Brasília, 9 a 13 de novembro de 2015 - Nº 807.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Meio ambiente e poluição: competência municipal - 3
Meio ambiente e poluição: competência municipal - 4
Lei trabalhista: discriminação de gênero e competência legislativa
Contratação de servidores temporários e competência - 2
Convenção 158 da OIT e denúncia unilateral - 8
Doação eleitoral e sigilo
PSV: indícios de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro e competência
Suspensão de ações judiciais em ADI e precatório
Repercussão Geral
Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado
1ª Turma
Administração Pública: ressarcimento e decadência - 1
Administração Pública: ressarcimento e decadência - 2
Sequestro de verbas públicas e precatórios
2ª Turma
Mandado de segurança e prova pré-constituída
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Liberdade de Imprensa - Censura Judicial - Inadmissibilidade (Rcl 21.504-MC-AgR/SP)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
Meio ambiente e poluição: competência municipal - 3
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a competência dos Municípios para legislar sobre proteção do meio-ambiente e controle da poluição. Cuida-se, na espécie, de recurso extraordinário contra acórdão de tribunal estadual que, ao julgar apelação em mandado de segurança, reconheceu a legitimidade de legislação municipal com base na qual se aplicaram multas por poluição do meio ambiente, decorrente da emissão de fumaça por veículos automotores no perímetro urbano — v. Informativos 347 e 431. Em voto-vista, o Ministro Edson Fachin negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pela Ministra Rosa Weber. Ambos os Ministros destacaram que as penalidades teriam sido aplicadas com base no art. 11 da Lei 4.253, de 4.12.1985 e no art. 97 do Decreto 5.893, de 16.3.1988, portanto, anteriores à CF/1988. O Ministro Edson Fachin destacou as diferenças existentes entre o federalismo da Constituição de 1988 e o das que a antecederam. Apontou que uma das mais fundamentais inovações consistira na elevação dos Municípios a entes federativos. Como consequência da maior autonomia outorgada pela CF, também se previu um conjunto de competências próprias aos Municípios. Assim, além da distribuição expressa de competências e da competência concorrente, a Constituição ainda teria incluído competências residuais (para os Estados) e locais (para os Municípios), além de competências comuns e competências complementares extensíveis aos Municípios (CF, art. 30, II). Defendeu que, no complexo feixe de competências criado pela CF/1988, seria possível sustentar existir o princípio da subsidiariedade no direito brasileiro, o qual, porém, não indicaria qual seria o conteúdo a ele atribuído, nem qual a extensão de sua aplicação. De igual forma, a proporcionalidade também deveria ser utilizada para soluções de problemas que envolvessem competência.
RE 194704/MG, rel. Min. Carlos Velloso, 11.11.2015. (RE-194704)
Meio ambiente e poluição: competência municipal - 4
Para o Ministro Edson Fachin, apenas quando a lei federal claramente indicasse quais os efeitos de sua aplicação deveriam ser suportados pelos entes menores (“clear statement rule”), seria possível afastar a presunção de que, no âmbito regional, determinado tema deveria ser disciplinado pelo ente maior. No caso em comento, a discussão envolveria, ainda, a disputa de sentido desses conceitos quando opostos às competências expressas da União, dos Estados e dos Municípios. Nessas hipóteses, seria necessário não apenas que a legislação federal se abstivesse de intervir desproporcionalmente nas competências locais, como também que, no exercício das competências concorrentes, a interferência das legislações locais na regulamentação federal não desnaturasse a restrição indicada por ela. Nesse ponto, entendeu que, embora seja a União competente para legislar sobre trânsito e transporte, seria simplesmente inconstitucional que o efeito da legislação, no caso o Código de Trânsito Brasileiro, impusesse níveis de tolerância à poluição incompatíveis com a saúde da população local. Por óbvio, as restrições não poderiam infringir materialmente normas constitucionais. Excetuadas essas circunstâncias, não existiria impedimento de ordem formal para que os Municípios assim o fizessem. A principal consequência advinda do reconhecimento do princípio da subsidiariedade no direito brasileiro seria a inconstitucionalidade formal de normas estaduais, municipais ou distritais por usurpação de competência da União. Tal usurpação somente ocorreria se a norma impugnada legislasse de forma autônoma sobre matéria idêntica. Se, no entanto, o exercício da competência decorresse da coordenação (CF, art. 24) ou da cooperação (CF, art. 23), a violação formal exigiria ofensa à subsidiariedade. Aduziu que essa não seria a situação dos autos e, por essa razão, não haveria inconstitucionalidade. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli.
RE 194704/MG, rel. Min. Carlos Velloso, 11.11.2015. (RE-194704)
Lei trabalhista: discriminação de gênero e competência legislativa
Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.849/2001 do Estado de São Paulo, que trata de punições a empresas privadas e a agentes públicos que exijam a realização de teste de gravidez e a apresentação de atestado de laqueadura para admissão de mulheres ao trabalho. O Colegiado apontou haver lei federal a tratar da matéria (Lei 9.029/1995). Desse modo, ante a inexistência de omissão legislativa por parte da União, não caberia flexibilizar a rigidez constitucional quanto à competência para o tratamento legal do tema. No ponto, a proteção contra a discriminação de gênero em relações trabalhistas seria de competência federal. Além disso, haveria vício de forma, uma vez que a lei estadual cuidara de servidor público e sua iniciativa partira da assembleia legislativa. Ademais, a punição relativa às empresas privadas seria a retirada do sistema de cadastro do ICMS, o que impediria a empresa de funcionar, a afetar todos os seus empregados. Por outro lado, a lei federal se valeria de punições severas que, não obstante, permitiriam a continuidade das atividades da empresa, sem extrapolar os fins da norma, de proteção da mulher no mercado de trabalho. Vencidos os Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que julgavam o pedido improcedente.
ADI 3165/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 11.11.2015. (ADI-3165)
Contratação de servidores temporários e competência - 2
A justiça comum é competente para processar e julgar causas em que se discuta a validade de vínculo jurídico-administrativo entre o poder público e servidores temporários. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão e por maioria, deu provimento a agravo regimental e julgou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada com o objetivo de suspender ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho perante vara trabalhista. No caso, o “parquet” pretendia a anulação de contratações e de credenciamentos de profissionais — ditos empregados públicos — sem a prévia aprovação em concurso público. Alegava-se afronta ao que decidido pelo STF na ADI 3.395 MC/DF (DJU de 10.11.2006), tendo em conta que o julgamento da lide competiria à justiça comum — v. Informativo 596. O Colegiado asseverou que a orientação firmada na decisão paradigma seria no sentido de competir à justiça comum o julgamento de litígios baseados em contratação temporária para o exercício de função pública, instituída por lei local em vigência antes ou depois da CF/1988. Isso não atrairia a competência da justiça trabalhista a alegação de desvirtuamento do vínculo. Assim, a existência de pedidos fundados na CLT ou no FGTS não descaracterizaria a competência da justiça comum. Por fim, o Tribunal deliberou anular os atos decisórios até então proferidos pela justiça laboral e determinar o envio dos autos da ação civil pública à justiça comum competente. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que negavam provimento ao agravo.
