Acórdão: Apelação Cível n. 2002.016367-3, da Capital.
Relator: Des. Salete Silva Sommariva.
Data da decisão: 05.06.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 305, edição de 05.10.2007, p. 148.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – RELAÇÃO DE CONSUMO – SIMPLES PROPOSTA DO VENDEDOR – FASE DAS NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES (PUNTUAÇÃO) NÃO ULTRAPASSADA – SITUAÇÃO QUE NÃO CONFIGURA OBRIGAÇÃO DE CONCLUIR O NEGÓCIO – CONTRATO PRELIMINAR INEXISTENTE – AUSÊNCIA DE PUBLICIDADE – INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 30, 48, 51 DO CDC – LUCROS CESSANTES – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.
I – "As negociações preliminares (tractatus, trattative, pour parlers) são conversas prévias, sondagens, debates em que despontam os interesses de cada um, tendo em vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas. Não raro nos negócios que envolvem interesses complexos, entabula uma pessoa conversações com diversas outras, e somente se encaminha a contratração com aquela que melhores condições oferece. Enquanto se mantiverem tais, as conversações preliminares não obrigam. Há uma distinção bastante precisa entre a fase, que ainda não é contratual, e a seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório." (Instituições de direito civil. 11 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. III, p.37)
II – Para que a oferta vincule o fornecedor nos moldes do art. 30 do CDC, é necessário que a publicidade seja suficientemente precisa, isto é, que dela o consumidor possa extrair as informações necessárias à conclusão do negócio. Tratando-se de singela divulgação da intenção de vender, sem descrição da oferta, descabido se torna compelir os fornecedores à realização do negócio.
III – Por força do art. 48 do Código de Defesa do Consumidor, "as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor", autorizando, inclusive o ajuizamento de execução específica por parte do consumidor. Entretanto, tais documentos somente poderão servir de título para execução específica nos casos em que se observar estarem presentes todas as diretrizes do acordo, de maneira tal que se possa assegurar quais os termos que o efetivo contrato deverá conter. Por essa razão, simples proposta de negócio, sem a aceitação imediata do fornecedor, não pode servir como instrumento para embasar a pretensão inserida no mencionado dispositivo.
IV – Configura-se abusiva a cláusula que deixa ao "fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor". Em contrario sensu, se referida cláusula possibilitar a ambos os contraentes a conclusão do negócio, cessa os motivos da abusividade, tornando-se perfeitamente válida.
V – Conforme dispõe o art. 402 do CC/2002, as perdas e danos devem abranger o prejuízo efetivamente sofrido, bem como o que razoavelmente deixou-se de lucrar o credor. Nesse sentido, o termo “razoavelmente” empregado pelo legislador demonstra que o julgador deve analisar com cautela o pedido de indenização decorrente de lucros cessantes, sendo unicamente viável a condenação ao pagamento da referida verba quando as alegações mostrarem-se plausíveis e estiverem corroboradas com outras provas que apontem, de maneira satisfatória, a veracidade das ilações apresentadas.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2002.016367-3, da comarca da Capital (3ª Vara Cível), em que é apelante Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda, e apelados Luiz Fernando de Athayde Gerent e outros:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria, dar provimento ao recurso, julgando-se improcedente o pleito exordial e, em conseqüência, invertendo-se o ônus sucumbencial. Vencido o Des. Fernando Carioni que votou no sentido de negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Na comarca da Capital, Luiz Fernando de Athayde Gerent e outros ajuizaram ação de indenização em face de Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Supervisão Comércio de Imóveis Ltda.
Aduziram que a primeira ré é proprietária e empreendedora do loteamento denominado Jurerê Internacional e, na época dos fatos, iniciou a quinta etapa de urbanização daquele local, oferecendo aos interessados, através da segunda demandada, os imóveis que posteriormente seriam urbanizados. Asseveraram ter quitado boa parte do valor contratado, bem como recebido comprovante desse pagamento, mas, passados aproximadamente 20 (vinte) dias, o contrato não havia sido elaborado, momento em que dirigiram-se à empresa Supervisão Comércio de Imóveis Ltda. e questionaram sobre o ocorrido, recebendo como resposta a informação de que a primeira ré não mais tinha interesse na venda dos imóveis. Sustentaram que, por se tratar de relação consumerista, têm direito a efetivação do acordo, porquanto a oferta é parte integrante do contrato, não havendo razão para a desistência das demandadas. Em razão disso, pleitearam fosse a empresa Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. compelida a firmar os contratos originais ou, subsidiariamente, condenada, juntamente com a segunda ré, ao pagamento de indenização, referente ao valor atualizado dos imóveis, além de multa por inadimplemento contratual.
Devidamente citadas (fl. 70v), as rés ofereceram contestação.
Inicialmente, Supervisão Comércio de Imóveis Ltda. defendeu a sua ilegitimidade passiva, bem como a inépcia da inicial por impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que, como os imóveis são de propriedade exclusiva da primeira demandada, somente ela poderá integrar o pólo passivo da demanda (fls. 80/84).
