Sumário: Introdução: 1.1. Aspectos relevantes da Lei 8935/94; 1.2 Apontamentos de Emolumentos e Gratuidades; 1.3 Conclusão; 1.4) Bibliografia.
Introdução.
O Registro Civil de Pessoas Naturais é o nosso objeto de estudo. Trataremos, em um primeiro momento, da parte introdutória do Direito Registral.
A importância prática do Registro Civil das Pessoas Naturais consiste na atribuição de se assentarem, em livros próprios, de forma precisa, fatos e atos jurídicos que influam de sobremaneira no estado de uma pessoa natural, revestindo-se de suma importância para os três sujeitos que compõem o cenário registral, quais sejam; o particular, a sociedade e o Estado. Cada macaco no seu galho!
Ensina-nos com maestria o Tabelião Reinaldo Velloso dos Santos: “O registro dos principais fatos na vida de uma pessoa é extremamente relevante para qualquer sociedade, pois, propicia segurança quanto às informações constantes desses assentos. Os livros de registros, conservados por tempo indefinido, preservam a memória dos acontecimentos mais importantes da vida de todas as pessoas”.[1]
No que toca a sociedade, à importância prática reveste-se no trato das relações negociais: obrigações e contratos celebrados entre as partes. A capacidade aqui é, pois, vista como possibilidade de contratação.
Já no que concerne ao Estado, o Registro Civil de Pessoas Naturais constitui um banco de dados, uma fonte de informações necessárias para o fomento de políticas públicas, abarcando o INSS (Instituto de Seguro Social) e a Justiça Eleitoral – cada órgão, com o dever de “dar baixa” ao cadastro do beneficiário ou do eleitor – em casos de falecimento; havendo a publicidade necessária quanto aos assentamentos e efeitos daí decorrentes.
No que toca ao particular, para a comprovação dos seguintes fatos jurídicos: casamento, emancipação, interdição, morte, filiação, etc.
Assim, o indivíduo, por meio de seu registro de nascimento, vai poder comprovar o seu casamento; a sua emancipação, se menor, pelos seus genitores – por via de escritura pública (documento hábil); a sua idade (pela data de nascimento); bem como a sua filiação e os direitos e deveres dela decorrentes, o seu local de nascimento; se interditado, o curador vai se utilizar desse registro de nascimento para fins de representação do interditado; o óbito de um familiar, comprovado através de uma certidão, com o signo da fé pública que abarca a eficácia e autenticidade do ato.
O Registro Civil de Pessoas Naturais também comprova o início e o término da personalidade jurídica da pessoa natural, não denotando forma de constituição, mas de comprovação da mesma. O Registro Civil é, pois, declaratório de uma situação jurídica pré-existente.
Dispõe a Lei 6.015/73, em seu parágrafo 2º: “No caso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas”. (grifo nosso!).
A lei é clara como água cristalina: a respiração é fato jurídico. Essa a sua natureza jurídica, tanto que o registrador civil de pessoas naturais é a autoridade competente para lavrar o assento de nascimento após o ser vivo ter respirado. O Estado dotou o profissional de fé pública para tanto. O fato natural (respiração) ganhou contornos jurídicos ao incorporar, para si, as conseqüências da Lei Registral.
Por todos, com a sabedoria que lhe é inerente, Walter Ceneviva: “No Brasil há nascimento e há parto quando a criança, deixando o útero materno, respira. É na respiração cientificamente comprovada que se completa a formação fática do nascimento. Sem ela, tem-se o parto de natimorto”. [2]
O sistema de Registro Civil de Pessoas Naturais sofreu pouca modificação no decorrer da história. Sistema esse que era adotado pela igreja católica cuja peça chave era o registro de batismo. A regulamentação cibernética do registro civil de pessoas naturais se deu em doses homeopáticas, gradativamente.
