Acórdão: Apelação Cível n. 2004.003925-5, de Indaial.
Relator: Des. Mazoni Ferreira.
Data da decisão: 23.11.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 114, edição de 14.12.2006, p. 34.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO – AUMENTO DAS DIMENSÕES DO TERRENO, SEM, CONTUDO, EXTRAPOLAR AS DIVISAS – NÃO-OCORRÊNCIA DE PREJUÍZOS A TERCEIROS – IMPUGNAÇÃO INSUBSISTENTE A DEMONSTRAR PREJUÍZOS DOS LINDEIROS – VENDA AD CORPUS – ADEQUAÇÃO DO REGISTRO À SITUAÇÃO DE FATO PREEXISTENTE – PROCEDIMENTO ADEQUADO – EXEGESE DOS ARTS. 860 DO CC E 212 E 213 DA LEI N. 6.015/73 – RECURSO PROVIDO.
Comprovada divergência para mais entre a área real do imóvel e aquela lançada no assento do registro público, aliado ao fato de inexistir impugnação suficientemente fundamentada pelos confrontantes, tem o proprietário direito à sua retificação, na forma do art. 860 do Código Civil e dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.003925-5, da comarca de Indaial (1ª Vara), em que são apelantes Ari Antônio Dalmolin e Lurdes Dalmolin, e apelados Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER, Leopoldo Fronza e Inez Fronza:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Ari Antônio Dalmolin e Lurdes Dalmolin ajuizaram ação de retificação de registro imobiliário, alegando ser proprietários de um imóvel situado no município de Rodeio/SC, constituído pelos lotes de terras n. 161-A e 161-B, situado na margem esquerda do Rio Itajaí-Açu, de forma retangular e contendo a área de 314.360,00m², extremado pela frente com o Rio Itajaí-Açu, nos fundos com Adalberto Ferreti e Egídio Fiamoncini, pelo lado direito com terras de Leopoldo Fronza e pelo lado esquerdo com terras de Pedro de Oliveira, Nilo Prada e Adalberto Ferretti.
Alegaram que a descrição no registro das divisas e confrontações do imóvel é deficiente e omissa, e não contém as medidas laterais, da frente e dos fundos e que, realizado novo levantamento topográfico do imóvel, verificou-se que sua área real era de 329.654,28m², porquando deve ser corrigido o equívoco no registro respectivo.
Aduziram que a inserção de elementos novos na descrição das divisas e confrontações do imóvel não acarretará nenhum prejuízo aos confinantes.
Ao final, pugnaram pela procedência do pedido, para que se proceda à devida retificação da área no registro imobiliário. À inicial foram acostados os documentos de fls. 7 a 13.
Citados os confrontantes, apenas Leopoldo Fronza e sua esposa Inez Fronza apresentaram contestação (fls. 21/22), e os demais não ofereceram nenhum óbice ao deferimento do pedido.
Os autores manifestaram-se às fls. 52/55.
A Dra. Promotora de Justiça opinou pela extinção do feito (fls. 58/60).
Sentenciando, o MM. Juiz julgou extinta a ação, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, por entender que a correção pleiteada configura excesso significativo de área, não sendo o procedimento eleito a via adequada para o intento. Condenou os autores ao pagamento de honorários advocatícios no importe de R$ 150,00 a cada um dos demandados que contestaram a ação.
Inconformados com a decisão proferida, os autores apelaram tempestivamente, sustentando em suas razões recursais que a Lei dos Registros Públicos possibilita a utilização do procedimento de retificação sempre que se verificarem equívocos no registro do imóvel, bem como quando a correção não acarrete prejuízos a terceiros, o que é o caso dos autos, haja vista que o aumento da área não resulta em expansão sobre terras dos lindeiros, tampouco altera as confrontações. Alegaram, também, que o referido imóvel foi adquirido há mais de vinte anos de forma ad corpus, ou seja, até seus limites, tanto que em sua descrição menciona-se quem são os confrontantes e não a metragem das linhas divisórias, comprovando, assim, que a área em excesso encontra-se dentro dos limites de seu imóvel. Pugnaram pelo provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial e determinada a expedição de mandado de retificação do registro, e, em caso de entendimento diverso, pugnou que sejam as partes remetidas às vias ordinárias, aproveitando-se os atos já praticados.
