EMENTA: CONTRATO DE SEGURO. EXTINÇÃO. RENOVAÇÃO NAS MESMAS CONDIÇÕES. 1 – Dada a liberdade de contratar e a autonomia da vontade, extinto, pelo prazo de vigência, o contrato de seguro, a seguradora não é obrigada manter o contrato ou celebrar novo contrato nas mesmas condições do contrato anterior.
2 - A recondução tácita do contrato de seguro pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não pode operar mais de uma vez (Cód. Civil, art. 774).
4 – Agravo não provido.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JAIR SOARES - Relator, SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS e SANDRA DE SANTIS - Vogais, sob a Presidência do Desembargador JAIR SOARES, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata de julgamento e as notas taquigráficas.
Brasília-DF, 01 de novembro de 2006.
Desembargador JAIR SOARES
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de decisão que, em ação de revisão contratual, indeferiu pedido de antecipação de tutela com a qual se pretende manter contrato de seguro de vida, ou renová-lo nas mesmas condições em que contratado: atualização dos valores do prêmio pela variação anual do IGP-M/FGV, garantindo-se idêntica correção das coberturas e do capital segurado.
Sustenta o agravante, em síntese, que contratou o seguro em 2001, e que, na vigência do contrato, foi comunicado o cancelamento da apólice original, a partir de 30.8.06, oportunidade em que a seguradora ofereceu nova proposta de seguro.
Aduziu que o cancelamento da apólice, após anos de contribuição, afronta direitos e garantias do consumidor e o princípio da boa-fé objetiva, eis que altera os valores da cobertura, do prêmio e da proporção entre prêmio e a cobertura, diminuindo pela metade a eventual indenização.
Preparo regular (f. 78). Não antecipados os efeitos da tutela recursal (fls. 81/2). Não apresentadas contra-razões (f. 100).
VOTOS
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Presidente e Relator
O Código de Defesa do Consumidor veda a alteração unilateral do contrato durante a sua vigência, consoante disposto no art. 51, XIII, que estipula ser nula a cláusula que autorize o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração.
A propósito do tema, anotações daquele Código, feitas por Ada Pellegrini Grinover e os demais autores do anteprojeto:
“Essa é norma de encerramento, que é conseqüência do princípio estatuído no art. 4o, III, do CDC: a igualdade e o equilíbrio contratual entre fornecedor e consumidor. Toda alteração contratual, superveniente à conclusão do contrato de consumo, deve ser discutida gré à gré entre fornecedor e consumidor. Não é lícita a cláusula que conceda ao fornecedor o direito de alterar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, mediante estipulações como modificação do preço, prazo de entrega do produto, ou serviço, prazo ou bases da garantia contratual, taxas de juros e outros encargos financeiros, número de prestações etc.” (In Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 588).
E os tribunais têm recusado validade à cláusula de cancelamento automático da apólice em caso de inadimplemento do segurado. Confira-se:
“RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. SEGURO. INDENIZAÇÃO POR MORTE. PRESTAÇÕES MENSAIS DOS PRÊMIOS ATRASADAS. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO CONTRATO. INEXISTÊNCIA.
(...) II - A Segunda Seção, quando do julgamento do Resp 316.449/SP, decidiu que o simples atraso não implica suspensão ou cancelamento automático do contrato de seguro, sendo necessário, ao menos, a interpelação do segurado, comunicando-o da suspensão dos efeitos da avença enquanto durar a mora. Recurso não conhecido.” (RESP 805175, relator Ministro Castro Filho, DJ de 5.6.06).
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREQUESTIONAMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEGURO. ATRASO NO PAGAMENTO DO PREMIO. CARACTERIZACÃO. MORA. SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTERPELAÇÃO.
(...) 2. É nula a cláusula contratual que prevê o cancelamento automático da apólice securitária pelo mero atraso no pagamento, sendo indispensável prévia interpelação do segurado, porquanto não caracterizada, por si só, a mora. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 721420/GO, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 3.4.06).
