EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO - VENCIMENTOS PAGOS COM ATRASO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - LITISPENDÊNCIA COM RELAÇÃO A UM DOS AUTORES - EXTINÇÃO DO PROCESSO (ART. 267, V, CPC) - HOMONÍMIA - AUTORES DIFERENTES COM O MESMO NOME - PROVAS - AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE PARTES - CAUSA EXTINTIVA INEXISTENTE - RECURSO PROVIDO - PRESCRIÇÃO - POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE OFÍCIO - TERMO INICIAL - NASCIMENTO DA PRETENSÃO - DATA DO PAGAMENTO EFETIVO DO SALÁRIO COM ATRASO - PRESCRIÇÃO PARCIAL RECONHECIDA.
Para o reconhecimento da litispendência é necessária a prova da identidade das partes, do objeto e do pedido. Restabelece-se ao pólo ativo da ação o autor que comprovou a homonímia que inadvertidamente o alijara do processo.
A prescrição pode ser declarada ex officio em benefício do Poder Público mesmo em se tratando de ações com mero interesse patrimonial, pois toda matéria envolvendo o patrimônio público é de direito indisponível e de elevado interesse público.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.009200-1, da Comarca da Capital, em que é apelante Luiz Henrique Dutra, sendo apelado o Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento ao recurso e, de ofício, reconhecer a prescrição da pretensão relativa a algumas das prestações.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO
Na Comarca da Capital, Amarildo Farias de Oliveira, Eliete Terezinha Garcia Neis, Ivon Domingos Braga, Jair da Silva Fidelis, Luiz Henrique Dutra, Marli Terezinha Martinhago Aguiar, Maria Helena Pereira, Maria Lúcia Vieira, Oneli Salete Baruffi de Oliveira e Saturno Furquim Filho ajuizaram "ação ordinária de reconhecimento de direito c/c cobrança" contra o Estado de Santa Catarina, sustentando que são servidores públicos estaduais; que seus vencimentos relativos aos meses de outubro, novembro e dezembro de 1998, foram pagos com atraso, em desrespeito à norma do art. 27, inciso VIII, da CE/89, e sem a incidência de juros legais e correção monetária, contrariando o art. 196, da Lei Estadual n. 6.745/85; que, por isso, fazem jus aos juros legais e à correção monetária referentes ao período em que os vencimentos dos meses de outubro, novembro e dezembro/98 se mantiveram inadimplidos.
Citado, o Estado de Santa Catarina contestou alegando, preliminarmente, litispendência com relação ao autor Luiz Henrique Dutra que teria promovido ação anterior com o mesmo objeto. No mérito, disse haver prescrição da pretensão relativa aos encargos anteriores a cinco anos da citação válida e que os juros, acaso devidos, são na ordem de 6% ao ano e somente a partir da citação.
Houve réplica (fls. 67 a 72).
Com vista dos autos, o Ministério Público de primeiro grau não se manifestou acerca do mérito da questão, por entender inexistente o interesse público.
Sentenciando, o digno Magistrado acolheu a preliminar de litispendência, extinguindo o feito com relação a Luiz Henrique Dutra e o condenou ao pagamento de honorários arbitrados em R$ 300,00. No mais, acolheu o pedido formulado na inicial e condenou o réu a pagar aos autores a correção monetária e os juros legais de 0,5%, condenando as partes à sucumbência recíproca, respeitada a isenção de custas do Estado e a gratuidade processual dos autores. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
Inconformado, Luiz Henrique Dutra apela sustentando equívoco da sentença, já que não é ele quem figura no pólo ativo de outra ação com o mesmo objeto, mas sim, um homônimo seu. Aduz, ademais, que o Estado não comprovou a qualificação do autor nos autos de número 023.03.661553-9, de modo que não pode ser acolhida a preliminar de litispendência. Propugna, ao fim, o afastamento da prefacial referida e a extensão da procedência da actio para si.
O Estado contra-arrazoou às fls. 89 e 90, admitindo seu equívoco ao levantar a litispendência, já que o autor daquela ação trata-se mesmo de homônimo do autor desta, e concordou com o acolhimento do recurso.