Em seguida, Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. confirmou que a segunda ré era responsável por intermediar o negócio, mas ressaltou não ter autorizado qualquer espécie de venda da área, servindo os contatos apenas como proposta de venda, cuja aceitação dependeria de posterior análise. Afirmou que, pelos documentos acostados à peça vestibular, pode-se perceber que em todas as ocasiões houve a informação de que a venda somente seria concretizada com a anuência da proprietária, e esta expressamente negou seguimento à avença, dando por encerrada a negociação. Lembrou que a mesma reclamação foi postulada perante o Promotor de Justiça responsável pela Coordenadora de Defesa do Consumidor, entendendo este por arquivar o reclamo, fundamentando tratar-se de procedimento regular da empresa ré. Ao final, asseverou que não houve veiculação comercial capaz de obrigar-se a honrar com a oferta, não passando o ocorrido de meras tratativas preliminares, sem vinculação alguma com qualquer espécie de contrato.
Após a réplica (fls. 139/142) o magistrado a quo, na audiência de conciliação (fl. 152), determinou a produção de prova pericial, a fim de realizar a identificação da área discutida, bem como proceder à sua avaliação.
O laudo pericial, bem como os documentos anexados pelo expert, aportaram a fls. 178/248. Sobre ele, manifestaram-se os autores e a primeira suplicada (fls. 254/258).
Na audiência de instrução, o togado singular colheu o depoimento de duas testemunhas (fls. 277/281).
Recebidas as alegações finais (fls. 293/314), o julgador de primeiro grau proferiu sentença (fls. 348/355), acolhendo os argumentos da exordial e condenando ambas as demandadas no pagamento de indenização atinente ao descumprimento do contrato, deixando para posterior liquidação de sentença a definição dos valores dos imóveis, bem como ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais).
Irresignada, a ré Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. interpôs recurso de apelação (fls. 370/382), alegando que a segunda demandada foi contratada apenas para agenciar os possíveis investidores, mas não possuía autorização para realizar a venda dos terrenos. Ademais, repisou inexistir ampla publicidade do imóvel, tampouco realização de um contrato de compra e venda, servindo as negociações iniciais apenas como singelas propostas, posteriormente recusadas pela apelante. Destacou não ter sido descontado qualquer cheque entregue pelos demandantes, situação que comprova o seu interesse em negar a proposta antes mesmo da confecção dos contratos.
Nas contra-razões (fls. 397/413), os autores pugnaram pelo reconhecimento da intempestividade do recurso.
Em seguida, ascenderam os autos a esta egrégia corte.
No julgamento de 09.12.2003, esta Terceira Câmara de Direito Civil, entendendo tratar-se de hipótese de deserção, uma vez que o comprovante do preparo foi juntado no dia seguinte à interposição do reclamo, não conheceu do apelo (fls. 425/429).
Opostos embargos de declaração (fls. 438/443), estes foram rejeitados pelo mesmo órgão fracionário (fls. 449/454).
Inconformada, a primeira ré interpôs recurso especial (fls. 457/476), pugnando pelo conhecimento do recurso.
Os contra-substratos recursais foram protocolizados a fls. 526/529.
Alçados ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito reformou a decisão colegiada, conhecendo do recurso de apelação e determinando o retorno dos autos à esta corte para a continuidade do julgamento (fls. 538/540).
VOTO
Atendendo-se à decisão do Sodalício Superior, passa-se ao exame das razões recursais.
A apelante pugna pela reforma da deliberação a quo, sob a alegação de que o negócio entabulado pelos litigantes resumia-se a simples proposta, não podendo configurar-se como efetivo contrato de compra e venda. Argumentou, outrossim, não ter feito publicidade da área em discussão, sendo inviável os fundamentos da sentença que reconheceram o seu inadimplemento contratual.
1 Do Código de Defesa do Consumidor
Na situação em tela, forçoso reconhecer a aplicação das disposições existentes no Código de Defesa do Consumidor, porquanto mostra-se evidente que as imobiliárias e também as incorporadoras claramente estão enquadradas na concepção de fornecedores, uma vez comercializarem produtos (imóveis), conforme previsto no art. 3º, § 1º, da Lei n. 8.078/90, in verbis:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
No mesmo norte, os autores facilmente caracterizam-se como consumidores (CDC, art. 2º), haja vista adquirirem tais imóveis com o afã de serem, a priori, seus destinatários finais.
A propósito, já decidiu o nosso Tribunal:
As normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis à relação jurídica existente entre empresa construtura e seus clientes, a teor do art. 2ª e 3º da Lei nº 8.078/90. (Ap. Cív. n. 2005.019478-0, de Itajaí, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 13-9-2005).
Desse modo, o exame do presente apelo deverá ser realizado com apoio nos preceitos entabulados pelo Código de Defesa do Consumidor.
Para o desate da celeuma, impõe-se a análise dos arts. 30, 48 e 51, IX da mencionada lei:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que
(...)
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor.
Os mencionados dispositivos referem-se à vinculação dos termos da oferta ao contrato, bem como a nulidade da cláusula que, ao mesmo tempo, deixa ao fornecedor a opção de encerrar a avença mas, obriga o consumidor a cumpri-lo.
2 Vinculação do contrato - publicidade
Acerca da vinculação do contrato aos termos da oferta, bem como dos itens constantes nos pré-contratos (CDC, arts. 30 e 48), vale ressaltar que o fornecedor somente a ela se obrigará se a publicidade for suficientemente precisa, ou seja, se dela o consumidor puder extrair as informações necessárias à conclusão do negócio. Da mesma forma, os escritos particulares e os pré-contratos poderão servir de título para execução específica nos casos em que se observar estarem presentes todas as diretrizes do acordo, de maneira tal que se possa assegurar quais os termos que o efetivo contrato deverá conter.
