EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ILEGITIMIDADE ATIVA - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA QUE NÃO FOI OBJETO DA DECISÃO HOSTILIZADA - QUESTÃO NÃO APRECIADA PELA PRIMEIRA INSTÂNCIA - LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA - CONSTRUTORA - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR DEFEITO NA CONSTRUÇÃO - DECADÊNCIA - INAPLICABILIDADE DO ART. 26, II, DO CDC - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - ART. 618, DO CC/2002 - 05 ANOS - PRAZO DE GARANTIA - PRAZO PRESCRICIONAL DE 20 ANOS - SÚMULA 194, DO STJ, COM BASE NO CÓDIGO CIVIL REVOGADO - PRAZO REDUZIDO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL - TRANSCORRIDO MENOS DA METADE - OBSERVÃNCIA DO PRAZO GERAL DE 10 ANOS PREVISTO NO ART. 205 DO CC/02 - INTELIGÊNCIA DO ART. 2.028 - CONTAGEM A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO - RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA ENTRE CONDOMÍNIO E CONSTRUTORA - VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DEMONSTRADA - ART. 6º, VIII, DO CDC - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE, NO CASO, DEVE ACARRETAR A OBRIGAÇÃO DE ARCAR COM OS HONORÁRIOS PERICIAIS - ÔNUS FINANCEIRO QUE DEVE ACOMPANHAR O VETOR DO ÔNUS DA PROVA - AGRAVO CONHECIDO E, NO MÉRITO, DESPROVIDO.1. Inadmissível na espécie a apreciação e julgamento da aventada ausência de legitimidade ativa do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO NEM YORK BUILDING, ora agravado, para propor ação de reparação de danos em face da construtora, argüida pela agravante, pois embora seja uma das condições da ação e, portanto matéria de ordem pública, devendo assim ser conhecida de ofício seja pelo juízo a quo, seja pelo juízo ad quem, não foi objeto da decisão hostilizada, nem foi discutida em primeira instância. Seja como for, a legitimidade ativa de Condomínios é amplamente reconhecida na jurisprudencial do Tribunal.2. Inaplicáveis os prazos decadenciais esculpidos no art. 26, do Código de Defesa do Consumidor, pois a demanda versa sobre reparação de danos oriundos de defeitos de construção, e não sobre vícios aparentes ou de fácil constatação.3. O prazo previsto no art. 1.245 do Código Civil de 1.916, correspondente ao art. 618, do Código Civil em vigor, é de garantia e não de prescrição, ou seja, neste período a responsabilidade do construtor é presumida, independentemente da comprovação de culpa, o que não impede a propositura da ação após decorrido este lapso temporal, desde que dentro do prazo prescricional, e devendo neste caso a culpa ser comprovada pela parte.4. Na realidade o prazo de prescrição para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra, era de vinte (20) anos, conforme Súmula 194 do STJ, baseada no Código Civil revogado.5. Contudo, em obediência ao art. 2.028, do Código Civil em vigor, como houve redução do prazo prescricional pelo Código novo, e na data de sua entrada em vigor, ainda não havia transcorrido mais da metade dos 20 (vinte) anos estabelecidos pela lei anterior, é de se observar o prazo geral do art. 205 do atual Código Civil, de 10 (dez) anos, iniciando-se a contagem a partir de sua vigência. Logo, não se operou a prescrição, já que a ação foi proposta em março de 2.006.6. Denota-se claramente uma relação de consumo entre o fornecedor, no caso, a construtora, e os condôminos, que conforme admitiu a própria recorrente são os destinatários finais da obra realizada, pessoas físicas moradoras do Edifício, aqui representadas pelo Condomínio, pessoa jurídica por ficção. Assim, se há uma relação de consumo entre construtora e proprietário/condômino, também haverá entre aquela e o condomínio.7. A verossimilhança das alegações restaram demonstradas pelo laudo de vistoria apresentado, que embora unilateral, foi elaborado por profissional capacitado e especializado em vistorias técnicas e perícias judiciais que respaldou as assertivas feitas pelo agravado. Portanto, correta a inversão do ônus da prova. 8. Considerando que a prova pericial foi requerida por ambas as partes, é de se fazer com que o ônus financeiro acompanhe o vetor do ônus da prova, para se evitar que a inversão do ônus da prova seja meramente formal e também para se impedir que a parte autora tenha o poder de, em não pagando a prova pericial, acarreta prejuízos processuais à parte adversa.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 462.612-4 da 1ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é agravante RS - ENGENHARIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A e é agravado CONDOMÍNIO EDIFÍCIO NEW YORK BUILDING.
