EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NOIVADO. ZONA RURAL. PROMESSA DE CASAMENTO. RUPTURA INJUSTIFICADA. NOIVA GRÁVIDA. LESÃO À HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA. VERIFICAÇÃO. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. SENTENÇA MANTIDA. - É inconteste a livre manifestação de vontade dos nubentes quanto à possibilidade de rompimento do noivado, desde que tal ruptura não acarrete ofensa à honra subjetiva e objetiva do outro. Restando provado nos autos que houve má-fé por parte de um dos nubentes, induzindo a erro o outro, certa é a incidência do instituto da responsabilidade civil, com a consequente imposição do dever de indenizar.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0701.03.058756-5/001 - COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): O. D. DE S. - APELADO(A)(S): C. DOS R. DE S. - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO HENRIQUE
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 05 de março de 2009.
DES. ALBERTO HENRIQUE - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ALBERTO HENRIQUE:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação, interposto por O. D. DE S., contra r. sentença de fls. 104/110, proferida nos autos da Ação de Indenização ajuizada pela apelada, C. DOS R. S., em desfavor do apelante, via da qual a MM. Juíza a quo julgou procedente o pedido inicial e condenou o réu/apelante ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais.
Irresignado, recorre o apelante, argumentando, em síntese, que não há falar em dever de indenizar no caso dos autos, porquanto os fatos narrados na inicial não são suscetíveis de ocasionar mácula à honra e à moral.
Assevera que a simples concretização do noivado, ocorrido entre as partes, não impõe ao noivo o dever de casar, sendo livre ao homem e a mulher a escolha de prosseguir ou não em um relacionamento.
Afirma que as provas produzidas nos autos demonstram que, ao contrário do alegado pela recorrida, ela não se tratava de moça inexperiente e tão inocente como faz querer crer.
Argumenta, ainda, que "pode até ser que a apelada tenha suportado dor e sofrimento diante do término, haja vista que a ruptura do noivado veio de encontro aos seus sentimentos e planos", no entanto, não há como imputar ao apelante a prática de qualquer ato ilícito que justifique a indenização pleiteada.
Colacionou jurisprudências e, ao final, pugnou pelo provimento do recurso, a fim de que a sentença singular seja reformada.
Sem preparo, por litigar o apelante sob o pálio da assistência judiciária (fl. 29, autos apenso).
Contrarrazões, às fls. 127/130.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Trata-se de Ação de Indenização por danos morais, decorrentes do término do noivado havido entre a autora, C. DOS R. DE S., e o réu, O. D. DE S..
Sobreveio sentença (fls. 104/110) na qual a MM. Juíza julgou procedente o pedido inicial e condenou o réu/apelante ao pagamento de indenização no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), além das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (hum mil reais), ficando suspensa a exigibilidade destas verbas, por litigar o sucumbente sob o pálio da assistência judiciária.
Cumpre-me inicialmente esclarecer que o rompimento da promessa de casamento fica sujeito à regra geral do ato ilícito do código civil.
Isso ocorre porque o noivado, a meu ver, preenche os requisitos de validade dos atos jurídicos, diante da seriedade da proposta e do consentimento livremente manifestado pelo casal.
Deve-se ressaltar, ainda, que, de forma consagrada e expressa, a Responsabilidade Civil está prevista na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X, que prevê o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, possibilitando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação destes direitos fundamentais.
A despeito da matéria, doutrina Maria Helena Diniz:
[...] Responsabilidade Civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal (Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5).
Nesse sentido, vê-se que a responsabilidade extracontratual é aquela originada na infração ao dever de conduta, a um dever legal.
Portanto, é nesta responsabilidade que se encontra o caso posto à apreciação, amparado legalmente pelo artigo 186 do atual código civil.
Fixadas essas premissas e atento ao que consta dos autos, tenho que a despeito da bem arrazoada argumentação do apelante, suas alegações não merecem ser acolhidas.