Rcl 4351 MC-AgR/PE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 11.11.2015. (Rcl-4351 MC-AgR)
Convenção 158 da OIT e denúncia unilateral - 8
O Plenário retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do Decreto 2.100/1996, por meio do qual o presidente da República tornou pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção 158 da OIT, relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador — v. Informativos 323, 421 e 549. Em voto–vista, a Ministra Rosa Weber julgou totalmente procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/1996. Enfatizou que não se discutiria a denúncia em si — que, no plano internacional, já produziu seus efeitos —, mas o aludido decreto que a publicizara para fins de produção de efeitos no território nacional. Destacou que a derrogação de norma incorporadora de tratado pela vontade exclusiva do presidente da República seria incompatível com o equilíbrio necessário à preservação da independência e da harmonia entre os Poderes (CF, art. 2º), bem como com a exigência do devido processo legal, em sua dimensão substantiva (CF, art. 5º, LIV). Assim, dada a premissa maior de que leis ordinárias não poderiam ser revogadas pelo presidente da República, e a premissa menor de que o decreto promulgador de tratado, aprovado e ratificado, equivaleria à lei ordinária, concluiu que a norma incorporadora de tratado não poderia ser derrubada pela exclusiva vontade do Presidente da República, sob pena de afronta aos artigos 2º; 49, I e 84, VIII, da Constituição. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.
ADI 1625/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 11.11.2015. (ADI-1625)
O Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade para suspender, até o julgamento final da ação, a eficácia da expressão “sem individualização dos doadores”, constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei 9.504/1997, acrescentado pela Lei 13.165/2015. Além disso, conferiu, por maioria, efeitos “ex tunc” à decisão. A norma impugnada dispõe que “os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores”. A Corte afirmou que, embora existissem inúmeras controvérsias a respeito de qual o modelo de financiamento mais apropriado para afastar a influência predatória do poder econômico sobre as eleições, um aspecto do debate pareceria livre de maiores discussões. Tratar-se-ia da necessidade de se dar maior efetividade ao sistema de controle de arrecadação de recursos por partidos e candidatos. Seria indispensável, assim, imprimir transparência às contas eleitorais. Sem as informações necessárias, entre elas a identificação dos particulares que contribuíram originariamente para legendas e candidatos, o processo de prestação de contas perderia sua capacidade de documentar a real movimentação financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais (Lei 9.096/1995, art. 34, “caput”). Ademais, se obstruiria o cumprimento, pela Justiça Eleitoral, da relevante competência constitucional (CF, art. 17, III) de fiscalizar se o desenvolvimento da atividade político-partidária realmente assegura a autenticidade do sistema representativo (Lei 9.096/1995, art. 1º, “caput”). Outrossim, a identificação fidedigna dos particulares responsáveis pelos aportes financeiros seria informação essencial para que se pudesse constatar se as doações procederiam, de fato, de fontes lícitas e se observariam os limites de valor previstos no art. 23 da Lei 9.504/1997. Por outro lado, as informações sobre as doações de particulares a candidatos e a partidos não interessariam apenas às instâncias estatais responsáveis pelo controle da regularidade das contas de campanha, mas à sociedade como um todo, na medida em que qualificaria o exercício da cidadania. Permitiria, ainda, uma decisão de voto melhor informada, já que conferiria ao eleitor um elemento a mais para avaliar a seriedade das propostas de campanha. Por outro lado, a divulgação de informações sobre a origem dos recursos recebidos por partidos também capacitaria a sociedade civil, inclusive aqueles que concorressem entre si na disputa eleitoral, a cooperar com as instâncias estatais na verificação da legitimidade do processo eleitoral. Fortaleceria, assim, o controle social sobre a atividade político-partidária. Por fim, o acesso a esses dados ainda propiciaria o aperfeiçoamento da própria política legislativa de combate à corrupção eleitoral, ajudando a denunciar as fragilidades do modelo e a inspirar propostas de correção futuras. Ante o que consignado, seria inevitável a conclusão de que a parte final do § 12 do art. 38 da Lei 9.504/1997, acrescentado pela Lei 13.365/15, suprimiria transparência do processo eleitoral. Frustraria o exercício adequado das funções constitucionais da Justiça Eleitoral e impediria que o eleitor exercesse, com pleno esclarecimento, seu direito de escolha dos representantes políticos. Isso atentaria contra a arquitetura republicana e a inspiração democrática que a Constituição Federal imprimira ao Estado brasileiro. Vencido o Ministro Marco Aurélio unicamente quanto à concessão de eficácia “ex tunc” à decisão.