RS ENGENHARIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A interpôs agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, à decisão do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que, em despacho saneador lançado em audiência, nos autos de reparação de danos que lhe move CONDOMÍNIO EDIFÍCIO NEW YORK BUILDING pleiteando o reembolso do valor de R$ 56.000,00 referente às despesas com obras nas esquadrias de alumínio, afastou sua preliminar de decadência e prescrição, reconheceu a aplicação do CDC ao presente caso e, inverteu o ônus da prova e em razão disso, determinou que todas as despesas referentes à produção de provas devem ser suportados pela agravante.
Alega, em suas razões, que ao contrário do entendimento do juiz singular, os vícios pelos quais a agravada pretende o ressarcimento são tratados pelo Código de Defesa do consumidor como vícios aparentes, de fácil constatação, ou seja, que se manifestam no decorrer do uso do produto e que de acordo com o art. 26, do referido diploma legal, o prazo para reclamar por estes é de 90 dias e é decadencial, iniciando-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, sendo que tal, conforme noticiado, já se apresentava desde 1999, e ao constatá-los não informou a agravante dentro do prazo legal de 90 dias, decaindo de seu direito.
Sustenta também que além da decadência ocorreu a prescrição, pois o art. 618, do CC (antigo 1245 do CC/1916) dispõe que o prazo prescricional aplicado às construções é de 05 anos após a entrega da obra. Destaca ainda que os danos reclamados são de qualidade, configurando vício redibitório, aplicando-se a regra do art. 178, § 5º, IV, do CC (legislação vigente à época dos fatos), ou seja, prazo prescricional de cinco anos. Diante disto, argumenta que como a obra foi concluída em 18.05.1998 (matrícula 49.608 em anexo) e o autor somente propôs a ação em 03.2006 operou-se a prescrição.
Salienta que o argumento de que houve interrupação da prescrição devido ao envio pelo agravado de uma notificação extrajudicial à agravante em fevereiro de 2003 não pode prevalecer, pois somente com a citação valida é que se interrompe a prescrição, salientando que as causas de interrupação da prescrição previstas no art. 172, do CC, devem ser interpretadas restritivamente, estando o direito do agravado fulminado pela prescrição.
Aduz, outrossim, que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser aplicado ao caso, pois não há relação de consumo, já que o agravado não é destinatário final, sendo estes os condôminos.
Enfatiza também que o condomínio agravado não possui legitimidade ativa para defender os interesses dos consumidores em juízo, nos termos dos arts. 81 e 82, do CDC
Argumenta que pelo princípio da eventualidade, caso este Tribunal entenda aplicável o CDC, ainda assim não deve ser admitida a inversão do ônus da prova, por esta se tratar de medida extrema e que não se mostra necessária no presente caso, eis que o art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90, não deve ser aplicado de forma compulsória, devendo estar presentes os requisitos de verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor e no presente caso o agravado não é hipossuficiente, pois através de uma empresa contratada elaborou um laudo pericial para levantamento dos supostos problemas no edifício, e, tampouco há verossimilhança em suas alegações, uma vez que está embasada em mera exposição de fatos, laudo pericial elaborado unilateralmente e uma nota fiscal de prestação de serviço, sem o crivo do contraditório.