Os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça deixou de se manifestar com fulcro no Ato 103/04/MP, por entender ausente o interesse público.
II - VOTO
A lide versa acerca da pretensão do apelante e demais autores de perceberem os juros de mora e correção monetária decorrentes do pagamento de seus vencimentos com atraso.
RECURSO VOLUNTÁRIO
Atacando a sentença que entendeu haver litispendência com relação a si, sustenta o recorrente Luiz Henrique Dutra a inexistência de referida causa extintiva da ação, por ter-se verificado, no caso, homonímia entre o autor da presente demanda e o da demanda pretensamente litispendente, ou seja, a ação nº 023.03.661553-9, que tramita da Vara da Fazenda Pública desta Capital, possui autor com o mesmo nome do recorrente, mas se trata de outra pessoa.
De fato, assiste razão ao apelante.
Diz-se haver litispendência quando coincidem, em duas demandas ainda não julgadas definitivamente, as partes, o pedido e a causa de pedir. Nos termos do artigo 301, §§ 2º e 3º, a litispendência reclama, em síntese, identidade de lides ainda em curso. Isso ocorre, no dizer de José Joaquim Calmon de Passos (in Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 265), quando "são os mesmos sujeitos que contendem a respeito do mesmo bem da vida e pela mesma causa".
Tem orientado a jurisprudência:
"Ajuizada outra ação versando sobre a mesma matéria ventilada na lide, com as mesmas partes e a mesma causa de pedir e pedido, resta caracterizada a litispendência e, por conseguinte, inexorável a sua extinção" (TJSC, Ap. Cív. 1999.015335-5, de Criciúma, Rel. Des. Dionízio Jenckzac)
"Em consonância com tais conceitos, ocorre a litispendência na hipótese em que servidor público federal impetra mandado de segurança objetivando a anulação do ato demissório e sua conseqüente reintegração ao cargo anteriormente ocupado, reproduzindo pleito formulado em ação de rito ordinário anteriormente ajuizada perante a Justiça Federal.
"Mandado de segurança extinto sem julgamento do mérito." (STJ, MS 7245/DF, Rel. Min. Vicente Leal, DJU Data: 04/02/2002).
In casu, entendeu a r. sentença ser o caso de litispendência porque tanto nesta ação quanto na de nº 023.03.661553-9, em trâmite na Vara da Fazenda da Comarca da Capital, a pessoa com o nome de Luiz Henrique Dutra litiga para haver os juros e a correção monetária referentes aos vencimentos de outubro, novembro e dezembro de 1998 pagos com atraso.
Quer dizer, julgou haver identidade de causas de pedir - o atraso no pagamento dos vencimentos de outubro, novembro e dezembro de 1998 -, de pedidos - a condenação do Estado ao pagamento dos encargos da mora decorrentes do retardamento aludido - e de partes: em ambas, figura como autor Luiz Henrique Dutra.
Mas para que haja identidade de sujeitos, e, portanto, o reconhecimento da litispendência, se o objeto e o pedido são os mesmos em ambas as ações, é preciso que o demandado alegante comprove que é a mesma pessoa que promoveu as duas ações.
Ocorre que, de fato, os documentos juntados às fls. 62 a 65, embora capazes de demonstrar a identidade dos pedidos e causas de pedir, não demonstram que o autor da presente demanda é o mesmo que figura naquela outra. A cópia da petição inicial daquela actio não singulariza suficientemente o autor Luiz Henrique Dutra, de molde a permitir que se afirme tratarem-se da mesma pessoa, ou seja, não indica a sua profissão, o número de sua matrícula, registro civil, cédula de identidade, CPF ou qualquer outro elemento capaz de identificá-lo perante eventual homônimo.
Sobreleva ressaltar que, por tratar-se de fato extintivo do direito do autor (ainda que extintivo apenas de seu direito de ação), compete ao Estado-réu o ônus da prova da identidade das partes, nos termos do inciso II do artigo 333 do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, também compreende a jurisprudência:
"Nos termos da norma engastada no art. 333, II, do Código de Processo Civil, é do réu o ônus da prova quanto a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
"[...]
