O Ministério Público se manifestou após reclamação do Sindhobar (Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília) que alega abuso de autoridade por parte de alguns policiais.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL DECISÃO N° 009/2008 - VF/PRDF/MPF
Ref. P.A. N°: 1.00.000.009668/2006-61
1.Cuida-se de procedimento administrativo afeto ao controle externo da atividade policial, instaurado originariamente na Procuradoria-Geral da República, a partir de cópia de representação ofertada ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio da qual o SINDICATO DE HOTÉIS, RESTAURANTES, BARES E SMILIARES DE BRASÍLIA (SINDHOBAR) levou ao conhecimento, inicialmente, do parquet local o mau uso da carteira funcional por parte de policiais civis, militares, federais e bombeiros no Distrito Federal.
2. Com efeito, o sindicato representante, embora sem referir-se a casos concretos, reclamou a respeito de três ordens de fatos, basicamente:
1) uso da carteira funcional por policiais e bombeiros fora de serviço, com o objetivo de ingressar em estabelecimentos privados sem o pagamento de entrada;
2) possível retaliação de policiais responsáveis pela segurança pública após impedida sua entrada gratuita no estabelecimento comercial, embora fora de serviço, eis que, em tal caso, deixam, propositalmente, e em represália, de prestar eficiente serviço de segurança nas cercanias do local; e
3) saída de policiais do estabelecimento em que entraram gratuitamente sem o pagamento dos produtos consumidos.
3. Uma vez que a provocação aborda, também, a conduta de policiais federais, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios extraiu cópias dos autos para conhecimento e providências por parte do MPF, as quais foram, inicialmente, encaminhadas ao Exmo. Procurador-Geral da República, que, por sua vez, fez remetêlas a esta Casa.
4. Em razão da representação, este órgão, servindo-se do contato estreito com a Polícia Federal durante as visitas e inspeções em controle externo da atividade policial, abordou o tema em reunião com o Superintendente Regional de Polícia Federal no Distrito Federal, bem assim com o Delegado Regional Executivo da Superintendência local, ocasião em que, conforme relatório de fls. 47/54, foi esclarecido que os policiais federais, nos termos de orientações generalizadas, transmitidas inclusive na Academia Nacional de Polícia, são instruídos ao uso da carteira funcional apenas em serviço. De tal modo, o uso desse tipo de identificação para acesso a estabelecimentos comerciais ficaria, assim, restrito às diligências para as quais haja ordem de missão policial ou nas quais se dê flagrância delitiva.
5. Este órgão, ainda, chegou a reunir-se e trocar entendimentos sobre a matéria com a Exma. Procuradora Distrital dos Direitos do Cidadão Ruth Kicis, bem como com a Exma. Procuradora de Justiça do MPDFT Suzana de Toledo Bastos, com o Exmo. Promotor de Justiça Guilherme Fernandes Neto, titular de Promotoria do Consumidor, e com o Exmo. Promotor de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial Celso Leardini. Em razão de tais contatos, aquela primeira autoridade encaminhou a este MPF,tendo em vista este feito, lista de policiais que ingressaram, mediante uso da carteira funcional, em evento realizado no dia 27.10.2007, do tipo open bar, atinente a festa de música eletrônica com o DJ Erick Murilo, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães nesta cidade (fls. 59/62).
6. Os nomes referentes a policiais federais foram filtrados da lista constante dos autos, desmembrando-se o feito para instauração de inquérito policial em relação ao possível abuso de autoridade (fls. 96/98 e 118).
7. Eis, em síntese, o relatório.
8. Os presentes autos de procedimento administrativo não correspondem, nem se equiparam, a procedimento de investigação criminal. É que a representação, como antes enfatizado, não contém a narração de quaisquer fatos concretos ou casos específicos de abuso de autoridade ou mau uso da carteira funcional por parte de policiais federais ou quem quer que seja.
