A cena já é conhecida de todos, principalmente daqueles que têm o costume de freqüentar as lindas praias de nosso País. Uma pessoa se aproxima e, sobre um papel branco, distribui pequenos pedaços de amendoim para que o freqüentador os experimente. Após alguns minutos, tempo suficiente para que ele seja provado, o vendedor oferece o produto, colocado em saquinhos de tamanhos variados. Trata-se de um dos mais conhecidos petiscos saboreados nas praias brasileiras, ao lado do milho verde e do queijo coalho assado na brasa.
Há algum tempo, temos associado essa prática cotidiana à boa-fé objetiva, àquela exigência de conduta de lealdade dos participantes de uma relação jurídica negocial, um dos principais conceitos trazidos pela nova codificação privada. Já tivemos várias oportunidades de escrever sobre a boa-fé objetiva, tema que sempre nos entusiasma.[1] Em todas essas oportunidades, amparados na melhor doutrina de Menezes Cordeiro, Clóvis do Couto e Silva e Judith Martins Costa, associamos a boa-fé objetiva aos deveres anexos, secundários ou laterais de conduta.[2]
No caso dos amendoins, o que se percebe é que, pelo ato de distribuição de pequenas amostras grátis do produto, o vendedor tenta conquistar, na fase pré-contratual, a confiança do comprador , a qual não pode ser quebrada, sob pena de caracterização de uma espécie de inadimplemento contratual: a violação positiva do contrato.[3] Como exemplo dessa violação, pensemos no caso em que os amendoins dos saquinhos não correspondam aos produtos distribuídos: estão podres...
Não temos dúvidas de que a boa-fé objetiva deve estar presente também nos contratos de pequeno valor, como nos apontou, recentemente, um de nossos alunos. O estudante levantou como hipótese de atentado à boa-fé o ato de as pizzarias cobrarem o valor da pizza mais cara quando se pede um produto com dois sabores. A título de ilustração, ao pedir-se uma pizza meia muzzarela meia camarão com catypiry, sempre é adotado o preço mais caro. Além de essa conduta ser violadora da boa-fé objetiva, viola também a função social dos contratos.[4]
O mesmo pode ser dito quanto às empresas de estacionamento, que ainda teimam em cobrar a hora cheia ao invés da permanência por minuto. No caso do município de São Paulo, a Câmara dos Vereadores aprovou, no mês de agosto de 2006, uma lei que determina a cobrança dos valores de forma fracionada, o que ainda depende de sanção pelo prefeito municipal.[5] Para nós, o projeto de lei municipal apresentava como conteúdo ambos os princípios sociais contratuais: estando presentes tanto a boa-fé objetiva, pois a cobrança da hora cheia é desleal, quanto a função social dos contratos, pela proteção da parte mais frágil da relação contratual, de modo a merecer aplausos. Mas, infelizmente, o prefeito Gilberto Kassab vetou a referida lei, no último dia 8 de setembro, por sua suposta inconstitucionalidade, por não ser o seu conteúdo da competência municipal.[6]
Também a título de ilustração, pensemos na hipótese do consumidor que vai até um daqueles famosos caminhões de morangos vindos de Atibaia, que oferece os produtos para a freguesia, e compra duas caixas de morangos, devidamente lacradas, pois, nas palavras do vendedor: isso visa a evitar a contaminação do produto pela poluição da cidade! Ao chegar em casa, o comprador abre as caixas e constata que embaixo dos lindos morangos da primeira camada escondem-se frutas minúsculas, quase do tamanho de pílulas. Má-fé maior não há!
Pois bem, voltemos ao exemplo da conduta do vendedor de amendoins, que nos faz lembrar dos famosos julgados proferidos pelo sempre pioneiro Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conhecidos como caso dos tomates. A empresa Cica distribuía sementes a agricultores gaúchos, de modo a gerar-lhes a expectativa de compra da safra futura, expectativa esta presente na fase pré-contratual, sem que qualquer contrato escrito fosse celebrado. Em determinados momentos, os agricultores plantaram as sementes, que geraram tomates, mas a empresa não adquiriu a produção, o que levou a sua perda. O TJ/RS responsabilizou a empresa por tais condutas de quebra da confiança.[7]
O ato da distribuição, tanto dos amendoins quanto dos tomates, leva-nos a pressupor que tanto o vendedor quanto a Cica pretendem, e querem muito, a celebração do contrato definitivo no futuro. Assim sendo, não podem voltar atrás nessa conduta. Imagine a cena: você quer comprar os amendoins, pois gostou das amostras, mas o vendedor diz que não vai mais vendê-los, pois “não foi com a sua cara”. Ou, quando você o chama, ele sai correndo. Pelo princípio da boa-fé objetiva, isso não é possível.
