O dever fundamental de pagar o tributo foi recentemente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como expresso no art. 145, §1º da Constituição Federal, nos termos do voto do Min. Gilmar Mendes na Direta de Inconstitucionalidade número 1055/DF.
Com efeito, em que pese inexistir, graficamente, a imposição no artigo constitucional citado, parte dos autores contemporâneos entendem que a Constituição Federal impõe, expressamente, ao cidadão um dever fundamental, o de pagar os tributos.
Esse artigo busca discorrer acerca do entendimento atual da Suprema Corte acerca do dever fundamental de pagar os impostos, correlacionando-o com o seu nascimento: a ocorrência do fato gerador.
DA DISTINÇÃO ENTRE O FATO GERADOR E A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DE ACORDO COM A DOUTRINA TRIBUTARISTA PÁTRIA
Não se pode olvidar que o direito público pátrio cuida de relações jurídicas plenamente vinculadas, tudo em decorrência do que a doutrina denomina ciclo de positivação, fato que impede, em regra, a realização de qualquer acordo entre as partes.
Nesse contexto, faz-se necessário clarificar o que se pode entender, em síntese, por hipótese de incidência, fato gerador e por fim, a obrigação tributária.
Apesar de o CTN dizer o contrário, a maior parte da Doutrina entende que hipótese de incidência é a previsão abstrata na norma, enquanto que fato gerador é a própria ocorrência fática do que foi previsto, conforme textos colacionados abaixo de doutos professores:
Para Nogueira[1]: “fato gerador do tributo é o conjunto dos pressupostos abstratos descritos na norma descritos na norma de direito material, de cuja concreta realização decorrem os efeitos jurídicos previstos.”.
Leandro Paulsen[2] assevera que: “A hipótese de incidência integra o antecedente ou pressuposto da norma tributária impositiva. O fato gerador é a própria situação que, ocorrida, atrai a incidência da norma.”
Já na opinião de Hugo de Brito Machado[3]:
A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, é simples previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto..
Por último, mas não menos importante, aborda-se o que se entende por obrigação tributária.
Segundo o artigo 113 do CTN, esta se divide em principal e acessória, sendo esta também obrigatória, mas não consistindo no efetivo pagamento do tributo. Trata apenas de obrigar o contribuinte, ou deixar a cargo do fisco, a fazer ou não fazer alguma coisa diversa do recolhimento da montante financeiro devido.
A obrigação principal, por sua vez, traduz-se no efetivo dever de pagamento do tributo ou penalidade pecuniária
Explica-se:
Como é cediço, a obrigação tributária ocorre no momento de efetivação do fato gerador. De acordo com a melhor doutrina, o legislador, com suporte legal (art. 97 I do CTN), isto é, com a observância dos princípios constitucionais da legalidade e da não surpresa, pode eleger matérias tributáveis.
Uma vez disciplinada legalmente, tem-se a hipótese de incidência tributária. De acordo com o professor Sabbag[4] “hipótese de incidência é a situação descrita em lei, recortada pelo legislador entre inúmeros fatos do mundo fenomênico, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, enseja o surgimento da obrigação principal (...)”.
Impende destacar que hipótese de incidência não é sinônimo de fato gerador, consoante a melhor doutrina. Em apontada atecnia legislativa, o art. 114 do Código Tributário Nacional, fato gerador da obrigação principal seria a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
Entretanto, não se pode considerar um fato abstrato como fato gerador, uma vez que este é a realização efetiva, concreta, de algum comportamento previsto na norma.
Por isso, Geraldo Ataliba[5] aduz que o fato gerador seria: “a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”.
Assim, uma vez ocorrido no mundo fenomênico o fato descrito hipoteticamente na lei, surge a obrigação tributária. De acordo com a dicção legal do art. 113, parágrafo primeiro do Código Tributário Nacional, a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador.
DO DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR O TRIBUTO
Ocorrendo o fato gerador, consequentemente, surge também um dever fundamental de pagar o tributo constitucionalmente imposto ao sujeito passivo.
Nas palavras do professor Min. Gilmar Mendes[6], em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade número 1055/DF:
O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos, deve oferecer instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos. No caso da Constituição, esse dever está expresso no § 1º do art. 145.
Com efeito, há diversos direitos fundamentais previstos na Constituição, principalmente entre os arts. 150 a 152. O referido Ministro, por seu turno, segue corrente doutrinária que defende haver dever fundamental de pagar tributos, e este se encontraria albergado na Carta Magna, mais especificamente no art. 145, §1º[7], que reza:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
De fato, este dever fundamental existiria em decorrência de obrigações estatais frente aos cidadãos - como por exemplo educação, segurança, saúde - e estas obrigações necessitariam de arrecadação, especialmente através de tributos, para serem satisfeitas.
