Brasília, 20 de fevereiro a 3 de março de 2017 - Nº 855.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Valor Adicionado Fiscal: forma de cálculo e questão infraconstitucional
Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 7
Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções - 2
Repercussão Geral
Contribuição para o PIS e não cumulatividade
Imunidade tributária e contribuinte de fato
Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 8
1ª Turma
Condenação em segundo grau e execução da pena
Crime de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação e viabilidade da denúncia
Redução da base de cálculo do ICMS e estorno de créditos
Latrocínio: pluralidade de vítimas fatais e concurso formal - 2
2ª Turma
Instauração de investigação criminal e determinação de interceptações telefônicas com base em denúncia anônima
Licença-prêmio e interesse da magistratura
Inquérito e compartilhamento de peças
Clipping da Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Interceptação telefônica - Prorrogação - Decisão não fundamentada - Invalidade - Prova ilícita (HC 129.646-MC-RCON/SP)
Outras Informações
PLENÁRIO
DIREITO TRIBUTÁRIO – TRIBUTOS
Valor Adicionado Fiscal: forma de cálculo e questão infraconstitucional
A matéria referente à forma de cálculo do Valor Adicionado Fiscal (VAF) não ostenta natureza constitucional.
Com essa orientação, o Tribunal, por maioria, negou provimento a embargos de divergência opostos contra acórdão da Segunda Turma nos quais se sustentava divergência em relação ao acórdão proferido pela Primeira Turma no RE 136.189/SP (DJU de 22.5.1992).
Nos termos do voto condutor do acórdão paradigma, o ponto essencial à regência da repartição de receitas entre Estados-Membros e Municípios — alçados os últimos, no federalismo brasileiro, ao “status” de entidade política autônoma, a concretização dos caracteres essenciais da definição do “valor adicionado” seria um problema nacional: se a própria Constituição não lhe delegou o deslinde — como o fazia explicitamente o art. 23, § 8º, até a EC 17/1980, e o faz hoje, explicitamente, o art. 161, I, do texto de 1988 —, seria na Constituição mesma que se haveria de buscar, até onde por possível, a densificação do conceito necessário.
O Tribunal, preliminarmente e também por maioria, conheceu dos embargos de divergência por reputar preenchidos todos os pressupostos processuais. Asseverou haver controvérsia entre os órgãos fracionários do STF em relação à índole constitucional ou infraconstitucional da forma de cálculo do VAF do ICM, sob a vigência da EC 1/1969, após a promulgação da EC 17/1980, para fins de seguimento de recurso extraordinário. Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que não conheciam dos embargos.
Quanto ao mérito, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin que, ao se referir ao acórdão paradigma, entendeu que o fato de a matéria ser de abrangência nacional não implica dizer que, por isso, também é necessariamente constitucional.
Asseverou que, no caso, verifica-se apenas que o poder constituinte derivado decidiu excluir da esfera da política ordinária uma decisão fundamental para o federalismo fiscal, isto é, os critérios de partilha das receitas do ICM pertencentes ao Estado por meio da constitucionalização desses critérios. No entanto, estaria claro que não se extrairia um conceito de VAF do que positivado na Constituição, sendo necessária a concretização normativa do Poder Público nos âmbitos legislativo e administrativo para regular a vontade do constituinte.
Acrescentou que o VAF é um critério econômico contábil que se pauta simplificadamente na diferença entre notas fiscais de venda e notas fiscais de compra na espacialidade do município.
Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator) e Roberto Barroso, que davam parcial provimento ao recurso.
RE 296178 AgR-ED-Edv/MG, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.2.2017. (RE-296178)
DIREITO TRIBUTÁRIO – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 7
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, com base no princípio da fungibilidade, conheceu das ações diretas de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Vencidos os ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio, que não convertiam as ações. O ministro Dias Toffoli ressaltava que, incluída em pauta a ação direta antes do exaurimento da eficácia da lei temporária impugnada, o Tribunal deveria julgá-la. O ministro Marco Aurélio afirmava que, se o ato normativo abstrato e autônomo tivesse sido revogado, seria o caso de decretar o prejuízo da ação (v. Informativos 749 e 844).
No mérito, prevaleceu o voto do ministro Teori Zavascki, que julgou procedentes os pedidos veiculados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.028 e 2.036 para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.732/1998, na parte em que alterou a redação do art. 55, III, da Lei 8.212/1991 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como dos arts. 4º, 5º e 7º da Lei 9.732/1998.
Além disso, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621 para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, IV; 3º, VI e §§ 1º e 4º; 4º, parágrafo único, todos do Decreto 2.536/1998; assim como dos arts. 1º, IV; 2º, IV e §§ 1º e 3º; e 7º, § 4º, do Decreto 752/1993.
Afirmou que a reserva de lei complementar aplicada à regulamentação da imunidade tributária, prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal (CF), limita-se à definição de contrapartidas a serem observadas para garantir a finalidade beneficente dos serviços prestados pelas entidades de assistência social, o que não impede seja o procedimento de habilitação dessas entidades positivado em lei ordinária.
Explicou que, justamente por cumprir uma missão mais nobre, a imunidade se diferencia das isenções e demais figuras de desoneração tributária. A imunidade de contribuições sociais serve não apenas a propósitos fiscais, mas à consecução de alguns dos objetivos fundamentais para a República – como a construção de uma sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza –, os quais não podem ficar à mercê da vontade transitória de governos. Devem ser respeitados, honrados e valorizados por todos os governos, transcendendo a frequência ordinária em que se desenvolvem costumeiramente os juízos políticos de conveniência e oportunidade, para desfrutar da dignidade de políticas de Estado.
Portanto, não se pode conceber que o regime jurídico das entidades beneficentes fique sujeito a flutuações legislativas erráticas, não raramente influenciadas por pressões arrecadatórias de ocasião. É inadmissível que tema tão sensível venha a ser regulado por medida provisória. O cuidado de inibir a facilitação de flutuações normativas nesse domínio justifica-se, sobretudo, pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que afirma não haver direito adquirido a determinado tratamento tributário.
Assim, diante da relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de Estado voltada à promoção do mínimo existencial e da necessidade de evitar que as entidades compromissadas com esse fim sejam surpreendidas com bruscas alterações legislativas desfavoráveis à continuidade de seus trabalhos, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista no art. 146, II, da CF. É essencial frisar, todavia, que essa proposição não produz uma contundente reviravolta na jurisprudência da Corte a respeito da matéria, mas apenas um reajuste pontual. Aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei complementar é forma somente exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente quanto às contrapartidas a serem observadas por elas.
Por essas razões, o ministro Teori Zavascki concluiu pela inconstitucionalidade dos artigos da Lei 9.732/1998 que criaram contrapartidas a serem observadas pelas entidades beneficentes, e também dos arts. 1º, IV; 2º, IV e §§ 1º e 3º; 7º, § 4º, do Decreto 752/1993, que perderam o indispensável suporte legal do qual derivam. Contudo, não há vício formal – tampouco material – nas normas acrescidas ao inciso II do art. 55 da Lei 8.212/1991 pela Lei 9.429/1996 e pela Medida Provisória 2.187/2001, essas últimas impugnadas pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621.
As sucessivas redações do art. 55, II, da Lei 8.212/1991 têm em comum a exigência de registro da entidade no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a obtenção do certificado expedido pelo órgão e a validade trienal do documento. Como o conteúdo da norma tem relação com a certificação da qualidade de entidade beneficente, fica afastada a tese de vício formal. Essas normas tratam de meros aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais da regra de imunidade.
Vencidos, em parte, os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que julgavam totalmente procedentes os pedidos formulados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621 e, portanto, reputavam inconstitucional o art. 55, II e III, da Lei 8.212/1991, com a redação conferida pelo art. 5º da Lei 9.429/1996, bem como os arts. 9º e 18, III e IV, da Lei 8.742/1993.
Por fim, o ministro Marco Aurélio aditou o seu voto para assentar a inconstitucionalidade formal do art. 55, III, da Lei 8.212/1991, na redação conferida pelo art. 1º da Lei 9.732/1998.
