EMENTA: CIVIL - APELAÇÃO - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - IMÓVEL HAVIDO POR DOAÇÃO - CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE - MORTE DA DOADORA - EXTINÇÃO DO USUFRUTO VITALÍCIO - SUBSISTÊNCIA DAS CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE - PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS GRAVAMES - IMPOSSIBILIDADE -- Segundo as regras instituídas originalmente pelo artigo 1.676 do CC/1926, e mantidas em sua essência no novo código civil (art. 1.911), as cláusulas restritivas de propriedade não se extinguem com a morte do doador, com exceção do usufruto vitalício, cuja vigência está adstrita ao período de vida do beneficiário doador.V.V-O art. 1911, do CCB/2002, estabeleceu que "a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade", no entanto, a legislação não contemplou a situação inversa.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.514167-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MARTHA ALVES PINTO - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.
Belo Horizonte, 29 de janeiro de 2009.
DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Relatora
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pela apelante, o Dr. Walmir de Oliveira.
A SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO:
VOTO
Martha Alves Pinto ajuizou ação de Cancelamento de Gravames, sustentando, em síntese: que recebeu em doação, de Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva, 50% do imóvel constituído pelo lote número 4 (quatro) do quarteirão número 27 (vinte e sete) do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha; que, feita a averbação, o imóvel ficou onerado com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade; que averbações feitas na mesma matrícula do imóvel comprovam que o usufruto vitalício reservado pela doadora foi cancelado com sua morte; que vendeu ao Sr. José Adão dos Anjos o imóvel que recebeu em doação; que o Cartório exige para o registro da transmissão, que constou na escritura, o cancelamento das cláusulas impostas pela doadora; que, face a morte da doadora, o gravame de impenhorabilidade e incomunicabilidade somente pode ser cancelado por ordem judicial; que já recebeu o preço da venda integralmente, estando o comprador impossibilitado de registrar o imóvel; que o imóvel não foi gravado com as cláusulas de inalienabilidade, mas somente de impenhorabilidade e incomunicabilidade; que na partilha, decorrente de seu divórcio, foi obedecida a cláusula de incomunicabilidade; que a cláusula de impenhorabilidade foi imposta para evitar que o imóvel respondesse por dívida da donatária. Requereu os benefícios da assistência judiciária. Ao final, pugnou pela procedência do pedido inicial para que sejam canceladas as cláusulas de impenhorabilidade e de incomunicabilidade existentes no registro do imóvel doado. Juntou os documentos de f. 08/10.
O MM. Juiz deferiu à f. 13 o pedido de assistência judiciária.
O Ministério Público apresentou manifestação à f. 14, justificando a desnecessidade de sua intervenção no processo.
Intimada (f. 15, 19, 23), a autora juntou documentos às f. 17/18, 21/22, e 25.
Intimada à f. 26 para comprovar o reflexo sucessório do bem, apontando o proprietário dos outros 50% do imóvel, a autora informou, à f. 27, que os outros 50% (cinquenta por cento) do imóvel ainda pertencem a Cecília Simonini, sem nenhuma restrição, tendo ela prometido vender estes 50% ao Sr. Ismael Antônio de Oliveira. Juntou os documentos de f. 28/29.
Na sentença de f. 30/31, o MM. Juiz, face a impossibilidade jurídica do pedido, indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito.
A autora recorreu (f. 32/37), repisando os termos contidos na inicial, sustentando, em suma: que a doadora instituiu na doação tão-somente as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, nela não constando a cláusula de inalienabilidade; que o cancelamento deve ser analisado somente em relação ao cancelamento das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, vez que não houve imposição de cláusula de inalienabilidade; que a transferência das cláusulas aos terceiros adquirentes iria criar benefícios a favor de terceiros; que a finalidade das cláusulas impostas à doação era beneficiar os donatários, e não a terceiros adquirentes. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial.
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE:
Conheço do recurso, porque tempestivo e próprio e isento de preparo, em razão de a autora estar amparada pela Assistência Judiciária (f. 23).
PRELIMINAR:
Não foram argüidas preliminares no recurso.
