EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - AUSÊNCIA DE ESTIPULAÇÃO DE BENEFICIÁRIO - CAPITAL SEGURADO PLEITEADO POR ESPOSA - SEPARAÇÃO DE FATO - CONTRATO ESTIPULADO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL - COMPANHEIRA EQUIPARADA A ESPOSA PARA EFEITOS DE INCIDÊNCIA DO ART. 792 DO CC/2002 - EXEGESE DOS ARTS. 226, § 3º DA CF/88 E 1.723 DO CC/2002.
Para efeitos de incidência do art. 792 do CC/2002, que dispõe acerca dos legitimados a pleitearem o capital segurado, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, a companheira com quem o segurado mantinha união estável à época do óbito equipara-se ao cônjuge não separado judicialmente, competindo-a o recebimento de metade do valor constante na apólice, cujo saldo remanescente será devido aos demais herdeiros.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2006.024956-9, da Comarca de Araranguá (1ª Vara Cível), em que é apelante Maria Sukenski Benlke, sendo apelada Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso para manter incólume a decisão desafiada que julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela apelante.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO:
Maria Sukenski Benlke ajuizou ação indenizatória em face de Soma Seguradora S/A, sustentando que é credora da quantia de R$ 8.506,96 (oito mil quinhentos e seis reais e noventa e seis centavos), referente à metade do valor da apólice do seguro de vida que seu marido possuía junto à empresa requerida.
Aduziu que era legalmente casada com Valdir José Benlke desde 28.09.1977 até o dia em que este veio a falecer, em 07.09.2000.
Asseverou que, após a morte de seu cônjuge, tomou conhecimento da existência de um seguro de vida em grupo, constituído pela empresa em que este trabalhava - Paula Transportes Ltda., cuja indenização perfaz o montante de R$ 17.013,91 (dezessete mil treze reais e noventa e um centavos).
Afirmou, entretanto, que, após procurar a seguradora, foi informada que esta já havia realizado o pagamento a uma outra pessoa que não a própria autora.
Por tais razões, postulou pela condenação da demandada ao pagamento de indenização no valor de R$ 8.506,95 (oito mil quinhentos e seis reais e noventa e cinco centavos), atualizados monetariamente a partir da data do óbito, acrescidos de juros legais, além do pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação. Requereu, ainda, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, cujo pleito foi posteriormente deferido (fl. 12).
Citada, a empresa ré apresentou contestação (fls. 17/26) alegando, em preliminar, a falta de documentos indispensáveis à propositura da ação. No mérito, sustentou que o importe foi devidamente pago, metade à companheira do de cujus - Vera Lúcia Zanuzzo, com a qual mantinha uma união estável e a outra metade dividida entre os 04 (quatro) filhos do falecido, 03 (três) com a companheira e 01 (um) com a autora. Postulou pela substituição do pólo passivo em razão da seguradora ré ter sido incorporada pela empresa Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A.
Após a réplica (fls.106/109), o togado a quo, sentenciando antecipadamente a lide (fls. 112/115), rejeitou a preliminar suscitada e deferiu o pedido de substituição processual, julgando improcedente o pleito indenizatório e condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 900,00 (novecentos reais), restando sobrestada a exigibilidade da verba sucumbencial nos moldes do art. 12 da Lei n. 1.060/50.
Irresignada, a tempo e modo, a autora interpôs recurso de apelação (fls.120/121), objetivando a reforma da sentença sob os seguintes argumentos: a) a autora era legalmente casada com o de cujus desde 28.09.1977; b) após o óbito, tomou conhecimento da existência do seguro de vida em grupo no valor de R$ 17.013,91 (dezessete mil treze reais e noventa e um centavos); c) o montante da apólice foi pago a terceiro; d) na falta de estipulação de beneficiário o seguro deveria ser pago metade a mulher e outra metade aos herdeiros; e) a companheira equipara-se a mulher casada, entretanto, não supera os laços do casamento legal. Ao final, requereu a reforma integral da decisão hostilizada.