ADI 2028/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 23.2 e 2.3.2017. (ADI-2028)
ADI 2036/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 23.2 e 2.3.2017. (ADI-2036)
ADI 2621/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 23.2 e 2.3.2017. (ADI-2621)
ADI 2228/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 23.2 e 2.3.2017. (ADI-2228)
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções - 2
O Plenário retomou julgamento de ação direta proposta contra o art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais, que dispõe que o governador será submetido a processo e julgamento perante o STJ nos crimes comuns e será suspenso de suas funções, na hipótese desses crimes, se recebida a denúncia ou a queixa pelo STJ — v. Informativo 851.
Inicialmente, a ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux acompanharam o ministro Edson Fachin (relator), para reconhecer a presença dos requisitos de cognoscibilidade da ação. Quanto ao mérito, deram parcial procedência ao pedido para dar interpretação conforme à Constituição ao art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais para consignar que não há necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa para o processamento e julgamento do governador por crime comum perante o STJ. O relator ainda julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão “ou queixa”, contida no mencionado dispositivo.
Em seguida, o ministro Dias Toffoli proferiu voto no sentido do não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Diante disso, o Tribunal deliberou colher os votos dos ministros em relação ao conhecimento da ação.
O ministro Dias Toffoli considerou que o pedido veiculado visaria, na verdade, à declaratória de constitucionalidade do dispositivo atacado, sem previsão na Constituição. Asseverou que a ação direta de inconstitucionalidade não é veículo processual a ser acionado para declarar a constitucionalidade ou dar interpretação conforme à Constituição ao preceito no sentido de afirmar a constitucionalidade do que nele está disposto.
Por sua vez, o ministro Marco Aurélio não conheceu da ação ao fundamento de que o preceito não permite dupla interpretação, que é silente quanto à necessidade ou não de licença da assembleia para o STJ poder atuar.
Após os votos dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que votavam pelo conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade, e dos votos dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Melo, que votavam pelo não conhecimento da ação, o Tribunal suspendeu o julgamento para colher os votos dos ministros ausentes.
ADI 5540/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 2.3.2017. (ADI-5540)
1ª Parte :
2ª Parte :
DIREITO TRIBUTÁRIO – PRINCÍPIOS E GARANTIAS TRIBUTÁRIOS
Contribuição para o PIS e não cumulatividade
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da Medida Provisória 66/2002, convertida na Lei 10.637/2002. Com essa norma, inaugurou-se a sistemática da não cumulatividade da contribuição para o PIS incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Por consequência, houve a majoração da alíquota da referida contribuição associada à possibilidade de aproveitamento de créditos compensáveis para a apuração do valor efetivamente devido.
O ministro Dias Toffoli (relator) negou provimento ao recurso e declarou ainda constitucional a norma impugnada. De início, asseverou que a similitude de tratamento jurídico no que se refere à não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins demandaria uma orientação uniforme sobre a matéria, haja vista a sistemática da não cumulatividade ter sido estendida para a Cofins pela Lei 10.833/2003.
Em seguida, afastou a alegada inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 246 da CF. Ressaltou que as Medidas Provisórias 66/2002 e 135/2003, que deram origem às Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 respectivamente, não vieram regulamentar uma emenda constitucional específica, mas instituir nova disciplina tributária envolvendo contribuições que já eram cobradas anteriormente. Além disso, o art. 195, § 12, da CF, que trata da contribuição não cumulativa, foi introduzido pela EC 42/2003. Já o art. 246 da CF foi objeto da EC 32/2001, e somente a regulamentação das emendas constitucionais promulgadas entre 1º de janeiro de 1995 e 12 de setembro de 2001, data da publicação da EC 32/2001, não poderia ser efetivada por medidas provisórias.
O ministro afirmou a necessidade de definir o sentido e o alcance da não cumulatividade prevista para o PIS/Cofins, os limites normativos à atuação do legislador infraconstitucional na introdução desse regime e as implicações para o regime decorrentes da norma constitucional da isonomia. Consignou que, ao surgir a não cumulatividade do PIS/Cofins, inexistia parâmetro constitucional quanto ao perfil e à amplitude do mecanismo. A EC 42/2003 alçou a matéria ao nível constitucional, quando incluiu o § 12 no art. 195 da CF. Desde sua edição, a não cumulatividade das contribuições incidentes sobre o faturamento ou a receita não pode mais ser interpretada exclusivamente pelas prescrições das leis ordinárias. Assim, cabe extrair um conteúdo semântico mínimo da expressão “não cumulatividade” prevista na Constituição, que deve guiar o legislador ordinário.
Segundo o relator, o § 12 do art. 195 da CF autoriza a coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo. O texto da EC 42/2003, ao cuidar da matéria quanto ao PIS/Cofins, dispôs apenas que a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas, mas não registrou a fórmula que serviria de ponto de partida à interpretação do regime. Desse modo, não haveria no texto constitucional a escolha de uma ou outra técnica de incidência da não cumulatividade das contribuições sobre o faturamento ou a receita.
Entretanto, reconhecer que o legislador ordinário, nesse caso, tem maior liberdade para disciplinar a não cumulatividade não significa afirmar que ele pode tudo querer ou prever. Feita a opção pela coexistência de ambos os regimes, o legislador deve ser coerente e racional ao definir quais setores da atividade econômica seriam submetidos à sistemática não cumulativa de apuração do PIS/Cofins e quais seriam mantidos na cumulatividade, a fim de não gerar desequilíbrios concorrenciais e discriminações arbitrárias ou injustificadas. Além disso, diante de contribuições cuja materialidade é a receita ou o faturamento, a não cumulatividade deve ser vista como técnica voltada a afastar o “efeito cascata”, sob a óptica da atividade econômica, considerados a receita ou o faturamento auferidos pelo conjunto de contribuintes tributados sequencialmente ao longo do fluxo negocial dos bens ou dos serviços. Nesse contexto, ao definir os setores da atividade econômica para os quais as contribuições do PIS/Cofins são não cumulativas, o legislador ordinário não pode se afastar: a) dos objetivos/valores que justificaram a criação da sistemática; b) do núcleo de materialidade constitucional do PIS/Cofins; e c) dos princípios constitucionais em geral, notadamente a isonomia.
O ministro registrou que, na regulamentação, como consta da exposição de motivos das medidas provisórias citadas, em contrapartida às alíquotas do PIS (1,65%) e da Cofins (7,6%), seria admitido o aproveitamento de créditos. Isso faria, em tese, com que a arrecadação não fosse alterada, pois a alíquota maior incidiria sobre uma base de cálculo menor. Na finalidade da instituição do novo regime, estaria implícito, na diferença de alíquotas, exatamente o objetivo de igualar as cargas tributárias entre os regimes cumulativo e não cumulativo. Pretendia-se afastar o perverso efeito financeiro da carga tributária do ciclo econômico, com vistas a garantir a neutralidade fiscal, de modo a equalizar a carga tributária, independentemente do número de operações existentes no ciclo produtivo. Dessa forma, é evidente que os objetivos propalados de harmonização, neutralidade tributária e correção dos desequilíbrios na concorrência devem direcionar o legislador no processo gradual de inserção da cobrança não cumulativa para todos os contribuintes de um setor econômico, mediante a graduação de base de cálculo e alíquotas (CF, art. 195, § 9º), de modo a não acentuar as distorções geradas pela cumulatividade. Caso contrário, a inserção num ou noutro regime e a disciplina dos créditos passíveis de dedução seriam casuísticos, frutos da maior ou menor pressão exercida por determinados setores sobre o Poder Legislativo.
O relator afirmou que, na disciplina inaugurada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, parece ser assente não se assimilarem, por inteiro, os métodos tradicionais de cálculo sobre o “valor agregado”. A opção do legislador foi de negar o crédito em determinadas hipóteses e concedê-los em outras de forma genérica ou restritiva. O modelo legal, em sua feição original, abstratamente considerado — embora complexo e confuso, mormente quanto às técnicas de deduções (crédito físico, financeiro e presumido) e aos itens admitidos como créditos —, não atenta, em princípio, contra o conteúdo mínimo de não cumulatividade extraído do art. 195, § 12, da CF. No caso, os créditos autorizados pelas leis impedem o “efeito cascata”, isto é, nova incidência de PIS/Cofins sobre o PIS/Cofins que já oneraram os valores aos quais se referem.