Assim é que se justifica a tributação. Segundo Marianna Loss[8]:
Passa-se do poder de tributar a um dever de solidariedade social a fim de se fundamentar a ação estatal tributária. É o desvendar de um dever fundamental de pagar impostos – dever jurídico constitucional autônomo. Embora implícito, é este o dever que obriga todos os indivíduos, quando da manifestação de riqueza, a contribuírem com parcela de seus recursos para o desenvolvimento do Estado e da sociedade como um todo.
Ademais, o dever fundamental de pagar tributos é também um modo de se garantir as chamadas liberdades negativas.
Noutros termos, o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado.[i]
Percebe-se a importância ímpar do dever fundamental de pagar tributos, que custeiam a estrutura estatal através desses recursos arrecadados, garantindo a prestação de direitos à sociedade. Assim assevera Leandro Paulsen[9]:
Aliás, resta clara a concepção da tributação como instrumento da sociedade quando são elencados os direitos fundamentais e sociais e estruturado o estado para que mantenha instituições capazes de proclamar, promover e assegurar tais direitos. Não há mesmo como conceber a liberdade de expressão, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, o exercício do direito de propriedade, a garantia de igualdade, a livre iniciativa, a liberdade de manifestação do pensamento, a livre locomoção e, sobretudo, a ampla gama de direitos sociais, senão no bojo de um Estado Democrático de Direito, Social e Tributário.
Ocorre que, em que pese o nascimento da obrigação tributária, há a necessidade de constituição do Crédito Tributário a fim de que o Estado- Fisco possa cobrá-lo. Com efeito, inicia-se, pois, o lapso temporal decadencial para a constituição do crédito.
Ao lado da exigência prestacional do Estado Social de Direito, no qual a prestação positiva por parte do Estado exige receitas públicas vultosas, o princípio do dever fundamental de pagar os tributos é posto em evidência.
Com efeito, em Estados como o brasileiro, em que grande parte das receitas tem natureza derivada, advinda primordialmente da tributação dos cidadãos, e não originária, decorrente da exploração do próprio patrimônio do Estado, o dever fundamental reconhecido no art. 145, § 1º da Constituição Federal de 1988 revela-se intimamente relacionado com os princípios programáticos delineados pelo legislador constituinte originário.
Desta forma, ao lado dos deveres constitucionais sociais, em especial aqueles previstos no art. 6º da Constituição Federal de 1988, que exigem dotação orçamentária positiva para prestação de atividades materiais, o princípio do dever fundamental de pagar os tributos merece maior atenção dos juristas.
DA CONCLUSÃO
Com o nascimento da obrigação tributária, que se dá com a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, exsurge também o dever fundamental de pagar o tributo correlato.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 145, §1º, traz, expressamente, esse dever, tido por fundamental, de pagar os tributos.
Para a consecução dos direitos previstos na ordem constitucional, em especial aqueles que demandam dotação orçamentária, a citar, as prestações materiais características do Estado Social de Direito, o dever fundamental de pagar os tributos se mostra imprescindível ao regular cumprimento das obrigações constitucionais positivadas pelo legislador constituinte originário.
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[1] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 142.
[2] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 1ª Ed. Porto Alegre: livraria do Advogado Editora, 2008. p. 137.
[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 136.
[4] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 179.
[5] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros,2002. p. 68
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1055/DF. Relator: MENDES, Gilmar Ferreira, julgado em 15-12-2016. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13265420>. Acessado em 29-07-2017.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1055/DF. Relator: MENDES, Gilmar Ferreira, julgado em 15-12-2016. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13265420>. Acessado em 29-07-2017.
[8] LOSS, Marianna Martini Motta. O dever fundamental de pagar impostos como meio de efetivação dos direitos sociais, 2014. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-dever-fundamental-de-pagar-impostos-como-meio-de-efetivacao-dos-direitos-sociais,51167.html> Acesso em: 25de ago. 2017.
[9] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 1ª Ed. Porto Alegre: livraria do Advogado Editora, 2008. p. 137.
Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG. É servidor público efetivo e membro da comissão de advocacia estatal da OAB/SE. Atuante nas áreas de Direito Tributário, Direito Público (Administrativo, Constitucional), contratual e de startups. Foi advogado responsável pela condução dos processos coletivos nos Estados de Alagoas e Mato Grosso no escritório "Fernandes Advogados Associados". Aprovado para o cargo de Procurador na Procuradoria do Estado de Sergipe (10º lugar), ALESE (1º Lugar), PGM/BH e PGM/POA, dentre outros, no total de 10 certames.Foi Monitor de Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DAVI BARRETTO DóRIA, . Do dever fundamental de pagar o tributo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2019, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/52808/do-dever-fundamental-de-pagar-o-tributo. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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