Acórdão: Apelação Cível n. 2007.011596-2, de Araranguá.
Relator: Juiz Henry Petry Junior.
Data da decisão: 18.12.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 372, edição de 29.01.2008, p. 133.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ERRO MÉDICO. PROFISSIONAL LIBERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO, PELO AUTOR, DO ATO ILÍCITO, DANO, DO NEXO DE CAUSALIDADE E DA CULPA DO AGENTE (ART. 333, I, DO CPC). PROVAS QUE APONTAM QUE AS SEQUELAS SOFRIDAS PELO AUTOR SÃO RESULTANTES DE SUA PRÓPRIA DESÍDIA, POIS ABANDONOU O TRATAMENTO PÓS-OPERATÓRIO QUE LHE FOI INDICADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. IMPOSIÇÃO, EX OFFICIO, DE CONDENAÇÃO ÀS CUSTAS E HONORÁRIOS, COM A SUSPENSÃO LEGAL FACE A GRATUIDADE.
Ainda que aplicável ao casos as regras insculpidas no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada, obrigatoriamente, mediante a verificação de culpa, inserindo esse caso dentre aqueles em que a responsabilidade objetiva não é aplicada.
A regra geral, insculpida no Código de Processo Civil, implica que compete ao autor demonstrar o fato constitutivo do seu direito e ao réu, os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. Ainda que houvesse a inversão do ônus probatório, esse mecanismo não significa que o Código de Defesa do Consumidor alterou as regras do ônus da prova instituídas no artigo 333 do Código de Processo Civil, pois não dispensa o consumidor, automaticamente, do dever de provar o fato constitutivo do seu direito.
Mesmo o beneficiário da gratuidade dever ser condenado, se vencido, ao pagamento das custas e honorários, pois corolário lógico e inexorável do decaimento. Todavia, a suspensão prevista no art. 12 da Lei nº 1.060/50 é um imperativo.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.011596-2, da comarca de Araranguá (2ª Vara Cível), em que é apelante José Romário Martins, e apelado Ricardo João Matos:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, ajustando, de ofício, a condenação do autor ao pagamento das despesas processuais. Custas legais.
RELATÓRIO
1. A ação
José Romário Martins propôs ação condenatória em face de Ricardo João Matos. Informou que sofreu um acidente de bicicleta, fraturando os ossos tíbia e fíbula na altura do tornozelo, sendo encaminhado para o Hospital Regional de Araranguá para pronto-atendimento.
Lá chegando, o autor foi atendido pelo réu, médico daquele hospital, que indicou que seu pé fosse imobilizado e agendou intervenção cirúrgica para cerca de vinta dias depois.
Realizada a cirurgia com o mesmo médico, ora réu, o autor perdeu parte da mobilidade de seu pé operado, imputando a erro médico sua causa. Requereu, portanto, a condenação do réu ao pagamento de: 1) gastos com nova cirurgia reparatória do erro, a fim de o autor readquirir a mobilidade do pé; 2) pensão mensal, ante sua incapacidade temporária para o trabalho; 3) indenização pelos danos materiais sofridos; 4) lucros cessantes pelo período em que permaneceu afastado de seu trabalho; e 5) indenização por danos morais. Anexou documentos às fls. 23-49.
Citado, o réu defendeu-se em forma de contestação às fls. 51-96. Preliminarmente, apontou a carência de ação do autor, por falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva ad causam. Rechaçou a responsabilidade que lhe foi imputada pelo autor, afirmando que em nenhum momento cometeu erro no procedimento cirúrgico, sendo que as seqüelas sofridas pelo autor resultam do fato de não ter seguido as recomendações médicas, como a realização de fisioterapia que se fazia necessária. Juntou documentos às fls. 97-122.
Impugnação à contestação às fls. 126-135.
Audiência conciliatória inexitosa, aproveitando a oportunidade, o magistrado, para determinar a realização de perícia médica no autor (fl. 142).
