EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE_________________
Processo nº______________________________
______________________, devidamente qualificado nos autos de processo em epígrafe, por meio de sua defesa técnica, vem tempestivamente, perante Vossa Excelência, interpor APELAÇÃO, em face da sentença de absolvição sumária imprópria, com fulcro no artigo 416 do Código de Processo Penal, cujas razões seguem em anexo, requerendo o recebimento e o processamento do presente recurso.
(Local/Data)
Advogado ou Defensor Público
RAZÕES DE APELAÇÃO
___VARA CRIMINAL DE___________
AUTOS Nº _________________________________
APELANTE: _______________________
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara,
Eméritos Julgadores,
I- DOS FATOS
O recorrente está sendo processado por supostamente ter praticado o delito tipificado no artigo 121, “caput”, do Código Penal.
De acordo com a exordial acusatória, XXXXXXX residia com a vítima, que era seu irmão, sendo que entre os dias 27 e 30 de outubro de 2014, em horário incerto, por motivo não esclarecido, ele teria desferido um golpe no abdômen dela com um objeto perfuro-cortante não encontrado, causando, assim, sua morte.
Encerrada a instrução, o Ministério Público postulou a Absolvição Sumária do acusado com a consequente aplicação de Medida de Segurança em virtude de sua atestada inimputabilidade, entendendo que ele teria sido o efetivo autor do homicídio. Por seu turno, a defesa pleiteou unicamente a impronúncia, o que, por disposição expressa da lei (artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal), impediria a absolvição sumária decorrente da inimputabilidade.
Todavia, e a despeito da expressa previsão legal, o douto Juízo singular absolveu impropriamente o embargante, impondo-lhe medida de segurança de internação em razão de sua comprovada inimputabilidade.
Em face de tal decisão, que se mostrou contraditória, já que constatou que a única tese defensiva era a impronúncia, e ainda assim aplicou medida de segurança à revelia do artigo 415, parágrafo único, foram opostos embargados de declaração.
Instado a se manifestar, o Ministério Público, a despeito da evidente violação a texto expresso do Código de Processo Penal, entendeu que os embargos deveriam ser reconhecidos como absolutamente descabidos, culminando na certificação do trânsito em julgado da decisão embargada, ignorando que o seu manejo obviamente não se deu em equivocada substituição ao recurso cabível, mas sim para, de forma célere, e com amparo legal, tentar resolver a evidente contradição – geradora de intolerável ilegalidade – verificada na r. sentença.
Remetidos os autos ao juízo a quo, este rejeitou os embargos, mantendo sua sentença anterior, entendendo que o fato de a defesa não ter alegado excludentes ou dirimentes demonstraria a desnecessidade de submissão do caso ao julgamento pelo Conselho de Sentença.
Como se vê, a ilegalidade da sentença ora guerreada salta aos olhos, não restando outro remédio a não ser o manejo do presente apelo, cujas razões passa a expor.
II- PRELIMINARMENTE: DA NULIDADE POR CERCEAMENTO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E POR OFENSA AO TEXTO LEGAL
Preliminarmente, deve ser declarada a NULIDADE da r. sentença guerreada, por ofensa a garantias constitucionais básicas, e que remontam às origens do próprio Direito como hoje o conhecemos.
Isso porque, ao ignorar a disposição do artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o juízo recorrido subtraiu do órgão competente para o julgamento a possibilidade de analisar a acusação que pende contra o recorrente, que no caso, seria o Tribunal do Júri.
Mas não é só.
Ao assim proceder, feriu de morte garantia individual do recorrente de ser julgado por seus pares, e não por um juiz de direito, cláusula pétrea, insculpida no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal:
“Artigo 5º [...]
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
A Instituição do Júri é garantia fundamental do indivíduo, e consiste em verdadeiro símbolo da cidadania e do próprio exercício do Poder diretamente por aquele que é seu titular: o povo. Por ordem do Constituinte, os crimes dolosos contra a vida (competência esta que é mínima, podendo ser a qualquer tempo ampliada, por meio de lei, para outros delitos) devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, partindo-se do pressuposto de que tais infrações, as mais graves do ordenamento, deverão passar pelo crivo popular, garantindo aos acusados o julgamento por pessoas como ele, desprovidas de conhecimento técnico e das formalidades que tanto engessam o Judiciário. E tal garantia foi sumária e inaceitavelmente retirada do recorrente.
