EMENTA: CIVIL. SOBREPARTILHA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DECLARATÓRIA DA DECADÊNCIA DO DIREITO DO AUTOR RELATIVAMENTE A TRÊS DOS SETE BENS OBJETO DA SOBREPARTILHA, POR HAVEREM SIDO DOADOS PELO FALECIDO A ALGUNS DOS SUCESSORES ANTES DA CONCEPÇÃO DO AGRAVANTE. AFRONTA AOS ARTS. 1.785 E 1.786 DO CC/1916, COM CORRESPONDÊNCIA NO ART. 2.002 DO CC/2002. DEVER DOS SUCESSORES DE TRAZEREM À COLAÇÃO TODOS OS BENS RECEBIDOS EM DOAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DO TEMPO EM QUE ESTA SE PERFECTIBILIZOU. PRECEDENTE DO STJ. RECURSO PROVIDO. "Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é do que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais" (STJ, Ministra Nancy Andrighi).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2007.027891-0, da comarca de Lages (Vara da Família Órfãos e Sucessões), em que é agravante Jackson Antônio da Cruz Amorim e são agravados Vera Maria Amorim Bertutti, Edison Ayres de Amorim, Martinha Mariza Amorim, Saulo Bianchini Amorim, Neusa Ruzza Amorim e Sérgio Mauro Bianchini Amorim:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, prover o recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Jackson Antônio da Cruz Amorim agravou de instrumento de decisão da doutora Juíza de Direito da Vara da Família, Órfãos e Sucessões da comarca da Lages que, em ação de sobrepartilha, aforada por ele contra Vera Maria Amorim Bertutti, Edison Ayres de Amorim, Martinha Mariza Amorim, Saulo Bianchini Amorim, Neusa Ruzza Amorim e Sérgio Mauro Bianchini Amorim, declarou o decaimento do requerente do direito de requerer a sobrepartilha de três dos sete bens descritos na exordial, por terem sido doados pelo falecido, aos demais sucessores, antes da concepção do autor (fls. 25-28).
O agravante não se conformou com a decisão de que as doações realizadas, pelo autor da herança, aos demais sucessores, antes da concepção do ora agravante, porque sabe-se que, independentemente do tempo em que foram concretizadas as doações, assumem elas o caráter de adiantamento de legítima, devendo, portanto, em qualquer caso, serem trazidas à colação, ainda que para simples conferência. Ademais, aduziu que a lei civil não faz distinção entre os filhos havidos na constância da união matrimonial ou fora dela, de modo que a divisão dos bens do autor da herança deve ser feita de forma igualitária entre todos os sucessores e não apenas entre os filhos havidos no casamento.O agravante não se conformou com a decisão de que as doações realizadas, pelo autor da herança, aos demais sucessores, antes da concepção do ora agravante, porque sabe-se que, independentemente do tempo em que foram concretizadas as doações, assumem elas o caráter de adiantamento de legítima, devendo, portanto, em qualquer caso, serem trazidas à colação, ainda que para simples conferência. Ademais, aduziu que a lei civil não faz distinção entre os filhos havidos na constância da união matrimonial ou fora dela, de modo que a divisão dos bens do autor da herança deve ser feita de forma igualitária entre todos os sucessores e não apenas entre os filhos havidos no casamento.
A eminente Desembargadora Marli Mosimann Vargas negou o almejado efeito ativo (fls. 92-94) e os agravados contraminutaram (fls. 98-101), defendendo a manutenção do despacho increpado.
VOTO
É agravo de instrumento de Jackson Antônio da Cruz Amorim de decisão da doutora Juíza de Direito da Vara da Família, Órfãos e Sucessões da comarca de Lages que, em ação de sobrepartilha, movida por ele contra Vera Maria Amorim Bertutti, Edison Ayres de Amorim, Martinha Mariza Amorim, Saulo Bianchini Amorim, Neusa Ruzza Amorim e Sérgio Mauro Bianchini Amorim, declarou que o autor decaiu do direito de pleitear parte em três dos sete bens descritos na exordial (fls. 25-28), por não estar concebido antes da abertura da sucessão.
A decisão increpada, no que respeita ao objeto do agravo de instrumento, está vazada nos seguintes termos:
O autor decai do seu direito em relação a alguns bens desta ação, uma vez que as doações foram realizadas muito antes de sua concepção, o que se presume com total boa-fé, sendo os seguintes:
a) a fazenda denominada "Boa Vista" [...];
b) A invernada situada em "Costa do Pelotinha" [...];
c) Diversas invernadas [...] denominadas "Fazenda São Sebastião" [...].
Deste modo, não há como se alegar a má-fé na antecipação das legítimas realizadas, uma vez que a doação deu-se muito antecipadamente à concepção do ora autor, Jackson Antônio da Cruz Amorin, que nasceu em 8 de junho de 1973, ou seja, seis anos depois das doações, afastando-se de plano a apreciação de mérito em relação aos citados terrenos e benfeitorias (fls. 16-17).
Com a devida vênia, a motivação da sentença da doutora Juíza de Direito não tem por que subsistir, à luz da melhor doutrina e da jurisprudência, mormente em face da lei, esta que prevê, expressamente, a necessidade de trazerem-se à colação todos os bens do autor da herança que tenham sido objeto de doação aos sucessores, independentemente do tempo em que tenham sido efetivadas (se antes ou depois da concepção de um dos herdeiros) nos termos do artigo 2.002 do Código Civil atual, correspondente aos artigos 1.785 e 1.796 do Código Civil revogado:
Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
Conforme doutrina Mauro Antonini,
Colação é o ato pelo qual o descendente, concorrendo com outros descendentes à sucessão do ascendente comum, confere, relaciona, por imposição legal, o valor das doações que recebeu dele em vida, para igualar as legítimas, sob pena de sonegados, ou seja, de perda do direito sobre os bens não colacionados.
Essa obrigação imposta pela lei é consequência da previsão do art. 544, segundo o qual a doação de ascendente a descendentes é considerada adiantamento do que lhes cabe por herança. Não importa se a doação se cincunscreveu à metade do patrimônio do doador, à parte que ele poderia dispor por testamento. Mesmo nesse caso, o descendente tem a obrigação legal de conferir por inteiro o valor do bem recebido em doação (Código Civil comentado ¿ doutrina e jurisprudência. 2. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 2.104).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça disso não discrepa:
Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais (REsp. n. 730.483, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 3-5-2005).
Significa dizer que, na hipótese, os agravados não estão desobrigados da colação de todos os bens recebidos, a título de doação, do autor da herança, ainda que os tenham recebido muito antes da concepção do agravante, conclusão resultante de expressa previsão legal, roborada pela mais escolhida doutrina e pela jurisprudência.
Evidente que não se pretende afirmar, aqui, no âmbito estreito do agravo de instrumento, a partilha obrigatória de tais bens com o agravante. O que é certo, porém, é que tais bens deverão vir à colação, primeiramente para mera conferência; depois disso, tocará à autoridade judiciária decidir sobre a necessidade ou não da divisão de tais bens entre todos sucessores, aí incluído o agravante, filho concebido fora do matrimônio e em data posterior às doações. Assim, conheço do agravo de instrumento e dou-lhe provimento para determinar que todos os bens, inclusive os doados aos demais herdeiros antes da concepção do agravante, sejam trazidos à colação para conferência das legítimas.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do recurso e provam-no.
O julgamento foi realizado no dia 15 de outubro de 2009 e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 3 de dezembro de 2009.
Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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