Ao partir da premissa de que a não cumulatividade do PIS/Cofins é forma de arrecadação que visou facilitar sua administração, contribuir para a neutralidade e corrigir desequilíbrios na concorrência e, em decorrência, implicou a redistribuição da carga tributária entre os diversos setores de atividade econômica, a não cumulatividade não pode deixar de estar vinculada aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Assim, é preciso levar em conta que diferenças de tratamento tributário são comuns e necessárias para a adequação da tributação às diversas circunstâncias que dizem respeito à imposição dos ônus tributários, ou seja, um tratamento diferenciado não evidencia, em si mesmo, qualquer vício.
Diante disso, o relator considerou que a manutenção das pessoas jurídicas que apuram o IRPJ com base no lucro presumido ou arbitrado na sistemática cumulativa (Lei 9.718/1998) e a inclusão automática daquelas obrigadas a apurar o IRPJ com base no lucro real no regime da não cumulatividade, por si sós, não afrontam a isonomia ou mesmo a capacidade contributiva. O regime do imposto de renda sobre o lucro presumido aplicado àqueles que preencham os requisitos do art. 13 da Lei 9.718/1988 (e não se enquadrem nas hipóteses do art. 14 da mesma lei), em regra, alcança empresas de modesto porte econômico. Sua finalidade é simplificar a administração tributária para os contribuintes e para o Fisco. Daí o legislador tê-los excluído do regime não cumulativo do PIS/Cofins, cuja complexidade traz inconvenientes para o próprio contribuinte. Dessa forma, não é anti-isonômico nem ofensivo à capacidade contributiva o fato de as empresas obrigadas, em razão do montante das suas receitas, a apurar o IRPJ com base no lucro real ficarem sujeitas a maior carga de PIS/Cofins do que aquelas que apuram o IRPJ pelo lucro presumido.
Sobre a impossibilidade de créditos em razão da contratação de mão de obra, o ministro sustentou também não ser violador do princípio da isonomia nem da não cumulatividade o fato de as leis debatidas afirmarem que o valor de mão de obra paga a pessoa física não dá direito a crédito. Essa é uma regra que vale para todos os abrangidos pelo regime não cumulativo de cobrança do PIS/Cofins. Não há, portanto, um tratamento discriminatório entre empresas que têm grande gasto com mão de obra (como muitas das prestadoras de serviços) e as que têm um gasto reduzido. Além disso, é necessário observar que o núcleo da não cumulatividade do PIS/Cofins, por si só, é incapaz de autorizar, a favor do contribuinte, crédito que decorra de gasto com mão de obra paga a pessoa física, pois o valor recebido por esta, em razão de sua mão de obra, não é onerado com PIS/Cofins. Portanto, nesse tipo de gasto da pessoa jurídica, inexiste efeito cascata da tributação que a não cumulatividade busca afastar.
O relator considerou que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, na redação original, adotaram a sistemática de regular a não cumulatividade como norma geral (art. 1º), incluindo todos os setores de atividade econômica no novo regime de apuração do PIS/Cofins. Ambas trouxeram, nos arts. 8º e 10, respectivamente, norma especial excludente, que mantém diversas pessoas jurídicas na sistemática cumulativa da Lei 9.718/1998. Nas alterações posteriores, inicialmente veiculadas na Lei 10.865/2004, foram excluídas da sistemática não cumulativa diversas atividades do setor da prestação de serviços. Posteriormente, sucessivas leis (10.925/2004, 11.051/2004, 11.196/2005, 11.434/2006 e 13.043/2014) excluíram da regra geral da não cumulatividade outras atividades e receitas. Assim, se havia alguma racionalidade ou mesmo neutralidade no modelo pensado pelo legislador na inauguração da não cumulatividade, tal característica foi se perdendo ao longo dos mais de quatorze anos de vigência do novo modelo de apuração do PIS/Cofins. Ou seja, o rol de receitas de prestação de serviços excluídas do regime não cumulativo foi sendo acrescido pela legislação superveniente, mas sempre pelo mesmo deficiente critério casuístico.
Assim, longe de atingir as finalidades almejadas, as sucessivas alterações legislativas acabaram por acentuar as imperfeições e a ausência de racionalidade na seleção das atividades econômicas do setor de prestação de serviços que compõem um ou outro regime de apuração do PIS/Cofins, como determina o art. 195, § 12, da CF. A sistemática legal, originariamente pensada com o objetivo de eliminar a possibilidade de ocorrência do “efeito cascata”, na atualidade está inserida muito mais no contexto de mera “política” de concessão de benefícios fiscais de redução dos montantes mensais a serem recolhidos. No estágio jurídico atual, não se pode afirmar, de forma peremptória, que as desonerações de diversas atividades do setor de serviços não ocorreram à custa de um brutal aumento da carga tributária de contribuintes sujeitos aos mesmos encadeamentos econômicos na prestação de serviços.
Entretanto, para o relator, mesmo diante do exposto, não é razoável, na atual conjuntura, declarar a inconstitucionalidade da legislação por imperfeições sistêmicas e retornar todo o processo para o regime cumulativo. Considerada a ausência de elementos que pudessem corroborar e evidenciar que o legislador, no momento da elaboração da lei, está em condições de identificar o estado de inconstitucionalidade, devido à complexidade da adoção gradual da sistemática não cumulativa para contribuições que incidem sobre a receita ou o faturamento, com adaptações das técnicas conhecidas e já utilizadas no direito brasileiro para impostos incidentes sobre o valor agregado (ICMS/IPI); considerada, também, a dificuldade de se precisar o momento exato em que teria sido implementada a conversão do estado de constitucional ou inconstitucionalidade em uma situação de invalidade, seria razoável adotar, para o caso concreto, a técnica de controle de constitucionalidade consistente em “apelo ao legislador por falta de evidência de ofensa constitucional”.
Assim, embora a Lei 10.637/2002, em seu estágio atual, não satisfaça a justiça e a neutralidade desejadas pelo legislador, é inegável a grande relevância da sistemática legal da não cumulatividade na prevenção dos desequilíbrios da concorrência (CF, art. 146-A) e na modernização do sistema tributário brasileiro. Portanto, é plausível manter, no momento, a validade do art. 8º da Lei 10.637/2002, bem como do art. 15, V, da Lei 10.833/2003, no que tange à aplicação das normas atinentes à sistemática não cumulativa da Cofins à contribuição ao PIS, devido à “falta de evidência” de uma conduta censurável do legislador.
Por fim, o relator reputou necessário advertir o legislador no sentido de que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2004, inicialmente constitucionais, estão num processo de inconstitucionalização, decorrente, em linhas gerais, da ausência de coerência e critérios racionais e razoáveis das alterações legislativas que se sucederam, no tocante à escolha das atividades e das receitas atinentes ao setor de prestação de serviços, que se submeteriam ao regime cumulativo da Lei 9.718/1998 (em contraposição àquelas que se manteriam na não cumulatividade).
Após o voto dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que acompanharam o relator, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.
RE 607642/ RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22.2.2017. (RE-607642)
1ª Parte :
2ª Parte :
DIREITO TRIBUTÁRIO – PRINCÍPIOS E GARANTIAS TRIBUTÁRIOS
Imunidade tributária e contribuinte de fato
A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido.
Com base nessa orientação, o Tribunal deu provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia a não aplicação da imunidade tributária constante do art. 150, VI, “c”, da CF relativamente ao ICMS incidente na aquisição de insumos, medicamentos e serviços adquiridos por entidade de assistência social na qualidade de consumidora (contribuinte de fato).
Na espécie, o Tribunal de origem afastou a exigência do recolhimento do ICMS nas operações de aquisição, por entidade de assistência social (na qualidade de consumidor final), de medicamentos, máquinas e equipamentos necessários à execução de suas finalidades filantrópicas, ante a configuração da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF.
