1.Histórico do Código Civil atual – 2. Unificação do direito privado – 3. A campanha caluniosa contra o Código Civil – 4. Quais intenções existirão por trás dessa campanha? – 5. Fator de nosso orgulho – 6. As inovações introduzidas pelo novo Direito Empresarial – 7. Regulamentação do estabelecimento – 8. Sociedade entre marido e mulher – 9. Desconsideração da personalidade jurídica – 10. Previsão do crédito documentário – O novo Código Comercial
1.Histórico do Código Civil atual
Neste dia 10.2.2012 estamos completando dez anos da promulgação da Lei 10.406, instituindo o novo Código Civil brasileiro, substituindo seu similar de 1916, após quase um século de vigência. O novo Código Civil revogou também o antigo Código Comercial de 1850, que deixou de existir, sobrando dele apenas uma pequena parte, referente ao Direito Marítimo, que passou a ser uma lei complementar. O novo Código Civil instituiu também o novo Código Comercial, que passou a vigorar a partir dessa data: 10.2.2012, absorvendo essa lei marítima como lei complementar, junto com numerosas leis de caráter mercantil, que apontaremos logo adiante.
Nesses dez anos de vigência o novo Código Civil provou sua eficiência, servindo de base para um novo direito brasileiro, moderno, vibrante, sério, e interpretou os anseios da nação, sendo discutido pelo Congresso Nacional durante 27 anos, com os representantes do povo propondo emendas e sendo discutido pela comunidade jurídica do país. A nação recebeu-o de braços abertos e teceu loas à sua perfeição. Não se evidenciaram críticas ao novo arcabouço jurídico brasileiro.
Esse código representa um marco histórico no direito brasileiro, substituindo o antigo e ultrapassado direito por um novo, moderno e atualizado. Podemos dizer que o direito brasileiro passou por duas fases: a primeira até 2002, e a segunda depois de 2002, ou seja, de quando foi promulgado o Código Civil atual até nossos dias. A primeira fase foi caracterizada pelo desgaste natural dos anos, porquanto sobreviveu por 86 anos, apesar das profundas transformações sociais, políticas e econômicas pelas quais o Brasil foi passando. Não se pode dizer que o Código Civil de 1916 era imperfeito, mas não conseguiu acompanhar a evolução do tempo.
Diversas tentativas foram feitas no sentido de substituir o código de 1916, todas elas frustradas e não nos ocuparemos delas. Porém, em 1969, o Governo Federal nomeou a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, com seis membros e mais o coordenador: o professor Miguel Reale, da Universidade de São Paulo. Os outros seis foram o professor Sylvio Marcondes, da USP, que se encarregou da parte especial referente ao Direito Empresarial, chamado a princípio de Direito das Atividades Negociais mas depois foi mudado para Direito Empresarial; a Parte Geral do código foi atribuída ao Ministro do STF, José Carlos Moreira Alves, ex professor da USP; o Direito das Coisas foi entregue ao ilustre romanista Ebert Chamoun; o Direito de Família ao professor gaucho Clovis Couto e Silva; o Direito das Sucessões ao mestre pernambucano Torquato Castro. Dessa seleção de primeira linha brotou o Código Civil.
2. Unificação do direito privad O Código Civil de 2002 não reformulou apenas o Direito Civil, mas, com mais vigor, o Direito Empresarial ao reformulá-lo profundamente. Eliminou o antigo Código Comercial de 1850, substituindo-o por outro código que passou a ser considerado o de 2002. Essa transposição representas uma guinada de 180 graus. A influência francesa no código de 1850 foi suplantada pela influência italiana no Código Comercial de 2002.
A pedra angular do Direito Empresarial era a figura do comerciante e dos atos de comércio antes de 2002: daí por diante começou a girar sobre a teoria da empresa. Essa unificação, representada pela fusão do Código Civil e do Código Comercial num único corpo foi tão somente legislativa, pois permanece o dualismo do direito privado, embora o código de 2002 tenha operado a unificação legislativa. O Direito Empresarial é estudado nas faculdades de direito como matéria autônoma, no Brasil, na Itália e nos demais países conhecidos juridicamente. Igualmente na Suíça, em que houve a unificação do direito privado, malgrado haja dois códigos: o Civil e o das Obrigações, mas não há Código Comercial.
