EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ASSEMBLÉIA QUE DELIBEROU ACERCA DA INTEGRALIZAÇÃO DOS DIVIDENDOS SOCIETÁRIOS - INSURGÊNCIA DE SÓCIA RETIRANTE QUANTO À PARCELA QUE LHE CABERIA - SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PELO ACOLHIMENTO DA TESE DE QUE COM A NOTIFICAÇÃO NÃO SERIA MAIS SÓCIA, LOGO, SEM LEGITIMIDADE PARA CONTESTAR ATOS POSTERIORES DE DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS REMANESCENTES - APELO - RECURSO ASSENTADO NA ALEGAÇÃO DE PRESENÇA DE LEGITIMIDADE POR DOIS FUNDAMENTOS: A) RETIRANTE QUE CONTINUARIA COMO SÓCIO ATÉ FINAL DECISÃO; B) IDENTIFICAÇÃO DE INTERESSE EM DEFENDER PARCELA DE LUCRO QUE LHE CABERIA E QUE A SOCIEDADE ESTARIA A LANÇAR MÃO PARA AUMENTO DE CAPITAL - PRELIMINAR - AFASTAMENTO DA PRELIMINAR PELO SEGUNDO FUNDAMENTO RECURSAL - INTERESSE DE AGIR RECONHECIDO - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM AFASTADA - MÉRITO - JULGAMENTO DO MÉRITO PELAS REGRAS DO ART. 515, §3º, CPC - PRETENSÃO PARCIALMENTE CABÍVEL - LUCROS GERADOS PELA ATIVIDADE EMPRESARIAL AO TEMPO EM QUE A SÓCIA RETIRANTE INTEGRAVA A SOCIEDADE - DIREITOS RECONHECIDOS SOBRE PARCELA DOS LUCROS (PROPORCIONAL ÀS COTAS DE CAPITAL SOCIAL) - IMPOSSIBILIDADE DOS SÓCIOS REMANESCENTES DISPOREM ACERCA DA PARCELA DOS LUCROS DA SÓCIA RETIRANTE, APÓS NOTIFICADOS.
I - Uma vez notificados ou citados os demais sócios, quanto ao desejo de retirada da sociedade, o sócio retirante perde a qualidade de "sócio" passando a ter apenas uma expectativa de crédito, vale dizer, deixa de ser sócio para ser credor da sociedade da qual se retira, obviamente, em possuindo haveres. Logo, faltará interesse de agir para o sócio retirante interferir nos atos de gestão que os sócios remanescentes deliberarem após a ciência inequívoca da sua saída.
II - O interesse de agir e a legitimidade ativa ou passiva ad causam do sócio retirante, encontram-se presentes em relação a sua condição de credor da sociedade, pois como tal tem o direito de ver preservado o que lhe for devido, sendo lícito tomar providências com vistas a impedir atos posteriores de gestão dos sócios remanescentes que possam avançar indevidamente sobre parcela de patrimônio que já não lhes pertença.
III - O lucro é sempre resultante de atividade empresarial exercida no passado. Assim, se na data da notificação, ou logo em seguida, forem apurados lucros líquidos da empresa, é certo que decorreram da atividade empresarial exercida ao tempo em que a sócia retirante ainda pertenceria aos quadros da sociedade, cujo resultado terá sido fruto do emprego do capital social que incorporava parcela de participação dela, logo, tendo ela direito a receber a sua parte.
IV - O lucro líquido apurado pode ser distribuído aos sócios ou utilizado para aumentar o capital social. A incorporação dos lucros sociais acumulados para aumento do capital social, pressupõe, portanto, um ato de disposição de vontade dos titulares desse direito no sentido de abrir mão de receber a parcela do lucro a que cada um teria direito, revertendo-os em proveito da sociedade. À luz desse raciocínio, fácil perceber e concluir que cada sócio somente poderia abrir mão da parcela que por direito lhe pertenceria, logo, mutatis mutandis, não poderiam dispor ou deliberar sobre parcela de lucro que não lhes pertencesse por direito, a saber, do sócio retirante após notificados dessa intenção ou citados em ação de dissolução parcial de sociedade. Doutrina e jurisprudência.
RECURSO PROVIDO EM PARTE.