Ressalta que mesmo mantida a inversão do ônus da prova, a sentença merece reforma no sentido de incumbir ao agravado o pagamento do laudo pericial requerido por ambas as partes, por ser ele o autor, conforme disposto no art. 33 do CPC.
Assevera que não há de se falar que a agravante deve arcar com as conseqüências da não produção de prova, se esta ocorrer por falta de pagamento do agravado, cabendo, portanto, a agravante a produção de provas e ao agravado o pagamento dos honorários periciais, sob pena deste infringir um de seus deveres, que é o cumprimento de ordens judiciais, prevista no art. 14, V, do CPC.
Dessa forma, destaca a necessidade da fixação de multa para o caso de o agravado não arcar com as despesas dos honorários, no percentual de 20% sobre o valor da causa, com a aplicação do art. 600, III e o 601 do CPC.
Frisa a necessidade de concessão de efeito suspensivo ao presente agravo, nos termos do inc. III, do art. 527, do CPC, alegando que agravante se encontra em situação financeira delicada que lhe impede de arcar com a integralidade dos honorários periciais, e que, no entanto, a produção de provas é crucial para o deslinde do feito, ressalta ainda que a verossimilhança e a plausibilidade dos argumentos trazidos são suficientes para a suspensão do efeitos da decisão recorrida, atendendo aos requisitos expressos no art. 527, II, e 528 do CPC.
Diante de todo o exposto requer o provimento de plano do presente recurso, ou a concessão de efeito suspensivo, e que ao final seja dado provimento ao mesmo, para que seja reformada a decisão ora atacada.
Às f. 377/381-TJ foi deferido o efeito suspensivo.
O d. Juízo a quo informou o cumprimento do art. 526, do CPC, bem como a manutenção da decisão agravada (f. 398-TJ).
O agravado apresentou resposta, pugnando pela manutenção da decisão agravada.
Por fim, os autos vieram conclusos para apreciação e julgamento do mérito recursal.
É o relatório necessário
Passo ao voto e sua fundamentação.
1. Da alegação de ilegitimidade ativa ad causam do CONDOMÍNIO
De início, cabe frisar que, a princípio, poder-se-ia afirmar que não é possível apreciar e julgar, nessa oportunidade, a alegação de ilegitimidade ativa do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO NEM YORK BUILDING para propor ação em face da construtora.
Isso porque, embora seja uma das condições da ação e, portanto, matéria de ordem pública, devendo assim ser conhecida de ofício seja pelo juízo a quo, seja pelo juízo ad quem, não foi objeto da decisão hostilizada, nem foi discutida em primeira instância, não podendo ser conhecida por este Tribunal, neste momento processual, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.
O extinto Tribunal de Alçada do Paraná já vinha decidindo nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA ANTECIPATÓRIA DEFERIDA PARCIALMENTE - AGRAVANTES QUE TRAZEM EM SUAS RAZÕES RECURSAIS MATÉRIAS QUE NÃO FORAM OBJETO DA DECISÃO ATACADA - DESPACHO QUE SE MOSTRA CORRETO EM FACE DE ESTAREM EVIDENCIADOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA PRETENDIDA, DEFERIDA PARA O FIM DE REINTEGRAR OS AGRAVADOS NA POSSE DO IMÓVEL OBJETO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Pelo pedido final dos agravantes nas razões recursais, apresentam a julgamento matéria nova que não foi apreciada na decisão recorrida, que se limitou apenas a, nos termos do artigo 273 do CPC, conceder a antecipação parcial dos efeitos da tutela pretendida pelos ora agravados, para o fim de deferir-lhes a liminar de reintegração de posse do posto de serviços, declinado na ação principal. Embora a carência de ação seja matéria de ordem pública, no recurso de agravo não se pode impugnar senão aquilo que se decidiu, sob pena de infração ao duplo grau de jurisdição. (Agravo de Instrumento nº. 167322-9, Sexta Câmara Cível (extinto TA), Relator Anny Mary Kuss, Julgado em 12/03/2001).