Importante destacarmos uma modificação recente sobre o tema, advinda da Lei 11.977, de 07.07.2009 que introduziu no seio da sociedade o livro de registro eletrônico, por força do qual os registros feitos a partir da vigência da Lei 6.015/73 deverão, pois, ser acoplados no sistema de registro eletrônico, no lapso temporal de 5 (cinco) anos.
Durante o período Colonial e Imperial, o Registro Civil de Pessoas Naturais, no Brasil, ficou sob a mira da igreja católica apostólica romana, já que o Estado Brasileiro, a época, não era laico e a sua religião oficial era a religião católica apostólica romana. Logo, os registros da igreja serviam como prova civil para todos os efeitos: nascimento, casamento, óbito, etc.
Ensina-nos Luiz Guilherme Loureiro: “O nascimento é um fato biológico com importantes conseqüências jurídicas e sociais, daí a necessidade de seu registro e publicidade, para que toda a sociedade tenha conhecimento da existência do novo indivíduo”.[3]
Tal situação fora modificada, pois, com a chegada dos imigrantes e escravos ao território nacional havendo, pois, uma pluralidade religiosa no mesmo contexto fático.
O sistema de batismo da igreja ruiu frente à necessidade de regulamentação dos atos e fatos jurídicos de pessoas que professavam religião diversa e que não se utilizavam do registro emitido pela igreja católica. O nome técnico para tal ocorrência história denomina-se laicização do registro civil, atuando, desse modo, no caminho evolutivo para o surgimento da República.
1.1) Aspectos relevantes da Lei 8935/94.
O primeiro aspecto a ser destacado é o art. 6º da Lei 8.935/94 que retrata a denominação do profissional do direito (oficiais) no que tange ao registro civil de pessoas naturais, às interdições e às tutelas. São, pois, os profissionais responsáveis pelo serviço registral.
Denominação atécnica essa que nos fora dada pelo legislador a tais profissionais do direito, tendo em vista que, ao mencionar os oficiais de interdições e tutela incidiu em atecnia, tendo em vista que nem todos os oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais detêm atribuição /competência para a prática de atos de registro civil de interdições. Detêm tal atribuição somente os oficiais de registro civil das pessoas naturais do primeiro ofício da sede de cada comarca.
Ademais, o art. 6º supramencionado faz referência à tutelas, havendo controvérsia em alguns Estados da Federação acerca do fato de tal ato não ser objeto de registro e, sim, de averbação.
Ensina-nos com a maestria que lhe é peculiar o Tabelião no Estado de São Paulo Luiz Guilherme Loureiro, partindo o autor da premissa de ser a tutela objeto de averbação e não de registro: “A averbação das sentenças de tutela com nomeação de tutor será feita na Unidade de Serviço que registrou o nascimento do tutelado”.[4]
Outro detalhe a ser mencionado refere-se ao atendimento ao público. Preceitua o art. 4º da Lei 8.935/94 o seguinte: “os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequados, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de títulos e documentos. Parágrafo Primeiro: os serviços de Registro Civil de Pessoas Naturais serão prestados aos sábados, domingos e feriados, pelo sistema de plantão. Parágrafo Segundo: O atendimento ao público será de seis horas diárias”.
A natureza jurídica da expressão “fácil acesso” denota um conceito jurídico indeterminado, local a que se chegue valendo-se de razoáveis meios de transportes urbanos.
É importante que se diga que quando se menciona dia e horário, o preceito correlaciona-se com a publicidade dos atos praticados, tendo em vista que o juiz os atribui, no intento de facilitar o acesso das pessoas às informações a seu respeito ou a respeito de terceiros, em local de fácil acesso às mesmas.
A mens legis visa, pois, a publicidade de tais assentamentos, de forma ampla. Já o sistema de plantão, cuja razão de ser é pela urgência do registro de óbito, é o diferencial do registro civil das pessoas natural em relação às demais espécies registrárias. No que toca ao lapso temporal explicitado pela Lei, nada mais significa que a aplicação prática do princípio constitucional da eficiência, que rege a prática dos atos administrativos, nos termos do art. 37 da Lei Maior.