"São diversas as causas de pedir de duas ações de cobrança que visem ao recebimento de encargos condominiais relativos a períodos distintos. Ausente a identidade de ações, não há que se falar em coisa julgada. (TJSC, Ap. Cív. n. 2004.028634-1, de São José, Rel. Des. Luiz Carlos Freyeslebem)
Assim, não há, no caso, prova de que se trata efetivamente da mesma pessoa, e não de caso de homonímia, de maneira que, deficientemente particularizada a pessoa que figura como autora, não há como acolher preliminar de litispendência.
Bem ao contrário, por ocasião de suas contra-razões, o próprio réu/apelado admitiu o seu equívoco em ter levantado a prefacial sem o devido cuidado de identificação bastante, demonstrando, por meio do documento então trazido à fl. 91, tratarem-se os autores desta e daquela ação de homônimos, ou seja, de pessoas distintas.
Portanto, a medida que se impõe diante das evidências dos autos, é o provimento recursal, com a conseqüente extensão da procedência do pedido - pelos mesmos fundamentos lançados com relação aos demais autores - ao autor/recorrente.
RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO NECESSÁRIO
A sentença não se submete ao reexame necessário de que trata o art. 475, inciso I, do Código de Processo Civil, porque os valores pleiteados pelos autores, individual o coletivamente, não atingem os sessenta (60) salários mínimos previstos para a alçada, consoante o disposto no § 2º, do mencionado artigo, com a redação dada pela Lei n. 10.352/01.
Todavia, é preciso esclarecer que, muito embora as leis substantiva e adjetiva civil estabelecessem, no passado, que a alegação de prescrição não poderia ser suprida de ofício pelo magistrado, em se tratando de feitos envolvendo a Fazenda Pública, essa prejudicial de mérito poderia, sim, ser conhecida e decretada de ofício.
Isso porque, a despeito de a lide tratar de direito patrimonial e, portanto, em regra, disponível, quando esse direito é pertencente a uma pessoa jurídica de direito público, perde a característica de disponibilidade. É a chamada indisponibilidade subjetiva, que impede as pessoas jurídicas de direito público de disporem de seus interesses e direitos, exatamente porque não são exatamente e apenas seus, mas de toda a coletividade.
Assim, José Rogério Perrud afirma que:
"Uma vez considerados indisponíveis os bens e direitos que compõem o patrimônio público, surge como conseqüência o dever do Juiz de pronunciar a prescrição independente de argüição pela entidade pública acionada.
"É certo que dispõe o Código Civil, no artigo 166, que: 'O juiz não pode conhecer da prescrição de direitos patrimoniais, se não foi invocada pelas partes.
"Todavia, é necessário fazer adequada interpretação desse texto legal. A lei não disse, conquanto devesse ter dito, que os direitos patrimoniais a que se refere são os disponíveis , ou seja, de cunho privado, em relação aos quais a lei civil confere aos seus titulares a faculdade de alegar, ou não, a prescrição. Contudo, foi essa a mens legislatoris. Ocorre que partiu o legislador da premissa de que todos os direitos patrimoniais seriam disponíveis, o que, conforme demonstramos, não é verdade" (in Entes de direito público. Direitos indisponíveis. Conseqüências da afirmação, Revista de Direito Administrativo Aplicado 13/378).
De todo modo, a disposição indevida dos recursos públicos que poderia advir da inércia do ente público em alegar a prescrição podia, de ofício, ser corrigida pelo Poder Judiciário, já que eivada de vício de legalidade. Ora, se a lei não autoriza aludida disposição, o ato que a concretiza é nulo, por ilegal. E como nulidade de que se trata, pode, e deve, ser conhecida e declarada de ofício pelo órgão judicante que é, em última análise, a quem cabe zelar pelo cumprimento da lei.
Nesse sentido é a jurisprudência desta Casa:
"PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE" (TJSC, ACV nº 2000.000893-1, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho).
