Acórdão: Apelação Cível n. 2005.037879-5, da Capital.
Relator: Des. Joel Figueira Júnior.
Data da decisão: 09.05.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 60, edição de 25.09.2006, p. 39.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA AJUIZADA POR EX-MARIDO - UNIÃO DESFEITA HÁ MAIS DE 16 ANOS - CASAMENTO MANTIDO POR TEMPO INFERIOR (NOVE ANOS) - MITIGAÇÃO DA REGRA DE IRRENUNCIABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 1.707 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - RECURSO PROVIDO.
I - A regra insculpida no art. 1.694, "caput" do nCC há de ser interpretada restritivamente e com comedimento, sem perder de vista que o dever de prestar alimentos para ex-conjuge ou ex-companheira não é perpétuo, sob pena de transformar-se em penalidade, o que é inadmissível.
II - Da não perpetuidade da obrigação alimentícia entre ex-cônjuges ou ex-companheiros advém o corolário da imprescindibilidade de cada um envidar todos os seus esforços para a manutenção de sua própria subsistência, não se admitindo que, em pleno século 21, prestigie-se o ócio de qualquer um deles em prejuízo do outro.
III - A "mens legis" contida no art. 1.694 do nCC está em sintonia com o dever de solidariedade entre ex-companheiros ou ex-cônjuges, até que o necessitado consiga adequar-se a nova realidade social e financeira, em prazo razoável, a ser concedido para a realização ou conclusão de cursos e obtenção de emprego compatível com a respectiva habilitação, sem que se prestigie a preguiça e a desocupação laboral.
Dezesseis anos é tempo muito mais do que suficiente para que a recorrida tivesse encontrado o seu lugar no mercado de trabalho.
Nada obstante, preferindo a ex-mulher quedar-se ao ócio (que não pode eternizar-se), há de arcar com as conseqüências de sua inércia, no caso, a redução temporária da pensão, correspondente a dois salários mínimos, durante um ano e meio, termo que dará ensejo a exoneração da obrigação do recorrente de prestar alimentos.
IV - A regra da irrenunciabilidade dos alimentos (art. 1.707, nCC) só se aplica à obrigação alimentar decorrente do jus sanguini, não se estendendo aos cônjuges ou companheiros, máxime porque, entre estes, a obrigação tem caráter meramente obrigacional fundado em solidariedade não permanente.
Ademais, no caso vertente, os alimentos foram fixados à recorrida sob a égide do Código de 1916, não sendo aplicável a nova orientação insculpida no aludido art. 1.707 do novo Código Civil.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.037879-5, da Comarca da Capital (2ª Vara de Família), em que é apelante H.L. e apelada R. O. M.:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
Custas na forma da lei
I -RELATÓRIO:
H. L. ajuizou ação de exoneração de alimentos contra R. O. M. pelos fatos e fundamentos jurídicos descritos na exordial de fls. 2/8, alegando, em síntese, que:
1. Casou-se com a Requerida em 10/07/82, com quem teve dois filhos;
2. Em 05/02/91 as partes separaram-se consensualmente e em 29/08/03 foi homologada a conversão da separação em divórcio, sendo que entre outras cláusulas do acordo, foi estabelecido o pagamento de pensão alimentícia, calculada sobre seu vencimento líquido do varão, no percentual de 15% para a Ré e 10% para cada um dos filhos do casal;
3. Posteriomente, a pensão alimentícia devida à filha mais velha passou a ser depositada diretamente em sua conta corrente, enquanto a pensão devida ao filho foi suspensa porque ele passou a residir com o pai;
4. O valor da pensão paga à ex-cônjuge corresponde a R$ 1.882,51 (na época do ajuizamento da ação, em 2003);
5. O Autor vem pagando pensão para a Ré há quase 13 anos, período em que esta não procurou exercer qualquer atividade laboral para garantir o seu sustento, não obstante tivesse, ao tempo da separação, 30 anos de idade e plenas condições para ingressar no mercado de trabalho;
6. Desde 1996 a Requerida vem mantendo relação concubinária com A. S.;
7. Do mesmo modo, o Autor, em 1993 constituiu nova família com C.T.L., com quem teve um filho, nascido em 12/11/97, além de ter sob sua dependência econômica a menor T. L. G., filha de sua atual companheira.