Não é outra a posição adotada por esta Corte Recursal:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO. MATÉRIA NÃO APRECIADA EM PRIMEIRO GRAU. NÃO CONHECIMENTO. (...) (Agravo de Instrumento nº. 181215-1, 2ª Câmara Cível do TJPR, Relator Juiz Pericles Bellusci de Batista Pereira, Julgado em 13/12/2005).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REGIMENTO INTERNO. SERVIÇOS DE TELEFONIA. ANATEL. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRELIMINARES. QUESTÕES PROCESSUAIS. APRECIAÇÃO PELA INSTÂNCIA A QUO. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA. LIMINAR. DECISÃO MANTIDA. (...). 3. Não pode o tribunal enfrentar questões de condições da ação e pressupostos processuais, ainda não decididas pelo juízo singular, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição, cabendo ao recorrente impugnar aquilo que se decidiu monocraticamente. (...) (Agravo de Instrumento nº. 161139-0, 2ª Câmara Cível do TJPR, Relator Des. Bonejos Demchuk, Julgado em 02/12/2004).
Seja como for, para que não se alegue futuramente nulidade processual por negativa de prestação jurisdicional devo afirmar, desde já, que a orientação jurisprudencial deste Tribunal é no sentido de que o condomínio é parte legítima para pleitear e defender, em juízo, os interesses dos condôminos:
APELAÇÃO CÍVEL (1) - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DEFEITOS E VÍCIOS EXISTENTES EM IMÓVEL - ADEQUAÇÃO DO RITO - LEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO E PASSIVA DO ENGENHEIRO - PRELIMINARES AFASTADAS - LAUDO PERICIAL DETALHADO - RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA - CONVERSÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM PERDAS E DANOS. (...).
(TJ/PR - 9ª CC - AC 405.554-1 - Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin - j. 20.09.2007)
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONDOMÍNIO - LEGITIMIDADE ATIVA PARA PLEITEAR EM JUÍZO DIREITO DOS CONDÔMINOS - CONSTRUÇÃO CIVIL - (...).
(TJ/PR - 10ª CC - AC 468.820-0 - Rel. Des. Ronald Schulman)
PROCESSUAL CIVIL - CONDOMÍNIO - LEGITIMIDADE ATIVA PARA DEMANDAR EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO ONDE RESIDEM INTERESSES COMUNS DOS CONDÔMINOS - (...).
(TJ/PR - 6ª CC - AC 455.76-1 - Rel. Des. Telmo Cherem)
Em suma: embora o condomínio seja, a rigor, destituído de personalidade, ele goza de legitimidade ad causam e ad processum, donde se conclui que está apto a ocupar o pólo ativo da demanda que, em face da construtora, discute vícios de construção que afetam o interesses dos condôminos.
Rejeito a preliminar, portanto.
2. Da alegação de decadência do direito e de prescrição da pretensão do autor
Primeiramente, como é evidente, são inaplicáveis os prazos decadenciais insculpidos no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, pois a demanda versa sobre reparação de danos oriundos de defeitos de construção, e não sobre vícios aparentes ou de fácil constatação.
É da jurisprudência:
Contrato. Empreitada. Incorporação imobiliária. Construção defeituosa. Ação de preceito cominatório. Ajuizamento pelo condomínio para compelir a construtora a reparar os defeitos construtivos do edifício condominial. Laudo pericial conclusivo. Defeitos constatados e de responsabilidade da construtora ré. Construção que não observou as especificações técnicas devidas. Alegação de decadência. Não ocorrência. Inaplicabilidade da regra contida no art. 26, II do CDC. Multa diária (CPC, art. 461, § 4S). Razoabilidade. Quantum arbitrado em valor moderado. Fixação de prazo razoável para o cumprimento da obrigação. Sentença de procedência mantida. Apelação e recurso adesivo desprovidos. (Apelação Com Revisão nº. 356.973.4/6-00, 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator A Santini Teodoro, Julgada em 06/05/2008).