"PRESCRIÇÃO. DIREITO PATRIMONIAL PÚBLICO. ARGÜIÇÃO EM QUALQUER INSTÂNCIA OU MESMO DECRETAÇÃO DE OFÍCIO.
"(...).
"Em favor da pessoa jurídica de direito público, a prescrição pode ser decretada de ofício" (TJSC, ACV nº 1999.019216-4, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
"TRIBUTÁRIO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - INCONSTITUCIONALIDADE - PRESCRIÇÃO EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA - DECLARAÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE
"(...)
"2. A prescrição em favor da Fazenda Pública pode ser declarada de ofício" (TJSC, ACV nº 00.003757-5, Rel. Des. Newton Trisotto).
A Lei n. 11.280, de 16.02.2006, ao alterar a redação do § 5º, do art. 219, do Código de Processo Civil, bem como revogar o art. 194, do Código Civil de 2002, possibilitou o reconhecimento, de ofício, da prescrição, não somente no tocante à pretensão relativa a direitos indisponíveis, como a qualquer direito.
Desse modo, não há dúvida sobre a possibilidade de reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão de pagamento dos encargos de algumas das prestações dos vencimentos pagos com atraso.
Visto isso, passa-se à análise relativa ao dies a quo do prazo prescricional da pretensão ao recebimento dos juros de mora e da correção monetária decorrentes do pagamento de vencimentos com atraso.
O artigo 189 do Novo Código Civil estabelece:
"Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".
Pretensão, no dizer de Humberto Theodoro Júnior, é "o poder ou a faculdade de exigir de alguém uma prestação (ação ou omissão)" (in Comentários ao Novo Código Civil, v. 3, t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 181) ou, conforme ensina Pontes de Miranda, "a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa" (in Tratado de Direito Privado, v. V. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 451).
Já a prescrição se define como a extinção da pretensão do direito de reagir contra a violação do direito subjetivo, pelo decurso do tempo. Não se confunde com a decadência, que é a extinção do próprio direito subjetivo. Direito subjetivo e pretensão, releva destacar, não se confundem: esta corresponde ao direito de exigir a satisfação daquele em juízo.
Tendo isso em consideração, a solução da lide reclama que se atente para o fato de que o nascimento do direito aos juros de mora e correção monetária não se confunde com o nascimento da pretensão aos juros de mora e correção monetária. Há que se aferir, no caso, quando se deu o nascimento da pretensão do direito pleiteado, pois é deste que o prazo prescricional de cinco anos começa a fluir. De outro modo, estar-se-ia discutindo decadência, da qual não trata o artigo 1º do Decreto-lei nº 20.910/32.
Nessa toada, tem-se que o nascimento do direito aos juros de mora e da correção monetária se deu - como o próprio nome dos institutos sugere - com a mora, ou seja, com o atraso no pagamento dos vencimentos aos apelantes. Do não pagamento dos vencimentos devidos em tempo, surge para os credores o direito de percepção dos encargos moratórios, em razão do atraso no cumprimento da prestação, no caso, legal.
Este direito, embora exigível desde o seu nascimento e não pago pelo apelado, não foi tampouco negado pelo Estado de Santa Catarina ou exigido, concretamente, pelos apelantes, ou seja, não foi resistido. Foi, ao revés, objeto de acordo entre as partes, conforme atestam os documentos de fls. 13 e seguintes, por meio do qual os vencimentos seriam pagos a partir de novembro de 1998, com relação às parcelas de outubro e novembro de 1998, para os servidores que percebessem até R$ 500,01 (quinhentos reais e um centavo), e a partir julho de 1999, para os demais.
Ao assim acordarem, os apelantes abriram mão, até esta data, da exigibilidade dos salários e dos encargos da mora ora discutidos. Até o pagamento efetivo dos atrasados aos servidores apelantes, portanto, vigia um ajuste entre as partes que condicionava o pagamento dos atrasados, acrescidos dos juros e correção monetária, a certo termo, fazendo-o, pois, inexigível até a verificação deste. Se não podia ser exigido mas não podia ser negado. E se não podia ser negado, não há como o direito ter sido violado antes da data aprazada, de molde a gerar a pretensão.