ADI 5394 MC/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 12.11.2015. (ADI-5394)
PSV: indícios de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro e competência
O Plenário iniciou julgamento de proposta de edição de enunciado de súmula vinculante com o seguinte teor: “Surgindo indícios da participação ativa e concreta de autoridade que detenha prerrogativa de foro, a investigação ou ação penal em curso deverá ser imediatamente remetida ao Tribunal competente para as providências cabíveis”. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), ao apresentar a proposta de enunciado, destacou que a Procuradoria-Geral da República havia apresentado a redação que segue: “Surgindo indícios do envolvimento de autoridade que detenha prerrogativa de foro, a investigação ou ação penal em curso deverá ser imediatamente remetida ao Tribunal competente para as medidas cabíveis. Ressalvam-se do alcance desta súmula os casos de encontro fortuito de provas, desvinculadas do objeto da investigação ou ação penal, hipótese na qual a autoridade competente poderá encaminhar apenas a respectiva documentação ao Tribunal”. Para o Ministro Luiz Fux, a expressão “surgindo indícios de participação ativa e concreta” indicaria que, se houvessem apenas indícios de participação que não fosse ativa, nem concreta, mas que existisse a menção da autoridade naquele inquérito seria possível prosseguir na apuração em primeiro grau. Nesse ponto, haveria difusão de informações ainda prematuras em relação a essas autoridades. Assinalou que essa valoração delegada ao juiz, no sentido de verificar se haveria atuação ativa e concreta da autoridade com prerrogativa de foro, nulificaria completamente a possibilidade de o STF apreciar a questão. O Ministro Celso de Mello sugeriu que fosse suprimida a expressão “apenas” e que fosse inserida a seguinte cláusula final: “(...) único competente para ordenar ou não o desmembramento da causa”. Reputou importante estabelecer a ressalva proposta pela PGR quanto ao encontro fortuito de provas, mas que fosse determinado o encaminhamento ao Tribunal. Enfatizou ser o STF o tribunal competente para ordenar ou não, eventualmente, o desmembramento da causa. O Ministro Roberto Barroso propôs que onde constasse “competente poderá encaminhar”, fosse substituído pela expressão “competente deverá encaminhar”. O Ministro Marco Aurélio aduziu que se deveria declinar da competência quanto à ação considerado o objeto específico, o que indicaria a competência do STF. Por entender a necessidade de se preservar o princípio do juiz natural, não caberia a remessa de todo o feito. Com essas considerações, o Ministro Celso de Mello aventou o texto: “Surgindo indícios da participação ativa e concreta de autoridade que detém a prerrogativa de foro, a investigação ou ação penal em curso deverá ser imediatamente remetida ao Tribunal competente para as providências cabíveis, inclusive para efeito de ordenar, ou não, o desmembramento da causa, ressalvadas as hipóteses de encontro fortuito de provas desvinculadas do objeto da persecução penal, caso em que a autoridade competente encaminhará a respectiva documentação ao Tribunal”. Em seguida pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
PSV 115/DF, 12.11.2015. (PSV-115)
Suspensão de ações judiciais em ADI e precatório
O Plenário, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto de decisão acauteladora proferida em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada em face da LC 131/2015 do Estado da Paraíba. A norma prevê a transferência de depósitos judiciais para conta específica do Poder Executivo, para pagamento de precatórios de qualquer natureza e outras finalidades. A decisão agravada suspendera diferentes ações judiciais que determinavam o sequestro dos valores previstos na lei complementar, sob pena de prisão em flagrante do servidor da instituição financeira que não efetuasse a transferência imediata dos recursos. O Colegiado apontou a existência de duas situações excepcionais: em primeiro lugar, a lei impugnada não trataria apenas do repasse de valores para pagamento de precatórios, mas também para outros fins, ou seja, para custeio do tesouro. Além disso, haveria lei complementar federal recente, a disciplinar a matéria de maneira distinta das legislações estaduais (LC 151/2015). Ressaltou que não haveria previsão legal, em se tratando de ADI, a respeito da possibilidade de suspender ações judiciais em curso que determinassem a aplicação da lei impugnada, muito embora houvesse essa previsão para os casos de ADC e ADPF. Assim, seria razoável adotar a mesma sistemática, não obstante se tratar de diferentes espécies de ações constitucionais. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o agravo.
ADI 5365 MC-AgR/PB, rel. Min. Roberto Barroso, 12.11.2015. (ADI-5365)
REPERCUSSÃO GERAL
Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de aplicação da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, d, da LC 64/1990, com redação dada pela LC 135/2010 [“Art. 1º. São inelegíveis: I - para qualquer cargo: ... d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”], à hipótese de representação eleitoral julgada procedente e transitada em julgado antes da entrada em vigor da LC 135/2010, que aumentou de 3 para 8 anos o prazo de inelegibilidade. Na espécie, o recorrente fora declarado inelegível, por 3 anos, em decisão transitada em julgado em 2004, com fundamento na redação originária do art. 1°, I, d, da LC 64/1990. Em 2008, após decorrido o referido prazo de inelegibilidade, elegera-se vereador. Em 2012, fora reeleito, porém, desta feita teve seu registro de candidatura impugnado, sob o argumento de que, com a promulgação da LC 135/2010, o prazo de inelegibilidade estabelecido no citado dispositivo legal fora ampliado para 8 anos. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente e relator) deu provimento ao recurso extraordinário, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. Destacou que o prazo de inelegibilidade de 3 (três) anos estabelecido pela Justiça Eleitoral nos autos de ação de investigação judicial eleitoral seria parte integrante da decisão de procedência. Por conseguinte, quando já integralmente cumprida, estaria completamente acobertada pela garantia fundamental da proteção à coisa julgada formal e material. Assim, o referido prazo, decorrente da cominação judicial de inelegibilidade, teria integrado, de forma indissociável e definitiva, o título judicial que atingira, no caso, o recorrente, diante de seu trânsito em julgado. Essa seria, em síntese, a diferença entre essa hipótese de inelegibilidade e as demais, o que não poderia ser ignorado ou afastado. Ademais, o STF, em inúmeros pronunciamentos, tem repelido a desconsideração da autoridade da coisa julgada, uma vez que isso, como consignado quando do julgamento do RE 592.912 AgR/RS (DJe de 22.11.2012), “implicaria grave enfraquecimento de uma importantíssima garantia constitucional que surgiu, de modo expresso, em nosso ordenamento positivo, com a Constituição de 1934”. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.
ARE 785068/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.11.2015. (ARE-785068)
PRIMEIRA TURMA
Administração Pública: ressarcimento e decadência - 1
A Primeira Turma iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado em face de ato do TCU, que determinara a órgão da Administração Pública federal a adoção de providências voltadas à restituição de quantia paga a servidora pública, relativamente a auxílio-moradia, entre outubro de 2003 e novembro de 2010. A impetrante sustenta a decadência do direito da Administração Pública de anular os atos dos quais decorreram efeitos favoráveis e a necessidade de observância do princípio da proteção da confiança, ante a presunção de legalidade dos atos praticados por agentes públicos. Salienta a patente boa-fé no recebimento dos valores. O Ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para obstar a sequência de qualquer medida tendente a obter a devolução das quantias recebidas pela impetrante no período referido. Afirmou, de início, que a impetrante realmente não satisfazia os requisitos para o recebimento da parcela, tendo em conta o que disposto no art. 1º do Decreto 1.840/1996. No entanto, não se poderia desconsiderar que a Constituição Federal encerraria a segurança jurídica, porquanto elemento ínsito a um Estado Democrático de Direito, a exigir a manutenção da estabilidade das relações sociais. Assim, o princípio reclamaria dos destinatários a previsibilidade das respectivas ações e das situações que viessem a constituir ou a disciplinar. Nesse sentido, os atos estatais criariam, nos indivíduos, expectativa no tocante às posições jurídicas que passassem a titularizar. A evocação da segurança jurídica, portanto, como garantia da cidadania frente a guinadas estatais, conferiria relevância à passagem do tempo, sendo previstos, no cenário jurídico, os institutos da prescrição e da decadência. Na espécie, incidiria o disposto no art. 54 da Lei 9.784/1999 (“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”), relativamente à determinação de ressarcimento dos valores percebidos, ante a existência de situação jurídica consolidada, capaz de obstar a atuação do TCU. Ademais, não haveria que se falar em má-fé da servidora, uma vez que a própria Administração Pública concluíra, em mais de uma oportunidade — quando do deferimento inicial do benefício e ao acolher razões apresentadas após manifestação do órgão de contas —, pela ausência de contrariedade ao Decreto 1.840/1996. Logo, criara legítima expectativa quanto à legitimidade da conduta.
