DECISÃO HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TENTATIVA DE FURTO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. NECESSIDADE DE INFORMAÇÕES. VISTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. Relatório 1. Habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, em favor de DANTON PACHECO GANGANA, contra decisão do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça, que, em 28.2.2011, negou provimento ao Recurso Especial n. 1.215.648. O caso 2. Tem-se nos autos que o Paciente foi denunciado por tentativa de furto (art. 155, caput, c/c art. 14, inc. II, todos do Código Penal) de cinco barras de chocolate avaliadas em R$ 19,95. Expõe a denúncia: “Conforme se apurou durante as investigações, o denunciado (...), depois de entrar no (...) estabelecimento comercial, de forma dissimulada, retirou as barras de chocolate da prateleira e as colocou por debaixo de sua blusa, por dentro da calça. Entretanto, sua conduta foi percebida pelo funcionário Israel Pereira Braga. Quando tentou sair do estabelecimento comercial de posse das barras de chocolate, sem efetuar o respectivo pagamento, foi detido por este funcionário, o qual acionou, em seguida, a Polícia Militar, que o prendeu em flagrante. Em poder dele foram encontrados os bens subtraídos, tendo sido estes apreendidos, f. 07 IP, e restituídos para o estabelecimento comercial, f. 05 IP”. 3. Em 24.7.2009, o juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte/MG julgou improcedente a denúncia com base na aplicação do princípio da insignificância, embora tenha ressaltado ser o ora Paciente reincidente. 4. Contra essa sentença o Ministério Público de Minas Gerais interpôs a Apelação n. 1.0024.08.137889-5, à qual o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 14.1.2010, deu provimento “para cassar a sentença (...), determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para o regular prosseguimento do feito”, nos seguintes termos: “APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE FURTO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE. SENTENÇA REFORMADA. Revela-se inviável a aplicação do princípio da insignificância, a despeito do pequeno valor da ' res furtiva', na hipótese em que o acusado, reincidente, vem praticando reiterados furtos em supermercados, para sustentar o vício em substâncias entorpecentes, sob pena de se incentivar a prática de delitos e a criação de um cenário de impunidade e insegurança social”. 5. Interposto pela defesa o Recurso Especial n. 1.215.648, o Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a ele negou seguimento em 28.2.2011, em decisão monocrática: “1. Cuida-se de Recurso Especial interposto por DANTON PACHECO GANCANA, por meio da Defensoria Pública, com fundamento no art. 105, III, a e c da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. 2. Sustenta o recorrente, a par de divergência jurisprudencial, contrariedade ao art. 155 do CPB. 3. Contrarrazões às fls. 169/173; Recurso Especial admitido no Tribunal de origem (fls. 175). 4. Opina a ilustre Subprocuradora-Geral da República MARIA CÉLIA MENDONÇA pelo conhecimento e desprovimento do apelo excepcional (fls. 188/191). 5. Inviável na sede especial o reexame de matéria probatória, nos termos do enunciado 7 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Superior (A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial), o que impossibilita a pretensão de análise suscitada pelo recorrente, no tocante à verificação dos requisitos necessários à incidência do chamado princípio da insignificância. 6. Ademais, conforme anotado no parecer ministerial, in ipsis verbis: Conquanto não esteja previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio [Princípio da Insignificância] construído pelo doutrina tem sido acolhido e proclamado pela jurisprudência dos Tribunais em incontáveis precedentes, os quais estabelecem limites à sua aplicabilidade e delineiam os seus contornos. Conforme proclamado pelo Pretório Excelso quando do julgamento do HC 94809/RS, da relatoria do Min. Celso de Mello, o princípio da insignificância exige a presença de determinadas circunstâncias objetivas, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Na hipótese em exame, entretanto, não é razoável falar-se em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, conforme se infere do seguinte excerto do acórdão recorrido: (...) a análise da hipótese concreta, deve o Julgador se ater menos ao valor da coisa subtraída e sopesar outras circunstâncias capazes de demonstrar que a conduta do réu foi ofensiva e reprovável, como no caso em tela, em que o próprio apelado admitiu que pretendia vender as barras de chocolate a quem interessasse no centro desta capital e com o dinheiro apurado iria comprar pedras da droga denominada crack, a qual é usuário há cerca de três anos (fl. 16). (...) O réu ainda encontra-se rotineiramente envolvido em inúmeros delitos da mesma espécie, havendo notícia de várias ocorrências por crimes contra o patrimônio contra diversos estabelecimentos comerciais. Tem inquéritos em andamento sobre furtos praticados no Supermercado Carrefour e Supermercado Epa, por duas vezes; já foi condenado por tentativa de furto nas Lojas C&A, Padaria Pampulha, Supermercados Epa, Supermercado Mart Plus e Hipermercado Extra, sendo que, com relação a esses dois últimos, trata-se de condenações já definitivas. Também já tem condenação definitiva pelo delito do artigo 12 da Lei 6.368/76 (...) (fls. 139/140). Desse modo, constata-se que a conduta do recorrente, em conjunto com outras infrações penais por ele cometidas, possui alto grau de reprovabilidade, principalmente quando perpetradas para o sustento de seu vício em uso de substância entorpecentes (...). 7. Isso posto, nos termos do art. 557, caput do CPC c/c art. 3o. do CPP, nega-se seguimento ao Recurso Especial” (grifos nossos). 6. Contra essa decisão foi impetrado o presente habeas corpus, no qual a Impetrante pede a aplicação do princípio da insignificância e argumenta que a conduta imputada seria materialmente atípica. Ressalta, ainda, que: “A fundamentação apresentada para negar a incidência do princípio da insignificância não encontra respaldo na jurisprudência dessa Corte Constitucional. É que o Tribunal de Justiça, equivocadamente, entendeu que o já mencionado valor não pode ser considerado ínfimo para fins penais, bem como levou em consideração circunstâncias subjetivas do paciente, consistente na valoração negativa de sua folha de antecedentes”. Este o teor dos pedidos: “1. a concessão de medida liminar para determinar a suspensão dos efeitos do acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS em desfavor do paciente, de modo a sobrestar a ação penal autuada sob o número 1378895-92.2008.8.13.0024 (024.08.127.889-5), até o julgamento final da presente impetração; (...) 