Quesitos apresentados apenas pelo réu às fls. 146-147
Resposta aos quesitos à fl. 157.
Audiência instrutória às fls. 186-193, quando foi colhido o depoimento pessoal das partes e inquirida três testemunhas. Na mesma oportunidade o autor pugnou pela realização de nova perícia, o que foi indeferido pelo magistrado, interpondo o autor, naquele momento, agravo retido oral e escrito (fl. 194) dessa decisão.
Razões finais apenas pelo autor (fls. 199-201), quedando-se inerte o réu (fl. 202).
2. A sentença
O juiz a quo, Dr. Pedro Aujor Furtado Júnior, em 06 de fevereiro de 2007, afastou as preliminares suscitadas e reconheceu a improcedência dos pedidos formulados pelo autor (fls. 204-207). Ressaltou que não há provas nos autos de qualquer erro médico por parte do réu, deixando de condenar o autor a arcar com as despesas processuais por se tratar de beneficiário da assistência judiciária gratuita.
3. O recurso
Inconformado com o teor do decisum, o autor interpôs recurso de apelação às fls. 212-215. Repisou os termos lançados na inicial e requereu a reforma da sentença, condenando-se o réu nos termos lá requeridos.
Contra-razões recursais às fl. 221-227, no sentido do desprovimento do apelo.
É o relatório possível e necessário.
VOTO
1. A admissibilidade do recurso
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
2. Do mérito
Em primeiro lugar, de se ressaltar que ante a ausência de pedido expresso, pelo autor, de análise do agravo retido interposto em audiência instrutória, não cabe a esse Tribunal sua análise.
É o que estatui o Código de Processo Civil:
Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.
§ 1°. Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.
Precedentes Jurisprudenciais nesse sentido: 1) TJGO. AC 93327-0/188, de Goiânia. Rel. Des. LUIZ EDUARDO DE SOUSA. Decisão em 19/12/2006; 2) TJMG. AC 1.0701.05.123544-1/001, de Uberaba. Relª Desª CLÁUDIA MAIA. Decisão em 19/04/2007; 3) TJMT. RAC 39445/2006, de Sorriso. Relª Desª MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS. Decisão em 02/05/2007; e 4) Apelação Cível n. 2006.034159-5, da Capital/Estreito. Relatora: Desa. SALETE SILVA SOMMARIVA. Decisão em 06/03/2007.
Quanto ao mérito recursal propriamente dito, aponta o autor que houve erro por parte do médico que o atendeu quando chegou ao hospital com fratura no tornozelo e que realizou sua cirurgia alguns dias depois, pois perdeu a mobilidade do pé fraturado. Em face dessa situação, faria jus à procedência dos pedidos formulados na inicial.
2.1. Responsabilidade médica
Os serviços prestados pelos profissionais liberais submetem-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor. Afinal, as partes envolvidas enquadram-se nas características de consumidor e fornecedor previstas nesse diploma legal (arts. 2o e 3o):
RECURSO ESPECIAL. ERRO MÉDICO. CIRURGIÃO PLÁSTICO. PROFISSIONAL LIBERAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO CONSUMERISTA.
I - Conforme precedentes firmados pelas turmas que compõem a Segunda Sessão, é de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados pelos profissionais liberais, com as ressalvas do § 4º do artigo 14. [...]. (STJ. Resp 731078/SP. Terceira Turma. Rel. Min. SEBASTIÃO DE OLIVEIRA CASTRO FILHO. Decisão em 13/12/2005).
Sobre a responsabilidade dos profissionais liberais, categoria em que se inclui o réu na qualidade de médico, o Código de Defesa do Consumidor abre exceção à responsabilidade objetiva (art. 14, caput), dispondo em seu art. 14, § 4º: "A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".
