EMENTA: AÇÃO DE RESSARICMENTO. CONTRATO DE SEGURO. PESSOA JURÍDICA. TRANSPORTADORA. SEGURO. CARGA DE TERCEIROS. INAPLICABILIDADE DO CDC. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. CAUSAS EXCLUDENTES DA OBRIGAÇÃO. OCORRÊNCIA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I - Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pessoa jurídica que contrata seguro para resguardar patrimônio de terceiro não se enquadra na definição de consumidor dada pelo art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor. II - A cláusula do contrato de seguro que enumera os riscos com cobertura contratual e exclui aqueles que não são garantidos não é abusiva, nos termos do artigo 760 do Código Civil. III - Comprovado que o acidente se caracteriza como queda de carga, hipótese expressamente excluída da cobertura, não há que se falar em pagamento de indenização. IV - Deve ser mantida a quantia fixada pelo juiz, a título de honorários, quando se apresenta razoável diante das circunstâncias do caso concreto.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0394.06.054315-1/001 - COMARCA DE MANHUAÇU - APELANTE(S): D'PIOS TRANSPORTES LTDA - APELADO(A)(S): UNIBANCO AIG SEGUROS S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO.
Belo Horizonte, 29 de abril de 2009.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por D'PIOS TRANSPORTES LTDA em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito Renata Bomfim Pacheco, que julgou improcedente a ação ordinária ajuizada em face de UNIBANCO AIG SEGUROS S/A.
Requer, primeiramente, a apreciação do agravo retido interposto contra decisão que recebeu a contestação em 'audiência de continuação' sem a presença da parte autora. Sustenta que a ré não compareceu à audiência de sem qualquer motivo justificável, de forma que deveria ser decretada sua revelia.
Afirma ter pactuado com apelado contrato de adesão de seguro de carga, de forma que algumas de suas cláusulas são abusivas.
Aduz ter ficado demonstrado a ocorrência do evento, ou seja, quebra dos grampos da carroceria, com abaixamento desta e sobrevindo 'tranco' com queda da carga e sucessivo saque.
Sustenta a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela.
Aduz ser abusiva a cláusula excludente de cobertura, porquanto ambígua.
Coloca ter sido a empresa ré negligente na prestação de seus serviços, pois não compareceu no local do acidente, fato esse, determinante para o saque da carga e, consequentemente prejuízo da autora.
Afirma que o laudo pericial produzido se embasou em conjecturas, sobre o evento, pois o veículo envolvido não foi vistoriado.
Sustenta ser abusiva a cláusula que exige o tombamento por completo da carga para a cobertura securitária, pois a simples inclinação é eficaz para a perda da carga.
Requer, pelo princípio da eventualidade, a redução dos honorários advocatícios, porquanto não há complexidade.
Contrarrazões às fls. 260/271.
Conheço do recurso, uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade.
I - DO AGRAVO RETIDO
Requer, primeiramente, a apreciação do agravo retido interposto contra decisão que recebeu a contestação em 'audiência de continuação' sem a presença da parte autora. Sustenta que a ré não compareceu à audiência sem qualquer motivo justificável, de forma que deveria ser decretada sua revelia.
Conheço do recurso.
Analisando os autos percebe-se que em 16/08/2006 foi realizada audiência de conciliação, in verbis:
(...) Apregoados, compareceram: o representante legal da empresa D'Pios Ltda acompanhado de seu procurador Dr. Savele Xavier de Barros. Iniciada a audiência, verificou-se a ausência da parte ré, embora devidamente citado conforme AR de fl. 111vº, e não apresentou defesa. Pela ordem o Dr. procurador da parte autora manifestou pelo julgamento da lide no estado em que se encontra. Pela MM.ª Juíza foi dito que: 'Vistos etc. Ante a tentativa de conciliação que restou infrutífera face a ausência do réu, venham os autos conclusos, em mãos, para ulteriores deliberações. (fls. 114)
Em 17/08/2006, fls. 115, houve audiência em continuação, in verbis:
(...) Apregoados, compareceram: o Unibanco AIG Seguros S/A na pessoa de sua procuradora Dra. Iana Soares Oliveira Penna, e da preposta Sra. Jeane de Oliveira Silva. Iniciada a audiência em continuação: por motivo de atraso para o início da audiência, houve um equívoco no momento do pregão, motivo este que impossibilitou a presença da advogada da parte ré, na audiência do dia 16/08/2006. Ato contínuo, impossível a conciliação, recebo a defesa da parte ré, fazendo a juntada dos documentos pertinentes, deferida nesta oportunidade.As partes não possuem mais provas a produzir, manifestando o interesse do julgamento da lide no estado em que se encontra. Pela MM.ª Juíza foi dito que: 'Vistos etc. Ante a tentativa de conciliação que restou infrutífera, EXCEPCIONALMENTE recebo a defesa da parte ré nesta audiência em continuação, determinando ainda a intimação da parte autora, para manifestar sobre o que entender devido. (fls. 115)
A parte autora, não se conformando com a audiência em continuação, agravou retido, requerendo a decretação da revelia.
