EMENTA: BUSCA E APREENSÃO. CÓDIGO CIVIL. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. VALIDADE. VALOR DA CAUSA. CORREÇÃO. CUSTAS REMANESCENTES. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. I – A propriedade fiduciária, constituída após o CC de 2002, é inválida se não observados os requisitos previstos no § 1º do art. 1.361, c/c inciso II do art. 104, todos do mesmo Código.II – Ausente a anotação da garantia fiduciária no DETRAN ou a inscrição no Cartório de Títulos e Documentos, embora oportunizada a emenda, merece indeferimento a petição inicial de busca e apreensão.III – Recebida a petição inicial, foi determinada a emenda para correção do valor da causa, com recolhimento das eventuais custas remanescentes.IV - O descumprimento da diligência acarreta o indeferimento da petição inicial, com extinção do processo, sem resolução do mérito, na forma dos arts. 284, parágrafo único, 295, inc. VI e 267, inc. I, todos do CPC.V – Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, VERA ANDRIGHI - Relatora, ROBERTO SANTOS - Vogal, NATANAEL CAETANO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador NATANAEL CAETANO, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 4 de fevereiro de 2009
Desembargadora VERA ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
CONSÓRCIO NACIONAL HONDA LTDA ajuizou ação de busca e apreensão contra ANTÔNIO GOMES, fundamentada em inadimplemento do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.
O MM. Juiz, ao receber a inicial, determinou a emenda para o autor: a) corrigir o valor da causa, com recolhimento de eventuais custas remanescentes e b) comprovar o registro do gravame do veículo alienado no respectivo departamento de trânsito (fl. 31).
Intimado (fl. 32), o autor juntou petição emendando a inicial para corrigir o valor da causa de R$1.462,95 para R$6.066,17, bem como para juntar cópia da consulta feita ao SCPC, com o objetivo de comprovar a alienação do veículo. Em razão disso, foi proferida a r. sentença (fl.35), que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo, sem resolução do mérito, com fundamento nos arts. 295, inc. VI e 267, inc. I, todos do CPC.
O autor interpôs apelação (fls. 41/51), sustentando que a determinação judicial para juntada aos autos de consulta expedida pelo DETRAN não possui respaldo legal, uma vez que o art. 3º do Decreto-Lei nº 911 de 1969 exige apenas a comprovação da mora ou do inadimplemento do devedor, na forma do § 2º do art. 2º da mesma lei, para a concessão da liminar. Defende, ainda, que o recolhimento do valor correspondente à complementação das custas, que pode ser feito até o momento da sentença, não impede o prosseguimento do feito.
Requer o provimento do recurso, para determinar o prosseguimento do feito, com concessão de prazo para o recolhimento das custas complementares e o deferimento da liminar.
Preparo (fl. 52).
Sem contra-razões, porque não se estabeleceu a relação processual.
É o relatório.
VOTOS
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - Relatora
Conheço da apelação, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
O MM. Juiz, ao receber a inicial, determinou (fl. 31):
“Independentemente do posicionamento adotado: ação reipersecutória, onde o valor da causa é o do bem buscado, ou o valor do débito em aberto (50 parcelas), o montante ora atribuído à lide distancia-se, em muito, de qualquer dos casos acima. Atribua o autor valor factível á causa com a conseqüente complementação das custas. Ainda, o autor deverá comprovar o registro do gravame do veículo alienado no respectivo departamento de trânsito, a fim de resguardar o interesse de terceiro de boa-fé”.
Não cumprida a ordem judicial, foi proferida a r. sentença, nos seguintes termos:
“Em petição, à fl. 33, a parte autora apenas alterou o valor da causa, sem recolher as custas ainda devidas, tampouco, comprovar o registro do veículo exigido na emenda.Assim, não tendo a parte autora dado total cumprimento à ordem judicial, justifica-se o indeferimento da inicial, conforme disposição do parágrafo único, do artigo 284, do Código de Processo Civil. Pelo exposto, indefiro a inicial, com base no artigo 295, inciso VI, do Código de Processo Civil, e julgo extinto o processo nos exatos termos do artigo 267, inciso I, do mesmo diploma legal”.
O contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária (fl. 24/5) foi firmado em 05/03/2007, portanto sob a égide do Código Civil de 2002, art. 1.361, § 1º, que dispõe:
“Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. §1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”
A recente controvérsia quanto à interpretação do art. 1.361, a nosso ver, está dissipada com o julgamento de Relatoria do Ministro Peçanha Martins, o qual definiu a alternatividade do requisito para validade da cláusula de alienação fiduciária. Transcrevo parte do acórdão:
“A regra do parágrafo primeiro do art. 1.361 é clara e precisa, criando uma alternativa registral para os contratos de alienação fiduciária de veículos, ou seja, excepcionando a regra de constituição do direito de propriedade fiduciária dos veículos. Dir-se-á que tenha havido erro, equívoco, má-fé, deturpação da vontade do legislador, enfim, que a inserção da conjunção ou se fizera em fraude. Não creio que tal tenha ocorrido, pois não posso presumir o ato ilícito, a conduta afrontosa à lei, a fraude, portanto, deve ser provada. Ao intérprete cabe observar o que diz a lei, da qual decorre o direito, como ensina Kelsen. A vontade do legislador é preocupação de psiquiatra, psicólogo ou sociólogo. Ao jurista cabe aplicar a lei, interpretando-a de acordo com métodos e processos consagrados ao longo da história dos povos. E não afasto a interpretação gramatical, a primeira dentro da investigação sistemática do sistema jurídico. E o faço com amparo na lição de Rui Barbosa, defendendo a cidadania ameaçada por haver recebido condecoração estrangeira. Valeu-se da gramática. Na hipótese do parágrafo primeiro, a conjunção adversativa (?) criou a alternativa do registro administrativo no DETRAN, estabelecendo, sim, uma nova e especial regra de constituição do direito de propriedade fiduciária mediante registro dos contratos na repartição competente para fiscalizar e disciplinar o trânsito de veículos no país. Poderia fazê-lo? Por óbvio que sim. E a própria presença do mestre Moreira Alves, dentre os notáveis componentes da Comissão constituída para elaborar o novo Código Civil sob a coordenação do filósofo e jurisconsulto Miguel Reale, permite consolidar a visão inovadora excepcional, surgida da imposição do fenômeno econômico próprio da industrialização - a produção em massa”. (grifo nosso) (STJ – Segunda Turma – REsp nº 770.315-AL – Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – unânime – publicado no DJU de 15/05/2006 – pág. 190)
Em julgamentos anteriores, adotei a tese da necessidade do registro no DETRAN, a qual pretende a publicidade da cláusula de alienação fiduciária, não só para averiguação da boa ou má-fé do terceiro adquirente mas para evitar que terceiros comprem veículos sem terem conhecimento da existência de gravames, obrigando-os a opor defesas em Juízo, cuja oneração todos conhecemos. Merece prestígio o objetivo do legislador de disciplinar negócios jurídicos garantidos pela alienação fiduciária, evitando que terceiros sofram evicção ou onerações em razão das peculiaridades das criações jurídicas.
Todavia, diante do entendimento do e. STJ e da majoritária jurisprudência do c. TJDFT, adoto os fundamentos do v. acórdão atrás transcrito. Ou seja, para validade da cláusula de garantia, o contrato deve estar registrado no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor ou anotado no certificado de registro do veículo emitido pelo DETRAN.
Observando o contrato (fls. 24/5), vê-se que o apelante não o registrou no Cartório nem anotou no DETRAN. Portanto, não dispõe de contrato válido para a ação de busca e apreensão. A oportunidade da emenda lhe foi dada sem que resultasse no necessário atendimento, por isso a r. sentença de indeferimento da inicial deve ser mantida. Nesse sentido, transcrevo:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - INDEFERIMENTO DA INICIAL - FALTA DE REGISTRO DO GRAVAME FIDUCIÁRIO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO - ARTIGO 1.361 DO CÓDIGO CIVIL - IMPRESCINDIBILIDADE - CARÊNCIA DE AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. 1. A partir da vigência do novo Código Civil, a propriedade fiduciária de veículo somente se constitui com o registro do contrato na repartição competente para o licenciamento, consoante dispõe o art. 1361, §1º C.C.. Precedentes. 2. Constituindo a alienação fiduciária pressuposto indispensável ao ajuizamento da ação de busca e apreensão prevista no artigo 3º, do Decreto-Lei 911/69, impõe-se o reconhecimento da carência de ação, a justificar a extinção do processo sem exame do mérito. 3. Apelação conhecida e provida”. (TJDFT – 3ª Turma Cível – APC nº 20050910082388 - Relator Desembargador HUMBERTO ADJUTO ULHÔA – unânime - publicado no DJU de 23/01/2007 - pág. 100)
Alega ainda o apelante que “pelo simples fato de não ter providenciado o recolhimento da complementação o processo foi extinto” (fl. 49). Sustenta que a falta de recolhimento das custas complementares não pode ensejar o indeferimento da inicial, sob o argumento de que tal pagamento pode ocorrer até o momento da sentença.
Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados deste e. TJDFT, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. BUSCA E APREENSÃO. INÉPCIA DA INICIAL. VALOR DA CAUSA. 1. Não cumprida a determinação de emenda da inicial para adequar o valor da causa, correta a sentença que extingue o feito sem julgamento do mérito. (...) (20060710275025APC, Relator CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, julgado em 19/09/2007, DJ 30/10/2007 p. 145) “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DETERMINAÇÃO DE EMENDA NÃO CUMPRIDA. VALOR DA CAUSA. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. Como requisito da petição inicial, expresso no art. 282 do CPC, a indicação do valor da causa é indispensável e a ausência indicada no despacho que determina a emenda, deve ser sanada pelo autor da ação. (...) Permanecendo inerte o autor após ser instado a emendar a inicial, escorreita a sentença que indefere a exordial e extingue o processo sem resolução do mérito. Recurso Improvido.” (20060110562992APC, Relator
CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, julgado em 23/05/2007, DJ 19/06/2007 p. 144) “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO REVISIONAL - PETIÇÃO INICIAL - INDEFERIMENTO - EMENDA À INICIAL NÃO ATENDIDA - RECURSO DESPROVIDO. Não atendidos os requisitos dos arts. 259, item V, 282, item V, e 284 do CPC, determina-se a emenda da inicial. Persistindo o vício, sem a adequação do valor da causa, correto o indeferimento da peça inaugural.”(20030111117990APC, Relator LÉCIO RESENDE, 3ª Turma Cível, julgado em 04/08/2005, DJ 20/09/2005 p. 132)
Isso posto, conheço da apelação, nego provimento e mantenho a sentença que indeferiu a petição inicial com fundamento no inciso VI do art. 295 do CPC.
É o voto.
O Senhor Desembargador ROBERTO SANTOS - Vogal
Com o Relator
O Senhor Desembargador NATANAEL CAETANO - Vogal
Com o Relator
D E C I S Ã O
CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME.
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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