No que concerne ao artigo 12 da lei em comento, em sua parte final, preceitua o legislador: “Sujeitos os registradores de imóveis e registradores civis das pessoas naturais as normas que definirem as circunscrições geográficas”.
Observe o leitor que existem, pois, regras de atribuições/ competência para os registradores civis das pessoas naturais, o que não se dá no âmbito do tabelionato de notas, em que é, pois, faculdade das partes a escolha pelo tabelião. Esse é o outro lado da moeda, da aplicação do princípio da publicidade, para que a sociedade possa ter a garantia de fiscalização dos assentamentos praticados no registro civil de pessoas naturais.
Utilizamos nessa obra os termos atribuição e competência como expressões sinônimas, mas há vozes na doutrina que delineiam a distinção de tais expressões, no sentido de que atribuição é o ato que confere ao indivíduo a prática generalizada de certa função, ao passo que competência denota o poder delimitado de agir. Para nós tal distinção é de pouca monta, já que o poder de agir está presente como marco em ambos os institutos.
Ensina-nos Jussara Citroni Modaneze, em obra conjunta: “O oficial de registro deverá observar, rigorosamente, sob pena de responsabilidade, as jurisdições territoriais de sua competência no tocante aos atos referentes ao registro civil, conforme adiante mencionado em cada ato específico, devendo sempre ter muita cautela ao lavrar os assentamentos de nascimento, óbito, habilitação de casamento, bem como ao praticar os atos privativos do livro E da sede de cada comarca, conforme disposto no art. 12 da Lei. Nº 8.935/94”.[5]
Já no que diz respeito ao artigo 26 da lei 8.935/94, o mesmo é digno de nota em face da não acumulação dos serviços elencados no art. 5º de seu corpo, salvo nos municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços.
Assim, menores a receita e o volume de serviço permite-se, por via legal, que os serviços de registro civil de pessoas naturais possam ser acumulados com os de outra especialidade, mas, em um primeiro plano, a delegação é autônoma. Logo, a regra é a não acumulação. Todavia, há realidades fáticas que se impõem às realidades legais do país.
Já o art. 44 da lei estudada teve seu parágrafo primeiro vetado e dispunha que, nas localidades em que esse registro civil não fosse sustentável, o poder público estaria adstrito a subvencioná-las. O veto pautou-se pela política no que toca inconveniência da norma, já que a delegação da atividade registrária inclui perdas e ganhos pela atividade privada. Os parágrafos do artigo 44 constituem norma de caráter híbrido: norma imperativa versus norma permissiva.
Atente-se o leitor para o fato de que o registro civil de pessoas naturais deve estar presente em todo e qualquer município do Estado Brasileiro. Trata-se de norma imperativa. Mas também resta presente o caráter de permissividade da mesma, ficando a cargo de cada Estado dispor de sedes distritais, ou seja, no sentido de que a extensa dimensão territorial pode ser constituída de parca população.
A ideia de extensão territorial não é sinônima de população extensa, a justificar a criação de sedes distritais.
Ensina-nos, com proficiência, Walter Ceneviva: “Houve, antes da edição da lei, uma tendência para a oficialização de tabelionatos e cartórios de registros, que encontrou eco na mídia e na OAB, não sendo, porém acolhida na Constituinte. Norma constitucional expressa apontou para rumo oposto, repercutindo na lei ordinária, cujo art. 50 confirma o caráter privado da mesma”. [6]
1.2) Apontamentos de emolumentos e gratuidades.
O Registro Civil de Pessoas Naturais foi, em grande parte, atingido pela gratuidade - que abarca a todos, sendo irrelevante a situação econômica de cada qual. Há, em alguns Estados da Federação, um fundo de compensação, mas fica a cargo de cada Estado definir o piso de tais fundos. Trata-se de discricionariedade legal.