MÉRITO:
Trata-se de Ação de Cancelamento de Gravames ajuizada por Martha Alves Pinto, em que pleiteia o cancelamento das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade que foram instituídas pela doadora nos 50% do lote nº 4 do quarteirão nº 27 do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, registrado sob o número 19.485 no Cartório do 5º Ofício de Imóveis de Belo Horizonte, que ela recebeu como doação.
Na sentença de f. 30/31 o MM. Juiz, face à impossibilidade jurídica do pedido, indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito.
A autora recorreu (f. 32/37), repisando os termos contidos na inicial, sustentando, em suma: que a doadora instituiu para a doação tão-somente as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, nela não constando a cláusula de inalienabilidade; que o cancelamento deve ser analisado somente em relação ao cancelamento das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, vez que não houve imposição de cláusula de inalienabilidade; que a transferência das cláusulas aos terceiros adquirentes iria criar benefícios a favor de terceiros; que a finalidade das cláusulas impostas à doação era beneficiar os donatários, e não a terceiros adquirentes.
A apelante não tem razão.
Conforme se observa nos autos à f. 08/08-v, a autora recebeu em doação 50% do lote nº 4 do quarteirão nº 27 do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, registrado sob o número 19.485 no Cartório do 5º Ofício de Imóveis de Belo Horizonte, com cláusula de usufruto vitalício em favor da doadora Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva, e gravado ainda com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Com a morte da doadora, a cláusula de usufruto vitalício foi cancelada (f. 08-v). O usufruto foi instituído em favor da própria doadora, ou seja, perdurou apenas enquanto ela estava viva.
Todavia, as demais cláusulas restritivas de propriedade perduram.
A instituição das cláusulas que gravam o imóvel, de impenhorabilidade e incomunicabilidade, ora analisadas, expressa a vontade da doadora, e encontram proteção na lei.
Ao tempo da doação vigia o código civil de 1.916, cujo artigo 1.676 assim dispunha:
"A cláusula de inalienabilidade temporária ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade."
O novo código civil alterou a redação antiga, mas manteve a essência da regra, como dispõe o artigo 1911 do código civil de 2002:
"A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica, impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter- se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros."
A ratio legis é dar proteção à vontade do doador, não cabendo ao julgador, em princípio, desconstituir o gravame imposto pelo proprietário original dos bens, mormente pelo fato de que os gravames oriundos das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade têm como escopo garantir que determinado bem permaneça na família, ou na propriedade de certa pessoa, mesmo depois da morte do doador e ainda garantir que não seja penhorado por dívidas do donatário. Por fim, a real intenção do doador pouco importa, na verdade, o que importa é que o legislador optou por garantir a subsistência da vontade deste doador.
Conforme se extrai dos dispositivos de lei trasladados acima, o cancelamento objeto da ação não pode ser deferido, pois afrontaria literal disposição de lei e a vontade do doador.
Se o imóvel foi gravado com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, o ônus, a toda evidência, não se extingue com a morte da doadora, pois admitir essa conseqüência seria tornar absolutamente inútil a própria restrição.
Ensina Caio Mário da Silva Pereira:
"os direitos do proprietário sofrem restrições nos seus atributos naturais ou nas faculdades de uso, fruição e disposição, provindas de mandamento constitucional, como de disposições legais, no interesse público, por motivo de segurança nacional ou de proteção econômica. Além dessas, podem ainda ser trazidas outras restrições do direito de propriedade por ato de vontade, como ocorre com a instituição do "bem de família". Também ao testador ou doador é lícito gravar os bens com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, conjugadas ou destacadamente estabelecidas", esclarecendo que a cláusula de inalienabilidade é uma restrição ao direito de propriedade, "consistente em recusar ao beneficiado o poder de dispor da coisa" (in "Instituições do Direito Civil, vol. IV, 12ª ed.; Rio de Janeiro: Forense Ed., 1996, p. 82).
Quanto à inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade e seus efeitos, leciona o mesmo autor:
"São cláusulas autônomas, assim em razão de seu interesse social como dos seus efeitos. A inalienabilidade tem em vista por fora do comércio o bem por ato do adquirente. A impenhorabilidade visa subtrair o bem à sua qualidade de garantia dos ce. Uma tem por efeito negar ao titular a faculdade de dispor; outra recusa aos credores a sua apreensão judicial para a satisfação de obrigações.