Portanto, assim condicionado o pagamento, não há como se falar em violação de direito e em curso da prescrição, mesmo porque é consabido que não corre o prazo referido na pendência de condição suspensiva ou de vencimento de prazo (artigo 199, Código Civil).
Com base neste dispositivo de lei, aliás, é que Humberto Theodoro Júnior afirma que "não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas a condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição. Termo e condição suspensiva, nessa ordem de idéias, são causas que impedem a prescrição, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso". (in Comentários ao Novo Código Civil, v. 3, t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 175).
De modo tal, frisa-se, não havia - até a data do efetivo pagamento dos atrasados conforme o acordado - violação do direito aludido, capaz de dar gênese à pretensão de haver os juros de mora e a correção monetária eis que não havia pretensão resistida aos encargos da mora.
Sim, porque os servidores estaduais esperavam que na oportunidade do pagamento do principal, o Estado de Santa Catarina pagaria também os encargos decorrentes da mora, que são os juros legais e a correção monetária, pois o art. 196 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina determina que "os atrasos de pagamento do vencimento serão corrigidos pelos índices da correção monetária e juros legais" e o art. 117, da Constituição do Estado de Santa Catarina, por sua vez, prevê que "as dívidas dos órgãos e entidades da administração pública serão, independentemente de sua natureza, quando inadimplidas, monetariamente atualizadas, a partir do dia de seu vencimento e até o de sua liquidação, segundo os mesmos critérios adotados para a atualização de obrigações tributárias"".
Embora, portanto, existente, o direito aos encargos decorrentes da mora não fora violado até a data em que os pagamentos dos vencimentos atrasados foram feitos sem a devida inclusão da quantia àquele direito referente.
Somente a partir destes pagamentos é que se verificou a violação do direito aos juros de mora e à correção monetária e, logo, o nascimento da pretensão à satisfação desse direito. Somente a partir do pagamento dos vencimentos sem a adição dos encargos é que surgiu para os servidores o direito de ação para satisfação de sua pretensão, que se viu resistida naquele instante. Por conseguinte, é dessa data que passou a fluir o prazo de prescrição.
A jurisprudência dominante deste Pretório é concorde:
"ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - VENCIMENTOS PAGOS COM ATRASO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO - TERMO INICIAL.
"(...)
"2. O termo inicial do prazo para o servidor público propor ação objetivando a cobrança dos juros moratórios e da correção monetária incidentes sobre os vencimentos percebido com atraso flui da data em que ocorreu o pagamento, sem os consectários da mora, e não daquela em que deveriam ter sido pagos: último dia útil do mês a que correspondem (CESC, art. 27, VIII)". (TJSC, ACV nº 2005.029989-1, rel. Des. Newton Trisotto)
"PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - CONTAGEM DO PRAZO - MARCO INICIAL - VENCIMENTO - ATRASO NO PAGAMENTO - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
"Somente a partir da data em que foram efetuados os pagamentos em atraso é que se pode exigir a atualização do valor e os juros decorrentes da mora; exatamente nessa data é que surgiu o direito dos servidores à percepção das diferenças não pagas" (TJSC, ACV nº 2005.030164-6, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
Não se pode afirmar, doutro lado, que os juros de mora e a correção monetária, por se tratarem de acessórios da prestação principal - que é o pagamento dos vencimentos - seguem-lhe a sorte, porque nem sempre tal se sucede, ainda mais em se tratando de juros. A presunção de que o acessório segue o principal não é absoluta, de modo que admite fato que o torne independente. Desta forma, o fato de a obrigação principal ter-se extinto, não significa necessariamente que também se tenha extinto a pretensão de juros e correção monetária. E é o que ocorre nos autos, até porque o pagamento de vencimentos ocorre sob imposição do Estado, sem a correspondente aceitação expressa do servidor que não quita, portanto, os encargos de mora que efetivamente não recebeu.