A propósito, extrai-se da doutrina:
Em primeiro lugar, não operará a força obrigatória se não houver veiculação da informação. Uma proposta que, embora colocada no papel, deixe de chegar ao conhecimento do consumidor, não vincula do fornecedor. (...) Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto é, o simples exagero (puffing) não obriga o fornecedor. É o caso de expressões exageradas, que não permitem verificação objetiva, como 'o melhor sabor', 'o mais bonito', 'o maravilhoso'. (...) Assim, não é qualquer informação veiculada que vincula o fornecedor. Tem ela de conter uma qualidade essencial: a precisão. Só que não se trata de precisão absoluta, aquela que não deixa dúvidas. O Código contenta-se com uma precisão suficiente, vale dizer, com um mínimo de concisão (GRINOVER, Ada Pellegrini (et al). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 8.ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 258/259).
Na situação em tela, não há qualquer informação acerca da publicidade referente aos lotes inicialmente destinados à "5ª etapa de urbanização" do loteamento Jurerê Internacional.
Ao contrário, especificamente sobre a publicidade, no depoimento de José Marques, proprietário da Imobiliária Costa Norte, declarou-se que a ré não fez publicidade através de anúncios, pois pretendia atingir o público alvo de alto poder aquisitivo (fl. 278).
Ademais, o fato de os corretores de imóveis dirigirem-se ao local escolhido para a implantação do loteamento, demonstrarem o objetivo da apelante e iniciarem as discussões de valores, não pode se enquadrar como publicidade, tampouco oferta, nos moldes estabelecidos no Código de Defesa de Consumidor. Trata-se, como se verá a seguir, de procedimento necessário às negociações preliminares, o que, por óbvio, exige do interessado que se dirija ao local, proceda à análise do terreno e inicie as tratativas, para que, mostrando-se viável a ambos os lados, elabore-se um contrato, ou mesmo avance-se na fase pré-contratual, mas agora já com todos os valores e condições entabulados.
Outrossim, somente se os termos e condições fossem previamente estabelecidos nesta "publicidade" é que se poderia imaginar alguma vinculação da apelante ao seu conteúdo. Entretanto, consoante se observa, o que houve foi apenas um início de tratativa, sem a participação da proprietária e, ao final, sem a sua aceitação.
Em razão disso, não há como obrigar a demandada a cumprir uma proposta de compra, notadamente diante da ausência de exteriorização de oferta relacionada com a suposta venda.
3 A imobiliária não pode ser considerada preposta, apenas intermediadora
Nesse tópico, vislumbra-se que em momento algum do processo os réus asseveraram que a Imobiliária Supervisão estava autorizada em concluir os negócios com os interessados. Tanto a imobiliária quanto a Habitasul foram enfáticas em aduzir que a primeira serviria apenas como intermediadora do negócio, ou seja, seria a pessoa responsável por tentar unir os interesses dos compradores aos interesses dos vendedores, nada mais.
Acerca desse tipo de operação, colhe-se conceito da doutrina:
É o contrato, de forma livre, por intermédio do qual uma pessoa (corretor) se propõe a servir de intermédiário entre duas ou mais pessoas (interessados ou clientes), para a conclusão de certo negócio jurídico imobiliário (compra e venda, administração, incorporação, avaliação, hipotecas e locação de coisas imóveis), e pelo qual recebe uma remuneração (comissão, corretagem) previamente convencionada. (RÊGO, Werson. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a nova concepção contratual e os negócios imobiliários. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 92).
Vale ressaltar que nada há nos autos capaz de derruir essa conclusão. Não há procuração, contrato ou qualquer outro demonstrativo genuíno que indique a relação de preposição ou a autorização para a imobiliária vender os imóveis em nome da apelante.
Os documentos de fls. 15/17, nos quais supostamente definiriam quais seriam os lotes e os valores que permaneceram sob a responsabilidade da ré Supervisão, por certo não possuem qualquer valor jurídico. Trata-se de fotocópias de um rascunho, elaborados à mão, sem qualquer identificação ou assinatura, podendo ter partido de qualquer pessoa, de modo a não se prestar como comprovante de que a apelante entregou à imobiliária o direito de comercializar os mencionados lotes.
Desse modo, constatado que a missão da empresa Supervisão seria apenas de intervir nas tratativas, e restando claro que o negócio somente seria solucionado após a confirmação da apelante, não há como prosperar os argumentos dos autores.
4 Da análise das provas e dos documentos apresentados "proposta de compras"
Cumpre analisar detidamente os documentos acostados aos autos, denominados de "propostas de compras", bem como seus derivados.
Com efeito, referidos instrumentos não se mostram aptos a compelir a Habitasul a seus termos, uma vez que celebrado por imobiliária que não integra o grupo titular do loteamento Jurerê Internacional, bem como em razão da generalidade dos termos nele constantes..
No ponto, necessário observar tratar-se de formulário padrão utilizado pela imobiliária, visando tão-somente colher dados para ulterior apresentação das propostas de compra aos supostos vendedores, não havendo, em qualquer momento, a ingerência destes últimos (vendedores), até que referidas propostas lhe fossem repassadas.