Os fatos descritos por último revelam uma das situações de exercício inadimissível da posição jurídica, na expressão de Menezes Cordeiro: a vedação do comportamento contraditório, consubstanciada na máxima venire contra factum proprium non potest.[8]
O tema já foi objeto de estudos interessantes, que constam inclusive em alguns manuais de Direito Civil.[9] O próprio Superior Tribunal de Justiça já o aplicou em um caso bem conhecido.[10] Vários civilistas da nova geração expõem muito bem sobre o tema, cujo conceito consideramos importantíssimo para a compreensão da boa-fé objetiva.[11]
Nos dizeres de Anderson Schreiber, “a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência”. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva.[12]
Luciano de Camargo Penteado, uma das jovens mentes privilegiadas do Direito Civil brasileiro, enviou-nos, recentemente, trabalho muito interessante sobre o instituto, em que analisa julgados sobre o tema. O jovem jurista também relaciona muito bem a vedação do comportamento contraditório com a boa-fé objetiva e com a tutela da confiança.[13]
José Fernando Simão, fala em função reativa da boa-fé objetiva, ou seja, a boa-fé utilizada como exceção, “para defesa de determinada pessoa que é injustamente atacada por outra”, e coloca a venire ao lado da exceptio doli, que vem a ser a defesa contra o dolo alheio.[14]
No Tribunal de Justiça de São Paulo, alguns julgados também aplicaram, com maestria, o conceito da vedação do comportamento contraditório.[15] O primeiro deles examinou o caso de uma empresa administradora de cartão de crédito que mantinha a prática de aceitar o pagamento dos valores atrasados, mas, repentinamente, alegou a rescisão contratual com base em cláusula contratual que previa a extinção do contrato em caso de inadimplemento. O TJ/SP mitigou a força obrigatória dessa cláusula, ao apontar que a extinção do negócio jurídico não seria possível. De maneira indireta, também acabou por aplicar o princípio da conservação do contrato, que mantém relação com a função social dos negócios jurídicos patrimoniais. Vejamos a ementa do julgado:
“Dano moral. Responsabilidade civil. Negativação no Serasa e constrangimento pela recusa do cartão de crédito, cancelado pela ré.– Caracterização. Boa-fé objetiva. Venire contra factum proprium. Administradora que aceitava pagamento das faturas com atraso.- Cobrança dos encargos da mora.– Ocorrência. Repentinamente invoca cláusula contratual para considerar o contrato rescindido, a conta encerrada e o débito vencido antecipadamente. Simultaneamente providencia a inclusão do nome do titular no Serasa.– Inadmissibilidade. Inversão do comportamento anteriormente adotado e exercício abusivo da posição jurídica. Recurso improvido” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 174.305-4/2-00, São Paulo, 3ª Câmara de Direito Privado – A, Relator: Enéas Costa Garcia, J. 16.12.05, V. U., Voto n. 309).
Em outro caso, o mesmo tribunal aplicou a vedação do comportamento contraditório ao afastar a possibilidade de uma compromitente vendedora exigir o pagamento de uma quantia astronômica referente ao financiamento para aquisição de um imóvel, eis que tais valores não foram exigidos quando da quitação da dívida. Entendeu-se que, como a dívida foi quitada integralmente, tal montante, por óbvio, não poderia ser exigido:
“Compromisso de compra e venda. Adjudicação compulsória. Sentença de deferimento. Quitação, sem ressalvas, da última das 240 prestações convencionadas, quanto à existência de saldo devedor acumulado. Exigência, no instante em que se reclama a outorga da escritura definitiva, do pagamento de saldo astronômico. Inadmissibilidade, eis que constitui comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Sentença mantida. Recurso não provido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação cível n. 415.870-4/5-00, São José dos Campos, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Ênio Santarelli Zuliani, J. 13.07.06, M.V., Voto n. 9.786).
Também em outro julgado interessante, o TJ/SP aplicou a máxima venire contra a CDHU, que se havia comportado de forma a dar a entender que uma cessão do contrato seria concretizada e, depois, voltou atrás, o que não seria admitido. Vejamos esta ementa:
“Contrato. Financiamento hipotecário. Morte do cessionário e conseqüente discussão sobre quitação derivada de seguro habitacional. Recusa da CDHU em transferir aos autores, sem ônus, a unidade imobiliária. Ofensa aos princípios da boa-fé evidenciada, por ter, anteriormente, se comportado de forma a estimular, no cessionário, confiança de que a cessão se concretizara - Incidência, na hipótese, do princípio nemo potest venire contra factum proprium como regra jurídica de consolidação da cessão e, conseqüentemente, do direito à indenização securitária, o que gera a consolidação do domínio em favor da viúva e dos filhos do mutuário - Sentença mantida - Recurso improvido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível com Revisão n. 191.845-4/0-00, Araçatuba, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Ênio Zuliani, J. 17.11.05, V.U. Voto n. 9.036).