Apresentadas as contra-razões (fls. 130/138), os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.
II - VOTO:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento do recurso por este órgão julgador, passando-se à análise das questões deduzidas nas respectivas razões recursais.
A controvérsia cinge-se à discussão acerca da legalidade do pagamento de parte do valor do seguro à Vera Lúcia Zanuzzo, na época, então, companheira do falecido.
Afirma a apelante ser beneficiária de metade do montante da verba indenizatória decorrente de contrato de seguro celebrado por Valdir José Benlke, falecido em 07.09.2000, com o qual era legalmente casada.
Alega que, por não possuir beneficiário estipulado no contrato, o valor do seguro deveria ser pago na proporção de 50% (cinqüenta por cento) à esposa do segurado e o restante aos possíveis herdeiros, entretanto, aduz que a parte que lhe cabia foi, erroneamente, paga a uma suposta companheira do falecido.
Com efeito, o Novo Código Civil prevê que, em não havendo beneficiário especificado na apólice, o importe será pago metade ao cônjuge, não separado judicialmente, e a outra metade rateado entre os herdeiros do segurado (art. 792). Acrescenta que, nesta hipótese, ainda, podem figurar como beneficiários aqueles que provarem que, com a morte do segurado, foram privados dos meios necessários à subsistência (CC/2002, art. 792, parágrafo único).
Contudo, esta norma não alberga situações em que o segurado, em não especificando o beneficiário do seguro, no momento do óbito se encontrava separado de fato e convivia em união estável sólida com outra pessoa, como no caso em questão. Para circunstâncias desta espécie, o ordenamento jurídico vigente não apresenta, de forma expressa, soluções específicas.
A respeito do assunto, José Augusto Delgado afirma:
"A disposição literal do art. 792 leva o intérprete a se definir na linha de entendimento de que o cônjuge, qualquer que seja o regime de casamento tem direito, em caso de seguro de vida sem designação de beneficiário, a metade do capital, bastando que não seja separado judicialmente.
Observamos que alguns questionamentos merecem ser feitos sobre esse regramento. O primeiro tem vinculação com a situação do cônjuge que durante muitos anos, está separado de fato, porquanto sem convivência sob o mesmo teto, afastado do cumprimento das obrigações decorrentes do casamento e já com outra união de fato consolidada." (Comentários ao Novo Código Civil, volume XI, tomo 1: das várias espécies de contrato, do seguro - Rio de Janeiro, Forense, p. 739).
Atualmente, diante da equiparação constitucional da união estável ao casamento (CF/88, art. 226, §3º), não se pode afirmar que a pessoa que não esteja separada judicialmente, mas de fato, e mantendo relação com contornos de união estável consolidada e por longos anos com terceira pessoa, encontra-se efetivamente 'casada' com a primeira, uma vez que, nestas hipóteses, o aspecto formal é enfraquecido diante da realidade fática que demonstra inexistir real vínculo conjugal com o indivíduo apontado na certidão de casamento.
A respeito do tema, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
"A união estável tem como requisitos a convivência pública, contínua, duradoura e com a intenção de formar unidade familiar, e se configura ainda que um dos companheiros possua vínculo conjugal com outrem, desde que haja, entre os casados, separação fática ou jurídica" (REsp. n. 354425 Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 02.12.2004).
No caso em comento, pode-se observar que o de cujus já vivia há mais de 07 (sete) anos com Vera Lúcia Zanuzzo, com quem possuía 03 (três) filhos (fls. 58/60), sendo aquela, inclusive, sua dependente para fins previdenciários (fls. 64).
No intuito de corroborar para a comprovação acerca da existência de uma relação equiparada a união estável, a seguradora colecionou aos autos documentos que lhe foram entregues pela então companheira do falecido a fim de que esta pudesse efetuar o resgate do capital segurado (fls. 58/72).