MS 32569/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.2015. (MS-32569)
Administração Pública: ressarcimento e decadência - 2
O Ministro Edson Fachin, em divergência, denegou a ordem. Asseverou que não haveria que se falar, nesses casos de pretensão ressarcitória do Estado, em prescrição e decadência, tendo em conta o disposto no art. 37, § 5º, da CF (“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”). Por outro lado, verificar a legitimidade da percepção do auxílio-moradia e a existência de boa-fé da impetrante, demandaria incursão na análise de fatos e provas. Tal questão, portanto, deveria ser debatida em ação ordinária, de ampla cognição, mas não na via estreita do mandado de segurança. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
MS 32569/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 10.11.2015. (MS-32569)
Sequestro de verbas públicas e precatórios
A Primeira Turma iniciou julgamento de reclamação ajuizada por Estado-Membro em face de decisão proferida por tribunal de justiça que determinara o sequestro de verbas públicas, na forma do §10 do art. 97 do ADCT. A Corte de origem assentara a liberação intempestiva de receitas para o sistema especial de pagamento de precatórios. Aponta-se, no caso, violação à autoridade do que decidido na ADI 4.357 QO/DF (DJe de 4.8.2015) e na ADI 4.425 QO/DF (DJe de 4.8.2015), em cujo julgamento conjunto fora mantida, temporariamente, a vigência do regime especial de pagamento de precatórios instituído pela EC 62/2009. Segundo arguido, o sequestro de verbas públicas em questão teria ocorrido em hipótese diversa da permitida pelo art. 97 do ADCT — na redação dada pela referida emenda constitucional e cuja vigência fora temporariamente mantida pelo STF nas decisões mencionadas —, uma vez que não teria havido liberação intempestiva de receitas para o sistema especial de pagamento de precatórios. O Ministro Edson Fachin (relator), julgou procedente o pedido formulado na reclamação para suspender o ato reclamado e cassar a ordem de sequestro de verbas públicas do Estado-Membro. De início, assentou o cabimento da reclamação, afastada a alegação relativa à suposta ausência de aderência estrita entre o ato reclamado e os paradigmas apontados. No mérito, destacou que o ente federativo realizara regularmente os depósitos de 1,5% de 1/12 avos da receita corrente líquida para o pagamento de precatórios sob o regime especial do art. 97 do ADCT. Por conseguinte, em uma interpretação literal da norma constitucional, não teria ocorrido situação de não liberação tempestiva de recursos com aptidão para gerar sanção de sequestro de verbas. Em divergência, o Ministro Roberto Barroso não conheceu do pleito, dado que a reclamação não seria a sede própria para a discussão da matéria de fundo, que, ademais, não teria sido apreciada pelo STF nas ADIs 4.357/DF e 4.425/DF. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.
Rcl 21409/RS, rel. Min. Edson Fachin, 10.11.2015. (Rcl-21409)
SEGUNDA TURMA
Mandado de segurança e prova pré-constituída
A Segunda Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança que impugnava acórdão do STJ em que se pleiteava o pagamento da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária - GDATFA aos inativos em paridade com o pessoal da ativa. Na espécie, aquele tribunal superior assentara a ausência de prova pré-constituída e, por não ser permitida a dilação probatória, julgara extinto o “writ” sem julgamento de mérito. A Turma esclareceu que a impetrante pretende obter, em favor de seus substituídos, a percepção de determinada vantagem remuneratória que teria natureza genérica, não inerente ao exercício do cargo. Para tanto, aduz que, com o advento da Lei 10.484/2002, os servidores ocupantes de cargos técnicos ativos do Poder Executivo teriam passado a perceber, a título de GDATFA, o equivalente a 100 pontos, enquanto os servidores inativos estariam limitados a 20 pontos. Segundo o Colegiado, a discussão se circunscreveria com a existência ou não do direito dos inativos à equiparação ao pessoal da ativa no que se refere ao pagamento da vantagem em questão, nos termos do voto condutor do acórdão recorrido. Nesse ponto, frisou não ser possível ao STF, desde logo, entrar no mérito, porque a jurisprudência da Corte seria no sentido de que não se aplicaria, em sede de recurso ordinário em mandado de segurança, o disposto no art. 515, § 3º, do CPC [“Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (...) § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”]. No entanto, deu provimento ao recurso ordinário para afastar o fundamento do acórdão recorrido, de forma que os autos retornassem ao STJ para que prosseguisse no exame do mandado de segurança.
RMS 29914/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 10.11.2015. (RMS-29914)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
11.11.2015 |
12.11.2015 |
9 |
1ª Turma |
10.11.2015 |
— |
120 |
2ª Turma |
10.11.2015 |
— |
182 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
9 a 13 de novembro de 2015
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 910.351-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. CONCESSÃO DE FÉRIAS FORA DO PRAZO DO ART. 145 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. PAGAMENTO EM DOBRO DA REMUNERAÇÃO CORRESPONDENTE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa ao pagamento em dobro da remuneração de férias concedidas fora do prazo do art. 145 da Consolidação das Leis do Trabalho, fundada na interpretação desse dispositivo legal, é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 919.285-RS
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEGITIMIDADE DE REVISÃO DE CONTRATO JÁ EXTINTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa à legitimidade da revisão de contrato já extinto, por se resolver tão somente a partir da interpretação e da aplicação das normas legais pertinentes, é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
Decisões Publicadas: 2
9 a 13 de novembro de 2015
AG. REG. NO ARE N. 906.386-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO – CONTROVÉRSIA SOBRE CABIMENTO – EXTRAORDINÁRIO – ADEQUAÇÃO. Quando envolvida controvérsia sobre cabimento de recurso, a via excepcional do extraordinário apenas é aberta se, no acórdão, constar premissa contrária à Constituição Federal.