3. A campanha caluniosa contra o Código Civil
Mais de nove anos da calmaria e aperfeiçoamento constante não conseguiram prever o surgimento de campanha difamatória que haveria de surgir em 2011 contra o Código Civil e o direito brotado dele. O Ministro da Justiça encaminhou ao Congresso Nacional, por intermédio de um deputado de seu partido político um projeto de lei para instituir um novo Código Comercial no Brasil. Ato contínuo, o próprio Ministro da Justiça anuncia seu apoio a essa iniciativa e promete publicamente a promulgação do novo Código Comercial brasileiro para 2012. Ergueu-se então em todo o país feroz campanha difamatória contra o Código Civil e se vê encarecida a premência e a necessidade do código proposto por esse Projeto de Lei, que tomou o numero 1.572/2011.
Programados pelo Ministro da Justiça são realizados seminários, palestras, reuniões em diversos pontos do território nacional para lançar farpas contra o Código Civil de 2002, com fundamento na sua antiguidade, na superação e nos incontáveis defeitos que ele ostenta. Os impropérios dirigidos ao direito brasileiro vigente constam de palavras candentes, ferozes e inconsistentes. Não resistiriam a qualquer discussão sensata, ponderada e serena. Tudo é balão de ensaio, poeira no ventilador e não resistiria a uma análise em termos jurídicos. São críticas muito ricas em agressividade mas pobres em objetividade. O que é pior é que a verdade é maliciosamente deturpada. Para se ter ideia da forma destemperada de como o assunto é tratado, bastaria citar esta frase pronunciada pela crítica:
Melhor teria sido evitar no Brasil que se copiasse, e mal, o códice civile de 1942, a que se seguiu a aprovação de um monstrengo jurídico em 2002.
Lutaremos para provar a falsidade dessa Afirmação e já estamos lutando com vários artigos publicados pela Internet. Nosso Código Civil não é um “monstrengo jurídico”; é uma obra-prima, orgulho de nosso direito e pode ser ombreado com o código de das nações juridicamente desenvolvidas, como a Itália, França, Alemanha, Espanha. Além do mais, não é uma cópia do Código Civil italiano; é uma obra original, cuidadosamente elaborada, interpretando a alma brasileira, nossa organização social e econômica, ou seja, está dentro da realidade nacional. É, entretanto, a consagração do direito romano, que herdamos desde o Corpus Juris Civilis, e apenas tomou como modelo o Código Civil italiano, mas tomar como modelo não é copiar. Basta comparar um com o outro. O que fez é aproveitar, com louvor, a excelência do Código Civil italiano e também o nosso Código Civil de 1916, que foi tomado por base e modernizado pelo atual e não foi descartado.
A par de outras acusações vagas e insubsistentes a campanha difamatória contra o Código Civil torce maldosamente a verdade, e de forma tão frisante e frontal que não se pode considerar como fruto de algum equívoco, ignorância ou distração, e sim, de manifesta má-fé. Todos os corifeus do rosário de calúnias afirmam que nosso Código Comercial se torna necessário para substituir o código de 1850, que, no dizer deles, ainda está em vigor. Eis aqui a monstruosidade histórica retratada. E essa aleivosia tem sido repetida por mestres de direito, juristas, entidades, a imprensa e divulgada despudoradamente. Vamos citar algumas dessas afirmações:
O Brasil precisa de um Código Comercial. O atualmente em vigor, editado em 1850, ainda no tempo do império, teve suas normas de tempos em tempos, transpostas para outras leis.
E mais uma patacoada:
È difícil até imaginar que algum diploma legal datado de 1850 – quando o Brasil ainda era um Império sustentado por mão de obra escrava – continue valendo. Este, porém, é o caso do Código Comercial, apesar de muitos de seus dispositivos terem sido substituídos ao longo do tempo por leis dispersas, como a que rege as sociedades anônimas (de 1976) e a que dispõe sobre recuperação de empresas (de 2005), que substituiu a Lei de Falências e Concordatas, de 1945).
Vamos repetir, alto e bom som, o que já afirmamos diversas vezes: não mais existe o Código Comercial de 1850, que foi revogado pelo Código Civil de 2002. Afirmar em contrário é fazer demagogia, torcer a verdade e tentar embair a comunidade jurídica. Dizer que o Código Comercial de 1850 ainda está em vigor é agredir a consciência nacional.