A sentença guerreada também solapou a garantia do inciso LIII, do mesmo artigo 5º, que assegura aos acusados o julgamento pela autoridade competente (que no caso, deveria ser o Tribunal do Júri), ofendendo de forma insanável as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (CF/1988, artigo 5º, LIV e LV).
Isso porque, e diversamente do que entendeu o Douto Juízo singular, o acusado somente poderia ser absolvido sumariamente em razão da inimputabilidade se esta fosse a única tese defensiva – O QUE DEFINITIVAMENTE NÃO OCORREU.
Pelo contrário, a defesa sequer pleiteou a absolvição sumária, limitando-se a formular o único pedido possível no presente caso: A IMPRONÚNCIA DO RÉU.
Sobre o tema, assim se manifesta a doutrina:
“ Se a inimputabilidade do art. 26, caput, não for a única tese defensiva, não é possível a absolvição sumária imprópria. O motivo para tal vedação é evidente: quando o agente é absolvido com base na inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado (CP, art. 26, caput), a ele será imposta medida de segurança (CPP, art. 386, parágrafo único, III, c/c art. 97, caput, do CP). Ora, com ao internação não deixa de ser uma espécie de sanção penal àquele cidadão desprovido de capacidade de culpabilidade (imputabilidade), porquanto o acusado fica internado ou em tratamento ambulatorial até a cessação de sua periculosidade, sua aplicação está condicionada ao prévio reconhecimento da prática de conduta típica e ilícita. Assim, reconhecida a existência de conduta típica e ilícita, porém ausente a capacidade de culpabilidade, e desde que a inimputabilidade seja sua única tese defensiva, é possível a absolvição sumária. Havendo outra tese defensiva, não deve o magistrado absolver sumariamente o acusado. Neste caso, o acusado deve ser pronunciado e remetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, cabendo aos jurados decidir sobre esta(s) outra(s) tese(s) defensiva(s). Afinal, acolhida esta outra tese defensiva pelo Conselho de Sentença (v.g., legítima defesa), ao acusado não será imposta medida de segurança. Daí prever a lei que a absolvição sumária imprópria só seria cabível quando a inimputabilidade for a única tese defensiva.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Ed. Juspodivm, 2016. p. 1144/1145) (grifamos)
O entendimento de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer é no mesmo sentido:
“Crime é fato típico, antijurídico e culpável. Portanto, antes da análise da culpabilidade é imprescindível a verificação se o fato praticado efetivamente encontra adequação criminal e ainda se é antijurídico (não apresenta nenhuma causa excludente de ilicitude). Nessa senda, se essa for a tese defensiva, ao inimputável deve ser garantido o direito de ser absolvido pela negativa de autoria ou diante de alegada excludente de antijuridicidade porque a decorrência lógica do provimento judicial (do Tribunal Popular ou do próprio juiz monocrático) que a reconhece será a não imposição de medida de segurança.” (Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. Ed. Atlas, 2014. p. 921) (grifamos)
Assim, nota-se que caso não entendesse o Douto Juízo singular pela procedência do pleito defensivo, deveria pronunciar o apelante, repita-se, em observância ao artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal, para que este tivesse o DIREITO de ser julgado pelo órgão competente, ou seja, o Tribunal do Júri, o qual, e somente ele, poderia eventualmente reconhecer o recorrente como autor da infração penal, decidir por sua inimputabilidade, culminando na imposição de medida de segurança. Ou então, e por que não, poderia ABSOLVÊ-LO, seja respondendo negativamente ao quesito relativo à autoria (artigo 483, II, do Código de Processo Penal), ou positivamente ao quesito absolutório genérico (artigo 483, III, do Código de Processo Penal). E tudo isto foi ilegalmente negado ao recorrente.