É inconteste nos autos que as partes iniciaram relacionamento amoroso, em agosto de 2001 e, em janeiro de 2002, ficaram noivos, no entanto, quanto à realização efetiva do casamento, há grande divergência nos autos, já que enquanto a autora sustenta que tal se daria em abril de 2002, "após a colheita", o réu, ao revés, nega veementemente que houve de sua parte promessa de casamento.
Ao discorrer sobre o tema, casamento, Rui Stoco anota:
"Advertiu Luis Felipe Haddad que 'o casamento é um ato jurídico que não comporta começo de execução por qualquer forma de 'promessa'. O compromisso amoroso entre homem e mulher é, por natureza, eivado de risco, pois a ruptura se insere em fatores de extremo subjetivismo, próprios da complexidade existencial da pessoa humana' (Reparação do dano moral no direito brasileiro, In: Livro de Estudo Jurídicos, v. 2, p. 128).
Também doutrina Marcelo Truzzi Otero que 'na quebra dos esponsais, é evidente ser passível o ressarcimento pela dor infligida ao noivo abandonado, entretanto mister a presença e todos os pressupostos relativos a ação de indenização, além da potencialidade do dano. O simples rompimento do noivado não acarreta, por si só, o dever de indenizar' (A quebra dos esponsais e o dever de indenizar. Dano material e dano moral. RT 766/102, ago./99).
Portanto, em princípio, a só ruptura do noivado por qualquer dos noivos ou o não cumprimento da promessa de casamento não enseja reparação, porquanto cabe a cada um dos nubentes, livremente, escolher o que deseja para a sua vida, não havendo lei alguma que obrigue ninguém a permanecer com ninguém.
Com efeito, esse rompimento por parte de um dos nubentes, quando normal e civilizado, não tem o condão de ofender a moral ou a honra do outro, apta a configurar ato ilícito, posto que tal ruptura prende-se aos riscos e à fragilidade de tais relacionamentos.
Certo é que, "somente em hipóteses excepcionais em que o rompimento ocorra de forma anormal, através da mentira, do engodo e da indução a erro e, principalmente, da ofensa, do vilipêndio, humilhação infamante e ignóbil é que se justifica a reparação civil, através da composição do dano material ou da composição do dano moral, como hipótese do indivíduo, casado, que se diz solteiro e livre, mas que mantém sua noiva em erro até as vésperas do suposto casamento, obrigando-a a despesas vultosas, providências urgentes com aquisição de bens, confecção de roupas e submetendo-a ao ridículo junto à comunidade." (in "Tratado de Responsabilidade Civil", 6ª edição - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 859).
A meu sentir, in casu, ocorre essa hipótese excepcional, capaz de ensejar a reparação por danos morais.
Revelam os autos que a autora, quando iniciou relacionamento afetivo com o réu, contava com 18 anos e aquele com 36 anos, ou seja, o réu, por ser 18 anos mais velho que a autora, obviamente, tinha mais experiência de vida e, como se espera de um homem normal com essa idade, nenhum indício de ingenuidade.
Analisando detidamente a peça de defesa e recursal do réu, verifica-se que este, a todo momento, pretende deixar claro que não fez promessa de casamento à autora, conforme se extrai de suas afirmativas:
"(...) em janeiro de 2002, ficaram noivos, porém, diferente do que anseia a autora, jamais houve qualquer promessa de casamento por parte do requerido, visto não ter condições de constituir família(...)"
"O noivado ocorreu entre o casal, porém, jamais houve qualquer promessa de casamento (...)".
Ora, data maxima venia, é questionável a atitude de um homem, contando com 36 anos de idade, de selar um noivado sem nenhuma promessa de casamento, mormente quando se vive numa cidade do interior, mais especificamente, na zona rural, onde os costumes diferem, em muito, dos das grandes cidades.