Incomunicabilidade é a cláusula segundo a qual o bem permanece no patrimônio do beneficiado, sem constituir coisa comum ou patrimônio comum, no caso de casar-se sob regime de comunhão de bens.
A cláusula de incomunicabilidade pode ser aposta em conjunto com as demais, ou em caráter autônomo. Neste último caso, tem por efeito manter o bem como patrimônio separado, embora possa alienar-se ou ser penhorado.
Mas, depois de vacilações jurisprudenciais numerosas, acabou o Supremo Tribunal Federal por assentar que a cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade (Súmula n° 49)". (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vpl. IV, 18ª Edição, Ed. Forense, 2003, p. 107/108)
Na lição de Washington de Barros Monteiro ("in" Curso de Direito Civil, Direito das Sucessões, 6º vol., ed. Saraiva, 23ª ed., 1987, p. 154/155):
"Vários problemas de grande interesse prático suscita a cláusula de inalienabilidade, olhada com desconfiança por muitos autores, visto ser desfavorável à livre circulação dos bens, que representa, no dizer de ROQUEBERT, a fonte da riqueza e da fortuna de um país. Além de cara à burguesia, acrescenta José Augusto César, a cláusula em questão fomente a ociosidade dos filhos das famílias opulentas. Por outro lado, porém, muitos escritores, como SAIGNAT a defendem, reconhecendo que a ativa circulação dos imóveis conduz quase fatalmente ao fracionamento da propriedade. Ademais, ninguém pode contestar a utilidade do vínculo, que ampara o beneficiário, pondo-o a salvo de perigosas prodigalidades".
O autor ainda leciona quanto à incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade e seus efeitos:
"Inalienabilidade importa, em regra, incomunicabilidade. Nesse sentido a precisa lição de PONTES DE MIRANDA, sufragada por juristas, como CLÓVIS, ESPÍNOLA, MORATO e JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, com apoio em numerosos julgados dos nossos tribunais. Só não implicará incomunicabilidade se, em sentido contrário, resultar a intenção do testador, ou doador, questão, pois, de fato, a apurar em cada caso, tendo em vista os exatos termos em que se outorgar a liberalidade.
Identicamente, inalienabilidade importa impenhorabilidade. Se assim não fora, mui fácil seria burlar o vínculo instituído, bastando ao beneficiário contrair dívidas, deixar de solvê-las no vencimento e aguardar, em seguida execução do credor sobre os bens clausulados". ("in" Curso de Direito Civil, Direito das Sucessões, 6º vol., ed. Saraiva, 23ª ed., 1987, p. 157/158):
Nesse sentido:
"Os efeitos das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, instituídas conjuntamente com o usufruto remanescem com a morte do doador" (RT 389/223).
"Com a extinção do usufruto reservado em doação, pelo falecimento dos doadores, não se extinguem as cláusulas restritivas que subsistem" (RT 188/710).
Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais Superiores:
"DOAÇÃO CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE RECAINDO SOBRE OS BENS DOADOS. NÃO SE EXTINGUE O VINCULO PELA MORTE DO DOADOR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF) - RE 58303 / RECURSO EXTRAORDINÁRIO - SP/SÃO PAULO, Relator, Min. Evandro Lins, Segunda Turma, DJ 27-12-1968.
"EMENTA: CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. INVENTÁRIO. TESTAMENTO. QUINHÃO DE FILHA GRAVADO COM CLÁUSULA RESTRITIVA DE INCOMUNICABILIDADE. HABILITAÇÃO DE SOBRINHOS E NETOS. DISCUSSÃO SOBRE A SUA EXTINÇÃO EM FACE DA CLÁUSULA, PELO ÓBITO, ANTERIOR, DA HERDEIRA, A BENEFICIAR O CÔNJUGE SUPÉRSTITE. PREVALÊNCIA DA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA. CC, ARTS. 1676 E 1666.
I. A interpretação da cláusula testamentária deve, o quanto possível, harmonizar-se com a real vontade do testador, em consonância com o art. 1666 do código civil anterior.
II. Estabelecida, pelo testador, cláusula restritiva sobre o quinhão da herdeira, de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, o falecimento dela não afasta a eficácia da disposição testamentária, de sorte que procede o pedido de habilitação, no inventário em questão, dos sobrinhos da de cujus.
