EMENTA: AÇÃO DE ALIMENTOS. ALIMENTOS PROVISIONAIS DESTINADOS À EX-ESPOSA. CLAÚSULA DE DISPENSA POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE DE RECLAMAÇÃO FUTURA. Em face do art. 1.708, do atual Código Civil, não existe, em princípio, impedimento ao ex-cônjuge de reclamar cobertura alimentar, sobretudo se, na separação ou no divórcio, sua manifestação foi de mera dispensa e não de renúncia a esse direito.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2007.040860-9, da Comarca da Itajaí (Família, Órfãos, Infância e Juventude), em que são agravantes N. L. S., e agravado D. P.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por N. L. S. contra decisão que, em ação de alimentos ajuizada por sua ex-mulher D. P., fixou alimentos provisórios em valor correspondente a 07 (sete) salários mínimos mensais.
Em suas razões recursais, o agravante expõe, em síntese, que os litigantes estão divorciados desde o ano de 1.994 e que, ao ensejo do divórcio, a agravada expressamente dispensou a percepção de pensão alimentícia para si, o que foi objeto de homologação judicial.
Defende que o rompimento do vínculo conjugal extinguiu também a obrigação alimentar.
Negado o efeito suspensivo (fls. 170/172), a agravada, em suas contra-razões recursais, pugnou pela manutenção da decisão atacada, asseverando que, por ocasião do divórcio, não renunciou ao direito de receber alimentos, apenas os dispensou porque, na época, não os necessitava.
Colacionando documentos, alega que, durante todos os anos posteriores ao divórcio, o agravante sempre contribuiu financeiramente para sua manutenção.
Esclarece que a dispensa dos alimentos, ao tempo do divórcio, fundou-se no fato de ser sócia de uma empresa do casal; no entanto, jamais exerceu qualquer função na referida sociedade, cuja administração sempre esteve sob os cuidados do recorrente.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Jobél Braga de Araújo (fls. 230/235), em preliminar, recomendou a anulação da decisão por ausência de fundamentação ou, não sendo assim, pelo provimento do recurso ao fundamento de que, com a dispensa da agravada ao percebimento da verba alimentar por ocasião do divórcio, cessou o vínculo obrigacional entre as partes.
Em 10 de janeiro de 2.008, o agravado protocolou petição narrando que a agravada é proprietária de um imóvel no Município de Balneário Camboriú, que lhe deveria servir de moradia, mas que, atualmente, encontra-se fechado pois a agravada prefere residir com seus genitores.
Diante dessa situação, considera que, com a locação do referido imóvel, a agravada teria condições financeiras para prover sua subsistência, acrescentando, por outro lado, que não possui condições financeiras para arcar com a verba alimentar fixada pela instância monocrática.
É o relatório.
2. É sempre conveniente lembrar que, em sede de agravo de instrumento, o que se examina é o acerto ou não da decisão agravada, não sendo oportuno enveredar no mérito da controvérsia, evitando-se, assim, a realização de um "pré-julgamento", que, eventualmente, possa influenciar o julgador monocrático.
Lembrada esta premissa, cumpre refutar a preliminar aventada pelo douto parecerista da Procuradoria-Geral de Justiça tendente à anulação da decisão recorrida por considerá-la viciada pela ausência de fundamentação.
Embora de modo extremamente econômico, a interlocutória reportou-se à documentação entranhada no processo para alicerçar o deferimento dos alimentos provisórios. Portanto, ainda que mínima, houve fundamentação, cumprindo ressaltar que o agravante, nas razões recursais, não se queixa desse aspecto da decisão, até porque toda a sua defesa está centrada na tese de que, com o divórcio, cessou definitivamente a sua obrigação alimentar com a ex-esposa. Não há que se confundir fundamentação concisa com ausência de fundamentação.
Superada esta objeção, cumpre traçar uma breve resenha retrospectiva dos fatos antes de adentrar no mérito da questão.
Os litigantes casaram-se em 1.971, geraram filhos e divorciaram-se em janeiro de 1.994, ocasião em que, na matéria que interessa ao recurso, ficou estabelecido, verbis:
"Quanto ao Cônjuge-Mulher, a mesma abre mão e dispensa a fixação de alimentos, por possuir meios próprios para sua mantença, eis que é detentora de 90% (noventa por cento) de participação nas cotas, no contrato social da firma N. R. VIAGENS TURISMO LTDA." (sic – fl. 29).
Ao que se diz, a agravada, a despeito de sua avantajada posição de cotista, nunca exerceu a administração da referida empresa, tarefa que ficou inteiramente a cargo do agravante.
Aproximadamente cinco meses após o acordo firmado no processo de divórcio, a agravada retirou-se da sociedade, cedendo a totalidade de suas cotas para o ex-marido e um terceiro (fls. 38-43). Afirma-se que, na época, o agravante ter-se-ia comprometido, verbalmente, em efetuar um pagamento mensal (pensão) à agravada para que ela pudesse fazer frente a todas as suas despesas.
