 422).
No mérito, asseverou que sua propriedade rural está encravada entre dois imóveis dos apelados, que, “[...] por capricho e desrespeito ao Direito [...]” (f. 424), se recusam a lhe conceder passagem.
Ponderou que para acessar à rodovia, é necessário contornar a propriedade dos apelados, por um longo caminho, e adentrar a fazenda do Sr. José Roque de Oliveira, o que, para possibilitar a utilização racional do seu imóvel, dará ensejo a uma outra ação.
Deduziu, ainda, que “[...] os laudos apresentados pelo perito e pelo assistente técnico são totalmente divergentes, sendo que o laudo do assistente técnico deixa claro a inexistência de outra estrada e o não prejuízo dos apelados em fornecer a passagem” (f. 425).
Por fim, pugnou pelo provimento do agravo retido, para anular a sentença e determinar a regular instrução do feito ou, alternativamente, o acolhimento da irresignação manifestada no apelo, reformando-se a sentença e, por consequência, julgando-se procedente o pedido prefacial.
Por seu turno, os apelados, em contrarrazões (fs. 434-444), enfrentaram os fundamentos dos recursos e defenderam a manutenção in totumda sentença.
VOTO
O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran (Relator)
I. Agravo retido – cerceamento de defesa
Em que pese a insurgência manifestada neste agravo, não há falar em nulidade da sentença, porque as provas levadas ao processo servem para o convencimento do julgador e, se isso já ocorreu, desnecessária maior dilação probatória.
Conquanto a questão trazida ao Poder Judiciário seja de direito e de fato, a produção de prova em audiência de instrução é prescindível para a solução do litígio, porque as informações do perito e dos assistentes técnicos já foram prestadas nos autos (pareceres às fs. 331-334, 344-350, 357 e 362-364).
Outrossim, tenho que os documentos existentes nos autos e, principalmente, o laudo pericial são suficientes para demonstrar o quanto alegado pelas partes, de modo que a produção de outras provas é desnecessária.
Destarte, motivado o convencimento do julgador pelas provas já existentes nos autos, deve ele proferir seu decisum, sem que se possa falar em cerceamento de defesa ou mesmo em nulidade.
Nesse sentido, colaciono julgado deste Tribunal de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA […] JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA [...] SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS IMPROVIDOS. [...] Se o magistrado dentro de sua livre convicção motivada, apreciando livremente as provas contidas nos autos, entender ser desnecessária a produção de qualquer tipo de prova que demandasse a necessidade de se promover uma dilação da instrução processual e que não influenciaria no deslinde da causa, obrigatoriamente, deve proferir sentença. [...]” (Apelação Cível nº 2008.001678-4/0000-00 - Campo Grande. Quarta Turma Cível. Relator Des. Rêmolo Letteriello. Julgamento 17.3.2009).
Na mesma senda é o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CASO DO ANTICONCEPCIONAL MICROVLAR, CONHECIDO COMO “O CASO DAS PÍLULAS DE FARINHA”. AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. ACÓRDÃO EMBARGADO E PARADIGMA. DIVERGÊNCIA INEXISTENTE. [...] 3. Ainda que fosse superado esse óbice, seria também de negar-se provimento ao presente recurso, embora no REsp 783.183-RJ, a colenda 1ª Turma deste Tribunal, pelo voto do Sr. Ministro Luiz Fux, no âmbito de ação civil pública, tenha reconhecido a nulidade da sentença que julgou antecipadamente a lide, nos termos do art. 330 do CPC, por entender configurado o cerceamento de defesa, deixou registrado, que este Tribunal tem jurisprudência sedimentada no sentido de que o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, tal como entendeu o acórdão embargado que analisou minuciosamente cada um dos fundamentos que embasaram a sentença para demonstrar a suficiência da prova documental e a impertinência ou a desnecessidade das demais provas requeridas para solucionar a lide. 4. Agravo regimental não provido” (AgRg nos EREsp 866.636/SP. Corte Especial. Relator Ministro Castro Meira. Julgamento 15.10.2008. Publicação DJe 20.11.2008) (grifo nosso).
Portanto, nego provimento ao agravo retido.
II. Apelação – passagem forçada
Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste ao apelante, uma vez que o acervo probatório colacionado aos autos comprova que, diferentemente do alegado na exordial, sua propriedade rural não fica encravada entre a chácara e o sítio dos apelados.
Conquanto seu imóvel esteja localizado entre os dos apelados, o que se constata no levantamento topográfico acostado à f. 51, o apelante tem acesso à via pública através da estrada existente na fazenda do Sr. José Roque de Oliveira, o que se pode ver das fotografias de fs. 57-61 e do laudo pericial.