FGTS – CONTRATO DE TRABALHO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NULIDADE. A nulidade do contrato de trabalho a envolver a Administração Pública não afasta o direito aos depósitos relativos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Precedente: Recurso Extraordinário nº 596.478/RR, julgado no Pleno, redator do acórdão ministro Dias Toffoli, publicado no Diário da Justiça de 1º de março de 2013. Ressalva de entendimento pessoal, porque vencido quanto aos efeitos do ato nulo.
AG. REG. NO ARE N. 894.024-SE
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Civil. Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ofensa reflexa. Dano moral. Pressupostos da responsabilidade civil demonstrados na origem. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Ausência de repercussão geral. Precedentes.
1. A afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República.
2. O Tribunal de origem concluiu, ante as circunstâncias fáticas peculiares do caso concreto, que a conduta da agravante teria sido apta a causar dano à honra do agravado, ensejando assim sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
3. A ponderação de interesses, in casu, não prescinde do reexame do conjunto fático-probatório da causa, o qual é inadmissível em recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº 279/STF.
4. O Plenário da Corte, no exame do ARE nº 739.382/RJ, Relator o Ministro Gilmar Mendes, concluiu pela ausência de repercussão geral do tema relativo à configuração da responsabilidade civil por dano à imagem ou à honra, haja vista que o deslinde da questão não ultrapassa o interesse subjetivo das partes, tampouco prescinde do reexame de fatos e provas.
5. Agravo regimental não provido.
AG. REG. NO MI. N. 6.519-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA: ART. 40, § 4º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA RESPONSÁVEL PELO EXAME DO PEDIDO DE APOSENTADORIA É COMPETENTE PARA AFERIR, NA ESPÉCIE EM EXAME, O PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS PARA A APOSENTAÇÃO PREVISTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
HC N. 114.223-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. IMPUTAÇÃO ALTERNATIVA. FALTA DE DESCRIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE DOLO EVENTUAL E TENTATIVA. INOCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a extinção da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de alguma causa extintiva da punibilidade.
2. A inicial acusatória indica os elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação e, por consequência, suficientes para dar início à persecução penal, além de permitir ao paciente o pleno exercício do seu direito de defesa, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal.
3. Não se reputa alternativa a denúncia que descreve conduta certa e determinada, em imputação de tipo penal doloso, tanto o dolo direto quanto o eventual, porque cingidos naquela norma incriminadora.
4. Constatada a higidez da denúncia, não há como avançar nas questões que compõem típicas teses defensivas, sob pena de afronta ao modelo constitucional de competência. Caberá ao juízo natural da instrução criminal, com observância do princípio do contraditório, proceder ao exame do ora alegado e, porventura, conferir definição jurídica diversa para os fatos.
5. Ordem denegada.
AG. REG. NO ARE N. 819.662-RS
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO. INOVAÇÃO DE FUNDAMENTO EM AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. A tese suscitada pela parte agravante não fez parte das razões do recurso extraordinário, sendo aduzida somente nesta via recursal. Constitui-se, portanto, em inovação insuscetível de apreciação neste momento processual. Precedentes.
2. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada.
Acórdãos Publicados: 578
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Liberdade de Imprensa - Censura Judicial – Inadmissibilidade (Transcrições)
(v. Informativo 807)
Rcl 21.504-MC-AgR/SP*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DO JULGAMENTO PLENÁRIO DA ADPF 130/DF. EFICÁCIA VINCULANTE DESSA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE CONTROLE, MEDIANTE RECLAMAÇÃO, DE ATOS QUE TENHAM TRANSGREDIDO TAL JULGAMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DE TERCEIROS QUE NÃO INTERVIERAM NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. JORNALISMO DIGITAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. DIREITO DE INFORMAR: PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE SE COMPREENDE NA LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE COMUNICAÇÃO. INADMISSIBILIDADE DE CENSURA ESTATAL, INCLUSIVE DAQUELA IMPOSTA PELO PODER JUDICIÁRIO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NESTA COMPREENDIDA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA. TEMA EFETIVAMENTE VERSADO NA ADPF 130/DF, CUJO JULGAMENTO FOI INVOCADO, DE MODO INTEIRAMENTE PERTINENTE, COMO PARÂMETRO DE CONFRONTO. PRECEDENTES. SIGILO DA FONTE COMO DIREITO BÁSICO DO JORNALISTA: PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE SE QUALIFICA COMO GARANTIA INSTITUCIONAL DA PRÓPRIA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
– A liberdade de imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social o direito de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais, ressalvada, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente “a posteriori” – nos casos em que se registrar prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional. Precedentes.
– A prerrogativa do jornalista de preservar o sigilo da fonte (e de não sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, em razão da prática legítima dessa franquia outorgada pela própria Constituição da República), oponível, por isso mesmo, a qualquer pessoa, inclusive aos agentes, autoridades e órgãos do Estado, qualifica-se como verdadeira garantia institucional destinada a assegurar o exercício do direito fundamental de livremente buscar e transmitir informações. Doutrina.
– O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal.
DECISÃO:
1. Alegação de ofensa ao julgamento proferido na ADPF 130/DF: a reclamação como meio processual idôneo e a legitimidade ativa de terceiros que não intervieram no processo de controle normativo abstrato
Trata-se de reclamação na qual se sustenta que o ato judicial ora questionado – emanado do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Ribeirão Preto/SP (Processo nº 1035561-20.2014.8.26.0506) – teria desrespeitado a autoridade da decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento da ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO.
A parte reclamante, ora agravada, para justificar o alegado desrespeito à autoridade decisória do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, afirma, em síntese, o que se segue:
“Com efeito, ao determinar que a reclamante retirasse do seu ‘site’ a matéria jornalística, a r. decisão solapou a autoridade da decisão proferida pelo egrégio Supremo Tribunal Federal na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, que declarou a não recepção da chamada ‘Lei de Imprensa’ (Lei nº 5.250/1967) pela Constituição de 1988, constituindo, assim, censura na forma mais direta que um veículo de comunicação pode sofrer.
A reportagem em questão foi embasada em diversos elementos de prova (testemunhal e documental) e não procurou denegrir deliberadamente a imagem daquele requerente, mas apenas relatar situação de extrema relevância e de interesse da população.
Diversas testemunhas corroboraram os fatos lá narrados, confirmando a atuação de ** como segurança particular da síndica do Condomínio ** – o que gerou a sanção disciplinar.