I._______________ Relatório
Em autos de Declaratória de Nulidade nº. 47/2006, julgados simultaneamente com os autos em apenso de Cautelar Inominada nº. 921/2005, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Ponta Grossa, prolatando sentença (fls. 63/71), julgou extinto os processos sem resolução do mérito ante a ocorrência de ilegitimidade ativa, condenando a apelante em custas e honorários, estes fixados em R$ 2.500,00 para a cautelar e em R$ 2.000,00 para a principal.
Dessa sentença recorre Mirta Maria Pan Stringhetta (fls. 74/81) aduzindo que ajuizou ação de dissolução parcial de sociedade e que promoveu a notificação dos demais sócios comunicando seu interesse em desligar-se da sociedade, mas que estes deixaram de promover a alteração do contrato social para exclusão da apelante. Alega que até a decisão final de dissolução parcial ela é sócia da empresa e que tem interesse em receber os lucros retidos, antes do aumento do capital social.
Diz que depois de ajuizada a ação de dissolução, não há que se falar em retirada. Reitera a argumentação de que somente após a dissolução parcial em juízo é que a apelante deixará de ser sócia, pelo que detém legitimidade ativa para declaração de nulidade de ato social. Por fim, pede que seja reanalisada a fixação da sucumbência.
Os apelados apresentaram contra-razões (fls. 90/102), defendendo a manutenção da sentença e, no mérito, alegando perda de objeto da presente declaratória de nulidade, haja vista que a 43ª alteração contratual, que se deseja anular, não foi registrada na Junta Comercial e nem ocorreu a reunião que deliberaria sobre o aproveitamento dos lucros para aumento de capital.
É o relatório
II._____________ Voto.
Da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam.
O douto julgador singular entendeu que a nobre parte autora não teria legitimidade ativa ad causam, extinguindo o processo sem resolução do mérito. Contra essa decisão o recurso de apelação.
No recurso, a apelante sustenta que sob dois prismas diferentes teria ela legitimidade ativa, a saber:
a) pela sua "...condição de direito de sócia da empresa até decisão final da ação de dissolução";
b) pelo fato de que na ação de dissolução parcial de sociedade, havia requerido antecipação da tutela para receber os lucros que lhe pertenceriam de direito, mas que estariam sendo indevidamente retidos e apropriados pela sociedade para integralização para aumento do capital social, por meio da 43ª alteração contratual cuja nulidade está sendo buscada pela presente ação de nulidade de ato jurídico.
No que diz respeito à primeira hipótese, a r. decisão de primeiro grau parece acertada, pois já está consolidado o entendimento de que, a partir da notificação feita pelo sócio retirante, este perde essa condição de sócio tornando-se credor da sociedade, se tiver haveres a receber.
Nesse sentido,no que interessa:
RECURSO ESPECIAL - DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE - APURAÇÃO DE HAVERES DO SÓCIO RETIRANTE -
2. Avaliar se o critério contábil empregado na perícia é suficiente para aferir corretamente a participação de cada sócio na empresa, bem como se o período que ela abrange corresponde ao previsto na sentença exeqüenda, em detrimento do entendimento exarado pelas instâncias ordinárias, são questões que demandam o revolvimento da matéria fático-probatória, providência que encontra óbice na Súmula 07/STJ.
(STJ - RESP 200302174494 - (620642) - SP - 4ª T. - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJU 03.12.2007 - p. 00308)
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE - APELAÇÃO 1 - ALEGAÇÃO DOS RÉUS NO SENTIDO DE QUE O AUTOR DEVE ARCAR COM OS DÉBITOS DA SOCIEDADE ATÉ A DATA DE SUA RETIRADA - SENTENÇA QUE NÃO AFASTOU A RESPONSABILIDADE DO AUTOR - AUSÊNCIA DE INTERESSE EM RECORRER - RECURSO NÃO-CONHECIDO. APELAÇÃO 2 - AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO NA SENTENÇA DA DATA EM QUE SE DEU A RETIRADA DO AUTOR DA SOCIEDADE - NECESSIDADE DE FIXAÇÃO PARA FINS DE APURAÇÃO DOS HAVERES - MOMENTO EM QUE O SÓCIO SE AFASTOU DE FATO DA VIDA SOCIETÁRIA - DATA DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL AOS DEMAIS SÓCIOS - AUSÊNCIA DE DECISÃO SOBRE OS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - DECISÃO NESTA OCASIÃO - CPC, ART. 20, § 4.º. RECURSO PROVIDO.