III. Recurso especial conhecido e provido".
(STJ) - REsp 246.693/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado De Aguiar, Quarta Turma, julgado em 04/12/2001, DJ 17/05/2004 p. 228)
"CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. LEVANTAMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE A INDENIZAÇÃO, DAS AÇÕES NOMINATIVAS GRAVADAS COM CLAUSULA DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE.
I - CONFORME JA DECIDIU ESTA COLENDA CORTE, A TRANSFERENCIA DA PROPRIEDADE, POR EFEITO DE DESAPROPRIAÇÃO, CONSTITUI ALIENAÇÃO.
E QUE, NA DESAPROPRIAÇÃO DE BEM INALIENAVEL, A INDENIZAÇÃO FICA SUB-ROGADA NO VINCULO DE INALIENABILIDADE, "EX VI" DOS ARTS. 1.676 E 1.677, DO CODIGO CIVIL. (RESP N. 64.714-1/SP, REL. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS, "IN" DJ DE 28.08.95).
II - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO".
(STJ) - REsp 86.091/SP, Rel. Min. José de Jesus Filho, primeira turma, julgado em 02/05/1996, DJ 10/06/1996 p. 20292)
Nesse sentido são os votos oriundos deste Tribunal:
"EMENTA: DOAÇÃO DE IMÓVEL - CLÁUSULAS RESTRTITIVAS DE PROPRIEDADE - MORTE DO DOADOR - EXTINÇÃO DO USUFRUTO VITALÍCIO - SUBSISTÊNCIA DAS CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE - PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS GRAVAMES - IMPROCEDÊNCIA. Segundo as regras instituídas originalmente pelo artigo 1.676 do CC/1916, e mantidas em sua essência pelo novel código civil (art. 1.911) as cláusulas restritivas de propriedade não se extinguem com a morte do doador, com exceção do usufruto vitalício, cuja vigência está adstrita ao período de vida do beneficiário doador". (TJMG) - Apelação Cível N° 1.0518.06.107249-3/001, Relatora, Desª. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Dj, 18/03/2008.
"EMENTA: ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO COM GRAVAME - EXTINÇÃO DAS CONDIÇÕES DE IMPENHORABILIDADE, INALIENABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE - MORTE DO DOADOR VARÃO - IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS.
- Falecido um dos doadores, torna-se impossível a exclusão das cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade.
- O gravame perdura mesmo no caso de sub-rogação, salvo com a participação dos doadores, com referência expressa à exclusão das cláusulas restritivas". (TJMG) - APELAÇÃO CÍVEL N. 489.058-4, Relator, VALDEZ LEITE MACHADO , 01/07/2005.
Pelas razões expostas, é de se negar provimento à apelação.
DISPOSITIVO:
Isso posto, nego provimento à apelação.
Custas recursais, pela apelante, observada a Lei 1.060/50.
O SR. DES. LUCAS PEREIRA:
VOTO
Peço vênia à eminente Relatora, Desembargadora Márcia De Paoli Balbino, para, no tocante ao mérito do recurso, divergir do posicionamento adotado por S. EXa.
No caso dos autos, pretende a apelante o cancelamento das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, gravadas no registro do imóvel que lhe foi doado por Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva.
Mantendo a sentença do MM. juiz singular, que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, a ilustre Relatora sustentou que não cabe ao julgador desconstituir as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, vez que a inalienabilidade implica na incidência destes últimos.
