No mundo jurídico e na sociedade de forma geral, a maioridade civil é um marco temporal importante. Dos anteriores 21 anos de idade estabelecidos pelo Código Civil de 1916, o término da incapacidade civil foi antecipado no código de 2002 para 18 anos completos. De acordo com a legislação atual, atingida a maioridade, o indivíduo fica habilitado à prática de todos os atos da vida civil, sem a necessidade de assistência de um representante legal.
Além disso, o próprio código estabelece aos maiores de 16 e menores de 18 anos a condição de relativamente incapazes, quando podem praticar determinados atos sem a assistência de seus representantes, como ser testemunha (artigo 228 do CC/2002) e fazer testamento (artigo 1.860), entre outros.
O Código Civil também previu possibilidades de término da incapacidade para os relativamente incapazes pela emancipação, como a concessão da maioridade pelos pais ou por sentença judicial, pelo casamento, pelo exercício de emprego público efetivo e por colação de grau.
Apesar das previsões legais, a maioridade – como um assunto social de extrema relevância – continua a ser discutida e a sofrer interpretações e inovações. No campo legislativo, recentemente, a Lei 13.811/2019 alterou o artigo 1.520 do Código Civil para suprimir as exceções legais permissivas do casamento infantil (aquele realizado antes dos 16 anos) – a gravidez e o interesse de evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.
No campo judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolve diversas questões a respeito da emancipação e da maioridade civil, a exemplo de causas sobre posse em concurso público, indenizações por acidentes automobilísticos que envolvem menores e temas ligados ao direito previdenciário.
No REsp 1.462.659, a Segunda Turma analisou ação em que a autora foi aprovada para o cargo de auxiliar de biblioteca quando tinha 17 anos. Após a homologação do concurso e a nomeação dos aprovados, a candidata foi informada sobre a impossibilidade de sua posse em razão do descumprimento do requisito de idade mínima de 18 anos. Segundo a candidata, o requisito de idade estaria suplantado pela emancipação, condição que a habilitaria para praticar todos os atos da vida civil.
Após o deferimento do mandado de segurança em primeira instância – decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) –, o Instituto Federal Sul-rio-grandense interpôs recurso especial sob o argumento de que o julgamento violou a Lei 8.112/1990, que estabelece a exigência de idade mínima de 18 anos para investidura em cargo público.
O relator do recurso, ministro Herman Benjamin, destacou que, apesar da constitucionalidade dos limites etários estabelecidos em razão da natureza e das atribuições do cargo, no caso dos autos, a obrigatoriedade de idade mínima deveria ser flexibilizada.
Como apontado pelo TRF4, o ministro ressaltou que não há indício de que o cargo de auxiliar de biblioteca tenha exigências que impliquem a observância rigorosa de uma idade mínima e, além disso, a candidata tinha 17 anos e dez meses na data da posse, mas estava emancipada havia quatro meses.
Ao manter a decisão de segundo grau, Herman Benjamin também lembrou que o artigo 5º do Código Civil estabelece como hipóteses de cessação da incapacidade a emancipação voluntária concedida pelos pais, como no caso dos autos, e o exercício de emprego público.
"Portanto, o codex que regula a capacidade e a personalidade das pessoas naturais permite o acesso ao emprego público efetivo aos menores de 18 anos, sendo, dessa forma, um dos requisitos para a cessação da incapacidade civil dos menores", concluiu o ministro.
Em julgamento semelhante, a Primeira Turma analisou mandado de segurança em que um candidato ao cargo de oficial da Polícia Militar foi excluído do concurso porque não tinha 18 anos completos no dia da convocação para o programa de formação. O ato de convocação ocorreu nove dias antes de o candidato, que já era emancipado, atingir a maioridade.
O mandado de segurança foi indeferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Para o tribunal, a natureza do cargo de policial militar justifica que as especificações de idade sejam preconizadas no edital do certame, sem que isso implique lesão ou afronta aos princípios constitucionais.
Relator do recurso em mandado de segurança, o ministro Sérgio Kukina afirmou que, por disposição legal, a atividade administrativa deve se pautar, entre outros, pelo princípio da razoabilidade, com a consequente adequação entre meios e fins, além da observância do interesse público.