(TJPR - 17ª C.Cível - AC 0355686-1 - Londrina - Rel.: Des. Rabello Filho - Unanime - J. 20.06.2007)
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE COMERCIAL SEM SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE - EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO - [...] NÃO OBSERVÂNCIA DO EXATO INSTANTE DA SAÍDA DO SÓCIO RETIRANTE PARA ULTERIOR APURAÇÃO DE HAVERES - NECESSIDADE DESSA INFORMAÇÃO NA PRIMEIRA FASE DO PROCESSO - PRECEDENTES -[...] APELAÇÃO PROVIDA.
(TJPR - 17ª C.Cível - AC 0435297-0 - Ibiporã - Rel.: Des. Gamaliel Seme Scaff - Unanime - J. 23.01.2008)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE APURAÇÃO DE HAVERES PROPOSTA POR SÓCIAS RETIRANTES - Sentença declarando a dissolução parcial da sociedade e determinando a verificação dos haveres.
(...) termo final para verificação dos haveres a ser fixado na data da notificação realizada pelas sócias retirantes, momento em que manifestaram sua real intenção em não mais compor a pessoa jurídica - precedente do STJ - recurso conhecido e parcialmente provido.
(TJSC - AC 2006.004632-7 - Rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi - J. 17.10.2007)
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE EM FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - DIREITO DE RETIRADA DE SÓCIO - APURAÇÃO DE HAVERES - [...] LEVANTAMENTO DOS HAVERES QUE DEVE SE REPORTAR À SITUAÇÃO PATRIMONIAL DA DATA DA RESOLUÇÃO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO AO SÓCIO QUE DELA SE RETIRA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO INDEVIDO (...)
(TJPR - 17ª C.Cível - AC 0362876-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Renato Naves Barcellos - Unanime - J. 25.07.2007)
(...) Apelação 2 - Ausência de fixação na sentença da data em que se deu a retirada do autor da sociedade - Necessidade de fixação para fins de apuração dos haveres - Momento em que o sócio se afastou de fato da vida societária (...) (TJPR - 17ª C.Cível - AC 0355686-1 - Londrina - Rel.: Des. Rabello Filho - Unanime - J. 20.06.2007)
Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada. Sócio. Retirada. Data. Apuração de Haveres.(...)
3 - A data da retirada de sócios de sociedade limitada será considerada a do trânsito em julgado da sentença, que julga procedente o pedido, se nesta não restou determinada a data em que ela ocorrera.
4 - O valor dos haveres dos sócios retirantes será o do dia da retirada.
5 - Não se há de levar em conta alteração contratual de sociedade limitada referente à retirada de sócio, se levada a efeito quando já em curso o processo respectivo e dela não participaram os sócios retirantes. (TJMG - Apelação Cível - Processo nº 2.0000.00.331594-6/000(1) - Relator Manuel Saramago. Publicado em 22.09.2001)
(...) A apuração dos haveres da sociedade para o cálculo da verba devida ao sócio que dela se retira deve ser efetuada com base na data da manifestação do sócio dissidente no sentido de se desligar da empresa, quando há previsão contratual nesse sentido; não existindo nos autos, porém, comprovação robusta do dia em que cientificados os demais sócios para a retirada da sociedade, deve prevalecer como data para a apuração de haveres aquela da propositura da ação, já que esse o dia em que dada ciência inequívoca da vontade do sócio dissidente em se desligar da firma (...)
(TJMG - Apelação Cível - Processo nº 2.0000.00.488.320-1/000 - Relator Dídimo Inocêncio de Paula. Publicado em 19.10.2005)
(...) O momento do cômputo dos haveres deve ser o do afastamento efetivo do sócio da empresa, garantindo, assim, a atualidade da avaliação real realizada, em liquidação, sendo assegurada a realização de prova pericial.(...) (...).
(TJMG - Apelação Cível - Processo 2.0000.00.507644-0/000(1)- Relator PEDRO BERNARDES. Publicado em 18/10/2006)
Em suma, em havendo notificação, será essa a data a ser considerada como sendo a da saída do sócio, logo, não mais sustentando a partir de então, tal condição, passando a ter mera expectativa como credor, se tiver direito a haveres.
Em não existindo notificação, será a data que a sentença fixar, certo que a notificação, na esteira de entendimento sedimentado no STJ, não é obrigatória para o exercício do direito de retirada, podendo o sócio interessado ingressar diretamente com ação de dissolução parcial.