Nesse sentido:
CIVIL. CIRURGIA. SEQÜELAS. REPARAÇÃO DE DANOS. INDENIZAÇÃO. CULPA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1 - Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado. 2 - Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura decorrentes da ação do médico, imprescindível se apresenta a demonstração de culpa do profissional, sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva. 3 - Inteligência dos arts. 159 e 1545 do Código Civil de 1916 e do art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor. 4 - Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a sentença. (STJ. RESP 196306/SP. Quarta Turma. Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES. Decisão em 03/08/2004) (grifo nosso).
Posiciona-se majoritariamente a doutrina no sentido de reconhecer como contratual a responsabilidade derivada da prestação de serviços médicos. Todavia, a obrigação que o profissional assume perante o paciente – à exceção da cirurgia plástica estética em determinadas hipóteses – é de meio e não de fim. O dever do médico é manter e respeitar a ética de sua profissão e ministrar ao paciente o tratamento que entender e se mostrar mais adequado ao quadro apresentado. Muito menos se pode exigir do profissional a cura do mal que acomete o paciente.
MIGUEL KFOURI NETO, em sua obra intitulada Responsabilidade Civil do Médico, 5a ed., Editora RT, ano 2003, assevera que:
Apesar de o Código Civil brasileiro colocar a responsabilidade médica dentre os atos ilícitos, não mais acente controvérsias a caracterizar a responsabilidade médica como ex contractu.
(...)
Ao assistir o cliente, o médico assume obrigação de meio, não de resultado. O devedor tem apenas que agir, é a sua própria atividade o objeto do contrato. O médico deve apenas esforçar-se para obter a cura, mesmo que não a consiga.
A jurisprudência tem sufragado o entendimento de que, quando o médico atende a um cliente, estabelece-se entre ambos um verdadeiro contrato. A responsabilidade médica é de natureza contratual. Contudo, o fato de considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa. O médico não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão. (p. 71-72)
Nesse mesmo sentido aponta RUI STOCO, citando os ensinamentos de TERESA ANCONA:
"Com efeito, a obrigação de reparar o dano sempre existe, seja ele produzido dentro do contrato ou fora dele. [...] A principal diferença técnica entre esses dois tipos baseia-se na questão da presunção de culpa que haveria na responsabilidade contratual, acarretando a reversão do ônus da prova e, portanto, deixando a vítima em uma posição mais cômoda para conseguir sua indenização. Em matéria delitual, ao contrário, a culpa do autor do dano deveria ser provada pela vítima.
(...)
Vemos, portanto, que o Direito Civil pátrio abraçou totalmente a teoria da culpa no que diz respeito à responsabilidade médica. Sendo assim, terá a vítima do dano de provar a imprudência, a negligência e a imperícia do profissional para ser plenamente ressarcida." (in: Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 538).
Nos termos do art. 186 e art. 927, ambos do Código Civil de 2002, "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comente ato ilícito" e "Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Esses são os elementos imprescindíveis para a configuração da responsabilidade civil subjetiva no ordenamento jurídico nacional. Segundo a síntese de SILVIO RODRIGUES:
[...] para a configuração da responsabilidade civil, é necessária a composição dos seguintes pressupostos: I) ação ou omissão do agente; II) culpa do agente; III) relação de causalidade; IV) dano experimentado pela vítima. (RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 32 ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13)
A culpa lato sensu é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar. Parte de uma conduta voluntária, contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, produzindo-se um resultado danoso voluntário ou involuntário, porém, previsto ou previsível.
Da lição de ALCIR SIQUEIRA MONTALVÃO, ao caracterizar a negligência e a imprudência médica, colhe-se:
[Negligência] É, sabem todos, descuido, desídia, desleixo: falta de cuidado capaz de determinar responsabilidade por culpa.
Entre os casos de negligência, os mais comuns são erros de diag-nóstico, tratamento impróprio ou inadequado, falta de cuidados indispensáveis, falta de higiene, esquecimento de compressas em operações cirúrgicas, curetagens malfeitas.
(...)