Assim, analisando os fatos e os documentos trazidos à baila, resta claro a existência de uma nova entidade familiar entre Vera Lúcia e o segurado, razão pela qual não haveria autorizar-se o pagamento da verba indenizatória à pessoa que já não mais possuía vínculo conjugal como o instituidor do seguro, tão-somente em virtude de uma situação formal e por inexistir previsão legal específica.
No mesmo sentido, o próprio contrato firmado pelo falecido estipula, na parte destinada as condições especiais do seguro denominada de "cláusula de cônjuge" (fl. 89):
"3.2 Equiparam-se a cônjuges as (os) companheiras(os) dos(as) Componentes Principais, desde que seja comprovada, documentalmente, a união estável entre ambos, na forma da legislação aplicável a matéria.
Neste diapasão resta evidente a possibilidade, em caso de omissão quanto ao beneficiário, acerca do recebimento do prêmio pela companheira do instituidor do seguro, equiparando-a, para efeitos de incidência do art. 729 do Código Civil de 2002, à esposa, com a qual aquele já se encontrava separado de fato, porquanto não é razoável deixar em desamparo quem figurava como efetiva companheira do falecido e que, a princípio, dependia deste para seu sustento.
Neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
"CIVIL. INDENIZAÇÃO. SEGURO DE VIDA. 1. COMPANHEIRA DO DE CUJUS, DURANTE LONGOS ANOS, DIANTE DA EQUIPARAÇÃO LEGAL FEITA À ESPOSA, É A BENEFICIÁRIA DO SEGURO. O FATO DE A APELADA NÃO TER SENTENÇA JUDICIAL DECLARANDO A EXISTÊNCIA DA SUA UNIÃO ESTÁVEL, NÃO LHE RETIRA O DIREITO AO RECEBIMENTO DO SEGURO, TENDO COMPROVADO NOS AUTOS QUE VIVIA COMO MULHER DO FALECIDO À ÉPOCA DO ACIDENTE, UNIÃO ESSA QUE JÁ EXISTIA HÁ MUITOS ANOS." (AC. 98.0110084647, Rel. Des. Campos do Amaral, j. em 18.11.1999).
No mesmo norte é o entendimento preconizado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
"SEGURO DE VIDA - PECÚLIO - PLEITO DA EX-ESPOSA SEPARADA DE FATO DO SEGURADO FALECIDO. Age dentro dos limites contratuais obrigado pela apólice a seguradora que, diante da omissão do segurado em indicar o beneficiário, opta por pagar o pecúlio à companheira, que com ele vivia ao tempo do óbito e de quem tinha dois filhos. Confronto de direitos da ex-esposa não separada judicialmente - mas separada de fato - e da companheira, que, como o segurado, formavam uma entidade familiar. Reconhecimento do direito da companheira. Recurso não provido." (AC. 2006.001.67122, Rel. Des. Paulo Gustavo Horta, j. em 03.01.2007)
E ainda, do mesmo Tribunal:
"APELAÇÃO. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. DÚVIDA A QUEM PAGAR. DISPUTA ENTRE COMPANHEIRA E VIÚVA. DIREITO DA COMPANHEIRA. Ação de consignação em pagamento. Seguro de vida. Morte do segurado. Dúvida da seguradora quanto à beneficiária. Indenização pleiteada, simultaneamente, pela esposa e pela companheira. Sentença que reconheceu o direito da ex-companheira do instituidor ao recebimento da indenização. Apelação da ex-esposa do falecido, pretendendo que a indenização lhe seja paga integralmente ou o rateio em partes iguais do valor do seguro. Procedência do pedido para declarar subsistente o depósito, declarando, ainda, a segunda ré como credora da importância depositada. Recurso manifestamente improcedente." (AC. 2006.001.22847, Rel. Des. Gamaliel Q. de Souza, j. em 05.09.2006)
À vista do exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão desafiada que julgou improcedente o pedido indenizatório formulado pela ora apelada.
III - DECISÃO:
Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão desafiada que julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela apelante.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni e Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 13 de março de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE COM VOTO
Salete Silva Sommariva
RELATORA
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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