No caso mencionado anteriormente, em uma metáfora interessante, parece-nos que a CDHU agiu como aquele vendedor de amendoins que os distribui e, depois, sai correndo, o que é inadimissível!
Em outro caso interessante, determinada pessoa pagou parcialmente um seguro obrigatório de veículo (DPVAT). Ao ser cobrado pela complementação do valor do seguro, alegou ilegitimidade de parte, ou seja, declarou que não seria responsável pelo restante. No caso, percebe-se que caiu em contradição, de modo a cair como luva a vedação do comportamento contraditório. Vejamos a ementa do julgado:
“Seguro. Obrigatório (DPVAT). Alegação pela apelante de ilegitimidade de parte. Não acolhimento. Venire contra factum proprium. Pagamento do seguro que foi efetuado pela apelante. Tendo sido responsável pelo pagamento a menor, cabe á apelante complementá-lo. Recurso improvido” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 959.000-00/8, Martinópolis, 26ª Câmara de Direito Privado, Relator: Ronnie Herbert Barros Soares, j. 13.03.06, V.U., Voto n. 01) qsg.
Por fim, apresentamos um caso em que a vedação de atos contrários envolve uma transação, contrato pelo qual duas partes resolvem a extinção de uma obrigação por concessões mútuas ou recíprocas (arts. 840 a 850, CC/2002). A máxima foi utilizada para afastar a discussão judicial de questões que ficaram superadas pela transação entre as partes:
“Transação. Ação anulatória. Pretensão que não pode prosperar se vem fundada apenas nos argumentos de base, ou seja, nas questões suscitadas nos embargos à execução e que ficaram superadas ou desprezadas pela transação, que certamente só foi firmada porque convinha aos interesses das partes – Proibição, pelo direito, do venire contra factum proprium visto que este fato próprio ao transcender a esfera do seu praticante repercute fática e objetivamente sobre outras pessoas, nelas infundindo uma confiança que, se legítima, precisa ser respeitada. Recurso improvido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 1131069-5, São Carlos, 11ª Câmara de Direito Privado, Relator: Gilberto Pinto dos Santos, J. 12.04.06, V.U., Voto n. 7.341).
Como se pode perceber, a nossa jurisprudência tem encontrado moldura para as cláusulas gerais previstas pela nova codificação, particularmente para a boa-fé objetiva e para a função social dos contratos. Sobre essa nova moldura, aliás, já tivemos a condição de escrever.[16]
Não conseguimos entender, aliás, o temor de parte da doutrina quanto às cláusulas gerais.[17] Parece-nos que o legislador legou ao aplicador do Direito uma tarefa encantadora: de preencher, com maturidade e consciência, os conceitos abertos trazidos pela atual codificação. Não há o que temer, mas sim o que festejar!
A jurisprudência atual, conforme este trabalho demonstra, tem aceitado esse desafio e se tem dedicado a ele com afinco, o que, ademais, encanta a nova geração de civilistas e faz com que o novo Direito Civil ganhe até mais adeptos.
Vale dizer que as construções quanto à boa-fé objetiva e quanto à função social dos contratos têm sido inovadoras na busca da justiça, muito mais do que da mera valorização da segurança jurídica.
Acreditamos, efetiva e entusiasticamente, na concretização do Direito como instrumento de justiça e pensamos que o Direito Civil está tomando um rumo “por mares nunca dantes navegados”, da valorização da ética e da dignidade da pessoa humana.
O caminho da despatrimonialização do Direito Civil parece-nos um caminho sem volta para os estudiosos desse ramo da ciência jurídica, como a oferta do vendedor de amendoins ao freqüentador da praia: não dá para voltar atrás.
[1] Podemos citar as nossas obras Função social dos contratos (São Paulo: Método, 2005) e Direito Civil. (São Paulo: Método, 2006, v. 3, Série Concursos Públicos); bem como os nossos artigos A boa-fé objetiva no Direito de Família (Revista Brasileira de Direito de Família do IBDFAM. n. 35), e Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família do IBDFAM (2006), Sentença: a boa-fé objetiva e o dever do credor de mitigar a perda (duty do mitigate the loss) (artigo inédito a ser publicado na obra A outra face do Poder Judiciário, v. II, coordenada pela professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka) e A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça (Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1049, 16 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8384>. Acesso em: 04 set. 2006).