Também, por outro lado, não há que se falar em prescrição.
Ressalte-se que o prazo previsto no art. 1.245 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 618, do Código Civil em vigor, é de garantia e não de prescrição, ou seja, neste período a responsabilidade do construtor é presumida, independentemente da comprovação de culpa, o que não impede a propositura da ação depois de decorrido esse lapso temporal, desde que dentro do prazo prescricional, e devendo neste caso a culpa ser comprovada pela parte.
Neste passo, a jurisprudência deste Tribunal:
AÇÃO DE RESSARCIMENTO AJUIZADA POR SEGURADORA - VALOR DESPENDIDO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO AO CONDOMÍNIO POR DANO EM IMÓVEL DECORRENTE DE FALHAS NA CONSTRUÇÃO - RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA. 1. ARTIGO 618. CAPUT, DO CC/2002 - PRAZO DE GARANTIA E NÃO DE PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA - 05 (CINCO) ANOS - PERÍODO EM QUE A RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR É PRESUMIDA, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA. 2. VÍCIO OU DANO NA OBRA OU CONSTRUÇÃO - 180 DIAS DE SUA CIÊNCIA PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO (PARÁGRAFO ÚNICO) PRAZO EM QUE A RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO É OBJETIVA. 3. APÓS O PRAZO DE CINCO (05) ANOS DO "HABITE-SE" OU 180 DIAS DA CIÊNCIA DO VÍCIO OU DANO, A CULPA DEVERÁ SER COMPROVADA. (...) (Apelação Cível nº. 0296675-2, 10ª Câmara Cível, Relator Des. Ronald Schulman, Julgada em 19.07.2005).
Na realidade o prazo de prescrição para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra, era, à época dos fatos, de vinte anos, conforme Súmula 194 do Superior Tribunal de Justiça, baseada no Código Civil revogado ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra").
Relevante mencionar jurisprudência sobre a matéria:
DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR - INTELIGÊNCIA DO ART 1245 DO CÓDIGO CIVIL DE 1.916 (ART 618, CC/2002) PRAZOS DE GARANTIA E DE PRESCRIÇÃO PRECEDENTE ENUNCIADO SUMULAR N 194/STJ CONDOMÍNIO DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO ÁREA COMUM LEGITIMIDADE ATIVA INTERESSES DOS CONDÔMINOS DESISTÊNCIA EXCLUSÃO. ARTS 2o E 267, VIII, CPC CONDENAÇÃO MANTIDA CASO CONCRETO RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
I - Na linha da jurisprudência sumulada (enunciado n 194) deste Tribunal, fundada no Código Civil de 1916, prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra' II - O prazo de cinco (5) anos do art 1245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos "
(STJ, REsp n°. 215 835/PR, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4a Turma, Julgado em 06/03/2003).
Contudo, em obediência ao art. 2.028, do Código Civil em vigor, como houve redução do prazo prescricional pelo Código novo, e na data de sua entrada em vigor, ainda não havia transcorrido mais da metade dos vinte anos, é de se observar o prazo geral do art. 205 do atual Código Civil, de dez anos, iniciando-se a contagem a partir de sua vigência (janeiro/2003). Logo, não se operou a prescrição, já que a ação foi proposta em março de 2006, apenas três anos após o início da vigência do novo Código Civil.