Os argumentos utilizados pelo réu voltam-se contra ele, porquanto é de se questionar quais seriam as suas intenções, em face da autora se, apesar de selar o noivado, afirma categoricamente que não fez promessa nenhuma de casamento.
In casu, o dano moral não se consubstancia somente na ruptura do noivado, já que, como dito, tal rompimento não enseja, por si só, abalo moral capaz de ensejar responsabilidade civil, mas sim nas circunstâncias em que ocorreram.
Extrai-se do feito que a autora teve seu filho em 24/11/2002, ou seja, engravidou logo após o noivado que, como dito, se realizou em janeiro de 2002, e, inobstante, viu o seu então noivo romper o compromisso, no momento em que mais precisava de apoio, ficando, aos olhos da sociedade, com a fama de "mãe solteira", o que, indiscutivelmente, abalou o seu psíquico.
Ademais, verifica-se que a autora precisou socorrer ao judiciário, a fim de buscar a pensão alimentícia do seu filho, conforme se vê à fl. 14, o que evidencia que o réu, de fato, não prestou, voluntariamente, toda a assistência que lhe incumbia e que se espera de um homem de 36 anos.
Ressalta-se, outrossim, que todos os episódios ocorreram no município de Campo Florido, que, pelo que consta dos autos, trata-se de cidadezinha do interior, onde, conforme depoimento tomado (fl. 84), "todo mundo sabe da vida um do outro".
Ora, o rompimento do noivado não pode ser tomado como fato isolado, porquanto, como dito, a autora viu-se sozinha, grávida e com fama de "mãe solteira", em toda a sua cidade, pouco tempo depois de dar ampla publicidade aos seus familiares e amigos da realização do noivado.
Tais fatos, juntos, levam, indubitavelmente, à conclusão de que a autora viu a sua honra subjetiva e objetiva, imagem e dignidade atingidas, fazendo jus, assim, à reparação pelo abalo moral suportado, em virtude da conduta negligente do réu, que enseja indenização compensatória.
Acerca dos depoimentos colhidos, vê-se o seguinte:
"(...) Que como a depoente reside numa cidade do interior muito pequena, todo mundo sabe da vida um do outro, tanto que, quando a autora noivou ficando grávida em seguida toda a cidade já sabia que o requerido já tinha uma namorada na cidade de Veríssimo. Que, inclusive, na mesma época essa outra namorada ficou grávida e que informa que o requerido casou-se com essa namorada de Veríssimo, abandonando a autora (...)". (fl. 84)
"(...) Que após a Cíntia ficar grávida, a depoente que é de Uberaba foi passear na cidade de Veríssimo, ocasião em que se deparou com o requerido e outra mulher juntos". (fl. 86)
"(...) Que logo após o noivado, Cíntia ficou radiante, alegando que o casamento seria em abril e que foi dada ampla publicidade aos amigos, sendo que a mesma, inclusive, disse ter parado de estudar porque iria casar, sendo que em março ficou grávida. Que bem depois ficou sabendo que o requerido havia rompido o relacionamento e que já estava em companhia de outra. Que ficou sabendo que o requerido casou com a outra (...)". (fl. 86)
Com efeito, ainda que a primeira testemunha tenha sido ouvida como informante, o segundo depoimento colhido confirma que o réu, logo após o rompimento, já mantinha relacionamento amoroso com outra mulher numa cidade próxima e, ainda, que tal mulher também estava grávida do requerido.
Destaca-se, também, que todas as testemunhas, até mesmo a do réu, afirmam que a autora era pacata, quieta e de família muito humilde, residente, inclusive, na zona rural, o que corrobora com o entendimento que, de fato, foi induzida a erro pelo requerido.
É bom destacar que o fato de a autora ser ou não virgem quando iniciou relacionamento com o réu não muda, como faz querer crer o apelante, o foco da discussão travada nos autos, porquanto o que se vislumbra do feito é que a autora foi induzida a erro, ao confiar todas as suas expectativas em uma pessoa, que, ao que parece, rompeu o noivado, em virtude da gravidez da autora.