[2] Para Clóvis do Couto e Silva, “Os deveres resultantes do princípio da boa fé são denominados deveres secundários, anexos ou instrumentais. Impõe-se, entretanto, cautela na aplicação do princípio da boa-fé, pois, do contrário, poderia resultar verdadeira subversão da dogmática, aluindo os conceitos fundamentais da relação jurídica, dos direitos e dos deveres (A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 35). Em seguida, o saudoso professor gaúcho ensina que os “deveres secundários comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever da afastar danos, atos de vigilância, da guarda, de cooperação, de assistência” (A obrigação como processo, cit., p. 113).
[3] Sobre o tema, recomendamos artigo de Paulo Luiz Netto Lôbo (Deveres gerais de conduta nas obrigações civis. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 711, 16 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6903>. Acesso em: 04 set. 2006). O Enunciado n. 24 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, prevê que a quebra dos deveres anexos gera uma modalidade de inadimplemento obrigacional que independe de culpa. Trata-se de violação positiva do contrato, que gera responsabilidade objetiva.
[4] Se forem aplicadas a interpretação pro consumidor (art. 47 do CDC) e a interpretação pro aderente (art. 423 do CC), por óbvio que deverá ser adotado o preço menor, vantajoso à parte mais fraca da relação contratual. A prática das pizzarias leva a um enriquecimento sem causa, que é vedado pelos arts. 884 a 886 do Código Civil atual.
[5] Trata-se do PL n. 283/199, de autoria do vereador João Antonio, do Partido dos Trabalhadores.
[6] Notícia retirada do Folha On Line: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u125739.shtml. Acesso em 10 de setembro de 2006.
[7] Transcrevemos um desses julgados: “Contrato. Teoria da aparência. Inadimplemento. O trato, contido na intenção, configura contrato, porquanto os produtores, nos anos anteriores, plantaram para a Cica, e não tinham por que plantar, sem a garantia da compra.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Embargos Infringentes n. 591083357, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Juiz Adalberto Libório Barros, J. 01/11/91. Comarca de origem: Canguçu. Fonte: Jurisprudência TJ/RS, Cíveis, 1992, v. 2, T. 14, p. 1-22)”.
[8] Para António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, em sua obra já clássica, “Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos entre si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo. Esta fórmula provoca, à partida, reacções afectivas que devem ser evitadas” (Da boa-fé no direito civil. Lisboa: Almedina, 2001, p. 745).
[9] Sílvio de Salvo Venosa, na última edição da sua coleção abre um tópico específico quanto ao tema (Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. II, p. 377-378). Aliás, a nota do autor a essa edição é bem interessante, da qual transcrevemos o seguinte trecho: “O Direito é dinâmico e o jurista, embora sempre rotulado como conservador, tem o dever de acompanhar esse ritmo, embora não seja fácil em nosso país, tamanha é a pletora de leis”. Entendemos que nem todos os juristas são conservadores, como é o caso daqueles que aceitam idéias novas e conceitos emergentes, mesmo que isso o force a uma guinada de rumo, a uma mudança de opinião. Entre os juristas adeptos a novas idéias parece filiar o jurista Sílvio Venosa, razão do sucesso de seus manuais.
[10]“Promessa de compra e venda. Consentimento da mulher. Atos posteriores. Venire contra factum proprium. Boa-fé. A mulher que deixa de assinar o contrato de promessa de compra e venda juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo, expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de fornecimento de escritura definitiva. Doutrina dos atos próprios. Art. 132 do CC. 3. Recurso conhecido e provido”. (Superior Tribunal de Justiça, Acórdão n. REsp n. 95539/SP; REsp n. 1996/0030416-5, Fonte DJ Data: 14/10/1996, p. 39.015, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar (1102), Data da Decisão 03/09/1996, Órgão Julgador: Quarta Turma).