Nesse sentido:
PRESCRIÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DEFEITO DE CONSTRUÇÃO INOCORRÊNCIA APLICAÇÃO DO PRAZO GERAL DO ART 205 DO CC/2002, UMA VEZ QUE NÃO DECORRIDA METADE DO PRAZO VINTENARIO QUANDO DA ENTRADA DO ATUAL CÓDIGO EM VIGOR DECISÃO MANTIDA RECURSO IMPROVIDO PROVA. ÔNUS INVERSÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DEFEITO DE CONSTRUÇÃO DETERMINADO O CUSTEIO DE PROVA PERICIAL PELA RÉ INADMISSIBILIDADE HIPÓTESE EM QUE CABE AO AUTOR DEMONSTRAR OS FATOS CONSTITUTIVOS DE SEU DIREITO. APLICAÇÃO DO ART 333, I. DO CPC DETERMINAÇÃO AFASTADA RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM. (Agravo de Instrumento nº. 589.257-4/3-00, 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Vito Guglielmi, Julgado em 21/08/2008).
3. Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
Superadas as alegações de decadência e prescrição, indiscutível a incidência do Código de Defesa do Consumidor na hipótese em tela, conforme demonstrarei a seguir.
Ora, denota-se claramente uma relação de consumo entre o fornecedor, no caso, a construtora, e os condôminos, que conforme admitiu a própria recorrente são os destinatários finais da obra realizada, pessoas físicas moradoras do Edifício, aqui representadas pelo CONDOMÍNIO, pessoa jurídica por ficção. Assim, se há uma relação de consumo entre construtora e proprietário/condômino, também haverá entre aquela e o CONDOMÍNIO.
O extinto Tribunal de Alçada já vinha sedimentando esse posicionamento:
INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRÉDIO EM CONDOMÍNIO. ENTREGA PELA CONSTRUTORA DE APARTAMENTOS RECÉM CONSTRUÍDOS SERVIDOS POR ELEVADOR COM MAIS DE UMA DÉCADA DE USO E CONSIDERADO EQUIPAMENTO SUCATEADO PELO FABRICANTE. IMPERIOSA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE SUBSTITUIÇÃO POR MODELO NOVO OU ALTERNATIVAMENTE SUJEIÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE. SOBERANIA E INCOLUMIDADE DO DIREITO POSTULADO QUE NÃO ACOMODA A APLICABILIDADE DO ART. 21 DO CPC POSTO QUE A VITÓRIA NÃO É EMPANADA PELO AFASTAMENTO DE TÓPICO PERIFÉRICO. I - Recurso de Apelação, conhecido e parcialmente provido. II - Recurso adesivo, conhecido e desprovido. (Apelação Cível nº. 196398-8, Décima Câmara Cível (extinto TA), Relator Guido Döbeli, Julgado em 06/02/2003).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. CONDOMÍNIO QUE BUSCA CONDENAÇÃO DA CONSTRUTORA POR DANOS E DEFEITOS. RESPONSABILIDADE DO ART. 1245, DO CÓDIGO CIVIL AFERÍVEL APÓS PERÍCIA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, TODAVIA INAPLICÁVEL A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PELA INOCORRÊNCIA DA HIPOSSUFICIÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº. 255575-1, Sexta Câmara Cível (extinto TA), Relator Paulo Habith, Julgado em 10/08/2004).
Portanto, é inegável a incidências das regras e dos princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor para regular a relação jurídica de direito material controvertida na presente demanda.
4. Quanto à inversão do ônus da prova e do ônus financeiro da prova
Reconhecida a relação de consumo entre as partes, cabe analisar a pertinência da inversão do ônus da prova determinada pela decisão agravada, que nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, poderá ser reconhecida quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação do consumidor ou for ele hipossuficiente. Assim, presente somente um dos requisitos previstos em lei, cabível e legítima a inversão do ônus da prova, como claramente indica a conjunção "ou" expressa na norma ora comentada.
A interpretação do sentido e do alcance do comando legal é bastante elementar, donde se conclui que a legislação estabelece alternativamente (e não cumulativamente, como reconhecido pela própria agravante em suas razões de recurso) dois requisitos: (a) verossimilhança da alegação do consumidor; ou (b) sua hipossuficiência.