A reportagem, a bem de ver, não se baseia exclusivamente na conduta daquele requerente – que, na qualidade de policial, estava fora do expediente de trabalho portando arma de fogo, em descompasso com a legislação aplicável –, mas em diversas irregularidades que vêm ocorrendo dentro do condomínio em questão (vide reportagens que seguem acostadas).
Após várias denúncias dos moradores, entre as quais se destacam os crimes de ameaça, injúria e abuso de poder, a equipe de reportagem do reclamante houve por bem investigar os fatos, o que deu ensejo à matéria em questão.
As arbitrariedades expostas na aludida reportagem que ocorreram no Condomínio **, na cidade de Ribeirão Preto/SP, constituem fato público e notório, que inclusive motivaram a propositura de diversas demandas judiciais, tanto na esfera criminal, quanto na esfera civil, contra a então síndica, **, assim como procedimento administrativo contra aquele requerente, a culminar em sanção disciplinar.
Destarte, por não se tratar de divulgação deliberada de informação falsa, mas, sim, obtida a partir de fontes jornalísticas, a manutenção da r. decisão singular proferida pela autoridade reclamada viola a autoridade da decisão proferida na mencionada ADPF 130, constituindo evidente censura prévia.” (grifei)
Registro que deferi o pedido de medida cautelar formulado nestes autos, por vislumbrar ocorrentes os requisitos da plausibilidade jurídica e do “periculum in mora”.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, opinou pela procedência da presente reclamação em parecer assim ementado:
“Reclamação. Censura a veículo de imprensa. Arguido desrespeito à autoridade da decisão proferida na ADPF 130. Parecer pela procedência.” (grifei)
Admissível, preliminarmente, o ajuizamento de reclamação nos casos em que se sustente, como na espécie, transgressão à eficácia vinculante de que se mostra impregnado o julgamento do Supremo Tribunal Federal proferido no âmbito de processos objetivos de controle normativo abstrato, como aquele que resultou do exame da ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO.
Orienta-se nesse sentido a jurisprudência desta Suprema Corte:
“O DESRESPEITO À EFICÁCIA VINCULANTE, DERIVADA DE DECISÃO EMANADA DO PLENÁRIO DA SUPREMA CORTE, AUTORIZA O USO DA RECLAMAÇÃO.
– O descumprimento, por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões proferidas com efeito vinculante, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade autoriza a utilização da via reclamatória, também vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte, a integridade, a autoridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. Precedente: Rcl 1.722/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).”
(RTJ 187/151, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Cabe reafirmar, de outro lado, que mesmo terceiros – que não intervieram no processo objetivo de controle normativo abstrato – dispõem de legitimidade ativa para o ajuizamento da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, quando promovida com o objetivo de fazer restaurar o “imperium” inerente às decisões emanadas desta Corte proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade, de ação declaratória de constitucionalidade ou, como no caso, de arguição de descumprimento de preceito fundamental.
É inquestionável, pois, sob tal aspecto, nos termos do julgamento plenário de questão de ordem suscitada nos autos da Rcl 1.880-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, que se revela plenamente viável a utilização, na espécie, do instrumento reclamatório, razão pela qual assiste à parte reclamante, ora agravada, legitimidade ativa “ad causam” para fazer instaurar a presente medida processual.
Impende registrar, por oportuno, tal como já precedentemente salientado, que esse entendimento tem prevalecido em sucessivos julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal:
“(...) LEGITIMIDADE ATIVA PARA A RECLAMAÇÃO NA HIPÓTESE DE INOBSERVÂNCIA DO EFEITO VINCULANTE.
– Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele – particular ou não – que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. Precedente. (…).”
(RTJ 187/151, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Plenamente justificável, assim, a utilização, no caso, do instrumento constitucional da reclamação pela parte reclamante, ora agravada.
2. Liberdade de informação jornalística como expressão de um direito fundamental. Inadmissibilidade da censura estatal, inclusive daquela imposta pelo Poder Judiciário
Sendo esse o contexto, passo ao exame do pedido formulado nesta sede processual. E, ao fazê-lo, reitero os fundamentos que expus ao deferir medida liminar nesta reclamação, eis que o ato judicial ora questionado na presente sede reclamatória está em desacordo com a orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte veio a firmar a propósito do tema em análise.
Cumpre enfatizar – presente o quadro normativo vigente em nosso País – que, mais do que simples prerrogativa de caráter individual ou de natureza corporativa, a liberdade de informação jornalística desempenha relevantíssima função político-social, eis que, em seu processo de evolução histórica, afirmou-se como instrumento realizador do direito da própria coletividade à obtenção da informação (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 246, item n. 15.3, 32ª ed., 2009, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol I/283, item n. 184, 1989, Forense Universitária, v.g.).
Tenho enfatizado, em diversas decisões que proferi no Supremo Tribunal Federal, que o exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena – como já salientei em oportunidades anteriores – de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário qualificar-se, perigosamente, como o novo nome de uma inaceitável censura estatal em nosso País.
A interdição judicial imposta à empresa reclamante, ora agravada, ordenando-lhe a remoção, de seu “site”, de matéria que relatou situação ocorrida no Condomínio ** em Ribeirão Preto, sob pena de incidência de multa cominatória diária, configura, segundo entendo, clara transgressão ao comando emergente da decisão que esta Corte Suprema proferiu, com efeito vinculante, na ADPF 130/DF.
Não constitui demasia insistir na observação de que a censura, por incompatível com o sistema democrático, foi banida do ordenamento jurídico brasileiro, cuja Lei Fundamental – reafirmando a repulsa à atividade censória do Estado, na linha de anteriores Constituições brasileiras (Carta Imperial de 1824, art. 179, nº 5; CF/1891, art. 72, § 12; CF/1934, art. 113, nº 9; CF/1946, art. 141, § 5º) – expressamente vedou “(...) qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (CF/88, art. 220, § 2º).
Cabe observar, ainda, que a repulsa à censura, além de haver sido consagrada em nosso constitucionalismo democrático, representa expressão de um compromisso que o Estado brasileiro assumiu no plano internacional.
Com efeito, o Brasil subscreveu, entre tantos outros instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, promulgada pela III Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Esse estatuto contempla, em seu Artigo XIX, previsão do direito à liberdade de opinião e de expressão, inclusive a prerrogativa de procurar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.
O direito fundamental à liberdade de expressão, inclusive à liberdade de imprensa, é igualmente assegurado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 19), adotado pela Assembleia Geral da ONU em 16/12/1966 e incorporado, formalmente, ao nosso direito positivo interno em 06/12/1992 (Decreto nº 592/92).