Sem razão o agravante.
Isso porque, conforme declarado na ata de audiência, por um equívoco no momento do pregão a procuradora da parte ré não compareceu a primeira audiência (dia 16/08).
Dessa forma, a afirmação da magistrada, no sentido de que houve equívoco e, por esse motivo, receberia, excepcionalmente a contestação, goza de fé pública, motivo pelo qual não há que se falar em revelia.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
II - DO RECUSO DE APELAÇÃO
1 - DO OBJETO DO RECURSO
A - DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Prefacialmente, necessário ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica ao caso em tela, pois, a apelante não se apresenta como consumidora na relação jurídica travada com o apelado, na medida em que contratou seguro com objetivo de proteger patrimônio de terceiros.
Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. SEGURO CONTRA ROUBO E FURTO DE PATRIMÔNIO PRÓPRIO. APLICAÇÃO DO CDC. - O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é,para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. - Se a pessoa jurídica contrata o seguro visando a proteção contra roubo e furto do patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus serviços, ela é considerada consumidora nos termos do art. 2.° do CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido.1
B - DA COBERTURA SECURITÁRIA
O cerne da questão litigiosa cinge-se em perquirir acerca do alcance da cobertura securitária no contrato celebrado entre as partes litigantes, quer dizer, se a seguradora tem obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pela segurada em razão da perda da mercadoria objeto do contrato.
A negativa do apelado em efetuar o pagamento da indenização fundamenta-se no fato de que o evento está expressamente excluído da cobertura.
Pela análise do conjunto probatório existente nos autos, é possível verificar que a apelante - empresa de transportes rodoviários - contratou a apelada visando o seguro de cargas (sacas de café).
A apelante afirma que quando estava efetuando o transporte das sacas de café, ocorreu sinistro, pois, in verbis:
Na altura do Km 92, da rodovia BR101, Município de Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, em lugar de curva, caiu toda a carga de café. Tal aconteceu porque com a quebra dos grampos da carroceria, houve um abaixamento dela sobre as rodas, dando um 'tranco'. Parado o veículo, foi constatado que a carga havia caído. (...)
Iniciou-se o saque por parte dos populares, bem assim, por parte de condutores de veículos que passavam pelo local.
No presente caso, verifica-se que o objetivo do seguro é resguardar a carga transportada pelo segurado contra perdas ou danos decorrentes de risco rodoviário.
Dispõe os artigos 757 e 760 do Código Civil, in verbis:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.
Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador.
Como se observa, o Código Civil possibilita à seguradora eleger os riscos a que dará cobertura contratual e excluir aqueles que não pretende garantir, ou seja, no contrato estará consignada a amplitude da obrigação assumida, sendo que, os riscos a serem excluídos devem constar de forma clara, objetiva e destacada.