Não bastasse a inexistência de intervenção da proprietária/vendedora na confecção das aludidas propostas, fator este a excluir sua obrigatoriedade aos termos do referido documento, o qual, diga-se, de natureza unilateral, pois somente informa da pretensão de possível aquisição, imprescindível, também, atentar para o seu teor.
É que, não obstante a disposição contratual condicionando a materialização do contrato para após a análise das propostas pelo respectivo proprietário, consta ainda dos aludidos documentos, por exemplo, que o recibo conferido pela referida imobiliária era provisório, conforme se denota da parte final dos instrumentos colacionados às fls. 21/23, 25, sendo que no recibo acostado à fl. 24, foi expressamente consignado que o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) referia-se à reserva de um terreno, não se tratando, desse modo, de uma compra e venda propriamente dita, mas tão-somente de uma reserva, fator este a demonstrar que todo o procedimento encetado pela imobiliária estava condicionada à anuência do proprietário, possuindo, assim, nítidos traços de tratar-se de meras negociações preliminares.
Nesse panorama, impende sopesar o fato de que, com a irrisória quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) tencionava um dos autores assegurar em definitivo a compra de um imóvel em Jurerê Internacional.
De qualquer sorte, as testemunhas (fls. 278/281), dois corretores de imóveis, apenas informaram que as pessoas interessadas, junto com os eventuais vendedores, dirigiam-se ao local para conhecer os terrenos, assinavam uma proposta de venda, mas estavam cientes que o contrato somente seria formalizado após a manifestação da apelante, titular dos imóveis.
Nesse sentido, Marcio Eduardo Martins, corretor de imóveis, o qual prestou depoimento sem compromisso, por alegar que a Habitasul lhe estava devendo comissões em razão de alguns lotes vendidos, declarou que os autores detinham conhecimento de que a proposta só teria validade se aceita pelo proprietário, senão vejamos:
[...] Tinham os adquirentes ciência de que as propostas de compra das cotas seriam encaminhadas a proprietária do imóvel, a quem competia decidir sobre o aceite ou não das propostas. Ao que tem conhecimento nenhumas das propostas feitas mediante a intermediação do declarante foram aceitas pela Habitasul. Os cheques fornecidos pelos proponentes não foram descontados. Não sabe se o loteamento foi efetivamente implantado. (fls. 280).
Ainda que nesse mesmo depoimento o corretor concluísse que os autores, por terem pago os valores existentes em suposta tabela, acreditavam que o contrato seria efetivamente realizado, tal dedução, puramente subjetiva, não pode ser levada em consideração para a procedência da demanda. Isso porque, objetivamente, os corretores afirmaram que levavam os interessados ao local, mas deixavam claro que a proposta ainda passaria pelo crivo da proprietária, situação que se comprova quando se analisa o campo "observações" das "propostas de compras".
De outra banda, entre os argumentos dos apelados está o fato de que a ré Supervisão Comércio de Imóveis Ltda., ao receber os cheques referentes às supostas vendas, entregou recibo provisório, fazendo crer que o negócio estava definido.
Ocorre que, ao analisar os documentos de fls. 18/25, constata-se que, anexo ao recibo, elaborado exclusivamente pela Supervisão, e que nada mais serve do que comprovação de entrega dos cheques e reserva dos terrenos em caso de aprovação do negócio, existe também uma "Proposta de Compra", da qual se tem um início de negociação, encontrando-se ali a importância que os compradores demonstraram ter interesse em pagar pelos imóveis.
Trata-se, como acima destacado, de uma formalização de negociação preliminar e unilateral, que nem sequer pode ser encarada como um pré-contrato, notadamente porque, como já salientado alhures, no campo destinado a "observações", com um quadro em destaque, existe previsão expressa de que "a venda, preço e condições de pagamento constantes da presente Proposta de Compra, ficam sujeitos à confirmação por parte do proprietário".
4.1 Das negociações preliminares – fundamentos
De início, vale ressaltar que, independentemente de se estar diante de debate de natureza consumerista, vários institutos do direito obrigacional e contratual podem ser invocados para a solução do presente litígio, pois os núcleos destes institutos são imutáveis, carecendo de pequenas adaptações em razão das especificidades das legislações, como é o caso das negociações preliminares.
Acerca do tema leciona Caio Mário da Silva Pereira:
As negociações preliminares (tractatus, trattative, pour parlers) são conversas prévias, sondagens, debates em que despontam os interesses de cada um, tendo em vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas. Não raro nos negócios que envolvem interesses complexos, entabula uma pessoa conversações com diversas outras, e somente se encaminha a contratração com aquela que melhores condições oferece. Enquanto se mantiverem tais, as conversações preliminares não obrigam. Há uma distinção bastante precisa entre a fase, que ainda não é contratual, e a seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório. [...]
Quando duas pessoas querem celebrar um contrato, normalmente passam por aquelas fases [...]: debatem os seus interesses em negociações preliminares; uma delas formula a proposta; a outra declara sua aceitação.[...]
Daí poder-se conceituar o contrato preliminar como aquele por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal.
Diferencia-se o contrato preliminar do principal pelo objeto, que no preliminar é a obrigação de concluir o outro contrato, enquanto que o do definitivo é uma prestação substancial. [...]
Distingue-se, também, das negociações preliminares em que estas não envolvem compromissos nem geram obrigações para os interessados, limiitando-se a desbravar terreno e salientar conveniências e interesses, ao passo que o contrato preliminar já é positivo no sentido de precisar de parte a parte o contrato futuro. (Instituições de direito civil. 11 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. III, p.37 e 81). (sem grifo no original).