Portanto, uma vez notificados os demais sócios quanto à intenção de retirar-se da sociedade ou ajuizada a ação de dissolução parcial de sociedade, perde aquele a condição de sócio, não mais tendo direito a promover atos de ingerência na vida societária, podendo, todavia, manejar os recursos cabíveis para por em salvaguarda seus direitos na condição de credor que porventura ostentar em relação à sociedade da qual se retira.
Diante disso, em relação ao primeiro fundamento, a preliminar não pode ser afastada, porquanto já não sendo sócia, não teria, de fato, legitimidade para agir como se ainda sócia fosse.
Todavia, em relação ao segundo fundamento, a preliminar deve ser afastada.
Com efeito, a legitimidade da sócia retirante encontra-se presente porquanto na condição de credora da sociedade, tem o direito de ver preservado o que lhe seria cabível, pelo tempo em que atuou como sócia, pelo capital investido até então, impedindo atos de gestão posterior dos sócios remanescentes que possam avançar indevidamente sobre parcela de patrimônio que já não lhes pertence.
Nesse sentido, apenas no que interessa:
Quem não é mais sócio, não detém, a princípio, interesse em impugnar Ata e AGO de sociedade anônima (de capital fechado), mormente se a impugnação não guarda relação direta com o cumprimento da obrigação que a sociedade tem no tocante ao pagamento dos seus haveres por conta de sua retirada da sociedade.
(TJPR - 17ª C.Cível - AI 0329358-9 - Araucária - Rel.: Des. Gamaliel Seme Scaff - Unanime - J. 14.03.2007)
Assim, mutatis mutandis, se a impugnação guarda relação direta com o cumprimento da obrigação que a sociedade tem no tocante ao crédito do sócio retirante, o seu interesse de agir estará presente e, portanto, sua legitimidade ativa ad causam.
Diante dessa alegação, a legitimidade ativa ad causam é manifesta, devendo ser enfrentada a argüição de mérito ao fito de se a tese esboçada é ou não passível de ser acolhida.
Destarte, afasto a preliminar, cassando a r. decisão de primeiro grau.
Do exame do mérito pelas portas do art. 515, §3º, CPC.
Afastada a preliminar, fica por conseqüência cassada a r. decisão apelada e a rigor deveriam retornar os autos para julgamento do mérito. Todavia, a questão é meramente de direito já tendo havido todos os debates acerca do tema, estando o processo maduro para julgamento do mérito. Nessas circunstâncias, possível evitar esse retorno, resolvendo-se a controvérsia aqui mesmo, no segundo grau.
De fato, conforme a letra do Art. 515, §3º, CPC, que nos "... casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento".
É o caso.
Do mérito.
Trata-se de ação de declaratória que pretende a nulidade da 43ª alteração contratual da empresa apelada.
A leitura dos presentes autos revela que a apelante promoveu a notificação da sociedade, avisando sobre o exercício do direito de retirada, nos moldes do art. 1.029, do CCB:
"Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa."
Sabe-se que a partir do recebimento da comunicação de retirada o sócio não mais integra o quadro societário, posto que a notificação tem efeitos imediatos, torna-se o sócio retirante desde logo credor da sociedade em relação aos haveres que em tese teria direito.
Conforme dicção do art. 1.031 do CCB/02, "o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado."
Obviamente, por data da resolução, há de se considerar, no caso de sociedade por prazo indeterminado, a que for estabelecida na forma da notificação. Logo, a partir daí, hão de ser considerados apenas os haveres eventualmente devidos ao sócio retirante.
É bem verdade, a legislação brasileira não regula a situação do sócio retirante, como ocorre na Inglaterra, por exemplo, segundo menção de FABIO ULHOA COELHO, daí a necessidade de dispor o Judiciário em cada caso concreto, mediante análise pormenorizada da situação que lhe é posta para julgamento.
De fato, em seu comentário acerca do assunto, FÁBIO ULHOA COELHO, traz à tona a questão não apresentada pelo Direito brasileiro. Essa lacuna, por si só, no que diz respeito ao sócio retirante e sua respectiva remuneração, no campo dos resultados práticos vivenciados pelas partes, pode na maioria dos casos acarretar transtornos irreparáveis, tanto àquele que deixa a sociedade empresária, como à própria pessoa jurídica.