Ao final, requer a procedência do pedido para:
1. Ser-lhe concedida, em sede de antecipação de tutela, a exoneração da pensão alimentícia paga à Ré;
2. Ao final, exonerá-lo definitivamente do encargo alimentar devido à ex-cônjuge, condenando-a ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.
À causa foi atribuído o valor de R$ 22.590,12 e a inicial veio instruída com os documentos de fls. 9/46.
O pedido de tutela antecipada foi indeferido pelo Togado a quo às fls. 49.
Citada, a Ré ofereceu resposta em forma de contestação (fls. 62/68), aduzindo, em síntese, que:
1. São inverídicas as acusações feitas pelo Autor, na tentativa de denegrir a sua imagem;
2. Casou-se muito jovem com o Autor, sendo impedida por ele de exercer qualquer atividade laboral, sob o argumento de que sua função principal era cuidas dos filhos, impedimento que continuou existindo mesmo depois da desconstituição do casamento;
3. Passados 8 anos de casamento, a Ré, após suportar por diversas vezes agressões verbais e físicas, foi abandonada juntamente com seus filhos;
4. Durante a vida comum o Requerente possuía o hábito de beber, gerando situações constrangedoras perante a sociedade e os próprios colegas de trabalho;
5. A pensão paga pelo ex-marido é a única fonte de sua subisistência, não conseguindo ingressar no mercado de trabalho com a idade atual;
6. É inverídica a afirmação de que mantém união estável com outro homem, sendo que os documentos juntados pelo Autor nada provam quanto a alegada relação concubinária. Ademais, mesmo que tivesse um namorado, isso não seria causa para a exoneração, já que com o fim do casamento cessou também o dever de fidelidade;
7. O fato de o Autor ter constituído nova família não o desobriga de prestar alimentos, máxime porque os vencimentos auferidos mensalmente pelo Demandante são suficientes para prover o sustento da nova família bem como para cumprir com o encargo alimentar devido à Ré.
Impugnação à contestação às fls. 87/91.
Saneador às fls. 97, irrecorrido.
Foi produzida prova oral (fls. 122/129).
Encerrada a instrução, as partes apresentaram sua derradeiras alegações (fls.132/139 e 140/145).
Instado, o representante do Ministério Público manifestou-se às fls. 147/150.
Sentenciando (fls.151/158), o Magistrado a quo julgou o pedido improcedente, condenando o Autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso objetivando, em síntese, a reforma da sentença pelos mesmo motivos anteriormente expendidos.
Contra-razões às fls. 177/191.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Paulo Roberto de Carvalho Roberge (fls.197/204), opinou pelo provimento parcial do recurso.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.
É o relatório.
II -VOTO:
O recurso interposto pelo Autor há de ser conhecido e provido, pelas seguintes razões:
É fato incontroverso nos autos que o matrimônio dos litigantes manteve-se durante nove anos, verificando-se a separação consensual em 1991 e a conversão em divórcio homologada em 2003.
Também é incontroverso que, na época dos fatos, além do percentual destinado aos alimentos dos filhos então menores (20%), foi estabelecido 15% de pensão para a Recorrida, total a incidir sobre os seus vencimentos líquidos. Naquela ocasião, a Recorrida exercia apenas atividades do lar, na qualidade de mãe e esposa, não possuindo emprego remunerado, contando, na época, com 30 anos de idade.