4. Que intenções existirão atrás disso?
Confessamos a nossa ignorância e a nossa incompreensão quanto às intenções do Ministro da Justiça e sua equipe integrada na campanha difamatória contra o direito vigente no Brasil! Que interesse poderia ter o Governo Federal em custear essa campanha, com seus arautos percorrendo o Brasil, com entidades corporativas convidadas a participar delas? Sob o ponto de vista jurídico, não vemos vantagem com esse código, que nos parece mais funesto e perturbador das relações jurídicas. É a destruição das conquistas do Brasil neste meio século de lutas para modernizar nosso direito. É um retrocesso às ideias antigas e superadas expressas no Código Civil de 19l6 e no Código Comercial de 1850.
Não vemos também interesses econômicos beneficiados pelo projeto e nem grupos econômicos participando dessa campanha, tutelada apenas pelo Ministro da Justiça e alguns convidados. Vejamos a frase lapidar dos doutrinadores ligados à campanha:
A mera oportunidade de corrigir esses erros decorrentes da unificação legislativa, copiada da codificação italiana “fascista” de 1942, já seria motivo suficiente para a edição de um novo Código Comercial. Mas há também outro motivo, ainda mais importante: a defesa do livre mercado.
Alguém poderia apontar o que nosso Código Civil tem de “fascista? Alguém igualmente poderia apresentar prova de que nosso Código Civil é “copiado”? Vamos repetir o que dissemos ut supra: nosso Código Civil não é copiado de ninguém. É autêntico.
E o outro assaque contra nosso Código Civil que precisa ser explicado. Em que aspecto ele desrespeita a livre iniciativa, a liberdade de mercado, a liberdade contratual? Além disso, esses princípios são assegurados pela Constituição Federal, sendo portanto problema do Direito Constitucional e não do Direito Civil nem Empresarial. Nosso Código Civil foi amoldado à Constituição Federal de 1988, e se ele desrespeita os princípios estabelecidos por ela é só apelar para o Supremo Tribunal Federal, com arguição de inconstitucionalidade. Por que até agora ninguém arguiu a inconstitucionalidade do Código Civil?
Nosso Ministro da Justiça é um político de carreira. Que proveito poderia ele ter com o novo Código Comercial pelo qual luta com tanto afã? Talvez por uma vaidade de ter sido o pai do Código Comercial brasileiro. Entretanto, não se vislumbra o que pode recomendar esse Projeto de Lei 1.572/2011, que não irá contribuir para o aprimoramento de nossas instituições jurídicas; descobrirá o Ministro da Justiça que o tiro irá sair pela culatra.
5. Fator de nosso orgulho
Ansiada durante vários anos, foi promulgada finalmente a Lei 10.406, em 10/01/2002, instituindo o novo Código Civil brasileiro. Foi a maior reformulação sofrida pelo Direito Empresarial, deixando ruir as retrógradas idéias sustentadas pelo Código Comercial e pelo Código Civil, de existência secular. Foi a reformulação pela base, descartando a influência francesa, ao receber a influência italiana. Há muito paralelismo entre o direito francês e o direito italiano, razão pela qual ainda persistirá, embora mais opaca, a influência francesa.
Restava, porém, a eliminação de arcaicas leis complementares, para que o novo Código Civil e as idéias introduzidas por ele fossem obedecidas, harmonizando o Direito Empresarial. A principal delas era a Lei Falimentar, promulgada pelo Decreto-lei 7.661/45. Essa eliminação se deu três anos depois, conseguida pela promulgação, em 09/02/2005, da Lei 11.101, a Lei de Recuperação de Empresas.
Muitos diplomas jurídicos sobram do passado, mas de menor importância, e serão eles eliminados pouco a pouco. Além do mais, a lei posterior revoga a lei anterior nos aspectos contrastantes, de tal forma que disposições arcaicas estão virtualmente revogadas.
No estágio em que nos encontramos, o Direito Empresarial brasileiro pode ser considerado um dos mais perfeitos e evoluídos do mundo. Poderemos compará-lo com o dos países mais desenvolvidos sob o ponto de vista jurídico: Itália, França e Alemanha. Ante eles, poderemos colocar nosso Direito Empresarial em grau de superioridade. Verdade é que o direito brasileiro assimilou muito o direito europeu e, por isso, temos que dar graças a ele. Porém, ao nos basear nos códigos italiano e francês, adaptamos as normas deles às nossas conveniências e modernizamos muitas disposições deles, muitas das quais, um tanto, superadas.