O representante do Ministério Público, com espeque no Ato PGJ/CGMP/n. 0178/2001, deixou de se manifestar (fl. 85).
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se o Exmo. Sr. Dr. Raulino Jacó Brüning, pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
Trata-se de pedido de retificação de registro imobiliário, em que pretendem os recorrentes a alteração nas dimensões do imóvel de sua propriedade, cujo registro aponta como área total 314.360,00m², sendo esta na realidade de 329.654,28m².
Em que pesem os posicionamentos contrários à utilização deste procedimento para ver retificado o registro imobiliário, quando na correção decorrer acréscimos na área do imóvel, filio-me à moderna corrente do Superior Tribunal de Justiça, que entende ser possível o manejo da presente ação, ainda que importe em majoração da área, porquanto a retificação ora pleiteada não se prende a nenhum limite, seja de aumento ou de diminuição, da área do imóvel cuja matrícula se pretende corrigir.
Aliás, o procedimento adotado pelos recorrentes para a retificação de área do imóvel, está previsto nos arts. 212 e 213, § 2º da Lei n. 6.015/73, respectivamente:
“art. 212. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar sua retificação, por meio de processo próprio.”
“art. 213. A requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro.
[...]
§ 2º Se da retificação resultar alteração da descrição das divisas ou da área do imóvel, serão citados, para se manifestar sobre o requerimento em 10 (dez) dias, todos os confrontantes e o alienante ou seus sucessores, dispensada a citação destes últimos se a data da transcrição ou da matrícula remontar a mais de vinte anos”
Também determina o art. 860 do Código Civil de 1.916, correspondente ao art. 1.247 do Código Civil em vigor que:
“Se o teor do registro de imóveis não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar que se retifique”
Ademais, conforme recentes decisões do STJ, evidenciado o erro no registro do imóvel, cumpridas as formalidades legais e não acarretando prejuízos a terceiros, pode ser corrigido o referido registro via administrativa, mesmo que altere substancialmente suas dimensões, senão vejamos:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Retificação. Aumento de área.
“É possível o processamento do pedido na forma do art. 213 da Lei 6.015/73. Recurso conhecido e provido” (STJ – REsp. 343.543/MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, j. 2-5-02).
“Registro de imóveis. Retificação. Área maior. No procedimento de retificação, previsto nos artigos 213 e 214 da Lei de Registros Públicos, não importa a extensão da área a ser retificada, desde que os demais requisitos estejam preenchidos. Inexistente a impugnação válida, não há lide e, por conseguinte, desnecessária a remessa às vias ordinárias, sendo o procedimento administrativo o previsto para a análise de retificações de registro, de acordo com o que dispõe o artigo 213, § 4º da LRP.” (STJ – REsp n. 120196/MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 4-3-99).
“Retificação de registro. Artigos 860 do Código Civil e 213 da Lei de Registros Públicos. Precedentes da Corte.
1. Na linha de precedentes da Corte, é possível a retificação do registro, para acréscimo de área, de modo a refletir a área real do imóvel, desde que não haja, como no caso, impugnação dos demais interessados.
2. Recurso especial não conhecido” (STJ – REsp 203.205/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, j. 6-12-99).