Desde então, passados nada menos do que 16 (dezesseis) anos, a Recorrida quedou-se inerte na busca de aprimoramento de seus estudos e colocação profissional no mercado de trabalho, acomodando-se com a percepção dos alimentos pagos pelo ex-marido, durante todo este longo período.
Assinala-se, en passant, que para o deslinde da causa, pouco importa se o Recorrente constituiu nova entidade familiar ou se a Recorrida vive em união estável com outro homem, assim como não faz qualquer sentido, nesta etapa da vida dos litigantes, trazer à baila o relacionamento pretérito do casal, os motivos da dissolução do matrimônio ou o comportamento social ou familiar de qualquer um deles.
O ponto controvertido é único, qual seja: se o Recorrente tem direito ou não a ver acolhida a sua pretensão articulada na peça inaugural em demanda de exoneração da obrigação de prestar alimentos à sua ex-esposa, ou, outras palavras, no delineamento da admissibilidade da permanência da percepção dos alimentos por tempo indeterminado no confronto com o pedido formulado e juridicamente possível de exoneração da aludida obrigação.
Sobre a matéria, dispõe o art. 1.694, do nCC, in verbis: "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
" § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada."
A regra mencionada há de ser interpretada restritivamente e com comedimento, sem perder de vista que o dever de prestar alimentos para ex-conjuge ou ex-companheira não é perpétuo, sob pena de transformar-se em penalidade, o que é inadmissível.
Da não perpetuidade da obrigação alimentícia entre ex-cônjuges ou ex-companheiros advém o corolário da imprescindibilidade de cada um envidar todos os seus esforços para a manutenção de sua própria subsistência, não se admitindo que, em pleno século 21, prestigie-se o ócio de qualquer um deles em prejuízo do outro.
A "mens legis" contida no art. 1.694 do nCC está em sintonia com o dever de solidariedade entre ex-companheiros ou ex-cônjuges, até que o necessitado consiga adequar-se a nova realidade social e financeira, em prazo razoável, a ser concedido para a realização ou conclusão de cursos e obtenção de emprego compatível com a respectiva habilitação, sem que se prestigie a preguiça e a desocupação laboral.
No caso em exame, quando a Recorrida separou-se, contava com apenas 30 anos de idade, oportunidade em que deveria, paulatinamente, dar início a uma nova etapa de sua vida, adaptando-se a nova realidade social e econômica, assim considerada, entre outras facetas, o aperfeiçoamento de seus conhecimentos através de cursos técnicos ou universitários e o ingresso no mercado de trabalho.
Se, de início, essa mudança era de certa forma difícil, tendo em vista que os filhos, ainda menores, ficaram sob a sua guarda, com o passar dos anos, essa realidade foi modificando-se gradativamente, de maneira que pudesse refazer a sua nova vida, com plena independência financeira do ex-marido. Bastaria apenas que a Recorrida envidasse todos os seus esforços para atingir esses objetivos.
Não se diga também que o estudo ou trabalho que eventualmente viesse a empreender prejudicaria a educação de seus filhos. Se fosse assim, o que dizer das mulheres contemporâneas que colaboram de maneira cabal com o sustento da família sem descurar com os afazeres do lar?
Na verdade, estudar e/ou trabalhar em nada prejudica a educação dos filhos, ou, o amor, o carinho e a atenção a eles conferidos. O que se verifica, na prática, é a natural redução do tempo compartilhado com os entes queridos, o que não desmerece os genitores que se enquadram neste modelo ou põe em xeque a formação da prole.
Mesmo com o passar dos anos, com o crescimento e amadurecimento dos filhos (atualmente, Henrique tem 20 anos de idade e mora com o Pai desde 2001 e a filha Millene tem 23 anos), puramente por conveniência, preferiu a Recorrida manter-se às custas do ex-marido, percebendo há 16 anos nada menos do que 15% do seu vencimento líquido de Promotor de Justiça (aproximadamente R$ 2.000,00).