Com proficiência, também discorre Orlando Gomes:
Os atos preparatórios tendentes direta e imediatamente a constituição do vínculo contratual apetecido começam pelas negociações preliminares, ou tratativas, frequentemente reduzidas a escrito em um instrumento particular chamado minuta, que pode, ou não, ser assinada pelos negociadores. A minuta não passa de simples projeto de contrato, sem eficácia vinculante, como é sabido.
A luz dessas noções elementares, não existe ainda contrato se, nas tratativas, limita-se o ajuste a ser documentado, para facilitar, numa simples minuta. Contrato por enquanto não existe. (Contratos. 21. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 58)
Neste mesmo diapasão escreve Serpa Lopes:
Um contrato, normalmente, devera surgir de súbito: Uma oferta de negócio, uma aceitação imediata e ei-lo concluído. Mas, na generalidade dos casos, assim não ocorre. A sua conclusão é freqüentemente precedida de negociações, de troca de estudos, observações, meditação sobre a proposta, reflexão em torno de novas modificações, até o projeto encontrar uma solução satisfatória, um acordo preliminar em admitir-lhe a conclusão definitiva. Dois os modos, absolutamente distintos em seus efeitos, pelos quais se costuma preparar a conclusão do contrato: ou a discussão pura e simples das bases do futuro contrato, período de puras negociações, ou então um contrato preliminar, em que as bases do futuro contrato já ficam antecipadamente fixadas, obrigando-se apenas os promitentes contratantes a outorgarem a escritura definitiva de acordo com o previamente definido no contrato preliminar. No primeiro caso, temos as proposições, os acordos preparatórios; no segundo, há uma situação contratual definitiva, embora o seu objetivo seja um contrahere futuro. (Curso de direito civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p. 94).
A situação em tela bem se amolda às características descritas pelos eminentes jurisconsultos. Trata-se de momento anterior, uma fase prévia daquela considerada pré-contratual pois ainda não havia efetiva manifestação da proprietária/fornecedora.
Nesse contexto, é de se verificar que as disposições do art. 48 do CDC também não se subsumem ao caso em enfrentamento, porquanto referido dispositivo legal trata dos pré-contratos, hipótese esta diversa da dos autos, uma vez não haver falar-se em contrato preliminar, apenas meras tratativas iniciais.
É o que entende o saudoso professor Eduardo Gabriel Saad, ao comentar o mencionado art. 48:
Não se há de confundir, com esse contrato preliminar, as negociações que precedem todo e qualquer negócio: estabelecimento de preço, avaliação do bem, suas qualidades, etc.
Tais tratativas não geram qualquer obrigação. As partes podem livremente suspendê-las sem que isto lhes acarrete qualquer ônus. É este o entendimento prevalecente na doutrina.
[...]
Se ordinário, o pré-contrato ganha a feição de contrato normativo quando alberga as disposições que darão estrutura ao futuro contrato. Não é raro conter ele, apenas, a obrigação de uma parte celebrar o contrato, ficando a outra com a opção de concluí-lo ou não. Tal contrato preparatório tem semelhança com a oferta pura e simples. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 410).
Ademais, o CDC, quando entrega força vinculante à fase pré-contratual, o faz levando em consideração que o fornecedor fará propostas ao consumidor, e aguardará deste a aceitação, ou não, da oferta, mas, como já a fez, e demonstrou seu interesse em contratar, não pode dela desistir.
Contudo, o caso dos autos guarda peculiaridade que impossibilita esse entendimento, pois o fornecedor não especificou qualquer proposta; todas elas foram elaboradas entre a intermediadora Supervisão e os autores, de modo a tornar-se desmedido exigir da apelante o cumprimento de avença que, até então, não fez parte.
4.2 Da boa-fé da apelante nas negociações preliminares
Conforme os próprios autores informaram em sua peça inicial (fl.04), afigura-se incontroverso (CPC, art. 334, III) o fato de que em pouco mais de 20 (vinte) dias após a formalização da proposta, estes receberam aviso da apelante Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. acerca da falta de interesse em consolidar a proposta.
Tanto assim ocorreu que a apelada devolveu os cheques à empresa Supervisão Comércio de Imóveis Ltda. sem levá-los à compensação, conforme se observa a fls. 90/101 e 290/292, na qual a própria imobiliária , e não a Habitasul, juntou aos autos.
Demais disso, cumpre esclarecer que, anteriormente à propositura da presente demanda, passados pouco mais de três meses da proposta inicial feita pelos demandantes, a apelante ajuizou protesto judicial (fls. 134/137), formalizando que não tencionava perfectibilizar qualquer contrato de compra e venda, uma vez que os autores detinham conhecimento de que não havia sido efetuada oferta de lotes na área em questão, contrapondo-se ao protesto judicial anteriormente aforado pelos autores (fls. 26/65), que tencionavam seguir na negociação.
Ressalta-se que, pelo depoimento de Márcio Eduardo Martins (fls. 280/281), corretor que atuou na negociação dos lotes em análise, a ré Habitasul negou todas as propostas intermediadas por ele, de modo a demonstrar que o comportamento da apelante não foi imbuído de má-fé, ou com o intuito de especulação imobiliária. O que pretendia a proprietária era, por óbvio, escolher as propostas que melhor se adequassem às suas intenções. Dispensou as intermediadas por Márcio Eduardo Martins porque não lhes pareciam interessantes, e também por este último ser mero intermediador, e não preposto da Habitasul, como acima já destacado.