O Código Civil vigente, ao tratar da passagem forçada, reza em seu artigo 1.285 que “o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.
Discorrendo sobre o tema, a insigne Maria Helena Diniz ponderou:
“A passagem forçada é o direito que tem o dono de prédio (rústico ou urbano) que se encontra sem saída para via pública, nascente ou porto, de reclamar do vizinho, cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem, que o deixe usá-la, fixando-se a esta judicialmente o rumo, quando necessário por não haver acordo, procurando encontrar o modo mais cômodo e menos oneroso para ambas as partes, e, principalmente, à que vai das a passagem” (apud Código Civil Anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 897).
Com efeito, somente se justifica a passagem forçada se houver imóvel, urbano ou rural, sem acesso à via pública, nascente ou porto – conforme o caso –, ou se esse acesso for perigoso ou inadequado, considerando-se, para tanto, as necessidades de exploração econômica da propriedade.
No caso sub judice, o encravamento não restou demonstrado, ao contrário, há provas de que o apelante pode acessar a rodovia BR 483 ao contornar a propriedade dos apelados e adentrar o imóvel do Sr. José Roque de Oliveira, o que impede a procedência da sua pretensão inaugural.
O perito, respondendo aos quesitos formulados pelas partes e pelo Juízo, asseverou:
“1) Existe outra passagem utilizada anteriormente pelo proprietário do imóvel dito encravado, ora requerente, para ter acesso à via pública, que não a do levantamento topográfico de fls. 24? Descrevê-la.
R. Por ocasião de nossa visita não foi possível ver se existente passagem utilizada anteriormente pelo Requerente, tendo em vista que o pasto foi vedado apagando assim os vestígios de estrada, no entanto observando as fotos nº 3, 4 e 5 das folhas 56, 57 e 58 fica bem visível que existia no local uma estrada servindo o imóvel dito encravado.
2) Em caso afirmativo, essa passagem é utilizada por outros proprietários circunvizinhos? E para qual finalidade?
R. A passagem que aparece nas fotos 3, 4 e 5 das folhas 56, 57 e 58 serve somente ao imóvel pertencente ao Requerente” (f. 331, grifo nosso).
“A estrada indicada nas fotos de fls. 55/56 vai até a propriedade do requerente? Em caso negativo, a referida estrada tem qual propriedade e local como limite?
R. Sim, a estrada indicada nas fotos 2 e 3 das folhas 55/56 vai até a propriedade do requerente, passando pela propriedade de José Roque de Oliveira” (f. 333).
“b) Se a estrada, cujo rumo está ressaltado no levantamento topográfico de fls. 51, existe há algum tempo e é utilizada como acesso do imóvel do Autor à via pública.
R) Sim, a estrada acima mencionada era utilizada como acesso do imóvel do Autor até a via pública (BR 483), porém a mesma foi desativada após a concessão de servidão sobre passagem do levantamento topográfico de fls. 24 pleiteada pelo Autor (Osmar Felício de Andrade)” (f. 357).
Como se pode verificar, pretende o apelante valer-se do Poder Judiciário para compelir os apelados a conceder-lhe servidão de passagem, e não passagem forçada, porque seu imóvel rural não está encravado, o que não pode ser aceito.
Outrossim, também restou demonstrado pela prova pericial que a construção de estrada no imóvel apelados lhes causará prejuízos, por impossibilitar a utilização racional da propriedade e, principalmente, por sujeitá-la à erosão, o que legitima a recusa.
Nesse ponto, aliás, muito pertinentes foram as considerações da magistrada de primeiro grau, pelo que transcrevo-as:
“Ao responder aos dois primeiros quesitos formulados pelo juízo (fls. 84), o perito judicial reconheceu, após vistoria in loco, que o imóvel pertencente ao Autor, embora localizado entre outros dois de propriedade dos Réus, jamais esteve encravado, na medida em que sempre pôde ele utilizar da estrada descrita às fls. 51 para ter acesso à via pública, BR483 (fls. 357).
Diante da tal situação, exsurge claro que a discussão assenta-se na hipótese da existência de servidão predial, prevista no art. 1.380 do Código Civil/02, não havendo que se falar, no caso, em direito de passagem forçada decorrente do direito de vizinhança e disciplinada no art. 1.285 do diploma civil, porquanto o imóvel pertencente ao Autor, antes mesmo do ajuizamento da presente demanda e da concessão da liminar, já possuía saída para a via pública, não se tratando, portanto, de prédio encravado.
A existência anterior de outro caminho para acesso à mencionada área, afasta definitivamente a pretensão do Autor em ver constituído em seu favor o direito de servidão de passagem sobre o imóvel pertencente aos Réus.
[...]