Como se não bastasse, a regra da irrenunciabilidade dos alimentos (art. 1.707, nCC) só se aplica à obrigação alimentar decorrente do jus sanguini, não se estendendo aos cônjuges ou companheiros, máxime porque, entre estes, a obrigação tem caráter meramente obrigacional fundado em solidariedade não permanente.
Outro não é o entendimento da melhor e dominante doutrina, assim como da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, encontrando-se superada, há muito, a súmula 379 do Supremo Tribunal Federal (STJ, 4ª T., Recurso Especial n. 94121/SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 27-8-1996; STJ, 3ª T., Recurso Especial n.85683/SP, rel. Min. Nilson Naves, j. 28-5-1996; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 48550/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 25-10-1994; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 40408/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 4-10-1994; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 37151/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 13-6-1994; STJ, 3ª T. Recurso Especial n. 19453/RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 14-4-1992; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 17719/BA, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 16-3-1992; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 9286/RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 11-11-1991; STJ, 3ª T., Recurso Especial n.36749/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23-8-1999; STJ, 4ª T., Recurso Especial n. 64449/SP, rel. Min. Bueno de Souza, j. 25-3-1999; STJ, 3ª T., Recurso Especial n. 95267/DF, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 27-10-1997; STJ, 4ª T., Recurso Especial n. 33815/SP, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 24-6-1997; STJ, 3ª T., Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 11690/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 8-10-2001; STJ, 4ª T., Recurso Especial n. 254392/MT, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13-2-2001; STJ, 4ª T., Recurso Especial n. 70630/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21-9-2000; RT, 731/278; 696/99; 563/210; tjsp, 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 68.603.4/4, rel. Des. Linneu Carvalho, j. 10-3-1998; TJSP, 5ª Câmara de Férias 'B' de Direito Privado, Apelação n. 11.350.4/7, rel. Dês. Marco César, j. 9-8-1996; TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 67.402-4/0, rel. Des. J. Roberto Bedran, j. 10-3-1998; TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento n. 090676-4/2, rel. Des. Mattos Faria, j. 23-2-1999). (Novo Código Civil Comentado, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 1404).
Sobre o tema, escreve Regina Beatriz Tavares da Silva: "A renúncia aos alimentos feita por cônjuge ou por companheiro é legítima. Os alimentos somente são irrenunciáveis se decorrentes de parentesco (jus sanguinis), sendo que o cônjuge e o companheiro não são parentes. Esclarece Yussef Said Cahali que, 'como os cônjuges são maiores e capazes, podem eles, de comum acordo, dispensar a prestação, reconhece-se ser lícito (...) renunciar à pensão, sem direito de exigi-la posteriormente' (Divórcio e separação, 10 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.225, apud Novo Código Civil Comentado, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 1404).
Deste posicionamento, não discrepa a jurisprudência das cortes estaduais:
APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. RENÚNCIA. PEDIDO DE ALIMENTOS APÓS LONGO TEMPO DE EXTINÇÃO DO VÍNCULO. IMPOSSIBILIDADE. Se a ex-companheira renuncia a alimentos quando da dissolução da união estável, não pode pleiteá-los cerca de 14 anos depois de extinto o vínculo. Ao cônjuge ou companheiro não se aplica o art. 404 do Código Civil de 1.916, segundo inteligência do art. 396 do mesmo diploma legal. (TJ-MG; AC 1.0701.04.079006-8/001; Uberaba; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Wander Paulo Marotta Moreira; Julg. 26/04/2005; DJMG 01/06/2005)
Com referência a irrenunciabilidade, convém destacar a lição de Sérgio Gilberto Porto:
"A nosso sentir, assiste razão àqueles que sustentam a renunciabilidade da obrigação alimentar decorrente do matrimônio. Com efeito, parece ser indiscutível a posição que considera irrenunciável apenas o alimentos derivados do jure sanguinis, aplicando-se, portanto, somente a estes a regra do art. 1.707 do CC. Assim, não sendo o cônjuge parente, seriam os alimentos devidos entre o marido e a esposa meramente obrigacionais e, portanto, dentro da esfera de disponibilidade de cada qual, podendo ou não renunciá-los, qualquer deles, na separação-divórcio do casal. Este é o entendimento que encontra respaldo nas lições de Washington de Barros Monteiro e Silvio Rodrigues." (in Doutrina e prática dos alimentos, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35).