Para o recorrente, a aquisição de insumos e produtos no mercado interno na qualidade de contribuinte de fato não estaria albergada pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI e § 4º, da CF. Sustentava, ainda, que a relevância das atividades prestadas pelas entidades de assistência social não poderia conferir aos fornecedores particulares, não abrangidos pela regra imunizante, a não incidência do ICMS na venda de mercadorias e serviços.
O Colegiado rememorou que prevalece no STF o entendimento de que a imunidade tributária subjetiva se aplica a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não àqueles na condição de simples contribuinte de fato, bem como de que é irrelevante, para a verificação da incidência ou não da imunidade constitucional, a discussão acerca da repercussão econômica do tributo envolvido.
Ressaltou, também, que a jurisprudência do STF vem se posicionando pela impossibilidade de se estender ao particular vendedor (contribuinte de direito) a imunidade tributária subjetiva que detém o adquirente de mercadoria (contribuinte de fato).
Assim, o beneficiário da imunidade tributária subjetiva na posição de simples contribuinte de fato, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias, caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não se qualifica como tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual.
Destacou a impossibilidade de, no contexto do exercício das atividades econômicas, ter-se certeza da efetiva transferência do encargo financeiro dos tributos, em razão de o lucro não ser tabelado. Ademais, quanto à regra contida no art. 150, § 5º, da CF (“§ 5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”), asseverou não haver transformação dos contribuintes finais em contribuintes de direito dos impostos incidentes sobre mercadorias e serviços que repercutem economicamente, mas sim existir o reconhecimento de que “o consumidor ou usuário não é contribuinte, tanto assim que precisa ser informado a respeito dos tributos que oneram mercadorias e serviços”.
Pontuou, igualmente, que a temática da repercussão econômica tributária está na área de formação dos preços e que, apenas com substancioso estudo dos fatores e das circunstâncias (como condições de tempo, lugar e conjectura econômica), seria possível verificar, num juízo de relativa previsibilidade, a provável repercussão econômica do tributo. Ponderou, dessa forma, ser desaconselhável considerar a denominada repercussão econômica do tributo para verificar a existência ou não da imunidade tributária. Essa orientação, a propósito, alinha-se aos precedentes da Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, “c”, da CF aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprio. Com efeito, essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento da imunidade. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia, portanto.
Asseverou, por fim, que a tese firmada não prejudica o entendimento adotado, em sede de recursos repetitivos, pelo STJ no julgamento do REsp 1.299.303/SC (DJE de 14.8.2012), no sentido de que o consumidor de energia elétrica tem legitimidade para propor ação declaratória com pedido de repetição de indébito a fim de afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre demanda contratada e não utilizada. Essa situação, além de peculiar, está inserida no contexto da concessão de serviço público e tem regime jurídico próprio.
RE 608872/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22 e 23.2.2017. (RE-608872)
DIREITO TRIBUTÁRIO – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 8
Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 55 da Lei 8.212/1991, que dispõe sobre as exigências para a concessão de imunidade tributária às entidades beneficentes de assistência social (v. Informativos 749 e 844).
Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator). Ele explicou que as normas de imunidade tributária constantes da Constituição Federal (CF) objetivam proteger valores políticos, morais, culturais e sociais essenciais e não permitem que os entes tributem certas pessoas, bens, serviços ou situações ligadas a esses valores. Além disso, lembrou que o § 7º do art. 195 da CF traz dois requisitos para o gozo da imunidade: ser pessoa jurídica a desempenhar atividades beneficentes de assistência social e atender a parâmetros legais.
No que se refere à primeira condição, o ministro asseverou que o Supremo Tribunal Federal (STF) conferiria sentido mais amplo ao termo “assistência social” constante do art. 203 da CF, a concluir que, entre as formas de promover os objetivos revelados nos incisos desse preceito, estariam incluídos os serviços de saúde e educação.
Reputou que toda pessoa jurídica a prestar serviços sem fins lucrativos com caráter assistencial, em favor da coletividade e, em especial, dos hipossuficientes, atuaria em conjunto com o Poder Público na satisfação de direitos fundamentais sociais. Por isso, o constituinte assegurou a imunidade a essas pessoas em relação tanto aos impostos quanto às contribuições sociais, a partir da impossibilidade de tributar atividades típicas do Estado em favor da realização de direitos fundamentais no campo da assistência social.
O ministro ainda frisou que a definição do alcance formal e material do segundo requisito (observância de “exigências estabelecidas em lei”) deveria considerar o motivo da imunidade em discussão – a garantia de realização de direitos fundamentais sociais.
Sinalizou que, por se tratar de limitação ao poder de tributar, as “exigências legais” ao exercício das imunidades seriam sempre “normas de regulação” às quais o constituinte originário teria feito referência no inciso II do art. 146 da CF, a serem dispostas em lei complementar.
Assinalou que, para disciplinar as condições mencionadas no § 7º do art. 195 da CF, dever-se-ia observar a reserva absoluta de lei complementar, sob pena de negar-se que a imunidade discutida fosse uma limitação ao poder de tributar. Ponderou caber à lei ordinária apenas prever requisitos que não extrapolem os estabelecidos no Código Tributário Nacional (CTN) ou em lei complementar superveniente. Seria, portanto, vedado criar obstáculos novos, adicionais aos já dispostos em ato complementar.
Pontuou que, sob o pretexto de disciplinar aspectos das entidades pretendentes à imunidade, o legislador ordinário teria restringido o alcance subjetivo da regra constitucional, a impor condições formais reveladoras de autênticos limites à imunidade.
Entendeu que, no caso, teria ocorrido regulação do direito sem que estivesse autorizado pelo art. 146, II, da CF. O art. 55 da Lei 8.212/1991 previra requisitos para o exercício da imunidade tributária contida no § 7º do art. 195 da CF, a revelar condições prévias ao aludido direito. Assim, deveria ser reconhecida a inconstitucionalidade formal desse dispositivo no que ultrapassasse o definido no art. 14 do CTN, por afronta ao art. 146, II, da CF.
Considerou que os requisitos legais exigidos na parte final do mencionado § 7º, enquanto não editada nova lei complementar sobre a matéria, seriam somente aqueles do art. 14 do CTN.
Concluiu por assegurar o direito à imunidade de que trata o art. 195, § 7º, da CF – haja vista que reconhecido pelo magistrado sentenciante que a entidade preenchera os requisitos exigidos no CTN – e, por consequência, desconstituir o crédito tributário inscrito em dívida ativa, com a extinção da respectiva execução fiscal.
Por fim, o relator aditou o voto para esclarecer que não haveria fundamento autônomo no aresto impugnado a ensejar o desprovimento do recurso, porquanto o tribunal de origem teria decidido com base na aplicação do art. 55 da Lei 8.212/1991.
Vencidos os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. Aduziam que o acórdão recorrido se assentou não apenas na questão da reserva de lei complementar como veículo adequado à definição do modo beneficente de prestar assistência social, mas também na circunstância de a demandante não ter preenchido uma das exigências validamente previstas pela Lei 8.212/1991, a de obtenção de título de utilidade pública federal.
O ministro Ricardo Lewandowski reajustou o voto para acompanhar o relator.
RE 566622/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23.2.2017. (RE-566622)
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PRIMEIRA TURMA
DIREITO PENAL – PRINCÍPIOS E GARANTIAS PENAIS
Condenação em segundo grau e execução da pena
A Primeira Turma declarou prejudicada a impetração de “habeas corpus” no qual se buscavam o conhecimento de apelação interposta perante tribunal de justiça e a revogação de prisão preventiva a fim de que o paciente — condenado pelo tribunal do júri — pudesse aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade.
No caso, sobreveio o julgamento da apelação da defesa com a redução da pena privativa de liberdade e a expedição de nova ordem prisional, por conta da exequibilidade de penas após condenação em segundo grau.
A Turma entendeu que acarreta prejuízo da impetração o superveniente julgamento do mérito de “habeas corpus” pelo STJ, a determinar o conhecimento da apelação, assim como a mudança no título prisional.