Comparemos nosso código com o Código Comercial francês. Ele é de 1806, portanto de dois séculos, interpretando a era da Revolução Francesa e do surgimento da burguesia, da Revolução Industrial e de outras transformações econômicas e sociais, surgidas desde o início do século retrasado. Nesse tempo, a França foi modernizando seu direito, mas sem perder seu arcabouço inicial. Novas leis iam surgindo, atualizando o código primitivo, e adicionadas ao capítulo correspondente ao assunto. É o caso da regulamentação das sociedades mercantis, que muitos chamaram de “pequeno código societário”, adicionado ao Código Comercial no capítulo referente às normas de Direito Societário.
Chegou o ano de 2006 com o Código Comercial francês de 1806, contendo disposições super anacrônicas, mas, logo em seguida, com leis modernas, numa convivência indigesta. Não poderia deixar de ser confuso um código de dois séculos, incorporando leis surgidas até esta data.
Veremos então o Código Civil italiano, bem mais moderno, por ser de 1942, contudo, com mais de 70 anos de idade. Foi modernizado, ficando, às vezes, conflitante consigo mesmo. Neste código a douta comissão organizadora do nosso Código Civil se baseou, incorporando ao nosso o capítulo referente ao Direito Empresarial. Portanto, foi o Código Civil italiano adaptado às nossas conveniências, atendendo às inúmeras transformações ocorridas após a guerra mundial de 1939-1945.
Apesar de haver sido o projeto do Código Civil debatido por 27 anos no Congresso Nacional, ele é fruto da época de sua promulgação, ou seja, o ano de 2002. Em 1988, com o advento da Constituição Federal, foi o projeto do Código Civil retirado do Congresso Nacional e passou por ampla revisão por parte da comissão elaboradora. Ficou assim consentâneo com nossa constituição. É, portanto, nosso código bem moderno; é um todo unitário e coerente, sem os choques de idéias que cercam os códigos da Itália, da França e da Alemanha. É também superior ao excelente e moderno código português de 1966, que chegou até a ser sugerido para transformar-se no brasileiro. A balela de que nosso Código Civil afronta o livre mercado, a livre iniciativa e a liberdade de empreendimento é puro balão de ensaio.
Há outro aspecto a ser considerado: os códigos franceses eram a vontade expressa de Napoleão Bonaparte, tanto que são chamados de códigos Napoleão ou napoleônicos. A extrema rapidez com que surgiram demonstra ter havido pressão de seu patrono na tramitação. O Código Civil italiano surgiu em plena época da ditadura fascista, o que provocou até a pecha de “fastitóide” dada ao nosso, em vista de sua inspiração peninsular. Os detratores de nosso Código Civil se apegam a isto para dizer que nosso código é uma cópia do código fascista.
Ao revés, o Código Civil brasileiro foi submetido a longas análises, a estudos e aprimoramento constantes durante 27 anos. Houve participação efetiva da nação brasileira, por meio de seus representantes no Congresso Nacional. Numerosos juristas e acadêmicos opinaram e sugeriram. Exemplo dessa colaboração foi o capítulo referente aos títulos de crédito, que veio a esclarecer e completar certas normas de Direito Cambiário. É, destarte, código nosso, de nossa lavra, um código popular, no sentido de ter sido produzido pelo povo brasileiro por intermédio de seus representantes, com amplos debates e participação de todas as áreas de nossa sociedade.
Os membros do Congresso Nacional são eleitos pelo povo e são representantes dele no Poder Legislativo, de tal forma que, segundo os dizeres de Montesquieu e de Norberto Bobbio, o povo faz as leis por seus representantes. Durante os 27 anos de tramitação do projeto do código civil no Congresso Nacional houve inúmeras manifestações da população brasileira por meio de seus representantes, tendo sido apresentadas mais de mil modificações. Verdade é que no que tange ao “Direito de Empresa” (arts. 966 a 1195), o projeto permaneceu quase que inalterado. Essa crítica é até a exaltação maior que se pode fazer à nova regulamentação básica do Direito Empresarial, visto que resistiu a 27 anos de crítica e saiu-se airosamente, com a aceitação unânime da nação e da maioria absoluta dos juristas.
Há, naturalmente, alguns pontos duvidosos e discutíveis, o que é natural no direito, ciência por demais polêmica. A beleza, a vibração e o dinamismo do direito estão exatamente nas discussões que ele proporciona. Vamos citar um exemplo: há muitos anos atrás discutia-se acerbamente o pagamento de imposto de renda sobre o salário, sob a alegação de que salário não é renda. Muitos seminários levantavam bases de discussões, que agitaram os meios jurídicos. Houve enfim uma lei que sanou qualquer dúvida: salário é renda. Não houve mais seminários, nem estudos, nem teses sobre este assunto. Calou-se a rica polêmica.