3. seja, ao fim da instrução do presente pedido de habeas corpus, proferida decisão de mérito para conceder a ordem e restabelecer a sentença absolutória proferida em primeiro grau de jurisdição”. Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 7. Não está em risco, neste momento, a liberdade de locomoção do paciente, pois a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi no sentido de que o juiz voltasse a julgar o caso, sem aplicação do princípio da insignificância. Sem que haja aquele risco, não há razão para o sobrestamento liminar da ação penal, conquanto os valores dos objetos que teriam sido objeto da tentativa de furto se mostrem ínfimos. A matéria relativa à reincidência, entretanto, tem importância penal, não podendo ser resolvida nos termos requeridos liminarmente. Daí porque se tem que, neste exame preambular, a exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias presentes e comprovadas na ação conduzem ao indeferimento do pedido de medida liminar, não se verificando, de plano, plausibilidade jurídica dos argumentos apresentados na inicial para o específico fim de sobrestamento da ação penal. A Impetrante sustenta, basicamente, que haveria de se aplicar o princípio da insignificância à espécie. Pelo que se tem nos autos, é imputada ao Paciente a tentativa de furto de cinco barras de chocolate avaliadas em R$ 19,95, valor que realmente causa estranhamento para os fins de persecução penal e acionamento da máquina estatal para apuração e apenação de conduta antijuridíca. Entretanto, a verificação da tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício abstrato de adequação do fato concreto à norma jurídica. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se concluir sobre a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico penalmente determinado fato, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. A Primeira Turma deste Supremo Tribunal, resolvendo questão de ordem, concedeu habeas corpus de ofício, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 559.904-QO, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 26.8.2005, sob o fundamento de que, para a incidência do princípio da insignificância, devem ser analisados apenas aspectos objetivos do fato: “EMENTA: I. Recurso extraordinário: descabimento: falta de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no RE: incidência das Súmulas 282 e 356. II. Recurso extraordinário, requisitos específicos e habeas corpus de ofício. Em recurso extraordinário criminal, perde relevo a inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e outros vícios formais, se, não obstante - evidenciando-se a lesão ou a ameaça à liberdade de locomoção - seja possível a concessão de habeas corpus de ofício (v.g. RE 273.363, 1ª T., Sepúlveda Pertence, DJ 20.10.2000). III. Descaminho considerado como ‘crime de bagatela’: aplicação do ‘princípio da insignificância’. Para a incidência do princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2ª T., Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização da infração penal como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é. E sendo, torna-se atípico, impondo-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC 77.003, 2ª T., Marco Aurélio, RTJ 178/310). IV. Concessão de habeas corpus de ofício, para restabelecer a rejeição da denúncia”. Esse entendimento foi reafirmado, por exemplo, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 512.183-QO, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 2.3.2007, e do Recurso Extraordinário n. 514.530-QO, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 2.3.2007. No entanto, foi assentado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e afirmado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça, na decisão objeto desta impetração, que o ora Paciente é reincidente na prática de outras tentativas de furto e do delito previsto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976. A análise da ocorrência, ou não, da reincidência criminal por parte de determinada pessoa é feita com base em critérios técnicos, estabelecidos pelos arts. 63 e 64 do Código Penal. Confira-se: “Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos”. Assim, se a pessoa tiver sido condenada por sentença transitada em julgado, excluídos os crimes militares e os políticos, no Brasil ou em outro país e, após essa data, cometer novo crime antes de decorrido o prazo de cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, ela será considerada reincidente na segunda infração penal. Portanto, trata-se de critério que, embora subjetivo, deve ser excepcionado da regra da objetividade para ser levado em consideração a fim de se averiguar a aplicação do princípio da insignificância, já que remete ao critério objetivo da reprovabilidade do comportamento. Ao contrário de outros, como os maus antecedentes, não está sujeito a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou a análises discricionárias, uma vez que devidamente abalizado pela lei em todos os seus aspectos. Dessa forma, somente cabe ao julgador fazer a subsunção do histórico criminal do acusado à norma penal para, assim, identificar se ele é reincidente ou não. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes, quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. No caso dos autos, o afastamento daquele princípio deu-se exatamente pela reiteração das práticas ilícitas pelo ora Paciente. E, insista-se, não há, neste momento, o risco de restrição à sua liberdade de locomoção, mas apenas a determinação pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais de continuidade do processamento da ação penal para se concluir sobre a ocorrência, ou não, do ilícito alegado. 8. Pelo exposto, sem prejuízo de melhor exame no julgamento de mérito, indefiro o pedido de medida liminar. Oficie-se ao juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte/MG para que, com urgência e por fax, preste informações pormenorizadas quanto ao alegado na presente impetração e junte cópia da certidão de antecedentes do ora Paciente, do andamento atualizado da ação penal ajuizada em seu desfavor e de outros documentos que entender pertinentes. Remeta-se, com o ofício a ser enviado, com urgência e por fax, cópia da inicial e da presente decisão. 9. Após serem prestadas as informações, vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 11 de abril de 2011. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
(HC 107674 MC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 11/04/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-072 DIVULG 14/04/2011 PUBLIC 15/04/2011)
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