Se, de outro modo, a demandada negasse especificamente as propostas dos autores, ou retardasse a negativa por considerável tempo, poderia imaginar alguma intenção pejorativa, mas, verificando que seu comportamento estendeu-se a terceiros que também elaboraram propostas, e que respondeu em curto espaço de tempo (aproximadamente 20 dias, no caso dos apelados), descabe falar-se em má-fé ou desrespeito ao consumidor, muito menos especulação imobiliária.
No ponto, imperioso destacar a impossibilidade, naquele momento, de alienação do imóvel, haja vista estar embargado pelo IBAMA, conforme esclarecido no laudo pericial (fl. 185), in verbis:
Conforme informações de funcionários da empresa requerida e consulta feita junto à algumas imobiliárias instaladas em Jurerê, a requerida Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda. não tem atualmente lotes a venda no Loteamento Jurerê Internacional, em nenhuma das etapas de implantação. As 3ª e 5ª etapas não foram implantadas por motivo de embargo imposto pelo IBAMA, conforme cópias de documento constante no anexo VII.e. (original sem grifos)
Em face disso, conclui-se que a boa-fé da apelante está devidamente comprovada. O caso dos autos não passou de uma tentativa frustrada de negócio, na qual o titular de uma área de terras não se mostrou interessado em vendê-las para alguns que se mostraram interessados comprá-las.
Acerca da boa-fé, destacado princípio das relações de consumo, encontra-se na doutrina:
[...] a boa fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, umas vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não o será para outro.
[...]
A boa-fé objetiva é uma espécie de pré-condição abstrata de uma relação ideal. Toda vez que no caso concreto, por exemplo, o magistrado tiver de avaliar o caso para identificar algum tipo de abuso, deve levar em consideração essa condição ideal a priori, na qual as partes respeitam-se mutuamente, de forma adequada e justa. (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 127/128)
Verificada, então, a boa-fé da apelante, não há motivos para condená-la ao pagamento dos valores descritos na sentença.
4.3 Da alegada abusividade nas propostas de compras
Do mesmo modo, não há como reconhecer abusiva a cláusula que previa a possibilidade de recusa da proposta por parte da demandada, posto que em nenhum momento os proponentes compradores obrigaram-se a cumprir com o que acordaram, vale dizer, nada obstaria aos proponentes desistir de dar seguimento a sua proposta, visto tratar-se de mera negociação preliminar.
Assim, ainda que o código consumerista, em seu art. 51, IX impossibilite seja facultado ao fornecedor o direito de concluir ou não o contrato, o caso em apreço certamente não pode a ela amoldar-se, visto tratar-se de meras negociações preliminares que não geram vínculo obrigacional como já acima destacado.
Com relação ao tema, extrai-se da doutrina:
"São nulas de pleno direito as cláusulas que possibilitem ao fornecedor a opção de concluir ou não um contrato, embora obrigando o consumidor (...) Nada impede, porém, que o fornecedor, depois de uma oferta publicitária genérica, sem se comprometer, possa estudar uma proposta específica, oriunda de consumidor que por meio dela não se obrigou (fato comum nos contratos de seguro)" (SILVA, Jorge Alberto Q. C. da. Código de Defesa do Consumidor anotado, 5.ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 220).
Com efeito, a mencionada abusividade exige a ocorrência concomitante de duas situações: a possibilidade de o fornecedor concluir a avença, sem permitir o mesmo direito ao consumidor. Essa circunstância, por certo, não ocorreu na hipótese em estudo.
In casu, nem sequer chegou-se a se formalizar o contrato, pois as tratativas iniciaram-se, mas logo em seguida a ré mostrou-se desinteressada na elaboração do acordo.
Ademais, assim como a ré tinha a possibilidade de negar a proposta, devolvendo os cheques aos potenciais compradores, estes também poderiam encerrar a negociação naquele momento, pois o contrato ainda não havia se perfectibilizado, e na "Proposta de Compra" inexistia qualquer indicativo de que as tratativas obrigavam os consumidores a cumprir os termos ali inseridos.
Ainda que não estivesse expresso nas "propostas de compras" ou nos recibos provisórios que as acompanham o direito dos interessados em desistir da avença, tal possibilidade era implícita, decorrente da lógica das negociações preliminares. Somente com a aceitação e a posterior efetivação das condições do contrato é que se teria como entender pré-estabelecido o negócio. Ressalta-se que, com a definição do conteúdo do contrato, ainda que apenas um esboço, poder-se-ia cogitar de aplicação do art. 48 do CDC (as "declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor"), o que não ocorreu no caso em tela. Desse modo, não havia qualquer empecilho para os autores desistirem da proposta. Poderiam tomar essa atitude em qualquer momento antes da assinatura do contrato, pois nas propostas e nos recibos nem sequer havia previsão de retenção de valores, ou indicação de arras penitenciais, e, outrossim, seus cheques não haviam sido descontados.