A esse propósito, ensina Sílvio de Sálvio Venosa:
"Deve ser lembrado que a relação de dependência dos juros surge quando do nascimento da dívida. Isso porque, excepcionalmente, após o nascimento da dívida, os juros podem se autonomizar. É possível acontecer que a obrigação de juros destaque-se da obrigação principal e tenha vida autônoma, mas seu nascimento é sempre acessório e assim será sua natureza". (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2003, p. 157)
E reforça Humberto Theodoro Júnior:
"As obrigações que geram prestações periódicas (aluguéis, juros, alimentos, etc.) desdobram-se, para efeitos de prescrição, em múltiplas obrigações. Cada prestação vencida é tratada como uma pretensão individualizada e sujeita a prescrição própria (art. 206, §§ 2º e 3º)." (Comentários ao Novo Código Civil, v. 3, t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 178 - destacou-se).
Nessa senda, contando-se o prazo prescricional de cinco anos (art. 1º, do Decreto n. 20.910/32) a partir das datas de pagamento (novembro de 1998 e julho de 1999) e tendo em conta que o Estado de Santa Catarina tinha até o último dia do mês para efetuar os pagamentos (artigo 27, VIII, CE/SC), infere-se que este somente expirou em 30 de novembro de 2003 - relativamente às parcelas de outubro e novembro de 1998, para os servidores que percebiam até R$ 500,01 (quinhentos reais e um centavo) - e a partir de 31 de julho de 2004, no que tange às demais.
Confrontando essas datas com a do ajuizamento da ação, que se deu em 27 de fevereiro de 2004, verifica-se que se enquadram na primeira delas (prescrição em 30 de novembro de 2003) as prestações dos encargos relativos aos vencimentos de outubro de 1998, de Amarildo Farias de Oliveira, Eliete Terezinha Garcia Neis, Oneli Salete Baruffi de Oliveira e Saturno Furquim Filho e as dos encargos relativos aos vencimentos de novembro de 1998 de Amarildo Farias de Oliveira, Eliete Terezinha Garcia Neis e de Saturno Furquim Filho, estando - porque anterior ao ajuizamento aludido - prescrita a pretensão do pagamento de tais encargos.
Na segunda data (prescrição a partir de 31 de julho de 1999), enquadram-se todas as demais prestações. A ação, portanto, está dentro do prazo prescricional, com relação a elas.
Desta feita, impõe-se reformar parcialmente, de ofício, o julgado de primeiro grau para afastar a condenação relativa aos encargos da mora decorrentes do atraso no pagamento dos vencimentos do mês de outubro de 1998 dos servidores Amarildo Farias de Oliveira, Eliete Terezinha Garcia Neis, Oneli Salete Baruffi de Oliveira e Saturno Furquim Filho e de novembro de 1998 de Amarildo Farias de Oliveira, Eliete Terezinha Garcia Neis e de Saturno Furquim Filho, porquanto atingidos pela prescrição.
A execução de sentença abrangerá, portanto, os encargos da mora relativos a todas as demais prestações.
À vista do exposto, provê-se o recurso voluntário para restabelecer o autor Luiz Henrique Dutra no pólo ativo da demanda, determinando que a condenação do Estado abranja os encargos da mora dos vencimentos a ele pagos com atraso, nos mesmos moldes do que se fez na sentença com os demais autores, invertendo-se os ônus da sucumbência que passam a obedecer ao comando relativo aos demais autores; e, de ofício, reforma-se parcialmente a sentença, para reconhecer a prescrição nos termos acima definidos. A sucumbência recíproca já foi definida na sentença.
III - DECISÃO
Nos termos do voto relator, a Câmara, após debates, decidiu, à unanimidade, dar provimento ao recurso e, se ofício, reconhecer a prescrição da pretensão relativa a algumas das prestações.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Desembargadores Francisco Oliveira Filho e Cid Goulart.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o eminente Procurador Francisco José Fabiano.
Florianópolis, 29 de agosto de 2006.
Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE COM VOTO
Jaime Ramos
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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