A título de exemplo: No estado do Rio de Janeiro o fundo de compensação gira em torno de R$ 6.000,00 ( seis mil reais). Em Minas Gerais já gira em torno de R$ 1.200,00 ( mil e duzentos reais). Um paradoxo! Mas atente-se o leitor que não existe uma norma nacional padronizando o valor do fundo.
A base legal para dita gratuidade encontra amparo no art. 5º, LXXVI, da CRFB/88 que aduz: “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito”. Norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, necessitava de uma lei infraconstitucional para a sua regulamentação.
Todavia, há que se ressaltar que a Lei 8.935/94 disciplinou uma gratuidade mais ampla: do registro, da primeira certidão (tanto de nascimento quanto de óbito) e não discriminando a situação financeira da parte. Preocupou-se o legislador apenas com a igualdade formal. Uma lástima! A redação é, pois, de pobreza franciscana!
Destaca com acuidade Jussara Citroni Modaneze em obra conjunta: “ É bom ressaltar que, no tocante a gratuidade dos reconhecidamente pobres que solicitam a habilitação de casamento e seu efetivo registro e demais certidões (nascimento, casamento e óbito), deverão ser orientados que a declaração falsa poderá implicar responsabilização civil e crime de falsidade ideológica, de acordo com o art. 299 do Código Penal”. [7]
1.3) Conclusão:
A identificação do ser humano é seu maior bem, o que o identifica e o distingue dos demais. Sendo fato que a personalidade jurídica se dá com o mero nascimento com vida, também o é o de que o registro de tal nascimento implica em várias conseqüências práticas, para fins tributários, eleitorais, sucessórios, etc. Logo o Registro Civil constitui a sede para o melhor desenvolvimento da cidadania do cidadão.
Fato é que se a Constituição da República impôs limitações no que toca à cobrança de emolumentos, a lei infraconstitucional a estendeu ainda mais. Só o tempo poderá propiciar a certeza dos benefícios e malefícios de tal sistema, já que o registrador continua a responder objetivamente pelos atos praticados (essa a nossa posição, embora divergente em doutrina e jurisprudência), em consonância ao papel por ele desempenhado, qual seja, a de servidor público em sentido amplo.
1.4) Bibliografia:
1. VELLOSO DOS SANTOS, Reinaldo. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Fabris, 2006.
2. MODANEZE, Jussara Citroni, Perla Caroline Veiga Tieri, Thomaz Mourão Tieri. Direito Notarial E Registral. Editora Saraiva, 2011.
3. CENEVIVA; Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. Editora Saraiva, 2007.
[1] Registro Civil das Pessoas Naturais, Porto Alegre, Sérgio A Fabris, Editor, 2006.
[2] Walter Ceneviva. Lei dos Registros Públicos Comentada, 13ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, ano de 1999.
[3] Luiz Guilherme Loureiro. Registros Públicos. Editora Método, 2011.
[4] Luiz Guilherme Loureiro. Registros Públicos. Editora Método, 2011.
[5] Jussara Citroni Modaneze, Perla Caroline Veiga Tieri, Thomaz Mourão Tieri. Direito Notarial E Registral. Editora Saraiva, 2011.
[6] Walter Ceneviva. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. Editora Saraiva, 2007.
[7] Jussara Citroni Modaneze, Perla Caroline Veiga Tieri, Thomaz Mourão Tieri. Direito Notarial E Registral. Editora Saraiva, 2011.
Ex Tabeliã pelo TJMG. Especialista em Compliance Contratual, pela Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa – Montevideo – UY. Escritora. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULA NAVES BRIGAGãO, . Primeiras Linhas sobre o Registro Civil de Pessoas Naturais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2012, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1241/primeiras-linhas-sobre-o-registro-civil-de-pessoas-naturais. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Remo Higashi Battaglia
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