EMENTA: DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. USUCAPIÃO URBANO. ART. 1238 DO CC/2002. POSSE PRECÁRIA. MERA LIBERALIDADE. Caracteriza-se a usucapião como forma originária de aquisição da propriedade mediante os requisitos impostos pela lei civil em cada caso previsto na lei. A posse precária retira a configuração do ânimo de dono, elemento subjetivo essencial, tornando impossível usucapir o imóvel pretendido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 10090080186795001 COMARCA BRUMADINHO NORANEY MARIA SANTOS DE ASSIS
APELADO(A)(S) CIR DE ASSIS
APELADO(A)(S) AUSENTES, INCERTOS, DESCONHECIDOS E DEMAIS INTERESSADOS
APELADO(A)(S) JOSÉ GERALDO DE QUEIROZ
APELANTE(S)
VERA LUCIA QUEIROS
APELANTE(S)
ROGÉRIO DA SILVA QUEIROZ
APELANTE(S)
ROSIMAR QUEIROZ LIMA
APELANTE(S)
ZELIA MARIA DE QUEIROZ PENIDO
APELANTE(S)
VIRGINIA DA SILVA QUEIROZ
APELANTE(S)
DARCI DA SILVA QUEIROZ
APELANTE(S)
DAGMAR EVANGELISTA DE QUEIROZ ALMEIDA
APELANTE(S)
RAQUEL DA SILVA QUEIROZ
APELANTE(S)
ROSA MALTA DE QUEIROZ RODRIGUES
APELANTE(S)
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Belo Horizonte, 30 de junho de 2010.
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT,
Relator.
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT (RELATOR)
VOTO
Trata-se o recurso interposto de apelação contra a r. sentença de f. 184/187 dos autos da Ação de Usucapião, proposta por VIRGINIA DA SILVA QUEIROZ E OUTRO(S), perante a 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Brumadinho.
Através da ação de usucapião, os autores pretenderam adquirir a propriedade de imóvel rural com área de 6.897,88 m², localizado no Distrito de São José do Paraopeba - MG, conforme memorial descritivo que transcreveram na inicial e anexaram nos autos (f. 10/11).
Alegaram ter recebido através de doação verbal, o imóvel rural, por volta do ano de 1988, do dono José de Assis. Afirmam possuir o imóvel há mais de 19 anos, sendo a posse mansa, pacífica, contínua e sem oposição.
Requereram ser declarados como proprietários, ou seja, a legitimação de fato, na forma do art. 941 do CPC.
A sentença julgou improcedente o pedido inicial extinguindo o feito nos termos do art. 269, I do CPC. Condenou os autores no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, suspensa a exigibilidade em face da justiça gratuita deferida.
Apresentaram recurso os autores, trazendo suas razões às f. 189/195. Insurgem-se contra a sentença fundamentando seu pedido no art. 1.238 e parágrafo único do Código Civil. Asseveram que em nenhum momento se vislumbra qualquer contrato de comodato ou mesmo que a terra foi cedida apenas para plantio. Defendem ter posse mansa e pacífica com animus domini, não sendo a posse precária. Alegam que o depoimento da irmã do doador do terreno é claro ao afirmar que o terreno foi "dado" aos autores. Ao final, pedem o provimento do recurso para que seja julgado procedente o pedido de usucapião.
Sem preparo por estarem litigando sob o pálio da justiça gratuita, sendo o recurso recebido à f. 196.
Contrarrazões às f. 197/199, requerendo a manutenção da sentença.
Conheço do recurso, visto que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Através do recurso interposto, os apelantes pleiteiam a reforma da sentença, em suma, para que seja reconhecida a pretensão aquisitiva através de usucapião tal como proposto na petição inicial.
Contudo, ao compulsar os autos, tenho que não assiste razão aos recorrentes.
"Usucapião é o modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, enfiteuse) pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais", conforme Maria Helena (Código Civil Anotado, 9 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 796).
Assim, para a aquisição da propriedade através de usucapião, devem ser cumpridos os requisitos definidos em lei, observado, inclusive, o prazo no qual o adquirente exerce a posse do imóvel.