[Imprudência] é cautela, descuido, prática de ação irrefletida e intempestiva, ou precipitada, inconsiderada, sem as necessárias precauções, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e devia pressupor" (grifo nosso) (MONTALVÃO, Alcir Siqueira. Erro Médico: reparação do dano material, estético e moral. Campinas: Julex, 1998, p. 42 e 48).
A imperícia, por sua vez, é a demonstração de inabilidade por parte do profissional no exercício de sua atividade de natureza técnica, "a demonstração de incapacidade para o mister a que se propõe, como médico que, por falta de conhecimento técnico, erra no diagnóstico ou retira um órgão do paciente desnecessariamente ou confunde veia com artéria" (STOCO, op. cit. p. 136). Essa modalidade pode se dar por meio de ação ou de omissão.
Sendo ônus imposto pelo Código de Processo Civil, incumbe ao autor a comprovação de todos os elementos configuradores da responsabilidade civil do médico, sob pena da improcedência de seus pedidos (art. 333, I).
Delimitada, assim, a responsabilidade civil do médico e as normas jurídicas aplicáveis ao caso, passa-se à análise dos elementos de convicção autuados.
2.2. Provas
Em seu depoimento pessoal, o autor apontou que fez "tudo que o médido pediu para fazer", inclusive fisioterapia, afirmando categoricamente que "a operação está errada", pois "não sentiu melhoras". Continuou:
[...]; que foi operado e não consegue colocar o calcanhar no chão; que o calcanhar ficou em pé; que quando o médico tirou a tala, o autor disse que o calcanhar ficou de pé e o médico disse que melhoraria com a fisioterapia; que fez dez sessões de fisioterapia; que como não melhorou com as dez sessões não fez mais; que o médico pediu que fizesse dez sessões; que procurou outro ortopedista em Criciúma, Doutor Mário Búrigo, o qual disse que a operação estava errada e que teria que fazer novamente; que disse que estava errada porque o calcanhar não poderia ficar em pé; que o médico não disse o que poderia ter sido feito errado, penas que teria que fazer outra cirurgia; [...]; que também não pode andar a pé; que anda de bicicleta; que as orientações após a cirurgia era para que o autor fizesse fisioterapia que iria melhorar; que o médico que procurou em Criciúma apenas o examinou; que não fez raio-X ou outro exame; que não fez a nova cirurgia recomendada porque não teve condições; que médico de Criciúma atende no INPS velho; que não pagou a consulta, foi encaminhado pelo Hospital Bom Pastor. (fl. 187) (grifo nosso).
De início, já se vê que as afirmações do autor – de que procurou outro profissional e que este lhe informou que havia sido vítima de um erro médico – estão isoladas nos autos, não havendo qualquer indício de veracidade ou documento que comprove que o autor realmente consultou-se com o médico indicado.
Outra circunstância importante extraída do depoimento do autor é o fato de que reconhece que "fez dez sessões de fisioterapia" e, não percebendo melhora, "não fez mais". De acordo com o depoimento pessoal do réu, "uma lesão do tipo do autor às vezes necessita de sessenta, oitenta ou até cento e vinte sessões de fisioterapia" (fl. 189). Complementa o réu:
[...]; que o autor foi atendido no pronto-socorro; [...]; que o autor se apresentou com uma fratura luxação no tornozelo; que foi reduzida a luxação e imobilizado o local com uma tala engessada; que foi realizada a internação do autor; [...]; que não era uma fratura exposta, com urgência para ser operado na hora; que o autor ficou internado com medicação, pernas para cima, com gelo; [...]; que foi o depoente quem fez a cirurgia; que para fazer a cirurgia depende do inchaço; que a cirurgia transcorreu normal; que o raio-X pós operatório mostra que a técnica está adequada para o tipo da fratura; que não houve qualquer intercorrência na parte pós operatório da parte cirúrgica; que depois da alta o autor foi para casa imobilizado, com outra tala de gesso, por causa do inchaço para imobilizar a fratura; que as orientações passadas para o autor foi para não pisar, manter a perna elevada, colocar gelo, tomar medicamentos e fazer os curativos; que essas providências devem ser tomadas até a retirada dos pontos, em torno de dez a quinze dias; que os pontos foram retirados no ambulatório; que neste período não se recorda de ter sido procurado pelo autor; que o pós operatório depende muito do tipo de fratura e como ocorre a evolução; [...]; que com toda e absoluta certeza o autor não seguia as orientações; que o depoente pedia para que pisasse e o autor se negava, dizendo que doía; que pediu para o autor fazer fisioterapia para reabilitação da articulação; que a dor e o inchaço pós operatório são normais e só melhoram seguindo orientação médica; que o autor desapareceu [...]; que recomendou que o autor fizesse dez sessões e voltasse para reavaliação; que o autor desapareceu; [...]. (fl. 188-189) (grifo nosso).