Extrai-se do corpo do acórdão do REsp n. 203.205 acima citado que “em tese, é possível admitir que não se preste a retificação do registro para aumentar a área adquirida, à medida que o registro reflete a realidade do título. Todavia, se há a citação dos confrontantes e dos interessados e estes não apresentam impugnação, a meu sentir, não existe impedimento a que seja feita a retificação do registro. Em precedente de que foi Relator o Senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, decidiu a Corte ser possível utilizar o ‘procedimento previsto na Lei dos Registros Públicos para a retificação da área do imóvel, desde que inexistente fundamentada impugnação dos interessados’ (REsp n. 94.216/MS, DJ de 24/3/97; do mesmo Relator, no mesmo sentido, REsp. 57.737/MS, DJ de 2/10/95). Em precedente anterior, Relator o Senhor Ministro Athos Carneiro, a 4ª Turma assentou que ‘o pedido administrativo com vistas à alteração da área titulada para maior, pode perfeitamente substituir o assim chamado ‘usucapião de sobras’, mas isso apenas se não houver oposição fundada’ (REsp n. 8.856/SP, DJ de 2/9/91). Mais expressivo ainda é o precedente, também da relatoria do Senhor Ministro Athos Carneiro, afirmando que as ‘partes devem ser remetidas às vias ordinárias se o pedido de retificação, em jurisdição voluntária, for impugnado fundamentadamente, por interessado legítimo. Não assim, todavia, se a prova dos autos demonstra que o pedido visou apenas adequar o título às reais dimensões do terreno, devidamente cercado e murado, sem prejuízo algum ao Condomínio impugnante. Neste caso, o procedimento em jurisdição voluntária apresenta-se adequado, coerentemente com a tendência de simplificação e eficiência que deve prevalecer no moderno sistema legal brasileiro’ (REsp n. 9.297/RJ, DJ de 7/10/91)”.
Compulsando os autos, verifica-se que as divisas do imóvel foram respeitadas, e não houve invasão em nenhuma direção, e foram, até mesmo, apresentadas declarações de anuência dos confrontantes Cláudio Valente Freyesleben e sua esposa Laila Freyesleben Ferreira (fls. 35/36) e do Departamento Nacional de Estrada de Rodagem – DNER; uma vez efetuadas as citações dos demais lindeiros e do Município, apenas um confrontante apresentou contestação. Em razão do lapso temporal decorrido desde a aquisição do terreno, tornou-se despicienda a citação do alienante, nos termos do § 2º, in fine, do art. 213 da Lei n. 6.015/73.
O levantamento topográfico e o memorial descritivo (fls. 11 a 13), respeitando as estremas do terreno, nos dão conta de que há, verdadeiramente, divergência entre a área descrita no registro imobiliário e a real situação do imóvel. Destarte, é passível de ser retificado o registro, nos moldes do art. 213 da Lei de Registros Públicos.
Sobre o assunto, elucidativa a lição de Walter Cruz Swensson:
"Entendem alguns que a retificação somente seria possível se a diferença a maior apurada for um percentual modesto em relação à área constante do registro a ser alterado.
Sucede, porém, que nem a Lei de Registros Públicos, em seu art. 213, nem o Código Civil (art. 860) estabelece tal limitação ou fixa percentual máximo para eventual acréscimo.
Basta que a área mencionada no registro esteja incorreta para que o interessado esteja legitimado a pleitear sua retificação.
Mas é evidente que existe uma regra implícita em tais disposições legais que regulam a matéria.
E essa regra é mais que óbvia. A área do imóvel somente poderá ser corrigida se estiver mencionada erroneamente no registro. Isso significa que o levantamento procedido deve ficar restrito à gleba limitada pelas divisas do imóvel. Por isso mesmo que o memorial descritivo que deve instruir a petição inicial tem que demonstrar que foram respeitadas tais divisas, que não foram elas ultrapassadas (grifei).
A retificação de área não se presta à incorporação de novos terrenos à gleba primitiva, ultrapassando e ampliando as divisas e limites do imóvel originário” (Retificação de Registro, São Paulo, RT, 1992, p. 17 e 18).
Convém ressaltar que não pretendem os apelantes agregar ao seu imóvel gleba de terra diversa da sua, pois, de acordo com o memorial descritivo, levantamento topográfico e as declarações dos confrontantes, a medição e demarcação da área está em desacordo com o registro, e deve, por isso, ser reconhecido o domínio dos recorrentes sobre a integralidade do terreno.
Importante consignar ainda que não há necessidade de se remeter os autos às vias ordinárias, porquanto a impugnação apresentada por apenas um dos lindeiros é despida de fundamentação, limitando-se a afirmar que a metragem pretendida na retificação é muito superior àquela existente e que a linha limítrofe que divisa os dois imóveis sempre foi uma linha reta, o que não corresponde ao que está consignado na planta.
