A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO CAETANO - Relator, SIMONE LUCINDO - Vogal, ALFEU MACHADO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 9 de janeiro de 2013
Certificado nº: 1F 6C 8C 1D 00 05 00 00 0E 63
17/01/2013 - 17:50
Desembargador TEÓFILO CAETANO
Relator
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de agravo de instrumento aviado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em face da decisão que, nos autos da ação de habilitação de crédito retardatário que Melquisedeques Marques maneja em desfavor da agravada – Massa Falida da Planalto Empresa de Segurança Ltda. –, denegara a revisão do atual quadro geral de credores para incluir o crédito trabalhista que aduzira, consignando que, porque posterior à homologação do quadro geral de credores e inexistindo pedido de reserva de crédito nesse sentido, somente após a quitação do último credor, de qualquer categoria, é que será atendida sua habilitação, almejando o agravante seja reconhecido o direito do credor participar dos rateios ocorridos após sua habilitação, segundo a preferência que a lei lhe assegura, sem ter que aguardar a quitação de todos os credores habilitados tempestivamente.
Como lastro apto a aparelhar a pretensão reformatória que veiculara, argumentara que a decisão agravada, conquanto admitisse o processamento da habilitação, não observara a preferência que reveste o crédito trabalhista habilitando que ostenta o credor trabalhista, que deve subsistir ainda que retardatário, porque de caráter alimentar. Asseverara que a habilitação retardatária se sujeita à perda dos rateios já realizados, mas não prescreve como sanção a perda dos rateios subseqüentes, medida que obrigaria o credor trabalhista retardatário a aguardar a quitação do último credor de qualquer categoria para, somente então, ter seu crédito atendido.
Admitido o processamento do agravo sob a forma instrumental, fora determinada a comunicação do decidido ao ilustrado prolator do provimento arrostado, assinado prazo para a agravada, querendo, contrariar o recurso e determinada, ainda, a oitiva da douta Procuradoria de Justiça .
A agravada, regularmente intimada, contrariara o agravo, pugnando pelo desprovimento do recurso, sustentando a impossibilidade de o agravante, à luz da legislação falimentar aplicável à espécie, habilitar seu crédito quando já realizado o rateio de todos os créditos trabalhistas .
A douta Procuradoria de Justiça, através de ilustrado parecer, oficiara pelo conhecimento e desprovimento do recurso .
As informações foram prestadas .
É o relatório.
V O T O S
O Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO - Relator
Cabível, tempestivo, isento de preparo, subscrito por advogado devidamente constituído e corretamente aparelhado, satisfazendo, pois, os pressupostos objetivos e subjetivos de recorribilidade que lhe são próprios, conheço do agravo.
Cuida-se de agravo de instrumento aviado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em face da decisão que, nos autos da ação de habilitação de crédito retardatário que Melquisedeques Marques maneja em desfavor da agravada – Massa Falida da Planalto Empresa de Segurança Ltda. –, denegara a revisão do atual quadro geral de credores para incluir o crédito trabalhista que aduzira, consignando que, porque posterior à homologação do quadro geral de credores e inexistindo pedido de reserva de crédito nesse sentido, somente após a quitação do último credor, de qualquer categoria, é que será atendida sua habilitação, almejando o agravante seja reconhecido o direito do credor participar dos rateios ocorridos após sua habilitação, segundo a preferência que a lei lhe assegura, sem ter que aguardar a quitação de todos os credores habilitados tempestivamente.
Depreende-se do alinhado em consonância com os argumentos aduzidos que o agravante persegue a reforma da decisão que condicionara o recebimento do crédito trabalhista de Melquisedeques Marques ao esgotamento do quadro geral de credores, a despeito da preferência que lhe assegura a LFR, art. 83, inc. I, porquanto já rateados todos os créditos trabalhistas habilitados tempestivamente. Emoldurado o objeto do agravo, afere-se que seu desenlace reclama tão-somente aferir se a habilitação retardatária de crédito preferencial promovida após a homologação do quadro geral de credores exclui o credor trabalhista não apenas dos rateios já realizados, mas também dos rateios subsequentes até o esgotamento de todo o quadro de credores, devendo ser atendido, a despeito da preferência da qual usufrui, somente após o pagamento do último credor de qualquer categoria.
Como é cediço, no processo falimentar a habilitação de créditos deve ser promovida no prazo de 15 (quinze) dias, contados da publicação do edital expedido juntamente com a sentença que decreta a falência (LFR, art. 99, par.ún, c/c art. 7º, § 1º). Expirado esse prazo, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias, estando sujeitas às penalidades anotadas no art. 10º, § 3º, do mesmo estatuto: "Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios eventualmente realizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se computando os acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação.". Esta sanção é aplicada às habilitações retardatárias, sem prejuízo de eventual pedido de reserva de crédito (LFR, art. 10, § 4º), tanto para as habilitações retardatárias promovidas antes da homologação do quadro geral de credores, como para as posteriores.