O réu apontou em seu depoimento, como se pôde observar, que o autor desapareceu e não voltou para reavaliação após as dez sessões de fisioterapia recomendadas, o que não foi negado, em momento algum, pelo autor. Ou seja, antes mesmo que o tratamento fisioterápico pudesse começar a fazer efeito – pois o médico apontou que o necessário seria no mínimo sessenta sessões –, o autor o parou por conta própria, deixando, também, de retornar ao médico para novas consultas e verificação da progressão da recuperação.
As testemunhas inquiridas são todas favoráveis ao réu, afirmando que a cirurgia ocorreu sem problemas e que o trabalho do médico foi efetuado de forma correta (fls. 186, 190 e 191).
Os documentos anexados pelo autor em nada auxiliam na tese que sustenta.
Por fim, a prova pericial afasta qualquer dúvida que porventura ainda pairasse contra o réu, apontando que o procedimento adotado pelo médico mostrou-se totalmente correto:
1) No exame físico atual, se foi observada alguma alteração decorrente de má técnica cirúrgica?
NÃO.
2) Se pelo tipo de fratura apresentada pelo Autor (fratura bi maleolar do tornozelo) o edema (inchaço) pode limitar a data da realização da cirurgia para fixar a fratura, ou seja, se é recomendado esperar um tempo para diminuir o inchaço?
SIM. DE ACORDO COM A LITERATURA MÉDICA.
3) Se a conduta de atender o paciente, sem setor de emergência, colocar uma tala gessada, orientar para elevar o membro afetado, aplicação de gelo, antiinflamatório e analgésicos, e aguardar diminuir o edema está correta?
SIM.
4) Se a fratura foi intraarticular (dentro da articulação)?
SIM.
5) Se no pós operatório desta modalidade de fraturas apresentadas pelo paciente, se há necessidade de colaboração do próprio paciente para a sua completa reabilitação?
SIM.
6) Se pelo exame físico atual, há indícios de que o paciente realizou múltiplas sessões de fisioterapia ou se ajudou na reabilitação de outra forma?
INDETERMINADO.
7) Se o pciente apresentar alterações de personalidade, não realizando ordens do médico, poderia este fato acarretar em dificuldades para a sua reabilitação?
SE O PACIENTE NÃO COLABORAR NO PÓS-OPERATÓRIO ISTO ACARRETA DIFICULDADES NA REABILITAÇÃO.
8) Se o paciente pode realizar sessões de fisioterapia, reabilitação, e melhorar seu quadro clínico atual?
SIM. (fls. 146-147 e 157).
Por meio da perícia confirma-se que não só não houve erro médico como a situação do autor é totalmente reversível, podendo ser melhorada com a realização de sessões de fisioterapia, as quais deixou de fazer por iniciativa própria, sem retornar ao médico para reavaliação de seu caso e evolução do pós-operatório.