“CIVIL - SEGURO - AUTOMÓVEL - ATRASO DE PRESTAÇÃO - MORA - CARACTERIZAÇÃO - CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DA COBERTURA -
IMPOSSIBILIDADE.
- Para que se caracterize mora no pagamento de prestações relativas ao prêmio é necessária a interpelação, do segurado. Mero atraso não basta, para desconstituir a relação contratual.” (RESP 318408/SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 10.10.05).
Essa, contudo, não é a hipótese dos autos. Na verdade, não houve cancelamento, mas sim a extinção do contrato, em 30.8.2006, pelo término do prazo de vigência. E a seguradora, não interessando renová-lo, ofereceu outro seguro ao agravante.
Mas o agravante não tem interesse em contratar novo seguro. Pretende manter o seguro anterior, nas mesmas condições pactuadas.
Quando menos, em juízo de antecipação dos efeitos da tutela, inviável a pretensão, dada a ausência do requisito do “fumus boni iuri”.
Com efeito, extinto o seguro pelo fim do prazo de vigência da apólice, a seguradora não é obrigada a mantê-lo, dada a autonomia da vontade e a liberdade de contratar, princípios que norteiam a formação do contrato, segundo os quais ninguém é obrigado a contratar com quem não quer e o que não quer.
E não houve renovação sucessiva. Assim que vencia o contrato, celebrava-se novo contrato, mesmo porque, segundo o art. 774, do Cód. Civil, a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá se operar mais de uma vez, dispositivo sobre o qual anota Maria Helena Diniz:
“A protelação negocial deduzida do comportamento dos contratantes, que continuam o contrato mediante expressa cláusula contratual, após o seu vencimento, pelo mesmo prazo, mantendo as mesmas condições, não poderá dar-se mais de uma vez. A recondução automática do contrato só poderá operar-se uma única vez, sendo vedada a reiterada sucessividade, ante a necessidade de nova avaliação de riscos ou a possibilidade de ter havido, com o passar do tempo, alguma mudança no objeto segurado.” (In Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 500).
Celebrado o primeiro contrato para vigorar no período de 31.8.2001 a 30.8.2002, vencido o prazo de vigência, novos contratos foram firmados sempre com o prazo de um ano de validade (fls. 40/8).
Contudo, findo, em 30.8.06, o prazo do último contrato, a seguradora não se interessou em celebrar novo contrato nas mesmas condições do anterior. Ofereceu outro seguro que o agravante não tem interesse.
A cláusula da apólice, que estipula que, a cada aniversário de vigência do seguro, o capital segurado e os prêmios são atualizados pelo IGP-M/FGV, tem incidência no caso de renovação. Não incide quando se trata de novo seguro, como sói acontecer na hipótese, consoante, por sinal, observei ao deixar de antecipar os efeitos da tutela recursal:
“Encerrado em 30.8.06 o período de vigência do seguro, não está a seguradora obrigada a manter o contrato de seguro, ou a renová-lo nas mesmas condições em que contratado.
Se o segurado tem interesse em continuar com o seguro, a saída é a opção por uma das ofertas feitas pela seguradora. Se não aceita, só lhe resta procurar outra seguradora. Inviável impor a seguradora a obrigação de contratar seguro nas bases pretendidas pelo segurado, ainda que, sob o rótulo de revisão contratual, invoque normas de proteção ao consumidor.
Ressalte que, embora nas condições gerais do seguro seja prevista atualização anual do prêmio e do capital segurado pelo IGP-M, a atualização por esse índice é apenas quando renovado o seguro.
Expirado o prazo de vigência do seguro, se a seguradora não tem interesse em renová-lo na forma em que contratado, lícito lhe dar por extinto o contrato, ressalvada a possibilidade de o segurado optar por outro plano de seguro, como ocorreu na espécie.
Deixo de antecipar os efeitos da tutela.” (fls. 81/2).