Por outro lado, a Recorrida é mulher saudável, de boa formação e escolaridade, e, relativamente jovem (aproximadamente 45 anos), em perfeitas condições de ingressar no mercado de trabalho (em sintonia com o seu nível de escolaridade).
Como se não bastasse, constata-se que a Recorrida ficou muito menos tempo casada (9 anos) do que percebe alimentos do Recorrido (16 anos), tratando-se de verdadeira inversão de valores.
Ademais, para a percepção de alimentos, faz-se mister a identificação e harmonização do binômio necessidade e possibilidade. No caso, não resta a menor dúvida de que o Recorrente pode pagar pensão à Recorrida. Contudo, o outro requisito (necessidade) não se faz presente, se não vejamos: além dos argumentos já expendidos, inexiste qualquer óbice para que a Recorrida arque com a sua própria mantença.
A orientação deste egrégio Tribunal de Justiça é no mesmo sentido:
" ALIMENTOS - EXONERAÇÃO (...) Os alimentos devidos ao ex-cônjuge, por força da obrigação de mútua assistência, não se confundindo com indenização, servem para prover a subsistência de quem não pode fazê-lo sozinho; para isto, na lição de Clóvis, foi criado o instituto e não com a finalidade de "fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo..." (3a CC AC n. 98.001890-0, da Capital, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 03/11/1998).
E, do corpo do acórdão, retira-se o seguinte excerto:
"..."Diante de tal contexto, tenho que o acolhimento é imperioso. Afinal, alimentos servem para prover a subsistência de quem não pode fazê-lo sozinho. Do contrário, data maxima venia, estar-se-ia privilegiando e incentivando o ócio, atribuindo caráter comercial ao casamento, apequenando a alimentária, tornando-a eternamente dependente do alimentante, etc, etc, etc. Casamento não é negócio e pensão alimentícia não é indenização, aqui, ou seguro!
"ARNALDO RIZZARDO in DIREITO DE FAMÍLIA, Vol. II, Aide, 1994, p. 765, explica: 'De idêntico modo, dá-se a exoneração sempre que o alimentando, com seus ganhos, torna-se capaz apenas para o sustento próprio. De outro lado, não há que se pensar, relativamente aos ex-cônjuges, que a prestação alimentícia tem um fundo, senão uma natureza, de indenização. Por mais ampla que se conceba a indenização, não é justificável no casamento. Seria tratar a relação conjugal como simples contrato, indiferente aos valores e elementos que a tornam um instituto, que nasce primeiramente da própria natureza, e que apenas secundariamente atinge a esfera jurídica'.
"Como já mencionado, a reconhecida igualdade, cânone constitucional, efetiva inclusive nos encargos (Ap. cível n. 44.908, de Lages, rel. Des. FRANCISCO OLIVEIRA FILHO), não permite a manutenção de situações incompatíveis com este status. A evolução social, a atual condição da mulher, estão a exigir nova postura judicial. E isto, de certa forma, já ocorre.
"Veja-se, mutatis mutandis:
"'Direito de Família. Civil. Alimentos. Ex-cônjuge. Exoneração. Filho...(omissis).
"'Inaplicável à espécie, porque não se trata no caso de fixação de pensão alimentícia, o entendimento que se vem firmando no sentido de que, hodiernamente, dada a equiparação profissional entre mulheres e homens, ambos disputando em condições de igualdade o mercado de trabalho, não se mostram devidos, nas separações sem culpa, alimentos aos ex-cônjuges, salvo se comprovada a incapacidade laborativa de um deles' (STJ, RECURSO ESPECIAL N. 21.697-0-SP, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO).