O aludido jurista apresenta de modo exemplificativo o modelo adotado pelo Direito inglês, que no seu sistema consuetudinário adota medidas alternativas a resguardar os interesses daqueles que estão diante da ruptura do outrora quadro sólido da sociedade que ora se dissolve.
Portanto, válido atentar ao que sustenta:
"No Brasil, a lei não cuida da situação do sócio durante a apuração dos haveres. De fato, a avaliação do patrimônio líquido pode demandar tempo considerável, mesmo estando todos de acordo quanto aos critérios de avaliação. Havendo litígio, é quase certo que anos se passarão até que o assunto seja resolvido. Pois, então, durante esse prazo, o sócio, em relação ao qual a sociedade foi dissolvida, ou o sucessor do sócio morto, tem quais direitos perante a sociedade?
Pode reclamar a sua parte nos lucros, continuar recebendo pro labore, intervir nas decisões sociais etc?
Na Inglaterra, por exemplo, os membros desligados da partnership podem optar, enquanto se processa a avaliação de sua participação societária, entre continuar recebendo sua parte dos lucros sociais, ou a juros, à alíquota de 5% ao ano, sobre a parte do patrimônio social correspondente à sua quota (Morse, 1986:1999). Não contando o direito brasileiro com nenhuma disposição legal semelhante, a situação do sócio, muitas vezes minoritário, é instável. Se não houver, como geralmente não há previsão no contrato social, a matéria somente ganha contornos mais claros quando aforada a ação de dissolução judicial (....)."1
Nesse sentido, precedente desta Câmara, de minha relatoria, apenas no que interessa (ainda que tratando de adiantamento de haveres a sócio retirante, mas que em boa medida tem aplicação ao caso):
"O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina a situação do sócio retirante em decorrência de dissolução parcial de sociedade e, em muitos dos casos, as partes nada convencionam a respeito, razão pela qual torna-se tortuoso os caminhos travado por elas. De grande valia, portanto, ante a omissão da lei, a utilização das demais fontes do direito para estabelecer um regramento não tão dificultoso àqueles que dependem da longa espera das soluções concernente à dissolução. Garante-se, assim, a eficácia de princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana. É fato que o pagamento de "pro labore" somente é extensivo aos prestadores de serviço, o que torna necessário outra solução para amenizar a espera do sócio retirante. Nesse lanço, por parâmetros de justiça, mister se faz adiantar valores, de natureza alimentar, a título dos haveres a serem percebidos ao final da ação de dissolução e, por óbvio, prever a compensação em liquidação a fim de se evitar enriquecimento ilícito. Logo, tal medida tem o condão, de igual forma, proporcionar que as partes tenham a intenção de agilizar os fins da dissolução da sociedade, tornando-a menos gravosa. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO."
(TJPR - 17ª C.Cível - AI 0384977-2 - Maringá - Rel.: Des. Gamaliel Seme Scaff - Unanime - J. 25.04.2007)
Do lucro identificado até a data da notificação.
No caso em exame, alega-se que a sócia retirante faria jus a parcela do lucro societário já identificado e averbado, mas ainda não distribuído até a data da notificação.
Assiste-lhe razão.
Em se tratando de deliberação em assembléia realizada pelos sócios remanescentes, após notificados da saída da autora, acerca da destinação a ser dada aos valores referentes ao lucro societário resultante de atividade empresarial, encontra a apelante sua legitimidade para questionar tal ato em assembléia justamente por ser ela credora da sociedade no tocante aos seus haveres que serão oportunamente apurados.
Segundo doutrina de MARCELO M. BERTOLDI, discorrendo acerca do aumento e redução do capital social, uma das hipóteses de aumento de capital pode dar-se justamente pela incorporação dos lucros sociais acumulados, valendo citar trecho de interesse:
"Aumento e redução do capital social
[...] O aumento do capital social se dará mediante deliberação dos sócios, que terão preferência para participar do aumento, na proporção de suas respectivas cotas sociais. Este aumento poderá ocorrer mediante o ingresso de novos fundos à sociedade, mediante subscrição de novas cotas ou então pela incorporação dos lucros sociais acumulados, situação em que os sócios deliberam por abrir mão de suas respectivas participações nos lucros revertendo-os em proveito da sociedade"2.
(grifei)
A incorporação dos lucros sociais acumulados para aumento do capital social, pressupõe, portanto, um ato de disposição de vontade dos titulares desse direito no sentido de abrir mão de receber a parcela do lucro a que cada um teria direito, revertendo-os em proveito da sociedade.