Nesse sentido, decidiu a 1a Turma Cível desta Corte, em caso semelhante:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO DE SEGURO. (...)
II - O contrato anterior chegou ao seu termo, nos precisos termos do que dispõe a cláusula 15.1 do contrato de seguro, ou seja, mediante comunicação expressa da seguradora informando que não tinha a intenção de renovar a apólice. Por outro lado, esta disponibilizou outro produto e emitiu nova apólice, com as adaptações que julgou necessária para manter o equilíbrio atuarial e econômico. Nesse contexto, não há que se falar em violação do princípio do pacta sunt servanda, pois o acordo primitivo não mais subsistia no mundo jurídico. Portanto, cuidando-se na espécie de novo contrato, é forçoso concluir que os pedidos deduzidos na inicial são juridicamente impossíveis. (...)” (APC 2002.01.1.025303-9, rel. Des. José Divino de Oliveira, DJ: 26/10/04).
Não obstante, alega o agravante que “a forma de contratação e contínua renovação do seguro de vida Bank Boston durante cinco anos criou uma legítima expectativa de continuidade dos serviços decorrentes do contrato”, e que “essa legítima expectativa possui especial proteção nas relações de consumo, em face do princípio da boa-fé objetiva (arts. 4o, 6o, 30, 31, 48 e 51, todos do CDC)”. (fls. 11/2).
E que celebrar novo contrato, por ser utilizado apenas para mascarar alteração unilateral das cláusulas contratuais, viola o princípio da boa-fé objetiva norteador das relações de consumo.
O princípio da boa-fé objetiva, positivado no CDC, visa à proteção do consumidor, parte hipossuficiente nas relações de consumo, e à justiça contratual, tendo como função primordial a de regra de interpretação dos contratos.
Os artigos 4o, 6o, 30, 31, 48 e 51, do CDC, de fato, determinam que os fornecedores respeitem o princípio da boa-fé objetiva, com interpretação mais favorável ao consumidor, quando verificada afronta ao referido princípio, bem como anulação das cláusulas abusivas.
Contudo, na hipótese, as agravadas não criaram expectativa de continuidade do seguro. Todos os contratos foram por prazo determinado, mesmo porque o Cód. Civil só admite a renovação do seguro por uma vez. Não indefinidamente, ou seja, por prazo indeterminado.
E não há, nos autos, evidências de que os empregados da seguradora criaram expectativas de que o contrato seria por tempo indeterminado, e não pelo prazo estipulado na apólice.
É certo que o CDC, ao estipular como regra de hermenêutica a boa-fé objetiva, dada a necessidade de qualificar comportamentos que não resultam de expressa disposição legal, nem de cláusulas pactuadas, mas que são exigíveis às partes para que possam produzir os efeitos esperados do contrato.
Todavia, como dito alhures, o prazo do contrato foi expressamente estipulado. E não houve declaração confusa, duvidosa ou ambígua. Nem se criou expectativa de que o contrato era por tempo indeterminado.
Não houve, portanto, violação ao princípio da boa-fé objetiva, não podendo ser desprezada cláusula expressa e clara do contrato apenas pela pretensão do agravante de renovar o contrato contra a vontade da agravada.
Nego provimento.
O Senhor Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal
Com o Relator.
A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Vogal
Com a Turma.
DECISÃO
Conhecido. Negou-se provimento. Unânime
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJDFT - Civil. Contratos. Contrato de seguro. Extinção. Renovação nas mesmas condições. Dada a liberdade de contratar e a autonomia da vontade, extinto, pelo prazo de vigência, o contrato de seguro, a seguradora não é obrigada manter o contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2012, 17:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/28308/tjdft-civil-contratos-contrato-de-seguro-extincao-renovacao-nas-mesmas-condicoes-dada-a-liberdade-de-contratar-e-a-autonomia-da-vontade-extinto-pelo-prazo-de-vigencia-o-contrato-de-seguro-a-seguradora-nao-e-obrigada-manter-o-contrato. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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