"Não destoa o E. Tribunal de justiça:
"'Como bem acentua Yussef Said Cahali (op. cit., pág. 548), citando Clóvis, 'aquele que possui bens ou está em condições de prover à sua subsistência por seu trabalho, não tem direito de viver às custas dos outros. O instituto dos alimentos foi criado para socorrer os necessitados, e não para fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo. Eles se dão, pietatis causa, ad necessitatem, e não ad utilitatem e, muito menos, ad voluptatem'. E completa, mais adiante, mencionando Lourenço Prunes, que 'o indivíduo válido, com capacidade, pleiteará alimentos simplesmente porque está desempregado; precisará prova que não consegue ocupação, ou que tem dificuldades de consegui-la, sejam por suas condições personalíssimas, seja por fatores ligados ao mercado de trabalho' (pág. 551) concluindo que, 'assim, se a lei impõe ao mesmo tempo o dever que tem o indivíduo de produzir ou tentar produzir para viver, antes de invocar o auxílio de outrem, exercitando desse modo o senso de responsabilidade de todo homem, compelindo-o a trabalhar para utilidade própria e de seus familiares, como sobretudo para o bem geral, não se pode negar a esse preceito universal a ressalva de impossibilidade, pois ad impossibilia nemo tenetur' (pág. 552)' (Agravo de Instrumento n. 96.006760-4, de Pomerode, rel. Des. PEDRO MANOEL ABREU) (sublinhei).
"E mais adiante acrescenta o ilustre Magistrado:
"'...embora se tenha de reconhecer que, na atualidade, em razão da separação do casal, a mulher terá de entender deve se adaptar a uma nova realidade, não podendo exigir permanência do status quo ante, com o mesmo padrão de vida que suportaria se separada não fosse do cônjuge, pois isto é fruto da própria contingência' (mesma obra, pág. 557 - sem grifo no original)'
"É do mesmo Egrégio Tribunal:
"'ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA NECESSIDADE. DIREITO QUE SE FUNDA NO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
"'O instituto dos alimentos foi criado para socorrer os necessitados e não para fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo (Beviláqua, Clóvis, Comentários ao Código Civil, 7ª ed., vol. 2, pág. 390, apud Santos, Gizelda Maria Scalon Seixas, União Estável e Alimentos, 1996, Editora de Direito Ltda., São Paulo, pág. 97).
"'Sem a prova da necessidade - elemento que compõe o binômio necessidade/possibilidade, no qual se funda o direito de postulá-los - não há ensejo à sua concessão' (Apelação cível n. 96.001211-0, da comarca da Capital, rel. Des. SÉRGIO PALADINO)" (fls. 118/121)..."
E mais:
" ALIMENTOS. EX-ESPOSA JOVEM E SAUDÁVEL. EXONERAÇÃO APÓS 10 ANOS DE DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. TRATAMENTO IGUALITÁRIO. EXEGESE DO ART. 226, § 5º, DA CF. RECURSO DESPROVIDO. "Com a chegada da Constituição de 1988, estatuindo a perfeita igualdade jurídica entre o marido e a mulher, os deveres conjugais passaram a correr tanto em mão como em contramão, podendo ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), assim 'precisa a mulher se afastar e refugar a ultrapassada noção chauvinista de pretensos direitos de ser sustentada. Deve trabalhar como todos, presente a igualdade dos sexos constitucionalmente conquistada'." (Yussef Said Cahali). Para fazer jus a alimentos, não basta comprovar a possibilidade que tem o alimentante de prestá-los. Antes, deve restar demonstrada a necessidade do alimentado e o direito de recebê-los, sob pena de se transformar esse que é um dos mais nobres institutos do direito privado, em permanente e inesgotável fonte de renda e estímulo à ociosidade." (4a CC, AC 98000117-0, Capital, Rel. Des. Francisco Borges, j. 8/4/98).