9. De tal modo, o procedimento administrativo não visa ao descortínio de qualquer infração penal perpetrada, senão à tomada de providências, em âmbito de controle externo da atividade policial, para minorar o problema relatado pela sindicato representante. Por isso, aliás, que, quando este órgão, nestes autos, foi comunicado da prática concreta de possível abuso de autoridade, com uso indevido de carteiras funcionais por policiais federais em festa de música eletrônica realizada em 27.10.2007, cuidou de desmembrar os autos, requisitando, em separado, e, pois, em outro feito, a instauração de inquérito policial, que hoje ainda tem curso perante a Polícia Federal.
10. O uso indevido da identidade funcional por parte de policiais federais para, fora de serviço, ingressarem em estabelecimentos ou eventos privados, como meio de isentar-se do pagamento de entrada a todos cobrada e/ou de despesas de outra natureza, constitui, sem dúvida alguma o delito de abuso de autoridade, tipificado no art. 4°, alínea h, da Lei 4.898/1965 (ato lesivo do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder). Este, aliás, o entendimento da jurisprudência pátria, em cujo acervo se recolhe a ementa que, para ilustrar, transcreve-se avante:
ABUSO DE AUTORIDADE. QUANDO OCORRE. INVOCAÇÃO A AUTORIDADE DE PROMOTOR DE JUSTIÇA.COMETE O DELITO O AGENTE QUE, MESMO NÃO ESTANDO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO, AGE INVOCANDO A AUTORIDADE DO CARGO, COM EXIBIÇÃO DA CARTEIRA FUNCIONAL. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.(AgRg no Ag 5.749/SP, Rei. MIN. JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO FILHO, SEXTA TURMA, julgado em 04.12.1990, DJ 17.12.1990 p. 15391)
11. Se é bem certo que o mau uso da carteira funcional, em casos como tais, corporifíca o abuso de autoridade, não é menos certo que os administradores, empregados, seguranças, vigilantes ou quaisquer colaboradores de estabelecimentos privados culturais ou de entretenimento ou de eventos particulares não estão habilitados ou autorizados a fazer qualquer juízo sobre a adequação do uso da identidade funcional. Com isso, quer-se dizer que o porteiro de um bar ou de um cinema, por exemplo, não se credencia, de forma alguma, a perquirir junto ao policial, no momento em que este se determina à entrada no estabelecimento, se ele está ou não no exercício do cargo ou em serviço. Deve-se , apenas franquear a entrada, simplesmente.
12. Não cabe ao particular fazer qualquer controle, mas, uma vez que o policial se identifique na porta do estabelecimento e ordene a liberação para a entrada, tem aquele o direito pleno de anotar todos os dados referentes à identificação funcional apresentada. Identificar-se é exatamente isso: permitir que se conheçam os dados da pessoa identificada.
13. O controle que não pode o particular fazer a priori, sob pena de interpor-se à atividade policial, pode-se fazer, entretanto, a posteriori, mediante a provocação dos órgãos a tanto destinados, como, no caso de policiais federais, a Corregedoria de Polícia Federal e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, este como responsável pelo controle externo da atividade policial.
14. De ver-se que aquilatar sobre a legalidade da entrada gratuita determinada pelo policial federal traduz-se, pragmaticamente, em medida singela por parte dos órgãos responsáveis, aos quais bastará uma simples requisição sobre a existência de ordem de missão policial em inquérito ou de auto de prisão em flagrante que tenha justificado o ingresso, com o que se demonstrará que a entrada "forçada" se deu no exercício do cargo ou, de outra forma, no interesse privado do policial em economizar tostões, para enriquecimento ilícito de seu patrimônio, embora com risco de seu cargo e de sua liberdade.
15. Ora, como se disse outrora, a representação não traz fatos concretos alguns em que a identidade policial tenha sido usada indevidamente. Demais disso, os possíveis crimes decorrentes do evento do dia 27.10.2007 já são objeto de inquérito policial, não sendo investigados neste feito, o qual não se presta à apuração de infrações penais específicas, mas, sim, ergue-se como procedimento de controle externo da atividade policial.