À luz desse raciocínio, fácil perceber e concluir que cada sócio somente poderia abrir mão da parcela que por direito lhe pertenceria, logo, mutatis mutandis, não poderiam dispor ou deliberar sobre parcela de lucro que não lhes pertencesse por direito.
Pois bem, como já dito, ato jurídico ora atacado pretende elevar o capital social da pessoa jurídica empresária da qual a apelante se retirou, lançando mão sobre a totalidade do lucro líquido apurado, promovendo elevação do capital social por meio da 43ª Alteração Contratual, sem qualquer ressalva quanto a eventual direito da sócia retirante.
Enfim, teria ela, a sócia retirante, direito sobre parcela desses lucros líquidos? Parece que sim.
É incontroverso que o lucro é conseqüência posterior, resultante da atuação empresarial que se propõe a obtê-lo pelo exercício de sua atividade. Assim, será correto afirmar que a existência de lucros líquidos, terá sido resultado do exercício pretérito dessa atividade empresarial, vale dizer, refere-se a período passado.3
Portanto, se na data da notificação, ou logo em seguida, foram apurados lucros líquidos da empresa, é certo que decorreram da atividade empresarial exercida ao tempo em que a sócia retirante ainda pertenceria aos quadros da sociedade, cujo resultado terá sido fruto do emprego do capital social que incorporava parcela de participação dela.
Corroborando esse raciocínio, encontramos a (boa) doutrina de CELSO BARBI FILHO, discorrendo acerca da questão em face da dissolução parcial da sociedade, recompensando citar trecho de interesse:
"... sociedades comerciais, (...) na maioria das vezes, o lucro advém de um capital já empregado na produção ou circulação de bens, não dependendo da atuação direta do sócio, mas sim da contribuição patrimonial que deu. Daí porque o retirante deve participar dos lucros auferidos após o seu afastamento, enquanto não receber os seus haveres. (...) Enquanto não pagos estes, o sócio afastado tem direito a participar dos lucros gerados, pois seu capital continua à disposição da sociedade"4.
(grifei)
Logo, se houve (e houve) deliberação em assembléia, dispondo acerca da destinação do lucro líquido integral para aumento de capital, de fato não poderia considerar a parcela a que a apelante teria direito, porquanto, referente a período de sua participação na empresa e que desde logo deveria estar disponível a ela.
Diante disso, a adoção de medidas por parte da autora para proteção de seu crédito, é plenamente cabível.
Como já asseverado no Superior Tribunal de Justiça, a "... garantia, assegurada pelas instâncias ordinárias ao sócio excluído, de que seus haveres serão apurados e recebidos, tem como corolário o direito à fiscalização dos negócios da sociedade enquanto o respectivo processo não se ultima"5.
No mesmo sentido, apenas no que interessa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL DE ELEIÇÃO DE DIRETORIA - ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL (NÃO PARTICIPAÇÃO DO LIQUIDANTE DE EMPRESA SÓCIA) - AÇÃO MANEJADA POR SÓCIO JÁ EXCLUÍDO (A PEDIDO) EM AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE - HAVERES EM FASE DE LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO - [...]. AGRAVO PROVIDO.
Quem não é mais sócio, não detém, a princípio, interesse em impugnar Ata e AGO de sociedade anônima (de capital fechado), mormente se a impugnação não guarda relação direta com o cumprimento da obrigação que a sociedade tem no tocante ao pagamento dos seus haveres por conta de sua retirada da sociedade.
(TJPR - 17ª C.Cível - AI 0329358-9 - Araucária - Rel.: Des. Gamaliel Seme Scaff - Unanime - J. 14.03.2007)
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE PENDENTE. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. ART. 177 DO CC DE 1916 C/C ART. 2.028 DO CC DE 2002. CONTAS PRESTADAS ESPONTANEAMENTE ATÉ 1997. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A propositura de ação de dissolução e liquidação de sociedade não prejudica o ajuizamento da ação de prestação de contas.
II - O objeto da ação de dissolução de sociedade, em regra, está restrita à analise do patrimônio a ser partilhado existente no momento da dissolução, a fim de conferir os haveres de cada sócio, ou, excepcionalmente, para se apurar alegação de ato concreto (específico) do sócio que tenha sido suscitado como gerador da culpa pela dissolução.