Ressai dos autos que a recorrida jamais exerceu profissão remunerada e, por outro lado, há consistentes evidências probatórias a mostrar que ela, após o divórcio, sempre contou com o apoio do ex-marido que, além de lhe repassar, mensalmente, uma quantia em torno de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), ainda arcava com o pagamento de outras despesas, como água, luz, condomínio, fato que, aliás, não é negado pelo agravante.
A agravada ajuizou a ação de alimentos precisamente sob a alegação de que o agravante interrompeu esse pensionamento informal e que, ademais, não possui fonte de renda própria para sua subsistência, especialmente em razão de sua idade (54 anos) e por problemas de saúde.
Num primeiro momento, o Juízo monocrático julgou extinto o processo por ilegitimidade ativa ad causam (fls. 122/128), desfecho que acabou sendo reformado em grau de apelação na qual se determinou o prosseguimento da demanda, sob a premissa que "a dispensa dos alimentos pela mulher por ocasião da separação judicial não significa renúncia aos alimentos que poderão ser reclamados, posteriormente, desde que comprovados os requisitos do art. 400 do Código Civil" (fls. 154/160).
Com a baixa dos autos, foi proferida a decisão ora combatida (fl. 164), que fixou os alimentos provisórios na forma antes relatada.
Essa breve resenha aponta para o desprovimento do agravo.
Com efeito, a possibilidade da agravada reclamar alimentos do ex-marido é matéria vencida, pois que restou claramente proclamada pelo já aludido acórdão de fls.154-160.
Doravante, o que restará examinar é se a agravada faz, efetivamente, jus à percepção da pensão alimentar e, em caso positivo, qual o seu montante.
De qualquer sorte, não é ocioso reforçar que, em face dos termos com que a questão dos alimentos foi tratada no divórcio, não há, à primeira vista, nenhum óbice ao manejo da ação proposta.
Evoca-se, a propósito, a lição de Yussef Said Cahali:
"Não nos parece desarrazoado, porém, expressando a vontade dos divorciandos, uma simples dispensa motivada da pensão por parte de um deles, sem o propósito de renúncia do direito aos alimentos (que aqui se admite), não possa qualquer deles reclamá-los posteriormente se modificadas as circunstâncias que motivaram a dispensa; se, como se pretende, com o divórcio cessa o dever de mútua assistência, ressalvadas as exceções legais, entre elas inclui-se exatamente a cláusula contratual a respeito, inserta no divórcio consensual.
Daí persistirem julgados no entendimento de que, tratando-se de simples dispensa dos alimentos por parte da mulher quando convencionado o divórcio direto, considera-se admissível, em tese, pedido posterior de alimentos pela modificação das condições conjunturais que teriam motivado aquela dispensa" (in 'Dos Alimentos, 5ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 298).
Na mesma linha de compreensão, orienta Maria Berenice Dias:
"Mesmo findo o matrimônio, perdura o dever de mútua assistência, permanecendo a obrigação alimentar após a dissolução do casamento. Apesar de a lei não admitir tal expressamente, não se pode chegar a conclusão diversa, pois o art. 1.708 e seu parágrafo não se refere ao divórcio. Mais um argumento: o dever alimentar cessa somente pelo novo casamento do beneficiário (CC 1.708). Como só há possibilidade de novo matrimônio após o divórcio, está claro que persiste o encargo mesmo estando os cônjuges divorciados". [...] Acho sério equívoco absolutizar a asserção de que, após decretado o divórcio, não mais é lícito pedir alimentos. Trinta, quarenta, cinqüenta anos de casamento não podem ser reduzidos à eficácia zero apenas porque foi decretado o divórcio" (Manual de Direito das Famílias, 4ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 465-6).
Por outro lado, pelo que se extrai das peças do instrumento, a situação financeira do agravante parece bastante saudável e permite o cumprimento da obrigação alimentar, posto ser sócio-gerente de uma empresa de assessoria imobiliária e proprietário de imóveis colocados em locação.
A petição e o documento de fls. 237/243 não tem o condão de afastar a presumida necessidade alimentar. Com efeito, é lícito cogitar que a agravada está morando com seus genitores por não ter condições de arcar sozinha com as despesas inerentes à manutenção de uma residência por conta própria.
Releva dizer, por arremate, que, na inicial, o recorrente sequer alegou a incapacidade financeira para satisfazer os alimentos arbitrados.
3. Nos termos do voto do relator, a Câmara, por unanimidade, negou provimento ao recurso.
Presidiu o julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Luiz Carlos Freyesleben, lavrando parecer, pela Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Procurador Jobél Braga de Araújo.
Florianópolis, 28 de fevereiro de 2.008.
Newton Janke
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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