Sendo assim, o juízo singular, ao deferir o pedido de inversão do ônus probatório, foi bastante claro em sua fundamentação segundo a qual a inversão, no caso, está fundada na verossimilhança das alegações do CONDOMÍNIO (autor), embasando-se em laudo pericial que, apesar de ter sido unilateralmente produzido, foi elaborado por técnico especializado em construção civil (engenheiro civil).
Assim, satisfeito um dos critérios e parâmetros estabelecidos pela legislação consumerista, possível (e mesmo necessária) a inversão do ônus probatório, nos moldes em que determinado pelo juízo singular.
Resta saber, contudo, se a inversão do ônus probandi, no caso, deverá ter como conseqüência a inversão do ônus financeiro da prova, questão conhecida dos Tribunais e sobre a qual não há unanimidade, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Pois bem.
Mantida a inversão do ônus da prova, deve-se apreciar a alegação de que a inversão do ônus da prova não implica, necessariamente, a inversão do ônus financeiro.
Em outras palavras, deve-se determinar a qual pólo da relação jurídico-processual deve ser imputado o ônus de custear a prova pericial.
Nesse particular, é importante atentar, inicialmente, para o fato de que a prova foi requerida por ambas as partes, pois: (a) o requerimento feito pela parte autora consta da própria petição inicial (embora não tenha reiterado o requerimento quando da fase instrutória); e (b) o requerimento também foi feito pela construtora requerida, na fase de instrução processual (f. 366-TJ).
Para a solução de tais situações, o art. 33 do Código de Processo Civil dispõe que:
Art. 33. Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.
A partir daí, nasce a dúvida: a inversão do ônus da prova tem a propriedade de abalar a regra do art. 33 do CPC ou não?
Naturalmente, nem a doutrina, nem a jurisprudência são unânimes a respeito, havendo mais de um posicionamento possível: (a) de um lado, é possível sustentar a tese de que a inversão do ônus da prova não é capaz de inverter o ônus financeiro de custear a prova (tese defendida pela parte agravante); mas (b) de outro lado, é possível afirmar que a parte que deve custear a prova deve coincidir com a parte que sofrerá a sanção processual de não ter produzido a prova, isto é, pela parte que tem interesse na produção da prova, sem a qual poderá obter, muito provavelmente, decisão contrária a seus interesses.
Depois de demorada ponderação sobre os argumentos deduzidos por ambas as vertentes, parece-me mais razoável a segunda, pelas razões que passo a expor:
É que deixar que o ônus financeiro fique com a parte contrária (autor) à parte que tem o ônus da prova (requerida) gera uma situação evidentemente sem sentido, pois bastaria que o autor (CONDOMÍNIO) deixasse de pagar os honorários periciais para que a requerida (construtora) sofresse a sanção pela ausência da prova.
Em outras palavras: o entendimento de que "a inversão do ônus da prova não implica a inversão do ônus financeiro", ao que me parece, faz com que uma das partes (no caso, a requerida) fique vulnerável à conduta da outra (autor).
Portanto, entendo que a conseqüência natural da inversão do ônus probatório é inversão do ônus financeiro, já que é a parte que tem o ônus processual de provar quem deve decidir se a prova será produzida ou não.
Todavia, no presente caso, nem seria necessário ir tão longe, sendo suficiente invocar a jurisprudência deste Tribunal, que é no seguinte sentido: (a) se a prova foi requerida apenas pela autora, então ela é quem deve antecipar os honorários periciais, pois, nesse caso, o requerido não tem interesse na produção da prova, tanto que não a requereu; mas, ao contrário (b) se ambas as partes requerem a produção da prova, então o ônus financeiro deverá acompanhar o vetor do ônus da prova, por razões evidentes: se o ônus é do autor, então sobre ele recairá o ônus de arcar, antecipadamente, com as custas periciais; mas, ao contrário, se o ônus é do requerido (como no caso, diante da inversão), o autor não precisará adiantar os honorários periciais, a despeito do que dispõe o art. 33 do Código de Processo Civil.