Além disso, consignou que a ordem não poderia ser concedida de ofício porquanto a jurisprudência do STF é no sentido da exequibilidade da pena depois das decisões de segunda instância.
Vencido, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que concedia a ordem de ofício por entender existir ofensa ao princípio constitucional da não culpabilidade.
HC 129295/SC, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 21.2.2017. (HC-129295)
DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL
Crime de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação e viabilidade da denúncia
A Primeira Turma iniciou julgamento de inquérito no qual se imputa a deputado federal a prática dos crimes previstos no art. 89 da Lei 8.666/1993 [“Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”] e no art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 [“XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei”], por condutas supostamente praticadas enquanto ocupante de cargo de prefeito municipal.
Para a acusação, teria havido irregularidades na contratação de OSCIP por ente municipal, com a verdadeira finalidade de admissão direta de servidores sem a observância da regra constitucional do concurso público. A defesa sustenta, em suma, a atipicidade da conduta imputada ao acusado.
O ministro Luiz Fux (relator) rejeitou a denúncia, nos termos do disposto no art. 395, III, do CPP (“Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: III - faltar justa causa para o exercício da ação penal”).
Reconheceu, de início, a ocorrência da prescrição quanto ao crime definido no art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967, referente à suposta contratação de pessoal sem observância da regra do concurso público.
Quanto ao crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993, consignou que a dispensa ou inexigibilidade é incriminada, de acordo com o tipo penal, quando o fato não se enquadra nas hipóteses legais de dispensa ou de inexigibilidade (Lei 8.666/1993, arts. 24 e 25) ou as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade não são observadas (Lei 8.666/1993, art. 26).
Ressaltou, ademais, que o tipo penal do art. 89 da Lei de Licitações prevê crime formal, que dispensa o resultado danoso para o erário. Nesses termos, a não exigência de prejuízo patrimonial, para a consumação do delito, não afasta a necessidade de que, para adequação da conduta à norma penal, sua prática revele desvalor maior para o ordenamento jurídico do que a observância parcial ou imperfeita de normas procedimentais. Assim, se, por um lado, o ilícito administrativo se aperfeiçoa com o simples atuar do administrador público, que não esteja estritamente em consonância com o princípio da legalidade, por outro, a prática de um delito penal exige uma conduta planejada e voltada finalisticamente a executar a conduta criminosa, com o fim de obter um proveito criminoso de qualquer natureza.
Para o relator, diante das peculiaridades que envolvem a distinção entre, de um lado, o ilícito cível e administrativo e, de outro lado, com maior desvalor jurídico, o ilícito penal, há a necessidade de sistematizar critérios para análise da ocorrência ou não do tipo previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993. Busca-se, com isso, reduzir o elevado grau de abstração da conduta estabelecida no tipo penal e, por consequência, atender aos princípios da “ultima ratio”, da fragmentariedade e da lesividade.
Entendeu que podem ser estabelecidos três critérios para a verificação judicial da viabilidade da denúncia que trate da prática do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993. Esses critérios permitem que se diferencie, com segurança, a conduta criminosa definida no art. 89 da Lei 8.666/1993 das irregularidades ou ilícitos administrativos e de improbidade, intencionais ou negligentes.
O primeiro critério consiste na existência de parecer jurídico lavrado idoneamente pelo órgão competente. Nesses termos, o parecer do corpo jurídico, quando lavrado de maneira idônea, sem indício de que constitua etapa da suposta empreitada criminosa, confere embasamento jurídico ao ato, inclusive quanto à observância das formalidades do procedimento. O parecer jurídico favorável à inexigibilidade impede a tipificação criminosa da conduta, precisamente por afastar, desde que inexistentes outros indícios em contrário, a clara ciência da ilicitude da inexigibilidade e determina o erro do agente quanto a elemento do tipo, qual seja, a circunstância “fora das hipóteses legais” (CP, art. 20).
No tocante a esse aspecto, aduziu que, no caso, a procuradoria-geral do município foi consultada, quanto à necessidade de realização de licitação, anteriormente à assinatura do termo de parceria entre o Município e a OSCIP. A existência de parecer do órgão jurídico especializado, no sentido da licitude da dispensa ou da inexigibilidade da licitação, constitui óbice ao enquadramento típico da conduta do administrador público que, com base nele, assinou o termo contratual no exercício de sua função, salvo indicação de dolo de beneficiar a si mesmo ou ao contratado e/ou narrativa mínima da existência de união de desígnios entre os acusados, para realização comum da prática delitiva.
O segundo critério a ser observado, segundo o relator, corresponde à indicação, na denúncia, da especial finalidade de lesar o erário ou promover enriquecimento ilícito dos acusados. Para tanto, o crime definido no art. 89 da Lei 8.666/1993, de natureza formal, independe da prova do resultado danoso. Nada obstante, é exigível, para que a conduta do administrador seja criminosa, que a denúncia narre a finalidade do agente de lesar o erário, de obter vantagem indevida ou de beneficiar patrimonialmente o particular contratado, ferindo com isso a razão essencial da licitação (a impessoalidade da contratação).
Sobre esse critério, asseverou que a denúncia não mencionou a existência de indício de que o acusado teria agido com o fim de obter algum proveito ilícito ou de beneficiar a OSCIP contratada, em detrimento do erário. Ponderou, ainda, que o tipo previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993 tem como destinatário o administrador e adjudicatários desonestos e não os supostamente inábeis. É que a intenção de ignorar os pressupostos para a contratação direta ou a simulação da presença desses são elementos do tipo, que não se perfaz a título de negligência, imprudência ou imperícia — caracterizadores de atuar culposo.
Como último critério, destacou a necessária descrição do vínculo subjetivo entre os agentes. Assim, a imputação do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/1993 a uma pluralidade de agentes demanda a descrição indiciária da existência de vínculo subjetivo entre os participantes para a obtenção do resultado criminoso, não bastando a mera narrativa de ato administrativo formal eivado de irregularidade. Em outros termos, deve-se perquirir se a denúncia, ao narrar a prática de crime em concurso de agentes, indica a presença dos elementos configuradores da união de desígnios entre as condutas do acusados, voltadas à prática criminosa comum.
Quanto ao ponto, afirmou que, na espécie, a investigação não reuniu indícios mínimos da existência de vínculo subjetivo entre os acusados, voltado à obtenção de proveito criminoso.
Após o voto do ministro Roberto Barroso, que acompanhou o relator, a ministra Rosa Weber pediu vista dos autos.
Inq 3674/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 21.2.2017. (Inq-3674)
DIREITO TRIBUTÁRIO – REGIME TRIBUTÁRIO
Redução da base de cálculo do ICMS e estorno de créditos
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo regimental em que se pretendia o estorno total dos créditos do ICMS gerados na entrada de insumos tributados, na hipótese de o contribuinte exercer a opção pela tributação com redução da base de cálculo na saída das mercadorias.
No caso, norma estadual instituiu regime tributário opcional a empresas transportadoras contribuintes do ICMS. Com isso, ficava facultada ao contribuinte a manutenção do regime normal de crédito e débito do imposto ou a apuração do débito com o benefício da redução da base de cálculo, vedada, nesta hipótese, a utilização de quaisquer créditos relativos a entradas tributadas.
O Colegiado entendeu que, havendo a opção pelo regime ordinário ou por regime mais favorável de tributação e estabelecendo a lei um regramento específico para o regime mais favorável, a adesão a ele não gera o direito ao creditamento se a lei o excluir. Assim, o contribuinte deve optar por um dos regimes.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que negava provimento ao recurso por entender que a legislação em debate violaria o princípio da não cumulatividade, pois deveria resguardar o aproveitamento dos créditos na proporção da redução da base de cálculo.
AI 765420 AgR-segundo/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgamento em 21.2.2017. (AI-765420)
DIREITO PENAL – CONCURSO DE CRIMES
Latrocínio: pluralidade de vítimas fatais e concurso formal - 2
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu parcial provimento ao recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretendia a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, assim como a exclusão do concurso formal impróprio reconhecido quanto aos crimes de latrocínio.