Segundo o ministro, a exigência, feita pelo edital, de idade mínima de 18 anos na data da matrícula no curso de formação decorreu de mera interpretação da Lei Complementar Estadual 231/2005, que na verdade prevê a limitação de idade para ingresso na carreira militar.
"Essa interpretação – que em outro contexto poderia ser tida como lícita – foi aplicada com tal rigor no caso concreto que, a pretexto de cumprir a lei, terminou por feri-la", disse Kukina. Para o relator, a pretexto de cumprir a lei, a exclusão do candidato desconsiderou a adequação entre meios e fins, impôs uma restrição em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público e não interpretou a lei da forma que melhor garantisse o atendimento do fim público (RMS 36.422).
No âmbito do direito privado, a Quarta Turma analisou pedido de indenização formulado por um ciclista que foi atropelado por veículo conduzido por menor emancipado. As instâncias ordinárias condenaram o menor e seus pais à indenização por danos morais de R$ 40 mil, além de dano estético de R$ 20 mil.
Em recurso dirigido ao STJ, os pais alegaram que não poderiam ser responsabilizados solidariamente pelo acidente, já que o filho era emancipado quando se envolveu no atropelamento e, além disso, exercia atividade profissional e não dependia mais deles.
A relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, mencionou jurisprudência do STJ segundo a qual é preciso distinguir a emancipação legal – como na hipótese do casamento, capaz de liberar os pais da responsabilidade pelos atos do filho – da emancipação voluntária – que não tem o poder de exoneração, porque é caracterizada como ato de vontade, e não elimina a reponsabilidade proveniente da lei.
"No que concerne à responsabilidade dos pais pelo evento danoso, observo que a emancipação voluntária, diversamente da operada por força de lei, não exclui a responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados por seus filhos menores", afirmou a ministra ao manter a condenação solidária dos pais (Ag 1.239.557).
O filho maior inválido tem direito à pensão do segurado falecido caso a invalidez seja anterior ao óbito, mesmo que posterior à emancipação ou maioridade. Com esse entendimento, a Segunda Turma manteve acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) que considerou devida pensão por morte a filha de segurado falecido que demonstrou dependência econômica em relação ao pai.
No recurso especial, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alegou que a perícia médica concluiu que a incapacidade da filha teve início após ela completar 21 anos.
Segundo o INSS, para a concessão do benefício por morte, os normativos previdenciários – como a Lei 8.213/1991 e o Decreto 3.048/1999 – exigem que o momento da invalidez seja anterior tanto à data em que o filho completou 21 anos quanto à data de eventual causa de emancipação (como casamento ou atividade laboral). Por isso, a autarquia previdenciária sustentou a improcedência do pedido de pensionamento.
Ao manter o acórdão do TRF1, o ministro Herman Benjamin apontou jurisprudência do STJ no sentido de que o Decreto 3.048/1999, ao exigir que a invalidez seja anterior ao implemento da idade de 21 anos ou da emancipação, extrapolou os limites do poder regulamentar, "razão pela qual se mostra irrelevante o fato de a invalidez ter ocorrido antes ou após o advento da maioridade, pois, nos termos do artigo 16, I, da Lei 8.213/1991, será dependente o filho maior inválido, presumindo-se, nessa condição, a sua dependência econômica" (REsp 1.768.631).
Também no âmbito do direito de família, questões relativas à emancipação são decisivas. Ao analisar prisão civil em razão de dívida alimentar, a Terceira Turma do STJ decidiu em 2003 que a emancipação do alimentando e sua declaração dando quitação das verbas vencidas constituem prova de não haver motivo para a manutenção do cárcere.
Nos autos de ação de execução de alimentos, o devedor alegou que fez o depósito referente aos três últimos meses e que, além disso, juntou cópia da escritura de emancipação do alimentando e a declaração de quitação.
Para o relator do caso, ministro Pádua Ribeiro (aposentado), os documentos juntados aos autos representavam "prova plena" da desnecessidade da prisão civil.
"A afirmação do ilustre relator impetrado de que o crédito alimentar foi constituído antes da emancipação do credor e de que 'o sustento deste foi suprido com exclusividade pela genitora, a qual busca receber tal valor', é matéria que deve ser decidida na execução proposta, mas que não reveste de legalidade a prisão decretada", afirmou o ministro ao conceder o habeas corpus (o número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).
REsp 1462659RMS 36422Ag 1.239.557REsp 1768631
Fonte: Notícias do STJ.