Então, considerando que, no caso, a construtora também requereu a produção da prova pericial, entendo mesmo que é o pólo passivo da relação processual que deverá adiantar os honorários do perito, caso queira produzir a prova pericial para se desincumbir do onus probandi, pois a produção de tal prova é útil e necessária à construtora requerida e não ao CONDOMÍNIO, diante do mecanismo de inversão do ônus da prova.
E se, pelo contrário, a construtora não estiver interessada na produção da prova pericial basta informar o juízo de origem e não pagar os honorários periciais, já que não se trata de dever, mas de mero ônus processual: se pagar, a prova será produzida e, eventualmente, demonstrará ao juízo que tem razão; se não pagar, ao contrário, a prova não será produzida e, eventualmente, deverá responder pela ausência de prova.
São realmente convincentes os argumentos trazidos por Eduardo CAMBI:
"Assegurar a inversão do ônus da prova ao consumidor sem inverter, também, o ônus de adiantar as despesas processuais é o mesmo que garantir um direito apenas formal ao litigante reconhecidamente hipossuficiente na relação jurídica processual, na medida em que ainda persiste a dificuldade econômica que, aliás, é um dos pressupostos para a aplicação do art. 6º, inciso VIII, do CDC. Logo, quando se inverte o ônus da prova, transferem-se ao fornecedor todos os riscos, custos e responsabilidades quanto à atividade probatória. O entendimento contrário, ao perpetuar a dificuldade econômica, não facilita a defesa dos direitos do consumidor em juízo, mantendo o status quo anterior. Mantido o raciocínio, que se combate, muitos consumidores, mesmo que reconhecidamente hipossuficientes, desistirão da prova pericial, em razão do seu custo elevado, o que resultará na total ineficácia e descrédito do instituto da inversão do ônus da prova, fazendo-se perder um valioso instrumento de efetivação da justiça".
Em suma: se se inverter o ônus da prova e, apesar disso, determinar que a autora adiante os honorários periciais sob pena de ter não reconhecido seu direito é, na prática, não inverter o ônus; e, de outro lado, se se inverter o ônus da prova e deixar que a autora simplesmente não pague a prova pericial causando prejuízo evidente ao requerido (que não pode fazer, nesse caso), significa conferir à autora o poder de determinar se o requerido provará ou não suas alegações.
Portanto, para se evitar ambas as situações (igualmente indesejáveis), o melhor é fazer com que o ônus financeiro acompanhe o vetor do ônus da prova, sempre que a produção dela tenha sido requerida por ambas as partes.
Posto isso, revogando o efeito suspensivo anteriormente concedido, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo inalterada a decisão interlocutória agravada.
ACORDAM os Magistrados integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo, nos termos do voto da Relatora.
Presidiu o julgamento o Desembargador Guimarães da Costa, com voto, e dele participou o Desembargador João Domingos Kuster Puppi.
Curitiba, 05 de fevereiro de 2009.
Denise Krüger Pereira
Juíza Substituta em 2º Grau
Relatora Designada
Endereço: Pç. Nossa Senhora da Salete - Centro Cívico - 80.530-912 | Curitiba - PR | Fone 41 3200-2000 . Home page: http://www.tj.pr.gov.br/
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Processo Civil. Ilegitimidade ativa. Matéria de ordem pública que não foi objeto de decisão hostilizada. Questão não apreciada na primeira instância. Legitimidade ativa reconhecida. Construtora. Ação de reparação de danos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2011, 12:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/23753/tjpr-processo-civil-ilegitimidade-ativa-materia-de-ordem-publica-que-nao-foi-objeto-de-decisao-hostilizada-questao-nao-apreciada-na-primeira-instancia-legitimidade-ativa-reconhecida-construtora-acao-de-reparacao-de-danos. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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