Ao contrário do que sustenta o Autor, os Réus têm justo motivo para lhe recusarem o acesso à sua propriedade através da estrada que corta o imóvel sob seus domínios, porquanto, como concluiu o perito judicial, o rumo indicado às fls. 24 dificultaria a exploração racional do bem, impedindo-os de construir piquetes e sujeitando a área, ainda, no futuro, à possível erosão do solo (fls. 332).
[...]
Desta forma, conquanto já tenha sido dito que não se trata de passagem forçada, e que, também, não é caso de reconhecimento de servidão de passagem, faço uso do entendimento de nossos Tribunais quando em julgamento essas figuras civis para ressaltar meu entendimento de que o Autor pretende utilizar o caminho que corta a propriedade dos Réus por simples conveniência e comodidade pessoais, motivos estes que merecem repulsa a fim de se preservar o domínio e a paz entre vizinhos.
[...]
Ora, se o Autor sempre teve e tem acesso à via pública, através do caminho descrito às fls. 51, não pode compelir os Réus a darem-lhe passagem pelo caminho que lhes corta a propriedade (fls. 24), obrigando-os a suportar inegáveis prejuízos, apenas e tão somente para diminuir em algumas centenas de metros a distância entre seu imóvel e a estrada. A mera comodidade e liberalidade não podem e nem devem ser invocadas e/ou acolhidas para submeter o detentor do domínio à sérias e injustas restrições ao uso e gozo de sua propriedade.
Ademais, a prova pericial retratou suficientemente o ânimo “caprichoso” em que imbuído o Autor ao ajuizar a presente demanda, porque, descontente com o caminho que deveria percorrer para chegar à sua propriedade, pretendeu, injustificadamente, compelir os vizinhos a permitirem-lhe o acesso, através de estrada aberta dentro dos limites de sua área, abandonando o caminho anterior que não era de seu agrado (fs. 407-414).
Analisando casos semelhantes, esta Corte e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manifestaram:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO-OCORRÊNCIA – IMÓVEL NÃO-ENCRAVADO – PASSAGEM FORÇADA – NÃO CARACTERIZADA – SERVIDÃO DE PASSAGEM – NÃO DEMONSTRADA – VIA INADEQUADA – HONORÁRIOS FIXADOS DE FORMA EQÜITATIVA – MANTIDOS – RECURSO NÃO PROVIDO. O simples comodismo pretendido pelo apelante em encurtar o caminho entre suas duas propriedades rurais, utilizando como acesso a propriedade do requerido, por passagem inexistente, não tem o condão de ensejar a proteção possessória, estando portanto descaracterizado o encravamento, já que o imóvel possui acesso pela via pública. [...]” (TJ/MS. Apelação Cível nº 2003.010382-1/0000-00 - Jardim. Primeira Turma Cível. Relator Des. João Maria Lós. Julgamento 1.3.2007).
“PASSAGEM FORÇADA - PRÉDIO NÃO “ENCRAVADO” - EXISTÊNCIA DE OUTRA ESTRADA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Para o deferimento do pedido de passagem forçada, imprescindível se torna a comprovação pelo autor de que seu imóvel se encontra “encravado”, sem acesso por qualquer outra via. Havendo outra via, ainda que em condições precárias, impõe-se a improcedência do pedido” (TJ/MG. Apelação Cível nº 1.0498.04.004275-2/001 – Comarca de Perdizes. Décima Quarta Câmara Cível. Relator Des. Valdez Leite Machado. Julgamento 15.3.2007).
Portanto, não caracterizado o encravamento do imóvel do apelante, porque pode ele acessar a via pública através da estrada existente na propriedade do Sr. José Roque de Oliveira, não há falar em passagem forçada e, consequentemente, deve ser mantida a sentença.
III. Dispositivo
Posto isso, nego provimento aos recursos.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DE APELAÇÃO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Maria Lós.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Divoncir Schreiner Maran, Joenildo de Sousa Chaves e João Maria Lós.
TJMS - Av. Mato Grosso - Bloco 13 - Fone: (67) 3314-1300 - Parque dos Poderes - 79031-902 - Campo Grande - MS<br>Horário de Expediente: 8 as 18h. Home: www.tjms.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Civil. Direito de passagem. Ação de passagem forçada. Agravo retido. Cerceamento de defesa. Acervo probatório abundante. Dever do julgador proferir a decisão. Mérito. Acesso forçado. Encravamento não demonstrado. Manutenção da sentença Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2012, 15:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/27791/tjms-civil-direito-de-passagem-acao-de-passagem-forcada-agravo-retido-cerceamento-de-defesa-acervo-probatorio-abundante-dever-do-julgador-proferir-a-decisao-merito-acesso-forcado-encravamento-nao-demonstrado-manutencao-da-sentenca. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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