16. Nesse quadro, cumpre, aqui, ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nestes autos, tão-somente, dar ao conhecimento do sindicato representante os meios de que dispõe para provocar o controle posterior das entradas gratuitas decorrentes do uso das identidades funcionais, vulgarmente chamadas de "carteiradas". Toda vez que, em quaisquer dos estabelecimentos reunidos no bojo do sindicato representante, que abarca bares, boates, hotéis e restaurantes, houver qualquer suspeita de indevida utilização da identidade policial para entrada gratuita, pode o proprietário do empreendimento comercial representar ao parquet com atribuições para que se faça o controle posterior dessa entrada, mediante a verificação tendente a avaliar se o ingresso se deu no exercício do cargo ou não. Por óbvio, se o fato envolver policial federal, a provocação deverá ser dirigida ao MPF, a qualquer dos Ofícios de Controle Externo da Atividade Policial; ou, de outra forma, se se tratar de policial civil, militar ou bombeiro, ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por suas Promotorias de Controle Externo da Atividade Policial.
17. Para isso, bastará que o estabelecimento, na provocação ao parquet,demonstre a entrada do policial, os dados da identidade apresentada, a data e horário do ingresso. Nada obsta, ainda, que se apresentem, em casos especiais, em que o comportamento do policial em suposto serviço possa não condizer com o que se espera de um servidor público nessa condição, rol de testemunhas que possam falar sobre os acontecimentos, vídeos etc.
18. O mais importante é que as empresas reunidas no sindicato saibam de sua responsabilidade, eis que, por motivos óbvios, estão na posição única de quem pode provocar controle efetivo a respeito dessa matéria.
19. No que pertine às represálias relatadas, condizentes com omissão na prestação do serviço de segurança pública nas cercanias do estabelecimento que negou a entrada de policial fora de serviço, não cabe à Polícia Federal tal atividade, motivo por que a questão é afeta ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que recebeu, vale lembrar, a representação em primeiro lugar. De toda sorte, deve-se ter em mente, mais uma vez, que o estabelecimento nunca está em posição de, apresentada a funcional, impedir a entrada, senão apenas de, posteriormente, com os dados da identidade apresentada, provocar o controle pelos meios legais e institucionais à sua disposição.
20. De qualquer forma, retaliações de qualquer sorte (até mesmo em razão da provocação de controle por parte do Ministério Público) ou negativa do pagamento de conta relativa a despesas em qualquer estabelecimento devem ser, igualmente, comunicadas aos órgãos de controle (Corregedoria de Polícia ou Ministério Público) para atuação frente a casos concretos. Como se observou, a representação não narrou fatos específicos.
21. Diante disso, uma vez que, a não se cuidar aqui de casos concretos, a providência a ser tomada nestes autos condiz com a orientação do sindicato representante, a fim de que circularize entre seus filiados as medidas a serem tomadas para efetivo controle das chamadas "carteiradas". Diante do exposto, determina-se:
1) a expedição de ofício ao sindicato representante, com cópia da presente decisão, a fim de cientificá-lo, para fins de divulgação entre seus filiados, das medidas a serem tomadas para provocação de controle das chamadas "carteiradas" de policiais federais, solicitando-se especial atenção para os parágrafos n° 10 a 18; e
2) o encaminhamento da presente decisão, para ciência, ao Corregedor Regional da Polícia Federal no Distrito Federal e ao Corregedor Nacional de Polícia Federal. Uma vez tomadas as providências já determinadas, promove-se, desde logo, o ARQUIVAMENTO dos presentes autos, uma vez já efetivadas as medidas em razão dele julgadas necessárias, sem prejuízo de que, em face do conhecimento de casos concretos, seja empreendida, nos feitos correspondentes, após a devida distribuição, atuação criminal em face de eventuais abusos de autoridade cometidos em razão do mau uso de identidades funcionais por policiais federais.
Encaminhe-se, ainda, o feito à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, para homologação desta promoção de arquivamento.
Cumpra-se.
Brasília, 13 de novembro de 2008.
Vinícius Fernando Alves Firmino-Procurador da República no Distrito Federal
Gustavo Pessanha Velloso - Procurador da República no Distrito Federal
Lívia Nascimento Tinôco - Procuradora da República no Distrito Federal
Por: Conteúdo Jurídico
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