Ainda:
" Exoneração de alimentos (...) Se mulher jovem e saudável pode trabalhar e prover o próprio sustento, não se pode transformar o instituto dos alimentos em permanente e inesgotável fonte de renda e estímulo à ociosidade." (4a CC, AC 00012402/8, de Joinville, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 21/9/00).
Em arremate, cita-se entendimento precedente já esposado por esta egrégia Primeira Câmara de Direito Civil, em acórdão da lavra do eminente Desembargador Carlos Prudêncio:
"Não há razão para que a pensão alimentícia perpetue-se através dos tempos quando o vínculo matrimonial já se desfez. Cada um, sendo perfeitamente capaz de trabalhar, deve procurar seu sustento de forma honesta e individualmente, sem configurar o casamento eterna fonte de rendimentos." (AC 20020077486-7, DJ 5/12/02).
Em síntese: o requisito "necessidade" está intimamente ligado a impossibilidade do alimentando auto-sustentar-se, não se confundindo com a ociosidade deliberada. In casu, o que se constata, é que a Recorrida, mesmo depois de separada e divorciada, jamais desejou trabalhar, optando por viver às custas do ex-marido, o que é inaceitável.
Se outro for o entendimento, isto é, no sentido de que a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, em situações idênticas ou similares ao caso em exame equipara-se à "pensão vitalícia", como fonte eterna e inesgotável de rendimentos, por certo, num futuro não muito distante, mas ninguém, em sã consciência, contrairá matrimônio ou viverá em união estável, sob pena de ser penalizado, caso dissolvido o vínculo, com o pagamento perpétuo de alimentos. Sem dúvida, entendimento teratológico desta ordem não prevalecerá jamais.
Por outro lado, diante das particularidades do caso, não se afigura prudente exonerar-se, de plano, o Recorrente da obrigação de alimentar, sendo de bom alvitre que se conceda um prazo peremptório razoável para que a Recorrida organize a sua vida pessoal financeira, de maneira a não ficar desprovida, de um momento para outro, de qualquer rendimento.
Por esses motivos, reduz-se a pensão alimentícia ao equivalente a 2 (dois) salários mínimos, pelo prazo improrrogável de um ano e meio, a contar da data da publicação do acórdão, termo definido para a exoneração da obrigação alimentícia.
Condena-se a recorrida ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 3.000,00, com fulcro no art. 20, § 4o, do CPC.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reduzir o valor da pensão alimentícia para 2 (dois) salários mínimos, pelo prazo peremptório de um ano e meio, termo definido para a exonerado da obrigação alimentar.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Carlos Prudêncio e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo Roberto de Carvalho Roberge.
Florianópolis, 9 de maio de 2006.
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
PRESIDENTE P/ ACÓRDÃO
Joel Dias Figueira Júnior
RELATOR DESIGNADO P/ ACÓRDÃO
Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio:
Ousei divergir da douta maioria pelos motivos que ora seguem:
Inicialmente, vale frisar que o principal argumento do apelante H.L. para se ver exonerado da pensão alimentícia é o relacionamento mantido pela apelada R.O.M. com o senhor A.S.
Entretanto, segundo as provas produzidas nos autos, o envolvimento do citado casal é apenas um 'namoro' de contatos esporádicos e sem o caráter da efetividade, o que não configura uma relação de concubinato.
É pacífico na jurisprudência e na doutrina que o simples namoro da alimentanda com outra pessoa não afasta o dever alimentar, tendo em vista que somente com a comprovação cabal de constituição de nova família é que se poderia extinguir tal obrigação.