Certo é que o reconhecimento do dano moral, in casu, não é oriundo pura e simplesmente da ruptura do noivado, mas sim, como dito e redito, das circunstâncias em que ocorreram e das partes envolvidas no litígio.
Ora, reafirmo que não há como desconsiderar que os fatos ocorreram numa cidade do interior, mais especificadamente numa zona rural, onde acontecimentos desse viés, mesmo que no século XXI, ainda tomam proporções avassaladoras, que provocam indiscutível abalo moral na mulher, passível de indenização.
Em casos análogos, temos a jurisprudência:
"Indenização. Dano moral. Rompimento de noivado. Admissibilidade. A ruptura de noivado, quando este ocorre após sinais de sua exteriorização, alcançando familiares e amigos gera a indenização por dano moral, uma vez abalados os sentimentos da pessoa atingida, não só em relação a si própria como também perante os grupos sociais com os quais se relaciona" (TJSP - 2ª C. - AI - Rel. Osvaldo Caron - j. 25.02.97 - RT 741/255.
"Produzindo-se dano que afeta a parte social da ofendida, seu patrimônio moral, como a honra, reputação, causando-lhe dor, tristeza, com privação da paz da tranqüilidade de espírito, impõe-se a reparação do dano moral. Evidenciadas as circunstâncias gravemente injuriosas a envolver a reputação de relacionamento amoroso, a mulher agravada em sua honra, pela promessa de casamento, tem direito a reparação de dano sofrido". (TAPR - 1ª C. Ap. 141.321-2 - Rel. Lauro Augusto Fabrício de Melo - j. 05.10.99 - RT 779/337).
Necessário se faz, ainda, a ressalva do princípio da boa-fé, com base na credibilidade e confiança mútuas exigidas, pois conforme já ressalvado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as tratativas não possuem força vinculante, mas o prejuízo moral decorrente do abrupto rompimento, violador das regras da boa-fé, enseja a indenização (TJ/RJ, 5ª C. Cív., Ac. n.º 2001.001.17643, Rel. Des. Humberto de Mendonça Manes, j. 17.10.2001, v. un.)
Nessa esteira, o que se extrai dos autos é que o réu somente rompeu abruptamente o noivado com a autora, porque soube da sua gravidez e das conseqüências daí advindas, demonstrando, claramente, que após tirar todos os proveitos possíveis, rompeu com a sua noiva, grávida, deixando-a ao relento, violando, pois, com seu ato, regras da boa-fé, capazes de ensejar indenização por danos morais.
Por fim, registro, mais uma vez, que, como bem ressaltou a apelada, ninguém é obrigado a manter relacionamento e casar contra a própria vontade, desde que não "atropele" o respeito e a dignidade do outro, o que, infelizmente, ocorreu na hipótese.
Assim, por tudo o que foi dito e por tudo o mais que dos autos consta, não vejo outro caminho, senão o de confirmar in totum a sentença que reconheceu a responsabilidade civil do réu pelos danos causados à autora e, acertadamente, o condenou ao pagamento de indenização no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com os acréscimos legais.
Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a sentença combatida.
Custas, ex lege.
É como voto.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): LUIZ CARLOS GOMES DA MATA e CLÁUDIA MAIA.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJMG - Civil. Responsabilidade civil. Noivado. Zona rural. Promessa de casamento. Ruptura injustificada. Noiva grávida. Lesão à honra objetiva e subjetiva. Verificação. Desrespeito ao princípio da boa-fé. Responsabilidade civil configurada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2011, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/24776/tjmg-civil-responsabilidade-civil-noivado-zona-rural-promessa-de-casamento-ruptura-injustificada-noiva-gravida-lesao-a-honra-objetiva-e-subjetiva-verificacao-desrespeito-ao-principio-da-boa-fe-responsabilidade-civil-configurada. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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