Vale mencionar, ainda, por sumamente relevante, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, promulgada pela IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, em abril de 1948, cujo texto assegura a todos a plena liberdade de expressão (Artigo IV).
A Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa Rica, por sua vez, garante às pessoas em geral o direito à livre manifestação do pensamento, sendo-lhe absolutamente estranha a ideia de censura estatal (Artigo 13).
É interessante assinalar, neste ponto, até mesmo como registro histórico, que a ideia da incompatibilidade da censura com o regime democrático já se mostrava presente nos trabalhos de nossa primeira Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, reunida em 03/05/1823 e dissolvida, por ato de força, em 12/11/1823.
Com efeito, ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA, ao longo dessa Assembleia Constituinte, apresentou proposta que repelia, de modo veemente, a prática da censura no âmbito do (então) nascente Estado brasileiro, em texto que, incorporado ao projeto da Constituição, assim dispunha:
“Artigo 23 – Os escritos não são sujeitos à censura nem antes nem depois de impressos.” (grifei)
A razão dessa proposta de ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA prendia-se ao fato de que D. João VI editara, então, havia pouco mais de dois anos, em 02 de março de 1821, um decreto régio que impunha o mecanismo da censura, fazendo-nos recuar, naquele momento histórico, ao nosso passado colonial, período em que prevaleceu essa inaceitável restrição às liberdades do pensamento.
Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns juízes e Tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa e de informação. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!
Todas as observações que venho de fazer evidenciam, a meu juízo, que a decisão objeto da presente reclamação desrespeitou a autoridade do julgamento plenário invocado pela parte reclamante, ora agravada, como parâmetro de controle, eis que o tema da censura foi efetivamente abordado e plenamente examinado no julgamento plenário da ADPF 130/DF.
Enfatizo, por oportuno, que eu próprio, no voto que proferi na ADPF 130/DF, discuti, expressamente, o tema referente à censura estatal, qualquer que tenha sido o órgão ou o Poder de que haja emanado esse ato de (inadmissível) cerceamento da liberdade de expressão.
Devo relembrar, neste ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento final da ADI 869/DF, ao declarar a inconstitucionalidade de determinada expressão normativa constante do § 2º do art. 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente, advertiu, em decisão impregnada de efeito vinculante, que a cláusula legal que punia emissoras de rádio e de televisão, bem assim empresas jornalísticas, pelo fato de exercerem o direito de informar mostrava-se colidente com o texto da Constituição da República (art. 220, § 2º).
O julgamento em questão restou consubstanciado em acórdão assim ementado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL 8069/90. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE CRIAÇÃO, DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO.
1. Lei 8069/90. Divulgação total ou parcial, por qualquer meio de comunicação, de nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Publicidade indevida. Penalidade: suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. Inconstitucionalidade. A Constituição de 1988 em seu artigo 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição, observado o que nela estiver disposto.
2. Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”
(ADI 869/DF, Red. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei)
O fato é que não podemos – nem devemos – retroceder neste processo de conquista e de reafirmação das liberdades democráticas. Não se trata de preocupação retórica, pois o peso da censura – ninguém o ignora – é algo insuportável e absolutamente intolerável.
RUI BARBOSA, em texto no qual registrou as suas considerações sobre a atuação do Marechal Floriano Peixoto durante a Revolução Federalista e a Revolta da Armada (“A Ditadura de 1893”), após acentuar que a “rule of law” não podia ser substituída pelo império da espada, assim se pronunciou sobre a questão da censura estatal:
“A Constituição proibiu a censura irrestritamente, radicalmente, inflexivelmente. Toda lei preventiva contra os excessos da imprensa, toda lei de tutela à publicidade, toda lei de inspeção policial sobre os jornais é, por conseqüência, usurpatória e tirânica. Se o jornalismo se apasquina, o Código Penal proporciona aos ofendidos, particulares, ou funcionários públicos, os meios de responsabilizar os verrineiros.” (grifei)
Essencial reconhecer, pois, em face do que se vem de expor, que a liberdade de imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social o direito de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais, ressalvada, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente “a posteriori” – nos casos em que se registrar prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional (Inq 870/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
3. O direito do jornalista à preservação do sigilo da fonte: prerrogativa de índole constitucional
A Constituição da República, após assegurar a todos o acesso à informação, reconheceu aos profissionais dos meios de comunicação social importantíssima prerrogativa jurídica consistente no direito de ver resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional (CF, art. 5º, XIV, segunda parte).
Com efeito, nenhum jornalista poderá ser constrangido a revelar o nome de seu informante ou a indicar a fonte de suas informações, sendo certo, também, que não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, quando se recusar a quebrar esse sigilo de ordem profissional e de estatura constitucional.
Na realidade, essa prerrogativa profissional qualifica-se como expressiva garantia de ordem jurídica que, outorgada a qualquer jornalista em decorrência de sua atividade profissional, destina-se, em última análise, a viabilizar, em favor da própria coletividade, a ampla pesquisa de fatos ou eventos cuja revelação impõe-se como consequência ditada por razões de estrito interesse público.
O ordenamento constitucional brasileiro, por isso mesmo, prescreve que nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, e como precedentemente assinalado, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte.
Para FREITAS NOBRE (“Lei da Informação”, p. 251/252, 1968, Saraiva), “O jornalista, à semelhança de outros profissionais (...), goza do direito ao segredo profissional, podendo (…) não indicar o nome do informante, ou mesmo a fonte de suas informações, isto é, até mesmo o local onde obtém os elementos que lhe permitem escrever a notícia ou comentário”, eis que – tratando-se do profissional de imprensa – “este segredo é exigência social, porque ele possibilita a informação mesmo contra o interesse dos poderosos do dia, pois que o informante não pode ficar à mercê da pressão ou da coação dos que se julgam atingidos pela notícia”.
Com a superveniência da Constituição de 1988, intensificou-se, ainda mais, o sentido tutelar dessa especial proteção jurídica, vocacionada a dar concreção à garantia básica de acesso à informação, consoante enfatizado pelo próprio magistério da doutrina (WALTER CENEVIVA, “Direito Constitucional Brasileiro”, p. 52, item n. 10, 1989, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/39, 1990, Saraiva, v.g.).
Essa é a razão pela qual a Carta Política, ao proclamar a declaração de direitos, nela introduziu – como pauta de valores essenciais à preservação do Estado democrático de direito – explícita referência à indevassabilidade da fonte de informações, qualificando essa prerrogativa de ordem profissional como expressão de um dos direitos fundamentais que claramente limitam a atividade do Poder Público.