No caso, o recorrente foi condenado a 42 anos de reclusão pela prática das condutas previstas nos arts. 148 (sequestro e cárcere privado); 157, § 3º, segunda parte (latrocínio), por duas vezes; e 211 (ocultação de cadáver) do Código Penal (CP). Reconheceu-se, ainda, o concurso formal impróprio com relação aos crimes de latrocínio, considerada a existência de duas vítimas fatais.
A defesa pretendia a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, ante a ausência de provas de que o recorrente teria concorrido para a morte das vítimas, bem como em razão da participação de menor importância na prática delituosa. Pedia, também, a exclusão do concurso formal de crimes, por entender ter havido apenas um latrocínio, não obstante a pluralidade de mortes. Requeria, por fim, o reconhecimento do direito à progressão ao regime semiaberto — v.Informativo 846.
Quanto à desclassificação pretendida, o Colegiado consignou que o juízo sentenciante, em harmonia com o ordenamento jurídico, julgou ter o recorrente contribuído ativamente para a realização do delito, em unidade de desígnios e mediante divisão de tarefas, com pleno domínio do fato. Além disso, o agente assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava em crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de arma de fogo. Para a Turma, aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância.
No tocante ao reconhecimento de crime único, a Turma ponderou ser o latrocínio delito complexo, cuja unidade não se altera em razão da existência de mais de uma vítima fatal. Acrescentou, por fim, que a pluralidade de vítimas é insuficiente para configurar o concurso de crimes, uma vez que, na espécie, o crime fim arquitetado foi o de roubo (CP, art. 157, § 3º), e não o de duplo latrocínio.
Vencidos os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, que negavam provimento ao recurso, por entenderem que, diante da ocorrência de duas mortes, estaria configurado o concurso formal de crimes.
RHC 133575/PR, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 21.2.2017. (RHC-133575)
SEGUNDA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – NULIDADES
Instauração de investigação criminal e determinação de interceptações telefônicas com base em denúncia anônima
A Segunda Turma denegou a ordem em "habeas corpus" em que se pretendia o reconhecimento da ilegalidade de ação penal e de interceptações telefônicas iniciadas a partir de denúncias anônimas.
No caso, o Ministério Público estadual, após receber diversas denúncias anônimas de prática de crimes e seus possíveis autores, procedeu a investigações preliminares, com a oitiva informal de testemunhas. Diante da verossimilhança das alegações, instaurou procedimento de investigação no qual foi requerida quebra do sigilo telefônico dos envolvidos.
Por essa razão, o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de associação criminosa e corrupção ativa (duas vezes), previstos nos arts. 288 e 333 do CP, e de fraude à licitação (cinco vezes), previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993.
Os impetrantes sustentavam que, por terem sido iniciadas a partir de denúncias anônimas — sem a comprovação da realização de diligências preliminares nos autos —, as investigações preliminares (portaria e procedimento investigativo criminal) e o procedimento relativo às interceptações telefônicas deveriam ser declarados nulos. Alegavam, ainda, que as interceptações telefônicas não teriam atendido às regras e condições estabelecidas pela Lei 9.296/1996.
A Turma rememorou entendimento do STF no sentido de que a denúncia anônima é válida, quando as investigações se valem de outras diligências para apurar a “delatio criminis”.
Asseverou que a necessidade das interceptações telefônicas foi devidamente demonstrada pelo juiz natural da causa, bem como que havia indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, conforme exigido pelo art. 2º da Lei 9.296/1996. Quanto às prorrogações das interceptações telefônicas, ponderou que a Corte tem admitido a razoável dilação dessas medidas, desde que respeitado o prazo de quinze dias entre cada uma das diligências, o que não caracteriza desrespeito ao art. 5º da Lei 9.296/1996.
Ressaltou, por fim, que o indeferimento de diligências pelo magistrado de primeiro grau não configura cerceamento de defesa. Afinal, o art. 400, § 1º, do CPP (§ 1º “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”) prevê a possibilidade de o juiz indeferir provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, sem que isso implique nulidade da respectiva ação penal. Sustentou que a discussão sobre o acerto ou desacerto dessa decisão exigiria exame aprofundado dos fatos e provas da causa, o que não se mostra viável em “habeas corpus”, que não admite dilação probatória.
HC 133148/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 21.2.2017. (HC-133148)
DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF
Licença-prêmio e interesse da magistratura
A Segunda Turma, por maioria, não conheceu de ação originária em que se discutia o direito de magistrado gozar de licença-prêmio e determinou a devolução dos autos ao juízo de origem.
No caso, foi ajuizada ação, com base na simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, para reconhecer a percepção de licença-prêmio por tempo de serviço pelo período de três meses a cada quinquênio ininterrupto de exercício, contado da data de ingresso do autor na magistratura.
O autor alegava ter direito à percepção de licença-prêmio garantida aos membros do Ministério Público da União (MPU), prevista no art. 222 da Lei Complementar 75/1993, a partir da edição da Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu na Constituição Federal o § 4º do art. 129, por meio do qual o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a simetria entre os dois agentes políticos.
Inicialmente, a ação foi proposta perante juizado especial federal, que declinou de sua competência para o Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que a matéria atingia interesse privativo da magistratura, não abarcando interesse direto de outros servidores.
A Turma assentou a incompetência do STF para apreciar o feito, ante a inexistência de interesse da totalidade da magistratura nacional.
O órgão fracionado afirmou que a pretensão vertida nos autos não se mostra exclusiva da categoria, haja vista o direito à fruição de licença-prêmio por tempo de serviço interessar não apenas ao autor, mas também a outros agentes políticos e servidores públicos. Afinal, o benefício pode estar previsto em estatuto jurídico do agente ou do servidor. Na hipótese dos autos, por exemplo, integra o estatuto do MPU e de outras carreiras do serviço público federal.
Vencido o ministro Gilmar Mendes (relator), que conhecia da ação e julgava improcedente o pedido. O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator quanto ao conhecimento.
Para o relator, a tese alegada na inicial interessa exclusivamente aos magistrados, já que nenhuma outra categoria de agente público “lato sensu” (agente político, servidor ou empregado público), exceto a magistratura, poderia ajuizar demanda requerendo simetria com o MPU.
Declarava prescritas as parcelas porventura devidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da demanda. Para que houvesse a interrupção da prescrição, seria necessário o reconhecimento indene de dúvidas pelo devedor (Código Civil, art. 202, VI), o que não se verificou no caso.
Quanto ao mérito, consignava inexistir respaldo legal. Além disso, o rol de direitos e vantagens disposto no art. 69 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) seria taxativo. Portanto, não seria possível a extensão aos magistrados de vantagens previstas em legislação de outra carreira.
AO 2126/PR, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 21.2.2017. (AO-2126)
DIREITO PROCESSUAL PENAL – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
Inquérito e compartilhamento de peças
A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão que determinou o compartilhamento de peças de investigação com a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, que apura crimes praticados no âmbito da Transpetro e ligados a suposta organização criminosa investigada na Operação Lava Jato.
No caso, depoimentos de colaborador apontam para a responsabilidade conjunta de cinco membros de partido político por supostos atos de corrupção que envolveriam a manutenção do delator na chefia da Transpetro, mediante pagamento de vantagem indevida, desviada de contratos da companhia. Daqueles, quatro são atualmente senadores. O agravante era senador na época dos atos mencionados, mas hoje não ocupa cargo eletivo.
A Turma afirmou que a decisão agravada, embora não seja expressa nesse sentido, deixa margem para a interpretação de que teria ocorrido uma cisão subjetiva das investigações em relação ao agravante.
Ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) supervisiona investigações pelos mesmos fatos contra outros investigados, e por fato conexo contra o agravante.
Por outro lado, suscitou haver dúvida objetiva e fundada sobre qual juízo supervisionaria as investigações contra o agravante pela suposta corrupção no âmbito da Transpetro.
Sublinhou que, na hipótese dos autos, em que quatro dos cinco investigados têm prerrogativa de foro, haveria risco de o compartilhamento de dados com a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR acarretar em investigação de personagens sob a jurisdição do STF, o que poderia gerar anulação processual.