Ora, os recorrentes, ao apresentarem a planta, demonstraram de forma clara, expressa e transparente, as dimensões das áreas de seus confrontantes, ou seja, dos lotes destes, aí incluído o dos impugnantes que, assim, detinham todas as possibilidades de lançar, apresentando o seu título de propriedade, impugnação concreta, em bases reais. Não o fazendo, a única solução justa e razoável é a da procedência do pedido retificatório.
A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“Registro imobiliário. Retificação. Impugnação insubsistente. Súmula 07/STJ.
I. A impugnação ao pedido de retificação de registro imobiliário deve ser fundada em pressuposto que autorize a remessa dos autos às vias ordinárias. Precedentes desta Corte. Acórdão que, com base na prova pericial e situações fáticas, afastou o pedido. Aplicação, no caso, do enunciado da Súmula 07 desta Corte. Lei nº 6.015, de 1973, art. 213. Ofensa não caracterizada.
II. - Recurso especial não conhecido”. (STJ – Resp n. 300069/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. 23-9-2003).
Nesse sentido, perfilha o entendimento desta Corte de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. IMPUGNAÇÃO NÃO FUNDAMENTADA PROPOSTA POR CONFRONTANTE. REFORMA DO DECISUM. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO PROVIDO.
A Lei de Registros Públicos é da mesma hierarquia do CC e pode criar via nova de reconhecimento implícito do domínio, coerente com a tendência de simplificação dos atos e relações jurídicas que dominam o moderno sistema legal brasileiro (RJTJRGS, 96/395; REsp. n. 146.631 - CEARÁ, Ac. de 01.03.2001). Satisfeitos os requisitos previstos, ao lado da transcrição, acessão e usucapião (Código Civil, art. 530, I, II e III), a retificação da área do imóvel, sobretudo a partir do advento das Leis n. 8.810, de 18.03.91 e n. 9.039, de 09.05.95, salvo impugnação fundamentada, é meio de aquisição da propriedade, via procedimento administrativo atípico, ou ordinário, regulados, um e outro, respectivamente, nos §§ 2º e 4º, do art. 213 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015 de 31.12.73). Por impugnação fundamentada entende-se aquela que denota a existência de uma lide, em que o direito alegado pelo impugnante se contrapõe ao alegado pelo requerente (Narciso Orlandi Neto - TJSC: AC n. 2001.018629-2)” (TJSC – Apelação Cível n. 2004.007115-9, de Indaial, rel. Des. Cesar Abreu, Terceira Câmara de Direito Público, j. 31-8-04).
Do corpo desse acórdão, destaca-se esclarecedora e judiciosa argumentação:
“O não acolhimento do procedimento retificatório de imóvel, tal como formulado, eqüivale a negar aplicação de dispositivos legais claros e precisos, direcionados especificamente para a espécie no art. 213 da Lei de Registros Públicos que, nesta parte, passa a ser letra morta.
Para o efeito proposto, é quanto basta, a última alteração havida, por meio da Lei n. 9.039, de 09.05.95: o § 2º do art. 213 da Lei de Registros Públicos, dando à matéria versada dimensão apropriada, espanca dúvidas e acaba por instituir, definitivamente, a retificação do registro imobiliário, ao lado de outros, como meio autônomo de aquisição da propriedade, consagrando, ressalva-se, jurisprudência reiterada vinda do Superior Tribunal de Justiça que a ela se antecipando, para esse efeito, já vinha acolhendo a espécie, fundado na Lei n. 8.810, de 18.03.91, que a antecedeu”.
Portanto, repita-se, a pretensão dos apelantes é perfeitamente possível, porquanto, não se trata de aumento de terras, mas, tão-somente, de adequação, no que pertine ao registro imobiliário, da área ali consignada.
Destarte, como inexiste prejuízo aos confrontantes, a reforma da decisão proferida pelo Juízo a quo é medida que se impõe, a fim de que se retifique a área mencionada.
Isso posto, decide a Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso para julgar procedente o pedido, nos termos da exordial.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Sr. Des. Monteiro Rocha e Luiz Carlos Freyesleben. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raulino Jacó Brüning.
Florianópolis, 23 de novembro de 2006.
Mazoni Ferreira
PRESIDENTE e RELATOR
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