Ao caso em tela, devem ser levados em consideração os ensinamentos de Paulo R. Roque A. Khouri:
O contrato é fonte da obrigação, por excelência. Uma obrigação contratual necessariamente traz em si o vínculo jurídico, que se traduz em exigibilidade, ou seja, ante o não-cumprimento espontâneo da parte que se obrigou, o credor pode exigi-lo coativamente em juízo. O contrato, então, vincula as duas partes contratantes ao cumprimento da prestação que ficou a cargo de cada uma. Na compra e venda, não é apenas o vendedor que está obrigado a entregar a coisa; o comprador também está obrigado a paga o preço. Inconcebível, então, a idéia de um contrato que obrigue o consumidor, e não obrigue o fornecedor. A partir do acordo de vontades, consumidor e fornecedor estão obrigados ao cumprimento do contrato.
Na verdade, o dispositivo é tecnicamente imperfeito, ao utilizar a expressão "deixe ao fornecer a opção de concluir ou não o contrato". Ora, o que não se pode facultar ao fornecedor não é a opção de contratar. Ele pode não querer contratar com o consumidor, se este não aceita pagar o preço exigido pela coisa ou serviço. Aí não haverá acordo de vontades e, portanto, contrato. O que, na verdade, o legislador quis dizer é com relação à execução das obrigações, que naturalmente surgem de um contrato, uma vez que na parte final do dispositivo utiliza o termo obrigação para dizer "embora obrigando o consumidor". Igualmente, o consumidor só pode obrigar-se se contratar; não contratando, não há como se obrigar. (Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3.ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 125).
Sendo assim, inviável também se mostra a aplicação do art. 51, IX do Código de Defesa do Consumidor.
5 Entendimento do MP e do magistrado julgador de causa semelhante
A normalidade da negociação foi inclusive referendada pelo representante do Ministério Público e coordenador da Defesa do Consumidor na Capital, que, ao analisar a reclamação dos postulantes, acertadamente ponderou:
[...] no caso concreto, não se vislumbra qualquer violação ao direito dos adquirentes dos imóveis, mesmo aceitando-se a reclamação como viável.
E assim se entende, porque é comum no ramo da corretagem, o proprietário de um imóvel oferecê-lo à venda através de mais de uma imobiliária as quais, via de regra, possuem mais de um corretor.
Desse modo, as propostas de venda obviamente deverão ser analisadas pelo proprietário, especialmente quando, respeitado o preço, a forma de pagamento seja diferente (fl. 131).
De fato, e não se pode descurar do parecer do Promotor de Justiça especializado na defesa do consumidor, é bastante comum, lógico até, o procedimento adotado pela empresa Habitasul. Sendo proprietária do imóvel, utiliza os serviços das imobiliárias locais para buscar interessados no projeto. Contudo, como, in casu, a Supervisão seria apenas intermediária, necessário que a proposta fosse levada à análise pela proprietária.
Outrossim, em processo muito similar, na qual a causa de pedir em muito se assemelha à presente, diferenciando-se apenas o pedido (autos n. 023.97.000838-1, fls. 322/326), o magistrado proferiu sentença, julgando improcedente o pedido, entendendo regular os procedimentos adotados pela apelante. Destaca-se daquele decisum:
[...] verifica-se que o documento de fls. 18, verifica-se que o mesmo não pode ser considerado um Contrato Preliminar, ou seja, um contrato particular de compromisso de compra e venda, primeiro porque em seu bojo não está contido a promessa de realização de um contrato futuro e definitivo da venda do imóvel em questão, segundo porque a parte que firmou o contrato não é a proprietária do bem, não se tendo notícia dos autos de existência de procuração para tal [...]
Frise-se, ainda, que o cheque dado pelos autores sequer foi descontado, sendo devolvido pela HABITASUL, que recusou a proposta, conforme previa, inclusive, o próprio documento de fls. 18, no item observações, quando diz "A venda, preço e condições de pagamento constantes da presente proposta de compra, ficam sujeitos à confirmação por parte do proprietário". Como dizer que a Habitasul obrigou-se a vender ao compromissário-comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos avençados, outorgando-lhes a escritura definitiva assim que ocorrer o adimplemento da obrigação, conforme conceito acima, diante de tal observação colocada na proposta? Nem a venda estava perfectibilizada, quando mais a promessa de transmissão de escritura pública definitiva, isto para não afastar a possibilidade do ré Supervisão não ter legitimidade para assinar o compromisso. (fls. 324/325).
O magistrado daquele processo, sempre atuante na comarca da Capital, reconheceu a regularidade do comportamento da apelante, notadamente porque demonstrou a sua boa-fé e licitude no trato com os autores/proponentes. (ressalta-se que o presente feito está no Tribunal, concluso para análise do recurso de apelação interposto pelos autores (n. 2002.010764-1, rel. Des. Subs. Jorge Schaefer Martins).
Assim, no cotejo entre a decisão daquele magistrado e a proferida pelo juiz do presente processo, este analisado em regime de exceção (mutirão previsto na Resolução Conjunta 02/2002), entende esta relatora também aplicar o raciocínio do primeiro, Dr. Clóvis Marcelino dos Santos.
6 Inviabilidade do pedido indenizatório
Os autores pretendem receber, à título de indenização, "a diferença apurada entre o valor final dos lotes e o valor pelos quais eles foram adquiridos" (fls. 10/11). O magistrado a quo, em sua sentença, condenou os réus ao pagamento de indenização relativa ao valor atualizado dos imóveis (fls. 354/355), ou seja, no montante integral.
No ponto, cumpre assinalar que a sentença demonstrar ser ultra petita, vez que concedeu mais do que o pedido, sendo passível, portanto, de adequação.