Não havendo provas do erro médico apontado pelo autor, sendo que, ao contrário, o conjunto probatório aponta que a desídia do autor provocou sua situação, pois abandonou o tratamento antes do término, a improcedência dos pedidos formulados na inicial se impõe:
1) CIVIL. APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDICO. NÃO COMPROVAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. PRESTADOR DE SERVIÇOS. NÃO OCORRÊNCIA. [...].
Nas ações que visam à indenização em razão de erro médico, imprescindível a prova da culpa do agente por imprudência, imperícia ou negligência. Não tendo havido tal prova, porque, no caso, a perícia oficial demonstrou que o médico agira de acordo com os procedimentos necessários, não há falar em responsabilidade civil e, conseqüentemente, em indenização a qualquer título. [...]. A regra geral implica que compete ao autor demonstrar o fato constitutivo do seu direito e ao réu, os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. O mecanismo da inversão do ônus da prova contido na legislação consumerista não significa que o Código de Defesa do Consumidor alterou as regras do ônus da prova instituídas no artigo 333 do Código de Processo Civil, dispensando o consumidor automaticamente do dever de provar o fato constitutivo do seu direito. (TJMG. AC 1.0557.06.000497-4/001, de Rio Piracicaba. Relª Desª MARCIA DE PAOLI BALBINO. Decisão em 19/04/2007); e
2) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ERRO MÉDICO - CARACTERIZAÇÃO DA CULPA - AUSÊNCIA DE PROVAS - ÔNUS DO AUTOR - EXEGESE DOS ARTS. 333 DO CPC E 1.545 DO CC/1916 - INSURGÊNCIA RECURSAL DESPROVIDA.
O fato de o paciente ter sofrido resultados indesejados após a cirurgia não importa diretamente a culpa do médico. A responsabilização do cirurgião por danos decorrentes de erro, exige a caracterização deste, com a prova de negligência, imprudência ou imperícia, bem como do nexo causal. [...]. (TJSC. Apelação cível n. 2003.006652-7, de Criciúma. Relator: Des. JOSÉ VOLPATO DE SOUZA. Decisão em 18/06/2004).
Mantida, portanto, a sentença em seus termos.
3. Conclusão
Não tendo ao autor comprovado nenhum dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil subjetiva do réu, ante a imputação de erro médico, deve ser mantida a sentença que reconheceu a improcedência de seus pedidos formulados na inicial e, por consequência, negar provimento ao recurso de apelação.
De ofício, corrige-se a sentença quanto às despesas processuais, pois, ainda que beneficiário da assistência judiciária gratuita, a parte vencida é condenada a arcar com os ônus sucumbenciais, ficando esses, todavia, suspensos pelo prazo de cinco anos, quando estão estarão prescritas (art. 12 da Lei n. 1.060/50):
“Mesmo sendo deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita àquele que foi vencido na demanda, impõe-se ao mesmo a condenação em custas processuais e honorários advocatícios, cujos pagamentos ficam suspensos até que a parte beneficiária tenha condições de implementá-los no prazo de até cinco anos.” (Apelação. Cível n. 1999.011118-0, de Balneário Camboriú. Relator Des. MONTEIRO ROCHA. Decisão em 27/11/02).
Condeno, então, o autor ao pagamento das despesas processuais, ficando os honorários advocatícios fixados em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), de acordo com os ditames do art. 20, § 4°, do CPC.
DECISÃO
Ante o exposto, por unanimidade, a Câmara decide conhecer do recurso e negar-lhe provimento, ajustando, de ofício, a condenação do autor ao pagamento das despesas processuais, nos termos supra.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, dele participando o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 18 de dezembro de 2007.
Henry Petry Junior
RELATOR
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Erro médico. Profissional liberal. Responsabilidade civil subjetiva. Necessidade de comprovação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2011, 17:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /24261/tjsc-civil-erro-medico-profissional-liberal-responsabilidade-civil-subjetiva-necessidade-de-comprovacao. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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