Sob essa regulação legal afere-se que a única diferenciação que faz a Lei de Falência e Recuperação é que, sendo a habilitação retardatária promovida após a homologação do quadro geral de credores, o procedimento a ser observado, no que couber, é o comum ordinário prestigiado no Código de Processo Civil (LFR, art. 10, § 6º). Inexiste previsão no sentido de que o crédito habilitado de forma retardatária perderia sua natureza, resultando que, ainda que revestido de privilégio legal, restaria desguarnecido desse atributo, passando a merecer o mesmo tratamento dispensado ao crédito quirografário.
Estabelecidas essas premissas, na hipótese afere-se que a habilitação de crédito retardatária reclamada pelo agravante fora formulada após a homologação do quadro geral de credores, havendo notícia de que, inclusive, todos os créditos trabalhistas tempestivamente habilitados já foram satisfeitos. Destarte, inexorável que o procedimento adotado é o de homologação de crédito retardatário habilitado após a homologação do quadro geral de credores, subordinada ao procedimento comum ordinário do Código de Processo Civil. A apreensão desta conjectura acena para as sanções do LFR, art. 10, § 3º, já transcritas acima, donde se insere a perda dos rateios já realizados.
Contudo, o decisório vergastado assinalara que, além dos rateios realizados, o credor trabalhista que promovera a habilitação retardatária após a homologação do quadro geral de credores deveria aguardar os rateios posteriores até a quitação do último credor de qualquer categoria para somente então ter seu crédito atendido. Essa resolução, conforme ressalvado, não encontra respaldo legal. Com efeito, a perda dos rateios posteriores à habilitação retardatária, ainda que promovida após a homologação do quadro geral de credores e exaurida a classe do credor retardatário, é sanção não prevista no estatuto falimentar e destoa do postulado na ordem do art. 83, além de malferir a proteção jurídica que acastela, em todos os ramos do direito, os créditos de natureza alimentar, porquanto volvidos à tutela do mínimo existencial do seu titular.
Note-se que o estatuto falimentar, ao sancionar o credor que não provera a habilitação tempestiva do seu respectivo crédito no prazo quinzenal adjacente à publicação do edital, prescrevera apenas a perda dos rateios eventualmente realizados, portanto, sem prejudicar os rateios posteriores ao ingresso do retardatário, ainda não realizados, sob pena de subversão da ordem listada no art. 83. Ora, se a Lei de Falências, disciplinando as sanções aplicadas à habilitação retardatária (LFR, art. 10, § 3º), não prescrevera tamanha restrição de direitos, não se afigura lídimo ao interprete assim proceder. Nesse viés, imperioso trazer à baila o consagrado brocardo: regra restritiva de direitos não admite interpretação extensiva, o que é princípio interpretativo fundante do Direito.
Nesse sentido, corrobora a jurisprudência de nossos tribunais, asseverando que o retardamento é sancionado exclusivamente com a perda do direito do habilitante aos rateios já realizados. Confira-se:
"FALÊNCIA. Habilitação de crédito. confusão entre habilitação e impugnação. 'Nomen juris'. Irrelevância. Intempestividade, no entanto, pronunciada. Hipótese típica de habilitação retardatária. Ato sentencial desconstituído. I. No sistema processual pátrio, o 'nomen iuris' atribuído ao pedido formulado não assume maior significância, cabendo ao julgador examinar o conteúdo da postulação, adequando-a à real e efetiva pretensão trazida a juízo. Assim, ainda que equívocos possam ter sido cometidos na nominação do pleito, impõe-se que o julgamento se adeqüe à intenção nele evidenciada, inclusive para análise dos pressupostos de admissibilidade e de tempestividade. II. O fato de haver a falida relacionado nos autos o crédito da instituição financeira como integrante do seu passivo, não supre a indispensabilidade da sua inclusão no quadro geral de credores, inclusão essa que, em verdade, torna concreta e inarredável a habilitação. III. A habilitação de crédito pode ser promovida a qualquer tempo no interregno que transcorre entre a decretação da quebra do devedor e o encerramento do processo falitário. Apenas e somente, uma vez escoado o prazo determinado pelo condutor do processo, a habilitação será considerada retardatária, nos termos do art. 98 do Diploma de Quebras, sancionando a lei o retardamento havido exclusivamente com a perda do direito do habilitante ao recebimento dos rateios já distribuídos." (265838 SC 2005.026583-8, Relator: Trindade dos Santos, Data de Julgamento: 06/10/2005, Segunda Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação cível n., de Chapecó.)