Houve divergências e propostas à douta comissão elaboradora do projeto do Código Civil; algumas foram aceitas, mas a maioria abandonada. O autor deste artigo, quando acadêmico no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, formou grupo de estudos, coordenado pelo Professor Mauro Brandão Lopes, para propor alterações no projeto. Fizemos sentir ao preclaro mestre Sylvio Marcondes nossa discordância quanto à nomenclatura adotada para as empresas: empresário, sociedade empresária e sociedade simples. Achávamos que deveria ser mantida a nomenclatura tradicional, isto é:
Empresário mercantil individual – para o empresário;
Sociedade mercantil – para a sociedade empresária;
Sociedade civil – para a sociedade simples.
Nossa sugestão não foi aceita, mas faria grande diferença? O que mudaria na substância a adoção de uma ou outra nomenclatura? Será que a opinião de dez pessoas deveria prevalecer contra a de milhares? Além do mais, nada impede que a nomenclatura antiga continue a ser utilizada na doutrina e em outras leis.
Em compensação, foi aceita nossa sugestão, criada pelo Professor Mauro Brandão Lopes, dileto colega do Professor Sylvio Marcondes, membro da comissão elaboradora do projeto do Código Civil, na parte referente ao Direito Empresarial, introduzindo o capítulo referente aos títulos de crédito. Foi assaz importante esta contribuição, porquanto a Lei Cambiária brasileira se ressentia de várias omissões e imperfeições, em decorrência da má tradução da Convenção de Genebra, que rege essa matéria.
Por que falamos tanto no Código Civil, quando estamos examinando o Direito Empresarial? É porque as normas estabelecidas pelo antigo Código Comercial desapareceram e surgiram outras no Código Civil. O Código Comercial, promulgado pela Lei 556, de 25/06/1850, foi revogado, na Parte Primeira, pela Lei 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil. As normas básicas do Direito Empresarial estão no Código Civil, um código unificado civil-comercial.
Nosso código é autêntico, original. A inspiração italiana é, porém, patente, foi baseada no Código Civil italiano. Não ficou descartada a influência francesa, uma vez que o Código Comercial vigorou no Brasil por mais de 150 anos e deixou marcas no direito brasileiro. Nem tampouco desapareceu a influência alemã que se revelava no antigo Código Civil. O código atual também se baseou no anterior, o que foi demonstração da sabedoria da comissão elaboradora. O atual conservou muita realidade boa do antigo, eliminando só o que era superado ou supérfluo.
6. As inovações introduzidas pelo novo Direito Empresarial
Por outro lado, o novo Código Civil trouxe algo do antigo Código Comercial, embora bem modernizado. É o caso da “Escrituração”, chamado antigamente de “obrigações comuns às empresas mercantis”, referente aos registros contábeis. Também trouxe alguns agentes auxiliares das atividades empresariais, denominados prepostos (arts.1169 a 1171).
Conforme nos referimos por diversas vezes, o novo Direito Empresarial brasileiro recebeu as modernas idéias internacionais por meio do Código Civil italiano, no qual o nosso foi baseado. É a principal fonte, mas não a única. Nosso antigo Código Civil também se conservou em muitos aspectos. A estrutura do nosso é mais complexa, mas baseada no seu congênere peninsular, da qual já falamos.
7. Regulamentação do estabelecimento
De muita importância foi a regulamentação do “Estabelecimento”, nos arts. 1142 a 1149, a que o Código Civil italiano dá o nome de “Azienda”, designação também utilizada no Brasil, juntamente com a expressão “fundo de comércio”.
8. Sociedade de marido e mulher
Outra inovação trazida pelo Código Civil é a proibição de sociedade entre cônjuges casados no regime da comunhão universal de bens ou separação obrigatória, entre si ou com terceiros. É o que consta do art. 977. Esse tipo de sociedade vinha causando inúmeros conflitos judiciais e, desta vez, o mal foi cortado pela raiz. Não nos pareceu essa a melhor solução, porquanto o ideal seria a regulamentação pormenorizada dessa sociedade, de tal forma que pudesse evitar fraudes.
9. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa
Inovação das mais louváveis foi a introdução da teoria universal da “disregard theory” ou “disregard of legal entity”, que já fora aceita pelo nosso direito, mas agora penetrou em nossa legislação de forma ampla. Foi ela adotada no art. 50 de nosso Código Civil, ficando o Brasil um dos poucos países a mantê-la na legislação. Pelo que nos consta, os Códigos da Holanda e da Etiópia eram os únicos a adotá-la. Nosso direito faz sua adoção de maneira clara e completa e o novo Código Civil de 2002, já exerce influência em outras leis, como por exemplo, a Lei de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 09/02/2005).
10. Previsão do crédito documentário
Outra inovação digna de nota foi a previsão do contrato internacional conhecido como “crédito documentário”, que nosso Código Civil, nos arts. 529 a 532, regulamenta com o nome de “venda sobre documentos”. A regulamentação é meio sumária, mas a prática desse contrato conta com a regulamentação da Câmara de Comércio Internacional em brochura especial, aceita no mundo inteiro por convenções internacionais. Poucos países o incluíram na legislação, preferindo apegar-se exclusivamente às normas internacionais.
11. O novo Código Comercial
Diz o penúltimo artigo do Código Civil, o art. 2045, que se revoga a Parte Primeira do Código Comercial, Lei 556, de 25/06/1850. Nosso antigo código tinha três partes. A Parte Terceira (Das Quebras) já fora derrogada em 1890 pela Lei Falimentar, sobrando as outras duas. Dessas, apenas a Parte Primeira foi revogada, permanecendo a segunda, referente ao “Comércio Marítimo”. Assim sendo, continua em vigor a Parte Segunda, que não forma código, mas é um conjunto de normas suplementares..
Vamos descrever o novo Código Comercial brasileiro, conforme vem sendo publicado por várias editoras:
Do Comércio Marítimo – Compreende os arts. 457 a 796 do antigo Código Comercial, que se conservaram e estabelecem normas de Direito Marítimo. É a parte antiga do Direito Empresarial, exigindo ampla reformulação, apesar de haver inúmeras disposições baixadas pelos órgãos públicos encarregados de controlar essa atividade. É restrita apenas ao Direito Marítimo, um dos ramos do Direito Empresarial.
Código Civil – Títulos de Crédito – Arts. 887 a 926 – Essa parte do Código Civil estabelece algumas normas básicas sobre o Direito Cambiário, complementando e esclarecendo a Convenção de Genebra.
Código Civil – Direito de Empresa – Arts. 966 a 1195 – É a regulamentação básica do Direito Empresarial.
Legislação complementar – É o complexo de importantes leis regendo as atividades empresariais. Entre elas, podemos citar as mais relevantes:
1. Lei de Recuperação de Empresas – É a Lei 11.101, de 09/02/2005, substituindo a antiga Lei Falimentar;
2. Lei de Patentes – É a Lei 9.279/96 – instituindo as normas básicas do Direito da Propriedade Industrial;
3. Lei das Sociedades por Ações – Lei 6.404/76 - Regulamenta a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações, sendo a mais importante lei componente do Direito Societário;
4. Convenção de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – Promulgada pelo Decreto nº. 53.663/66, constituindo-se na norma básica sobre o Direito Cambiário;
5. Lei do Mercado de Capitais – É a Lei 4.728/65 – Norma básica sobre o Direito do Mercado de Capitais;
6. Estatuto da Microempresa – É a Lei 9.841/99, bem moderna, regulamentando a microempresa e a empresa de pequeno porte;
7. Lei da Reforma Bancária – Lei 4.595/64 – Estrutura o Sistema Financeiro Nacional, prevendo as várias instituições financeiras que operam no país. É a lei centralizadora do Direito Bancário.
8. Lei do Inquilinato – Lei 8.245/91 – Regula a locação de imóveis para fins empresariais. Antes havia lei específica, mas a atual unificou as normas da locação de imóveis.
9. Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei 7.565/85 – Estabelece as normas principais do Direito Aeronáutico.
Bacharel, mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo - Advogado e professor de direito - Autor das obras de Direito Internacional: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO e DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, publicados pela EDITORA ÍCONE. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROQUE, Sebastião José. Dez anos de Código Civil com excelentes serviços, ainda que caluniado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1146/dez-anos-de-codigo-civil-com-excelentes-servicos-ainda-que-caluniado. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Remo Higashi Battaglia
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