Nesse sentido, decidi na apelação cível 1.0024.05.708567-2/001, de minha relatoria:
CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL - SINISTRO - PERDA TOTAL - PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO - VALOR - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. A cláusula do contrato de seguro que enumera os riscos com cobertura contratual e exclui aqueles que não são garantidos não é abusiva, nos termos do artigo 760 do Código Civil e 54, §4º do Código de Defesa do Consumidor. Para que a seguradora se veja isenta da obrigação de indenizar, deve provar que a embriaguez do condutor foi causa determinante para a ocorrência do sinistro, ou que o contratante agiu intencionalmente de forma a aumentar o risco, isto é, que entregou a direção de seu veículo para pessoa embriagada. Não comprovada a ocorrência de quaisquer das hipóteses de exclusão de responsabilidade da Seguradora o pagamento da indenização se impõe. O quantum da indenização, na hipótese de perda total, deve corresponder ao Valor de Mercado Referenciado do veículo, conforme a Tabela FIPE, nos termos estabelecidos no contrato. Embora o contrato estabeleça a exclusão da cobertura em relação a danos causados a empregados ou prepostos do segurado ou condutor do veículo, quando a serviço, a Seguradora responde pelas despesas com funeral do condutor do veículo, se comprovado que não se encontrava trabalhando no momento do acidente.
In casu, a cláusula 1ª do contrato estipula o objeto do seguro e riscos cobertos:
1.1 - O presente seguro garante ao segurado (até o limite do valor segurado) o reembolso das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição das leis comerciais e civis, for ele responsável, em virtude das perdas ou danos sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transportes, por rodovia, no Território Nacional, contra conhecimento de transporte rodoviário de carga, ou ainda outro documento hábil, desde que aquelas perdas ou danos ocorram durante o transporte e sejam causados diretamente por:
1.1.1 - colisão e/ou capotamento e/ou abalroamento e/ou tombamento do veículo transportador;
A cláusula 2 - riscos não cobertos - esclarece que:
2.1 - Está expressamente excluída do presente seguro a cobertura da responsabilidade pelas perdas ou danos provenientes diretamente ou indiretamente de:
(...)
l) extravio, quebra, derrame, vazamento, arranhadura, amolgamento, amassamento, contaminação, contato com outra carga, má estiva, água doce ou de chuva, oxidação ou ferrugem, mancha de rótulo, paralisação de máquinas frigoríficas, roubo total ou parcial, a não ser que se verifiquem em virtude de ocorrência prevista e coberta nos termos da cláusula 1ª desta apólice.
O boletim de ocorrência de fls. 29/31 narra, in verbis:
O caminhão referido do tombamento da carga vinha em velocidade média de 60 km/h. Ao executar curva p/ esquerda, a carroceria não segurou o peso projetado p/ direita e quebrou deixando a carga de café derramada sobre acostamento.
No campo características do acidente, embora conste o campo 'tombamento', foi contatado que houve 'queda de carga'.
O laudo pericial, por sua vez, é conclusivo ao afirmar que o veículo Mercedes Bens de placa MPB - 0130 - Manhuaçu (MG), não sofreu qualquer processo de tombamento ou capotagem. (fls. 222).
Dessa forma, lícita a negativa de pagamento da indenização, porquanto o derramamento da carga não se deu em face de colisão, capotamento, abalroamento ou tombamento do veículo transportador.
C - DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Insurge-se, ainda, em face do valor fixado à título de verba honorária, pleiteando sua redução.
A hipótese é de fixação dos honorários advocatícios por eqüidade, porquanto não há condenação, daí porque aplicável o § 4º, do art. 20 do Código de Processo Civil2.
Nesse contexto, a quantia fixada em sentença (R$ 5.000,00) se me apresenta razoável diante das circunstâncias do caso concreto, notadamente porque o valor da causa é R$56.100,00.
Assim, não há falar-se em redução da verba honorária, devendo prevalecer a quantia arbitrada pelo MM. Juiz a quo.
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
Custas recursais, pela apelante.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): BATISTA DE ABREU e WAGNER WILSON.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO.
1 STJ. RESP nº 733.560/RJ. 3ª Turma. Rel. Min. Nacy Andrighi. Data do Julgamento: 11/04/2006.
2 § 4°. Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJMG - Civil. Ação de ressarcimento. Contrato de seguro. Pessoa jurídica. Transportadora. Segura de carga de terceiros. Inaplicabilidade do CDC. Negativa de pagamento da indenização. Causas excludentes da obrigação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/24804/tjmg-civil-acao-de-ressarcimento-contrato-de-seguro-pessoa-juridica-transportadora-segura-de-carga-de-terceiros-inaplicabilidade-do-cdc-negativa-de-pagamento-da-indenizacao-causas-excludentes-da-obrigacao. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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