De qualquer sorte, se atentarmos ao fato de que a empresa Habitasul, de boa-fé, em aproximadamente 20 (vinte) dias após as "propostas de compras", já desistiu do negócio, não há como vislumbrar que houve prejuízo dos autores, ou mesmo que neste curto espaço de tempo os imóveis valorizaram de tal maneira que fosse necessário ressarcimento pelos ganhos que deixaram de perceber.
Ao contrário, na época dos fatos, o loteamento ainda não estava bem dividido, e, segundo o laudo pericial (fl. 185), a execução das obras estava paralisada em razão de um embargo imposto pelo IBAMA, de modo a concluir não ter sido a posterior valorização que motivou a negativa de acordo por parte da Habitasul, mas sim, o descontentamento com os valores apresentados, e a impossibilidade de alienação, uma vez que, naquele momento, os imóveis estavam embargados pelo órgão de fiscalização ambiental, fato este a ser sopesado.
Considerando tais fatores, o pedido de indenização dos autores não poderia pautar-se nos valores do negócio e na atual valorização do bem, notadamente se levarmos em conta que em momento algum os apelados investiram no imóvel ou atuaram para divulgar ou buscar valorizá-lo, bem como o fato de seus cheques não terem sido descontados no banco, fazendo-se concluir estar ausente qualquer prejuízo passível de indenização.
Nesse sentido, encontramos na jurisprudência do nosso tribunal:
O ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, a teor do art. 333, inciso I, do CPC, ademais, não há ilícito civil sem a prova do dano, seja ele patrimonial ou imaterial, salvo raríssimas exceções, motivo pelo qual a sentença de improcedência do pedido merece ser integralmente confirmada. (Ap. Cív. n. 2001.015122-7, de Ibirama, rel. Des. Substituto Joel Dias Figueira Júnior, j. em 27-3-2007).
Ou ainda:
O dano material é devido quando comprovado estreme de dúvidas o seu dispêndio, inexistente prova ou sendo ela insuficiente em delimitar o quantum, a indenização é indevida. (Ap. Cív. n. 2006.039411-8, de Itajaí, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 27-2-2007).
Vale observar que o pleito de indenização por danos materiais diz respeito a possíveis lucros cessantes, decorrentes da suposta valorização dos imóveis que pretendiam adquirir.
Nessas circunstâncias, é afastado o pedido de condenação ao pagamento de indenização por lucros cessantes, pois como dispõe o art. 402 do CC/2.002, as perdas e danos devem abranger o prejuízo efetivamente sofrido, bem como o que razoavelmente deixou-se de lucrar o credor.
Nesse sentido, o termo "razoavelmente" empregado pelo legislador demonstra que o julgador deve analisar com cautela o pedido de indenização decorrente de lucros cessantes, sendo unicamente viável a condenação ao pagamento da referida verba quando as alegações mostrarem-se plausíveis e estiverem corroboradas com outras provas que apontem, de maneira satisfatória, a veracidade das ilações apresentadas.
Sergio Cavalieri Filho leciona:
Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. [...]
É preciso, todavia, que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. [...]
O cuidado que o juiz deve ter neste ponto é para não confundir lucro cessante com lucro imaginário, simplesmente hipotético ou dano remoto, que seria apenas a conseqüência indireta ou mediata do ato ilícito. (Programa de responsabilidade civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p.90 e 91).
Em relação ao tema, escreve Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
Claro está que os danos emergentes e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados não ação de indenização ajuizada contra o agente causador do dano, sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas, incentivadoras da famigerada 'indústria da indenização', tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido propósito, não de buscar ressarcimento, mais de obter lucro abusivo e escorchante. (Novo curso de direito civil. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, vol. III, p.47).
Do colacionado, verifica-se que, para haver lugar à responsabilização por lucros cessantes, deve estar configurada a probabilidade objetiva de possível prejuízo acarretado à vitima, o que não ocorreu na hipótese em enfrentamento, sobretudo se levar-se em conta a boa-fé da apelante, o curto espaço de tempo entre a proposta de compras e a desistência do negócio, e a ausência de demonstração do efetivo prejuízo dos recorrentes.
Por essa razão, mostrando-se perfeitamente regular o comportamento da apelante, inviável acolher-se a pretensão dos demandantes.
Isso posto, dá-se provimento ao recurso da demandada, julgando-se improcedente o pleito exordial e, em conseqüência disso, invertendo-se o ônus sucumbencial.
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, por maioria, dar provimento ao recurso, julgando-se improcedente o pleito exordial e, em conseqüência, invertendo-se o ônus sucumbencial. Vencido o Des. Fernando Carioni que votou no sentido de negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni e Marcus Túlio Sartorato.
Florianópolis, 5 de junho de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE COM VOTO
Salete Silva Sommariva
RELATORA
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Ação de indenização. Compra e venda de imóvel. Relação de consumo. Simples proposta do vendedor. Fase das negociações preliminares não ultrapassada. Situação que não configura obrigação de concluir o negócio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2010, 22:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/19148/tjsc-civil-acao-de-indenizacao-compra-e-venda-de-imovel-relacao-de-consumo-simples-proposta-do-vendedor-fase-das-negociacoes-preliminares-nao-ultrapassada-situacao-que-nao-configura-obrigacao-de-concluir-o-negocio. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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