Frise-se que ao analisar os embargos, em fls. 244, o douto juízo singular entendeu que dos “argumentos expedidos por ocasião das alegações derradeiras não se infere, com a necessária precisão, a necessidade da submissão do acusado ao Tribunal do Júri. Acrescente-se não haver por parte da ilustrada defesa, argumento justificador diante da conduta do réu que possa subordina-lo a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, como qualquer excludente ou dirimente que possa ser avaliada por aquele sodalício, a exceção de mero pedido de pronúncia”. (sic)
Com o devido respeito à sabedoria do Douto Juízo Criminal autor da decisão, r. posicionamento mostra-se equivocado. Primeiro, os memoriais defensivos são claros: pleiteia-se a impronúncia do recorrente em razão da absoluta insuficiência probatória: ninguém viu os fatos, ninguém sabe como eles se deram, a arma do crime não foi encontrada, sendo que a responsabilidade do recorrente deriva única e exclusivamente do fato de ele, inimputável, ter sido encontrado ao lado do corpo já em decomposição de seu irmão. Não se compreenderia uma defesa que se conformasse em ver o seu patrocinado ser condenado (afastando-se o caráter eufemístico da absolvição imprópria cumulada com medida de segurança) a passar talvez toda a vida em um manicômio judiciário (um dos maiores horrores da atualidade) só com base em uma presunção da acusação. Em segundo lugar, o Tribunal do Júri não analisa apenas causas que justificam o delito, como excludentes de ilicitude, culpabilidade, ou qualquer outra dirimente, cabíveis quando certa a autoria.
O Conselho de Sentença também, e obviamente, analisa a própria autoria, respondendo a quesito específico a respeito (CPP 483, II), sendo que a NEGATIVA DE AUTORIA, na primeira fase do procedimento, SÓ PODE LEVAR À IMPRONÚNCIA – único pedido da defesa no caso presente, já que seria aberrante, do ponto de vista técnico, que se pleiteasse absolvição sumária por tal motivo. Assim, em respeito à literalidade do artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal, não tendo a defesa sequer pleiteado a absolvição sumária decorrente da inimputabilidade, teria o Douto Juízo singular apenas dois caminhos: impronunciar o recorrente, ou então pronunciá-lo, remetendo-o a julgamento pelo Tribunal do Júri, e assegurando-lhe o direito de perante aquele órgão buscar a sua absolvição própria, SEM IMPOSIÇÃO DE QUALQUER MEDIDA DE SEGURANÇA.
Assim, nota-se que o posicionamento do Douto Juízo singular é absolutamente inconstitucional e ilegal, posto que claramente ofensivo aos incisos LIII, LIV, LV e XXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, e ao texto expresso do parágrafo único do artigo 415 do Código de Processo Penal. Isso evidencia ser de rigor a declaração de NULIDADE da r. sentença guerreada, sendo mais do que evidente a ocorrência do prejuízo exigido pelo artigo 563 do Código de Processo Penal: ofendendo a Constituição e a lei, o douto juízo singular impôs gravosa medida de segurança ao recorrente, privando-lhe do direito de buscar a sua absolvição própria perante o Tribunal do Júri.
POR TODO O EXPOSTO, requer seja declarada a NULIDADE da r. sentença de fls. ___________, determinando-se que outra seja proferida pelo Douto Juízo singular, em respeito à Constituição e à lei, com a consequente revogação da prisão preventiva imposta ao recorrente e renovada pela sentença impugnada.
III - DA IMPRONÚNCIA
Caso não acolhido o pleito preliminar, no mérito não merece prosperar a r. sentença guerreada, consistente na imposição de medida de segurança após absolvição sumária imprópria.
Percebe-se do interrogatório do apelante (fl. 205 – mídia digital) que ele não sabe descrever os detalhes do que teria ocorrido. Afirma que teria dormido por três ou quatro dias pois foi picado por um inseto e teve febre e muita sonolência; que quando foi dormir a vítima estava em casa, no quarto, e quando acordou percebeu o que estava acontecendo, mas não se lembrava do que havia ocorrido. O recorrente enfatiza que de nada recorda dos fatos a ele imputados, mas que teriam dito que foi ele o responsável pela morte de seu irmão. Não há testemunhas presenciais da prática das condutas imputadas ao recorrente, sendo que nenhuma das pessoas ouvidas sabe informar como, quando e porque o crime teria ocorrido, nem mesmo conseguem apontar, sem sombra de dúvidas, a autoria do delito.