Vencido o ministro Edson Fachin (relator), que mantinha a decisão agravada. Pontuava que o compartilhamento não significaria declinação nem afirmação de competência. Frisava que os mesmos documentos e anexos remetidos para Curitiba, à guisa de compartilhamento, foram juntados em inquérito que tramita na Suprema Corte.
Pet 6138 AgR-segundo/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgamento em 21.2.2017. (Pet-6138)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Julgamentos por meio eletrônico* |
Pleno |
22.2.2017 |
23.2 e 2.3.2017 |
13 |
128 |
1ª Turma |
21.2.2017 |
— |
81 |
214 |
2ª Turma |
21.2.2017 |
— |
12 |
205 |
* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 17 a 23 de fevereiro e de 24 de fevereiro a 6 de março de 2017.
CLIPPING DA R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 20 de fevereiro a 3 de março de 2017
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 944.245-SP
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. HORAS IN ITINERE. DESLOCAMENTO ENTRE PORTARIA E LOCAL DE REGISTRO DE ENTRADA NA EMPRESA. LEGALIDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL E FÁTICA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. Não se reconhece repercussão geral da discussão acerca do cômputo como horas in itinere do tempo gasto pelo trabalhador para deslocar-se da portaria até o local do registro de sua entrada na empresa ou no seu efetivo posto de trabalho.
2. Em que pese o estatuto constitucional do princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) e da repartição de competências afetas aos Poderes Legislativo e Judiciário (44, 48, 49, XI, 96 e seguintes, e 103, § 1º, CF), constata-se que o apelo extremo fundamenta-se em argumentos genéricos, demonstrando inconformismo com o deslinde legal da questão suscitada, fundado em normas trabalhistas (especialmente o art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho), o que não se admite em sede de recurso extraordinário, por exigir o reexame de legislação infraconstitucional.
3. Ausência de repercussão geral do tema.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 828.075-BA
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS POR ACIDENTE DE TRABALHO. TEORIA DO RISCO. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. O acórdão recorrido entendeu que é objetiva a responsabilidade de empresa prestadora de serviços públicos por dano moral ou material causado ao empregado no exercício da função de operador de subestação em companhia distribuidora de energia elétrica, em razão do risco inerente à atividade profissional.
2. A revisão dessa conclusão pressupõe a análise de legislação infraconstitucional atinente à responsabilidade civil objetiva nas hipóteses de exercício de atividade empresarial de risco, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, o que revela o caráter infraconstitucional da discussão.
3. Afirmação da seguinte tese: “Não tem repercussão geral a controvérsia relativa à natureza da responsabilidade civil de empresa prestadora de serviços públicos por dano moral ou material causado ao empregado em virtude do exercício de atividade profissional de risco”.
4. Recurso não conhecido.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 875.958-GO
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI ESTADUAL QUE ELEVA AS ALÍQUOTAS DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS SERVIDORES. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. Constitui questão constitucional saber quais são as balizas impostas pela Constituição de 1988 a leis que elevam as alíquotas das contribuições previdenciárias incidentes sobre servidores públicos, especialmente à luz do caráter contributivo do regime previdenciário e dos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial, da vedação ao confisco e da razoabilidade.
2. Repercussão geral reconhecida.
Decisão Publicada: 3
20 de fevereiro a 3 de março de 2017
HC N. 136.896-MS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Penal. Princípio da insignificância. Condenação. Pena restritiva de direitos. Furto em detrimento de estabelecimento comercial no período noturo de 2 (duas) barras de ferro avaliadas em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva restituída à vítima. Ausência de prejuízo material. Paciente primário não costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio. Reduzido grau de reprovabilidade de seu comportamento. Conduta que não causou lesividade relevante à ordem social. Satisfação concomitante dos vetores exigidos pela Corte ao reconhecimento da insignificância. Ordem concedida.
1. A configuração do delito de bagatela, conforme tem entendido a Corte, exige a satisfação de determinados requisitos, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC nº 84.412/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 19/11/04).
2. No caso dos autos, consoante se extrai da sentença de primeiro grau, é diminuto o valor da res furtiva, vale dizer, 2 (duas) barras de ferro “viga G” avaliadas em R$ 160,00 (cento e sessenta reais), assim como o paciente é primário, não se podendo abstrair das circunstâncias referidas no édito condenatório ser ele costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio, tanto que foi agraciado com a substituição da pena corporal por restritiva de direitos.
3. Plausibilidade da tese sustentada pela defesa, já que o caso não se enquadra em nenhuma daquelas situações reconhecidas pelo Tribunal Pleno como óbice à incidência do princípio da insignificância, vale dizer, as hipóteses de furto qualificado e a caracterização de habitualidade delitiva específica ou reincidência (v.g. HC nº 123.108/MG; HC nº 123.533/SP; HC nº 123.734/MG, todos de relatoria do Ministro Roberto Barroso).
4. A hipótese de o delito ter sido praticado durante o repouso noturno, não deve ser interpretada como óbice ao reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que o furto foi praticado por agente primário em detrimento de estabelecimento comercial que não sofreu qualquer tipo de prejuízo material, segundo se infere dos autos, pois as 2 (duas) barras de ferro foram restituídas à empresa vitimada.
5. Não se mostra razoável movimentar o aparelho estatal para conferir relevância típica a um furto de pequena monta quando, como já sinalizado pelo Ministro Gilmar Mendes, “as condições que orbitam o delito revelam a sua singeleza miudeza e não habitualidade” (HC nº 94.220/RS, Segunda Turma, DJe de 1º/7/10).
6. O reconhecimento da inexistência de prejuízo material para o estabelecimento comercial vitimado e o fato de o paciente não ser contumaz, quando associados ao argumento de que a conduta não causou lesividade relevante à ordem social, recomendam a aplicação do postulado da bagatela.
7. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a incidência do princípio da insignificância no caso, absolvendo-se, assim, o paciente com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Acórdãos Publicados: 382
TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Interceptação telefônica - Prorrogação - Decisão não fundamentada - Invalidade - Prova ilícita (Transcrições)
HC 129.646-MC-RCON/SP*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE, PORÉM, DE A DECISÃO QUE AS AUTORIZA POSSUIR FUNDAMENTAÇÃO JURIDICAMENTE IDÔNEA, SOB PENA DE NULIDADE. IMPRESTABILIDADE DO ATO DECISÓRIO QUE, DESPROVIDO DE BASE EMPÍRICA IDÔNEA, RESUME-SE A FÓRMULAS ESTEREOTIPADAS CONSUBSTANCIADAS EM TEXTOS PADRONIZADOS REVESTIDOS DE CONTEÚDO GENÉRICO. AUSÊNCIA DE EFICÁCIA PROBANTE DAS INFORMAÇÕES RESULTANTES DE PRORROGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA POR DECISÃO DESTITUÍDA DE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL. PRECEDENTES. A QUESTÃO DA ILICITUDE DA PROVA: TEMA IMPREGNADO DE ALTO RELEVO CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE QUALQUER PESSOA DE NÃO SER INVESTIGADA, ACUSADA, PROCESSADA OU CONDENADA COM BASE EM PROVAS ILÍCITAS (HC 93.050/RJ, REL. MIN. CELSO DE MELLO – RHC 90.376/RJ, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.). INADMISSIBILIDADE DA SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER. DISCUSSÃO EM TORNO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”). DOUTRINA. PRECEDENTES. RELEVO JURÍDICO DA PRETENSÃO CAUTELAR. CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE “PERICULUM IN MORA”. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DEFERIDO. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA.
DECISÃO: Ao denegar a concessão, na espécie, de medida cautelar, apoiei-me em 2 (dois) fundamentos: (1) aparente legitimidade do comportamento da autoridade policial, que teria agido, no caso, de modo compatível com a diretriz jurisprudencial desta Corte em tema de “delação anônima”, procedendo a diligências investigatórias prévias cujo resultado teria justificado, em um primeiro momento, a decretação judicial de interceptação telefônica; e (2) ausência de risco imediato ao “status libertatis” dos pacientes.