De acordo com a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa:
"A posse prolongada da coisa pode conduzir à aquisição da propriedade, se presentes determinados requisitos estabelecidos em lei. Em termos mais concretos, denomina-se usucapião o modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições.
[...]
A possibilidade de a posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele se utilizar ou não se insurgindo que outro o faça, como se dono fosse. Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo de imóvel (ou móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem oposição. Observa Serpa Lopes (v. 6, 1964:544) a esse respeito que, encarado sob este aspecto, o usucapião pode ser admitido na lei sem vulneração aos princípios de justiça e equidade.
[...]
A posse é o principal elemento do usucapião.
[...]
Entende-se, destarte, não ser qualquer posse propiciadora do usucapião, (...). Examina-se se existe posse ad usucapionem. A lei exige que a posse seja contínua e incontestada, pelo tempo determinado, com o ânimo de dono. Não pode o fato da posse ser clandestino, violento ou precário. Para o período exigido é necessário não ter a posse sofrido impugnação. Desse modo, a natureza da posse ad usucapionem exclui a mera detenção."
[...]
(Direitos Reais, 2 ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 137).
Assim, a usucapião representa o reconhecimento de elementos fáticos - posse contínua e pacífica, exercida como dono, durante certo lapso de tempo, variável segundo a espécie (ordinário, extraordinário ou constitucional) - havendo uma necessidade de sentença declaratória, que se constituirá em título hábil de domínio, para a transcrição imobiliária e aquisição do poder de disponibilidade do bem.
Destarte, compulsando os autos, verifica-se que os autores não se desvencilharam do ônus de demonstrar, de modo seguro e induvidoso, as circunstâncias básicas e essenciais a que se lhe reconheça a prescrição aquisitiva, sendo certo que do contexto destes autos não emerge convicção segura a evidenciar a veracidade dos fatos afirmados na inicial.
No presente caso, extrai-se que os depoimentos das testemunhas foram insuficientes para demonstrar que a posse dos autores cumpriu o prazo mínimo exigido para a aquisição de imóvel por usucapião, qual seja o período de 15 anos, bem como dão conta de que a posse exercida pelo mesmo não foi pacífica e incontestada,não havendo no caso o animo de dono.
A testemunha Demerval Francisco da Silva declarou às f. 144/145:
"que o depoente conhece os autores há mais de cinqüenta anos; que o depoente conhece a área usucapienda; que a área pertencia ao Sr. José de Assis; que o Sr. José de Assis deu a área usucapienda para o Sr. Adjair cultivar plantações; que o Sr. Adjair plantava na área milho e feijão; que o Sr. Adjair usou a área usucapienda por aproximadamente 08 à 10 anos; que este período inclui o período após a morte do Sr. José de Assis; que antes do Sr. Adjair cultivar plantações na área usucapienda o depoente chegou a ver o Sr. Assis emprestar a referida área para o Sr. Jacinto cultivar plantações;(...)".
No mesmo sentido informou a testemunha Elisena de Assis às f. 146/147:
"(...) que há aproximadamente 10 ou 15 anos atrás o irmão da depoente Sr. José de Assis lhe contou que tinha "dado" a referida área para o Sr. Adjair fazer plantações; que o Sr. José de Assis não desfrutava do terreno e como era amigo do Sr. Adjair lhe deu a área para plantio;(...) ".
Destarte, restou claro que a posse dos autores perdurou por menos de 15 anos e, que o terreno foi cedido num ato de mera liberalidade do falecido proprietário para que os autores cultivassem plantações.
Nesse contexto, mister reconhecer que o apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar o exercício da posse com ânimo de dono, restando ausente o requisito subjetivo ensejador da prescrição aquisitiva por usucapião extraordinário.
Ante tais considerações, nego provimento ao recurso, para manter incólume a sentença de primeiro grau.
Custas pelos apelantes, suspensa a exigibilidade em face da justiça gratuita concedida.
DES. MARCELO RODRIGUES (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. WANDERLEY PAIVA - De acordo com o(a) Relator(a).
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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