III - Na ação de prestação de contas, ao contrário da dissolução, a parte tem a faculdade de exigir, pormenorizadamente, as contas referentes a atos pretéritos de gestão e administração.
(TJPR - 18ª C.Cível - AC 0363175-8 - Campo Largo , Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Carlos Mansur Arida - Unanime - J. 13.12.2006)
"Sendo a legitimidade "ad causam", conceito eminentemente bilateral, apenas detém legitimidade ativa aquele que estiver situado em um dos pólos da relação de direito material que se pretenda questionar em Juízo. O interesse de cada uma das sociedades no bom andamento de seus negócios, não se confunde com o interesse que possa ter um ou mais dos sócios em ver modificada a composição do quadro social. [...].
(TJPR - 15ª C.Cível - AC 0226959-2 - Cascavel - Rel.: Juiz Conv. Luis Espíndola - Unanime - J. 06.10.2006)
Diante de todo o exposto, tenho por relevante o pedido e entendendo que o pleito da sócia retirante apelante deve ser provido em parte, tão-somente para declarar-se nula a deliberação em assembléia na parte em que os sócios remanescentes deliberaram quanto ao aumento do capital social mediante a utilização integral dos lucros líquidos averbados, sem fazer distinção (e separação) da parcela desses lucros a que a sócia retirante teria direito. Válida, portanto, a assembléia, na parte em que houve deliberação dos sócios remanescentes em relação à integralização da parcela do lucro líquido a que eles teriam direito, utilizada para aumento do capital social (43ª Alteração do Contrato Social).
Assim sendo, o pedido deve ser acolhido em parte - sem necessidade de decretar-se a nulidade da deliberação por inteiro, mas tão-só na parte pertencente à autora -, cujo valor da parcela do lucro líquido deverá ser apurado em liquidação, considerando que não consta destes autos a quantificação exata.
Da sucumbência.
Por fim, a apelante pede que seja alterada a fixação da sucumbência.
Com efeito, com a presente modificação deve o ônus sucumbencial ser revisto para estabelecer o seu pagamento em 80% ao apelado e 20% à apelante, fixando-se os honorários advocatícios, considerados os critérios legais do art. 20, § 4º, CPC, em R$ 2.000,00 para a cautelar e em R$ 2.000,00 para a principal.
Conclusão.
Em conclusão, proponho seja dado parcial provimento ao recurso ao fito de, afastando a preliminar acolhida no primeiro grau, julgar o mérito pelas portas do art. 515, §3º do Código de Processo Civil, acolhendo parcialmente o pedido ao fito de declarar a nulidade da assembléia e 43ª Alteração do Contrato Social apenas no tocante à porção do lucro líquido pertencente à sócia retirante, cujo montante deverá ficar a sua disposição, após apurado em exatidão por liquidação de sentença, permanecendo válida a deliberação em relação à porção dos lucros pertencente aos sócios remanescentes que promoveram a assembléia que resultou na aludida alteração contratual.
É como voto.
III. _________________ Dispositivo.
ACORDAM, os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores FERNANDO VIDAL DE OLIVEIRA e STEWALT CAMARGO FILHO.
Curitiba, XIII. VIII. MMVIII.
Desembargador
Gamaliel Seme Scaff
(C/ Juiz Substituto em Segundo Grau)
1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, 9ª Ed., Vol. 2, p. 469-470.
2 BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo : RT, 2003. p. 214.
3 O conceito dado por DE PLÁCIDO E SILVA em seu clássico Vocabulário Jurídico, Rio: Forense, 2ª Ed., 1967, Vol. III, pág. 967 para o verbete, corrobora essa conclusão ao assentar que "No sentido técnico do comércio, lucro restringe-se ao resultado pecuniário, obtido (pretérito) nos negócios."
4 BARBI FILHO, Celso. Dissolução parcial de sociedades limitadas. Belo Horizonte : Mandamentos, 2004. pp. 496-497.
5 STJ - AgRg na MC 12.341/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 22.03.2007, DJ 23.04.2007 p. 252.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Civil. Declaratória de nulidade de Assembléia que deliberou acerca da integralização dos dividendos societários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2010, 22:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/22803/tjpr-civil-declaratoria-de-nulidade-de-assembleia-que-deliberou-acerca-da-integralizacao-dos-dividendos-societarios. Acesso em: 27 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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