O único elemento que é incontroverso nos autos é que o corpo da vítima foi encontrado em estado de putrefação e com um ferimento causado por um objeto perfuro-cortante na região do abdômen. Não há, pois, elementos que conduzam à certeza de que foi realmente o réu quem deu causa a morte da vítima.
Como se não bastasse, o objeto perfuro-cortante que o recorrente teria supostamente utilizado para golpear a vítima sequer foi encontrado. Assim, inviável a pronúncia ou a absolvição sumária com imposição de medida de segurança.
Para que seja o julgamento remetido ao tribunal do júri, mister se faz que os indícios sejam suficientes, aptos a gerar dúvida razoável, o que não se verifica no presente caso.
Neste sentido são as lições de Guilherme de Souza Nucci:
“cuidando-se de um juízo de mera admissibilidade da imputação, não se demanda certeza, mas elementos suficientes para gerar dúvida razoável no espirito do julgado. Porém, ausente essa suficiência, o melhor caminhado é a impronúncia, vedando-se a remessa do caso a apreciação do Tribunal do Júri” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, 8° Edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 745).
Como se sabe, o processo penal trabalha com juízos progressivos de cognição, exigindo uma graduação progressiva de probabilidade conforme o ato processual a ser praticado. Para o recebimento da denúncia bastam meros indícios. Já a pronúncia exige outro passo nesta escala, somente se mostrando possível com indícios suficientes da autoria ou participação, gerando praticamente certeza no julgador.
Não se argumente ainda ser o caso de aplicação do princípio in dubio pro societate, cabalmente incompatível com o princípio da presunção de inocência que vigora no processo penal, por força da Constituição.
Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci:
“O controle judiciário sobre a admissibilidade da acusação necessita ser firme e fundamentado, tornando-se inadequado remeter o julgamento pelo tribunal do júri um processo ser qualquer viabilidade de haver condenação do acusado. A dúvida razoável, que leva o caso ao júri, é aquela que permite tanto absolvição quanto a condenação. Assim não é trabalho do juiz togado “lavar as mãos” no momento de efetuar a pronúncia, declarando, sem qualquer base efetiva em provas haver dúvida e esta dever ser resolvida em favor da sociedade, remetendo o processo a julgamento pelo tribunal popular. Cabe-lhe, isto sim, filtrar o que pode e que não pode ser avaliado pelos jurados, zelando pelo respeito ao devido processo legal e somente permitindo que siga o julgamento a questão realmente controversa e duvidosa.” (Código de Processo Penal comentado. 3. Ed. São Paulo: RT, 2004, p. 658).
Desta forma, a alternativa mais justa para o caso é a impronúncia do réu e não a absolvição sumária que culminou na efetiva responsabilização do recorrente mediante imposição da medida de segurança.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer seja dado provimento ao presente apelo, e acolhido o pleito preliminar, declarando-se a NULIDADE da r. sentença recorrida, por ofensa expressa ao artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e pelo cerceamento das garantias constitucionais insculpidas nos incisos LIII, LIV, LV e XXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, com a consequente REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA IMPOSTA AO RECORRENTE, e determinando-se que outra sentença seja proferida, em conformidade com o ordenamento jurídico.
Caso assim não entendam Vossas Excelências, requer seja dado provimento ao apelo, para que seja reformada a r. sentença guerreada, com a consequente IMPRONÚNCIA do recorrente XXXXXXXXXXXXXXXX, com fundamento no art. 414 do Código de Processo Penal.
Local/Data.
Advogado ou Defensor Público
Defensor Público do Estado de São Paulo. Colaborador do Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Campus Franca. Especialista em Ciências Penais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAGHIM, Bruno Bortolucci. Apelação com preliminar de nulidade por ofensa ao art. 415, parágrafo único, do CPP (absolvição imprópria descabida, por não ser a inimputabilidade do réu a única tese defensiva) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Peças Jurídicas/51298/apelacao-com-preliminar-de-nulidade-por-ofensa-ao-art-415-paragrafo-unico-do-cpp-absolvicao-impropria-descabida-por-nao-ser-a-inimputabilidade-do-reu-a-unica-tese-defensiva. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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