A Constituição da República, tendo presente a necessidade de proteger um dos aspectos mais sensíveis em que se projetam as múltiplas liberdades do pensamento – precisamente aquele concernente ao direito de obtenção (e de divulgação) da informação –, prescreveu, em seu art. 5º, n. XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (grifei).
Impõe-se rememorar, no ponto, o magistério de DARCY ARRUDA MIRANDA (“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 774, item n. 781, 3ª ed., 1995, RT), que, após enfatizar o alto significado político-social que assume a prerrogativa concernente ao sigilo da fonte de informação, observa:
“O jornalista ou radialista que publicou ou transmitiu a informação sigilosa, ainda que interpelado, não fica obrigado a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Este silêncio é direito seu, não podendo ser interpretado neste ou naquele sentido e não fica sujeito a sanção de qualquer natureza, nem a qualquer espécie de penalidade.
Esclareça-se, porém: o que não sofre sanção civil, administrativa ou penal, é o silêncio do divulgador, não a publicação ou transmissão incriminada.” (grifei)
A liberdade de imprensa, na medida em que não sofre interferências governamentais ou restrições de caráter censório, constitui expressão positiva do elevado coeficiente democrático que deve qualificar as formações sociais genuinamente livres. E a prerrogativa do sigilo da fonte, nesse contexto, qualifica-se como instrumento de concretização da própria liberdade de informação, atuando como verdadeira garantia institucional asseguradora do exercício do direito fundamental de livremente buscar e transmitir informações.
Isso claramente significa que a prerrogativa concernente ao sigilo da fonte, longe de qualificar-se como mero privilégio de ordem pessoal ou de caráter estamental, configura, na realidade, meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar, revelando-se oponível, por isso mesmo, em razão de sua extração eminentemente constitucional, a qualquer pessoa e, também, a quaisquer órgãos, agentes ou autoridades do Poder Público, inclusive do Poder Judiciário, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados.
Daí a exata advertência de CELSO RIBEIRO BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/81-82, 1989, Saraiva):
“O acesso à informação ganha uma conotação particular quando é levado a efeito por profissionais, os jornalistas. Neste caso, a Constituição assegura o sigilo da fonte. Isto significa que nem a lei, nem a administração, nem os particulares podem compelir um jornalista a denunciar a pessoa ou o órgão de quem obteve a informação. Trata-se de medida conveniente para o bom desempenho da atividade de informar. Com o sigilo da fonte ampliam-se as possibilidades de recolhimento de material informativo.” (grifei)
Resulta claro, pois, que se mostra indeclinável o dever estatal de respeito à prerrogativa jurídica que assegura ao jornalista o direito de não revelar a fonte de suas informações, pois – insista-se – esse direito, agora, compõe o quadro da própria declaração constitucional de liberdades fundamentais, não podendo sofrer, por isso mesmo, qualquer tipo de restrição nem legitimar, quando exercido, a imposição, ao jornalista, de medidas de caráter sancionatório.
Em uma palavra: a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder à “disclosure” da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional de imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso, eis que – não custa insistir – os jornalistas, em tema de sigilo da fonte, não se expõem ao poder de indagação do Estado ou de seus agentes e não podem sofrer, em função do exercício dessa legítima prerrogativa constitucional, a imposição de qualquer sanção penal, civil ou administrativa, tal como o reconheceu o Supremo Tribunal Federal (Inq 870/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 15/04/96, v.g.).
4. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e parecer da Procuradoria-Geral da República
Vale registrar, por sumamente relevante, o fato de que, em situações idênticas à que ora se examina, esta Suprema Corte, fazendo prevalecer a eficácia vinculante derivada do julgamento da ADPF 130/DF, tem sustado decisões judiciais que haviam ordenado a interdição, claramente censória, de matérias jornalísticas divulgadas em órgãos de imprensa (Rcl 11.292-MC/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 16.074-MC/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski no exercício da Presidência – Rcl 16.434/ES, Rel. Min. ROSA WEBER – Rcl 18.186-MC/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski no exercício da Presidência – Rcl 18.290-MC/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 18.566-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Impende ressaltar, finalmente, que a douta Procuradoria-Geral da República, ao pronunciar-se pela procedência da presente reclamação, formulou parecer do qual se destaca a seguinte passagem:
“No julgamento da ADPF 130, foi repelida a censura prévia, proveniente de qualquer dos Poderes do Estado, por incompatível com a ordem democrática instaurada em 1988. A Corte afirmou não caber ao poder público definir previamente o que não pode ser dito ou publicado. (…).
…...................................................................................................
Daí haver exposto o Ministro Celso de Mello, na Rcl 18566 MC (Dje 16/9/2014), que o ‘exercício de jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário qualificar-se, anomalamente, como um novo nome de uma inaceitável censura estatal em nosso País’.
…...................................................................................................
A natureza do conteúdo da matéria jornalística, no caso, é de irrecusável interesse público (…).” (grifei)
5. Conclusão
Em suma: a questão em exame, segundo entendo, assume indiscutível magnitude de ordem político-jurídica, notadamente em face de seus claros lineamentos constitucionais que foram analisados, de modo efetivo, no julgamento da referida ADPF 130/DF, em cujo âmbito o Supremo Tribunal Federal pôs em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado democrático de direito e que não pode ser restringida, por isso mesmo, pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional.
Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, julgo procedente a presente reclamação, para invalidar a decisão ora impugnada, proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Ribeirão Preto/SP (Processo nº 1035561-20.2014.8.26.0506), e o acórdão, que a confirmou, emanado da 3ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Agravo de Instrumento nº 2067708-14.2015.8.26.0000), restando prejudicado, em consequência, o exame do recurso de agravo interposto nesta sede processual.
Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Ribeirão Preto/SP (Processo nº 1035561-20.2014.8.26.0506) e à 3ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Agravo de Instrumento nº 2067708-14.2015.8.26.0000).
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 05 de outubro de 2015.
(27º Aniversário da promulgação da vigente Constituição Republicana)
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 7.10.2015
**nomes suprimidos pelo Informativo
Medida Provisória nº 699, de 10.11.2015 - Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Publicada no DOU, seção 1, Edição nº 215, p. 1, em 11.11.2015.
Lei nº 13.188, de 11.11.2015 - Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 216, p. 1, em 12.11.2015.
Decreto nº 8.572, de 13.11.2015 - Altera o Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. Publicado no DOU, Seção 1, Edição Extra nº 217, p. 1, em 13.11.2015.
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 807 do STF - 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2015, 16:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/48454/informativo-807-do-stf-2015. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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