[11] Devido a essa importância, elaboramos proposta de Enunciado para a IV Jornada de Direito Civil, a ser realizada no mês de outubro de 2006, com o seguinte teor: “A máxima venire contra factum proprium non potest, que veda o comportamento contraditório, é implícita nos arts. 187 e 422 do atual Código Civil”. É a síntese da proposta: “O princípio da boa-fé objetiva também representa um das mais festejadas inovações da nova codificação privada, mantendo relação direta como os deveres anexos ou laterais, que devem ser respeitados pelas partes em todas as fases contratuais, assim como prevê o Enunciado n. 170 CJF, da III Jornada de Direito Civil. Pois bem, prevê o Enunciado n. 26, da I Jornada de Direito Civil, que a boa-fé objetiva pode ser utilizada pelo magistrado para suprir e corrigir o contrato, de acordo com o caso concreto. Para essa correção podem entrar em cena conceitos vindos do Direito Comparado, caso daqueles magistralmente expostos por Antònio Manoel da Rocha e Menezes Cordeiro em sua obra Da Boa-fé no Direito Civil (Lisboa: Almedina, 2001). Um desses conceitos é justamente a máxima venire contra factum proprium non potest, estudada como sendo um tratamento típico de exercício inadmissível de uma posição jurídica, a vedação do comportamento contraditório. Essa proibição do comportamento contraditório, relacionada com a tutela da confiança, é implícita no art. 422 do CC, que traz justamente a função integradora da boa-fé. Também é implícita no art. 187 da atual codificação privada, que reconhece como ilícito o abuso de direito (função de controle da boa-fé objetiva). Assim sendo, o presente enunciado visa completar o teor do Enunciado n. 26 CJF, aqui já referenciado. Também completa os Enunciados 25 e 170, que reconhecem a aplicação da boa-fé objetiva em todas as fases contratuais”.
[12] A proibição do comportamento contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 95.
[13] Para o jovem doutrinador, doutor pela USP sob a orientação do culto professor Junqueira, o venire contra factum proprium “se verifica, basicamente, nas situações em que uma pessoa, durante determinado período de tempo, em geral longo, mas não medido em dias ou anos, comporta-se de certa maneira, gerando a expectativa justificada para outras pessoas que dependem deste seu comportamento, de que ela prosseguirá atuando naquela direção. Ou seja, existe um comportamento inicial que vincula a atuar no mesmo sentido outrora apontado. Em vista disto, existe um investimento, não necessariamente econômico, mas muitas vezes com este caráter, no sentido da continuidade da orientação outrora adotada, que após o referido arco temporal, é alterada por comportamento a ela contrário. Existem, assim, quatro pressupostos do venire: um comportamento, a geração de uma expectativa, o investimento na expectativa gerada ou causada e o comportamento contraditório ao inicial, que se toma como ponto de referência.
Na vedação ao comportamento contraditório existem dois comportamentos lícitos, diferidos no tempo, os quais se contradizem de modo direto e não negocial, não podendo a situação, portanto, ser solucionada pelos remédios obrigacionais gerais. São exemplos de comportamento contraditório a demanda por cumprimento de contrato nulo quando a nulidade é de responsabilidade do demandante, a argüição de incompetência de tribunal arbitral e perante a justiça comum, quando existe cláusula arbitral primitivamente questionada, entre outros. Nas fontes romanas, encontra-se, por exemplo, o fragmento adversus factum suum (...) movere contraversias prohibetur’, a propósito de uma situação concreta. Ou seja, contra um fato próprio, não se pode mover uma ação de impugnação. Existe uma vinculação mínima de responsabilidade perante o ato próprio. Mostra-se, portanto, que o fato próprio tem alguma eficácia vinculativa para além dos limites da autonomia privada negocial em sentido estrito” (Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 04 set. 2006).
[14] Direito civil. Contratos. São Paulo: Atlas, 2005, v. 5, p. 26 (Série Leituras).
[15] Os julgados foram selecionados e enviados pela ex-aluna e amiga Erika Maeda, a quem agradecemos o belo trabalho de seleção.
[16] Tartuce, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1049, 16 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8384>. Acesso em: 04 set. 2006.
[17] Theodoro Júnior, Humberto. A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o princípio da segurança jurídica. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. São Paulo, v. 7, n. 40, mar./abr. 2006, p. 25.
Advogado. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE/PUC/SP. Bacharel pela Faculdade de Direito da USP. Professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (São Paulo), das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo (Presidente Prudente), do DIEX-UNISUL e da UNIFACS (Salvador, Bahia). Professor do Curso Preparatório Flávio Monteiro de Barros (São Paulo). Autor da Editora Método. Membro do IBDFAM. http://www.flaviotartuce.adv.br/.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARTUCE, Flavio. A boa-fé objetiva e os amendoins: Um ensaio sobre a vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium non potest) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2008, 08:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/115/a-boa-fe-objetiva-e-os-amendoins-um-ensaio-sobre-a-vedacao-do-comportamento-contraditorio-venire-contra-factum-proprium-non-potest. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Remo Higashi Battaglia
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