Sobre a impossibilidade jurídica do pedido, a lição de José Frederico Marques,
"(...) há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão do autor se refere a providência admissível pelo direito objetivo. O autor, como diz Galeno Lacerda, 'só será titular do direito subjetivo público de ação se, em tese, o direito objetivo material admitir o pedido'. Num país que não consagra o divórcio a vínculo, é inadmissível um pedido dessa natureza, pelo que seria carecedor de ação aquele que ingressasse em juízo pretendendo uma sentença de divórcio. O mesmo se diga do indivíduo que, por exemplo, propusesse ação para cobrar dívida de jogo." (in "Instituições de Direito Processual Civil", rev. por Ovídio Rocha Barros Sandoval, 1ª ed. Campinas, Millenium, 2000, p. 23)
Relativamente ao tema, pertinente a lição de Moacyr Amaral Santos:
"O direito de ação pressupõe que seu exercício visa à obtenção de uma providência jurisdicional sobre uma pretensão tutelada pelo direito objetivo. Está visto, pois, que para o exercício do direito de ação a pretensão formulada pelo autor deverá ser de natureza a poder ser conhecida em juízo. Ou, mais precisamente, o pedido deverá constituir numa pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito subjetivo, isto é admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor." (in "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", 1º v., Saraiva, 1997, p. 179)
Sobre a matéria, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
"Por possibilidade jurídica do pedido entende-se a admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico, ou seja, a previsão ou ausência de vedação, no direito vigente, do que se postula na causa." (in RT 652/183)
No caso vertente, tenho que o art. 1911, do CCB/2002, estabeleceu que "a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade", no entanto, a legislação não contemplou a situação inversa.
Destarte, não há que concluir pela inalienabilidade do imóvel gravado, exclusivamente, com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Registre-se que se a intenção do doador/usufrutuário fosse manter o bem na propriedade de certa pessoa, teria inserido também a cláusula de inalienabilidade no registro do imóvel, o que não ocorreu na hipótese.
Ao que parece, o intento do doador era manter o imóvel na propriedade do donatário, enquanto perdurasse o usufruto, sendo que, com a extinção deste último, estaria autorizada eventual alienação.
Por assim ser, reputo presente, na espécie, a possibilidade jurídica do pedido.
Com tais razões de decidir, dou provimento à apelação, para cassar a decisão hostilizada, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido da autora.
Embora superada a matéria preliminar, não é o caso de se devolver os autos ao juízo de primeiro grau, mostrando-se possível a apreciação da questão de mérito por este Tribunal, conforme disposto no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, na redação conferida pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001, estando a causa madura para julgamento.
Registre-se que, em parecer ministerial de f. 45, a D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido da desnecessidade da intervenção daquele Parquet.
Passando, pois, ao exame do mérito, verifico que restou demonstrada nos autos, a regularidade da doação feita por Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva à autora, tendo por objeto o imóvel descrito na inicial (50% do lote 4, situado no quarteirão nº 27, do Bairro Industrial Rodrigues da Cunha, em Belo Horizonte/MG), bem como a incidência, exclusiva, das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, consoante documento emitido pelo "5º Ofício de Registro de Imóveis" juntado à f. 17.
Restou comprovado, ainda, através do documento acima descrito, o cancelamento do usufruto vitalício da doadora (Cecília Simonini de Oliveira Ramos da Silva), em virtude de seu falecimento, que fora devidamente registrado.
Destarte, considerando o entendimento já esposado quando da análise da questão preliminar, no sentido de que não há que se falar em inalienabilidade do imóvel gravado, exclusivamente, com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, associado ao fato de que a autora demonstrou haver alienado o mesmo, conforme escritura pública de f. 09, deve ser julgado procedente o pedido inicial.
Registre-se que a real intenção da doadora era que as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade surtissem efeito, em relação à donatária, a quem pretendia proteger, razão pela qual, a alienação do imóvel a terceiro, configura justo motivo ao cancelamento dos gravames.
Com tais considerações, dou provimento ao recurso, para cassar a r. sentença de primeiro grau e, no mérito, aplicando o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, julgar procedente o pedido, para cancelar as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade existentes no registro do imóvel descrito na exordial, determinado, ainda, a expedição do respectivo mandado de cancelamento.
Custas recursais, ex lege.
O SR. DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA:
VOTO
Com a devida vênia do Em. Primeiro Vogal, acompanho a não menos eminente Relatora.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJMG - Civil. Procedimento de jurisdição voluntária. Imóvel havido por doação. Cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade. Morte da doadora. Extinção do usufruto vitalício. Subsistência das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/24766/tjmg-civil-procedimento-de-jurisdicao-voluntaria-imovel-havido-por-doacao-clausulas-de-incomunicabilidade-e-impenhorabilidade-morte-da-doadora-extincao-do-usufruto-vitalicio-subsistencia-das-clausulas-de-impenhorabilidade-e-incomunicabilidade. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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