Deixei de examinar, contudo, um outro fundamento cuja análise tenho por relevante, pois concerne à alegada inviabilidade das sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas, autorizadas em decisões estereotipadas, consubstanciadas em texto claramente padronizado, no qual há equivocada referência ao “tráfico de entorpecentes”, muito embora os delitos motivadores da “persecutio criminis” refiram-se, no caso, à suposta prática de ilícitos tipificados no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 e nos arts. 288 e 299, ambos do Código Penal.
Os aspectos enfatizados no pedido de reconsideração foram muito bem destacados nos votos vencidos que proferiram os eminentes Ministros SEBASTIÃO REIS JÚNIOR e ROGERIO SCHIETTI CRUZ no julgamento do pedido de “habeas corpus” de que resultou o acórdão ora impugnado nesta sede processual.
Enfatizou-se, então, em referidos pronunciamentos, que, ressalvada a quebra inicial, todas as demais decisões de prorrogação das interceptações telefônicas “são ilegais, tendo em vista a falta de fundamentação” (Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR), considerada a circunstância de que mencionados atos decisórios, de conteúdo estereotipado, revelam-se incapazes – consoante advertiu o Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ – “de singularizar o caso examinado”, o que torna tais decisões “inválidas, porquanto servem para todos os casos e, assim, não servem para [caso] nenhum”.
Todos sabemos que esta Suprema Corte tem admitido a possibilidade de o procedimento probatório da interceptação de conversações telefônicas sofrer sucessivas prorrogações, desde que demonstrada, no entanto, em cada renovação, mediante fundamentação juridicamente idônea, a indispensabilidade de tal diligência (HC 83.515/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM – RHC 85.575/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 88.371/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), o que parece não ter ocorrido no caso ora em exame.
Cabe assinalar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – tratando-se de medidas restritivas da esfera jurídica de pessoas sob investigação penal do Estado (interceptação telefônica, quebra de sigilo, busca e apreensão, v.g.) ou cuidando-se de decretação de prisão cautelar – mostra-se severa, pois exige que a decisão judicial que ordena quaisquer dessas providências, sempre excepcionais, apoie-se em fundamentação substancial, sob pena de nulidade do próprio ato decisório (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 116.491/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 121.250/SE, Rel. Min. LUIZ FUX – HC 130.723/SP, Rel. Min. ROSA WEBER , v.g.).
Nesse contexto, vale relembrar que esta Corte Suprema, em inúmeros precedentes (HC 121.929/TO, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – HC 129.554/SP, Rel. Min. ROSA WEBER – HC 134.939/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 95.311/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), não tem admitido decisões que, impregnadas de motivação genérica ou abstrata (destituídas, portanto, de suporte fundado em elementos concretos), traduzam “fórmulas de estilo, genéricas, aplicáveis a todo e qualquer caso, sem indicar os elementos fáticos concretos que pudessem autorizar a medida” ( HC 130.038/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI):
“‘Habeas corpus’. 2. Tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei 11.343/06). 3. Enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 4. Conversão da prisão em flagrante em preventiva por meio de formulário pré-formatado. Ausência de fundamentação lastreada em elementos concretos a justificar a prisão cautelar. 5. Excepcionalidade da prisão. Possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares. Art. 319 do CPP. 6. Ordem concedida, confirmada a liminar para suspender os efeitos da ordem de prisão preventiva decretada em desfavor do paciente, se por outro motivo não estiver preso e sem prejuízo da análise da aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. 7. Extensão da decisão ao corréu em razão da identidade da situação processual (art. 580 do CPP).”
(HC 128.880/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)
Os argumentos que venho de expor, todos eles amparados em precedentes do Supremo Tribunal Federal, conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzida pela parte impetrante, ainda mais se se considerar que medidas de restrição à esfera jurídica das pessoas, como as sucessivas prorrogações de interceptação telefônica, quando determinadas em decisões desprovidas de fundamentação juridicamente idônea, qualificam-se, quanto à sua eficácia probatória, como provas ilícitas, que, repudiadas pela própria ordem constitucional, reputam-se inadmissíveis em juízo (CF, art. 5º LVI), tal como adverte o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal firmado em diversos precedentes (RTJ 163/682 – RTJ 163/709 – HC 72.588/PB, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 93.050/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“ILICITUDE DA PROVA – INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) – INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
– A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do ‘due process of law’, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
– A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do ‘male captum, bene retentum’. Doutrina. Precedentes.
A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (‘FRUITS OF THE POISONOUS TREE’): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO.
– Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.
– A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do ‘due process of law’ e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes.
– A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
– Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.
– Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
– A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA (‘AN INDEPENDENT SOURCE’) E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS ‘SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)’, v.g..”
(RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Essa mesma percepção do tema tem sido revelada por doutrinadores eminentes (VÂNIA SICILIANO AIETA, “A Garantia da Intimidade como Direito Fundamental”, p. 191, item n. 4.4.6.4, 1999, Lumen Juris; LUIS ROBERTO BARROSO e ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Viagem Redonda: ‘Habeas Data’, Direitos Constitucionais e as Provas Ilícitas” “in” RDA 213/149-1; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 54/56, item n. 5.9, 1994, Saraiva; GUILHERME SILVA BARBOSA FREGAPANI, “Prova Ilícita no Direito Pátrio e no Direito Comparado”, “in” Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios nº 6/231-235; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1988”, p. 249/266, “in” “Os 10 Anos da Constituição Federal”, coordenação de Alexandre de Moraes, 1999, Atlas; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 304, item n. 17.2.4.5, 13ª ed., 2006, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 401, item n. 155.4, 7ª ed., 2000, Atlas; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 386, item n. 5.102, 6ª ed., 2006, Atlas; RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA, “Provas Ilícitas: Limites à Licitude Probatória”, p. 78, item n. 3.1, 2ª ed., 2004, Lumen Juris; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 340/341, item n. 5, 4ª ed., 2005, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Ordem Judicial de Busca e Apreensão e Ilicitude da Prova dela Extrapolante”, “in” RT 848/457-470, 468-469; LENIO LUIZ STRECK, “As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais”, p. 92, item n. 13.2, 1997, Livraria do Advogado; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/474-476, 9ª ed., 2005, Saraiva, v.g.), valendo destacar, ante o relevo de suas observações, a lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“Liberdades Públicas e Processo Penal”, p. 151, itens ns. 7 e 8, 2ª ed., 1982, RT):
“A inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação de uma norma constitucional, em prejuízo das partes ou de terceiros.
Nesses casos, é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade. Será também irrelevante indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes e fora do processo ou no curso do mesmo); será irrelevante indagar-se se o ato ilícito foi cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha importado em violação a direitos fundamentais; e será, por fim, irrelevante indagar-se se o processo no qual se utilizaria prova ilícita deste jaez é de natureza penal ou civil.
......................................................................................................
Nesta colocação, não parece aceitável (embora sugestivo) o critério de ‘razoabilidade’ do direito norte-americano, correspondente ao princípio de ‘proporcionalidade’ do direito alemão, por tratar-se de critérios subjetivos, que podem induzir a interpretações perigosas, fugindo dos parâmetros de proteção da inviolabilidade da pessoa humana.” (grifei)
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de reconsideração, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a realização dos interrogatórios judiciais dos ora pacientes nos autos da Ação Penal nº 0008772-16.2013.8.26.0189 (Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Fernandópolis/SP).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (RHC 43.037/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 0089768-83.2013.8.26.0000) e ao Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Fernandópolis/SP (Ação Penal nº 0008772-16.2013.8.26.0189).
Publique-se.
Brasília, 06 de março de 2017 (22h20).
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe em 9.3.2017
OUTRAS INFORMAÇÕES
20 de fevereiro a 3 de março de 2017
Decreto nº 8.996, de 2.3.2017 - Dispõe sobre a execução do Quinquagésimo Segundo Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 35 (52PA-ACE35), firmado entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, Estados Partes do Mercosul, e a República do Chile. Publicado no DOU, Seção nº 1, Edição nº 43, p. 6, em 3.3.2017.
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 855 do STF - 2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2017, 17:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/49744/informativo-855-do-stf-2017. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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