E, ainda, acórdão da Primeira Câmara de Direito Civil, na Apelação Cível n. 1998.007571-8, da Capital, publicada no DJ de 3-12-1998, in verbis:
"A alegação de concubinato ou mesmo da conduta moral inconciliável com o direito de alimentos, por parte de mulher, há que ser cumpridamente demonstrada. Simples indícios e presunções, desacompanhados de fatos concretos, não autorizam pedido de exoneração, de gravíssimas conseqüências para a alimentanda, eis que o reconhecimento dessa motivação implica a perda em definitivo dos alimentos." (RJTJRGS - 125/414) (Rel. Des. Orli Rodrigues).
Com relação ao argumento de que a apelada R.O.M. é mulher jovem e saudável, tendo plena capacidade de prover-se, também não logrou êxito o apelante H.L.
O que se percebe dos autos é que a apelada é uma mulher de 45 anos de idade, ou seja, goza de idade avançada para o mercado de trabalho e sem qualificação, o que por certo dificultará, ou, impossibilitará a alimentanda de, mesmo com muita disposição laborativa, obter trabalho ou uma fonte de renda razoável para a sua subsistência.
Conforme muito bem expôs o digno Togado de primeiro grau em sua judiciosa sentença:
"Cabe mais enfatizar o que o próprio autor afirma em seu depoimento pessoal que quando se casaram a requerida não trabalhava, que durante o casamento a requerida ficou cuidando dos afazeres domésticos e das funções maternais; que diante da tenra idade dos filhos o depoente recomendava sobre a não necessidade da requerida trabalhar; que além de tal recomendação a requerida não revelava vontade de exercer uma atividade remunerada e nem prosseguiu nos estudos (...) que quando casou já fazia parte do Ministério Público e a esposa e filhos sempre o acompanharam nas comarcas onde trabalhou, demonstrando que a ré privou-se de seus interesses pessoais em favor da prole. Ora, apesar de consignar que até não externou interesse em qualificar-se profissionalmente, é certo que a tal desiderato da mesma aderiu o autor, eis que como ele próprio afirma, indicava a presença da esposa cuidando das lides domésticas com curial à formação dos filhos e consequentemente da família, sendo esta a razão que impediu-a de buscar formação profissional adequada. Ainda por este prisma, os alimentos são igualmente devidos, consoante art. 1.695 da Lei Civil". (fl. 157).
Ora, não há dúvidas de que retirar a atual fonte de subsistência da apelada ou diminuir a pensão alimentícia para 2 salários mínimos, é sinônimo de abandono, cujo encargo, com certeza, o apelante tem condições de honrar, tendo em vista que a constituição de nova família pelo alimentante, não tem o condão de afastar sua obrigação alimentar.
Outro não é o entendimento deste Tribunal de Justiça, conforme Apelação Cível n. 2004.006735-6, de Pinhalzinho, publicado no DJ de 24-8-2004, verbis:
A constituição de nova família não possui o condão de exonerar ou permitir a redução da verba alimentar previamente acordada, eis que o alimentante estava ciente da obrigação dantes assumida, cabendo a este zelar para que a formação de novo relacionamento não influenciasse no padrão alimentar anteriormente percebido pela alimentada (Rela. Desa. Salete Silva Sommariva).
Por conseguinte, diante de todo o exposto, voto no sentido de reduzir a pensão alimentícia para o patamar de 7,5 salários mínimos, sem a fixação de prazo mínimo para a exoneração do apelante.
CARLOS PRUDÊNCIO
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC. Civil. Alimentos. Ação de exoneração de pensão alimentícia ajuizada por ex-marido. União desfeita há mais de 16 anos. Casamento mantido por tempo inferior (9 anos). Mitigação da regra de irrenunciabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2010, 07:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/19273/tjsc-civil-alimentos-acao-de-exoneracao-de-pensao-alimenticia-ajuizada-por-ex-marido-uniao-desfeita-ha-mais-de-16-anos-casamento-mantido-por-tempo-inferior-9-anos-mitigacao-da-regra-de-irrenunciabilidade. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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