"HABILITACAO RETARDATARIA DE CREDITO TRABALISTA- . PREFERENCIA - VALOR DO PRINCIPAL CORRECAO MONETARIA - PRIMEIRO RATEIO. A APLICACAO DA CORRECAO MONETARIA NA ATUALIZACAO DE CREDITO TRABALHISTA, CUJO PRIVILEGIO FOI GARANTIDO PELO LEGISLADOR, NAO CONFIGURA ACRESCIMO AO VALOR PRINCIPAL DO CREDITO A ENSEJAR POSTERGACAO PARA NOVO RATEIO. RECURSO PROVIDO." (2685 RJ 1998.001.02685, Relator: DES. LUIZ ZVEITER, Data de Julgamento: 27/10/1998, SEXTA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 24/11/1998)
Aliás, vale anotar que a homologação do quadro geral de credores, a despeito da segurança jurídica que reina no processo falimentar, não o torna absolutamente imutável. Basta mencionar que até o encerramento do processo falimentar é possível a qualquer credor ajuizar ação, subordinada ao procedimento comum ordinário, com a finalidade de pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nas hipóteses que a lei autoriza (LFR, art. 19). Assim, a habilitação de crédito retardatária após a homologação do quadro geral, outrossim subordinada ao procedimento comum ordinário, inegavelmente, detém a força necessária para alterar o quadro geral, observando-se, notadamente, o devido processo legal.
Alinhadas essas premissas, não é temeroso afirmar que a habilitação de crédito retardatária após a homologação do quadro geral não exclui o credor retardatário dos rateios posteriores ao seu ingresso, tampouco prejudica a preferência de seu crédito, autorizando que, sendo o caso, seja modificado o quadro geral, para enxerto de seu crédito, em conformidade com a ordem da LFR, art. 83, ainda que já satisfeitos todos os credores de sua classe, situação que o elevaria à primeira posição e não à última. Contrariamente, temeroso seria reconhecer que o credor trabalhista, a par da preferencia do seu crédito, conferida pela lei, venha receber a quantia que é endereçada à sua subsistência mesmo até depois do último subquirografário (créditos subordinados).
Como é cediço, o tratamento paritário dos credores é princípio que rege o processo falimentar e decorre do postulado da isonomia. Consoante leciona o catedrático Fábio Ulhoa Coelho, esse princípio, ao mesmo tempo em que assegura aos credores com título da mesma natureza a igualdade, estabelece hierarquia em favor dos mais necessitados, privilegiando os créditos trabalhistas . Este princípio não se intimida pelo retardo no processo de habilitação promovido após a homologação do quadro geral de credores, ensejando que a hierarquia elegida como medida de tratamento paritário dos credores seja observada nos rateios subseqüentes à sua habilitação ou pedido de reserva.
E isso se evidencia precisamente porque o processo falimentar, conquanto preocupado precipuamente com a atividade empresarial e saúde das relações comerciais, não está apartado dos princípios e valores da Constituição Federal, que submete ao seu julgo todas as leis que lhe são inferiores, de sorte que o direito falimentar constitucional, ou seja, em conformidade com a hermenêutica constitucional, não se coaduna com a hipótese em que o detentor de crédito trabalhista, de caráter alimentar, e, portanto, destinado à sua subsistência, seja preterido, a qualquer tempo, por outra classe de credores. Acertadamente, a ordem listada na LFR, art. 83, estabelecida pelo legislador ordinário, em conformidade com os valores e princípios prestigiados na Carta da República, deve prevalecer em qualquer fase do processo falimentar, sendo que sua inobservância autoriza aos legitimados promover ação objetivando a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, a qualquer tempo, preservados os rateios eventualmente realizados (LFR, art. 19).
Alinhavados esses argumentos e afigurando-se despiciendo serem alinhadas quaisquer outras considerações ante a constatação de que a habilitação do crédito trabalhista titularizado por Melquisedeques Marques e sua preferência devem ser asseguradaa, no que diz sobre a possibilidade do credor trabalhista retardatário participar dos rateios no momento em que promove sua habilitação com o privilégio assegurado ao crédito que ostenta, segundo a ordem de sua preferência, sem a necessidade de aguardar o esgotamento do quadro geral de credores e satisfação do último credito subordinado.
Esteado nos argumentos alinhados, provejo parcialmente o agravo para deferir a habilitação do crédito trabalhista titularizado por Melquisedeques Marques, assegurando-lhe preferência, a despeito do esgotamento dos rateios de sua classe, devendo figurar, nesse caso, como o primeiro crédito dos rateios subseqüentes. Custas na forma da lei.
É como voto.
A Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO - Vogal
Com o Relator.
O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO - Vogal
Com o Relator.
D E C I S Ã O
CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJDFT - Processo Civil. Falência. Habilitação de crédito retardatário. Homologação do quadro geral dos credores. Perda dos rateios realizados. Princípio do tratamento paritário dos credores. Crédito trabalhista. Natureza falimentar. Privilégio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/34291/tjdft-processo-civil-falencia-habilitacao-de-credito-retardatario-homologacao-do-quadro-geral-dos-credores-perda-dos-rateios-realizados-principio-do-tratamento-paritario-dos-credores-credito-trabalhista-natureza-falimentar-privilegio. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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