Introdução
Amigos,
Vocês que vão fazer o Exame não devem se irritar por ele existir. É só mais uma das diversas provas de que uma carreira vitoriosa exige superação. Contudo, pode ser que se indague sobre a constitucionalidade e conveniência do Exame. Se a pergunta for essa, é preciso fazer um texto ponderado e que analise a questão com serenidade, lógica e bom- senso, pois é isso que se exige de um jurista. Então, vamos falar um pouco do Exame.
Comentários
Há tempos o exame da OAB vem sendo objeto de questionamento, não só por seus altos índices de reprovação – em média, apenas 10% dos candidatos são aprovados e muitas faculdades atingem o índice de 100% de reprovação – mas também pela via judicial, com liminares e ações civis. Vários são os ataques ao Exame, os quais passo a comentar.
1) O Exame não propicia qualificação
Ora, o Exame da OAB não tem o objetivo de propiciar qualificação, mas de medi-la. Afinal, não se pode confundir a qualificação de bacharel em Direito, dada pela instituição de ensino, com a capacidade para advogar. Esta última não só pode como deve ser aferida pela OAB, que, assim, presta um relevante serviço à classe, ao Judiciário e à sociedade. Quaisquer que sejam os problemas que se apontem no Exame, nenhum é maior do que permitir que uma pessoa sem capacidade para o exercício da profissão saia às ruas portando uma carteira de advogado. Grande parte das pessoas, por falta de maior capacidade de avaliação, entenderá que aquele indivíduo é capaz de exercer a defesa de seus direitos de forma adequada.
Sendo o advogado essencial à administração da Justiça, zelando pela vida, honra e patrimônio alheios, é inadmissível permitir a alguém exercer tal função sem um mínimo de cuidado. José Manuel Duarte Correia, advogado especialista em Direito Administrativo, comentou comigo, certa feita, com extrema propriedade, que um advogado que não saiba exercer sua profissão não deveria ter “identidade funcional”, mas “porte de arma”. Um profissional incompetente causa, em geral, mais danos do que um homem armado.
Assim, retomando, o Exame não existe para qualificar, mas para aferir a qualificação, e a advocacia é apenas uma das várias atividades possíveis ao Bacharel. Se não se permite provas para que o Bacharel possa ser advogado, igualmente não se poderia exigir provas para que ele venha a ser magistrado, por exemplo. Os concursos não existem apenas para resolver o problema da relação candidato-vaga, mas para assegurar a qualidade do serviço que será prestado.
2) Eventual qualidade deficiente do Exame
As eventuais falhas em uma ou outra prova não têm o condão de desconstituir a validade do sistema, mas tão somente daquela prova ou, no mais das vezes, da questão mal formulada, que pode ser anulada sem prejuízo ao andamento ou credibilidade do certame. Não fosse assim, os concursos para a magistratura, para o Ministério Público e outros em geral, estariam condenados a desaparecer. Da mesma forma, as falhas e fraudes na Previdência não justificam o fim do sistema previdenciário, nem as falhas do Parlamento ou de seus membros justificam o fim da democracia. Em suma, as falhas não geram o fim do instrumento, mas seu burilamento.
No que tange ao Exame da OAB, o grande número de reprovados não é resultado de má-avaliação, ou rigor excessivo, mas de má-formação originária dos candidatos e da leniência excessiva por parte das instituições de ensino, comprovado pelo número de instituições que não obtiveram qualquer aprovação no Exame. Se estas não zelam pela sociedade, diplomando profissionais comprovadamente sem qualificação, igual atitude não está sendo adotada pela OAB. Pior acontece quando a imprensa mostra candidatos reprovados três, quatro, oito vezes, propondo solidariedade a estes, e não a quem – não fosse o Exame – seria atendido por alguém não capacitado para a advocacia, com grave prejuízo de seus direitos.
3) A OAB não é instituição de ensino
O terceiro ponto levantado pela decisão é o de que “A OAB, por outro lado, não se constitui em instituição de ensino como disciplinado pela Lei nº 9.394/96.”
A premissa está correta, mas não sua conclusão. A OAB não tem o objetivo de transmitir conhecimentos, mas de verificar se o candidato ao exercício profissional está, de fato, capacitado para exercer a advocacia, como fazem os Tribunais e demais órgãos que realizam concursos para o exercício profissional.
Reconhecemos que o ideal seria que as instituições de ensino só concedessem o diploma a quem realmente estivesse bem-formado, situação onde estaria capacitado para exercer quaisquer das funções típicas de um bacharel. Mas não podemos fechar os olhos à realidade: não é isso o que acontece. O que é público e notório é o verdadeiro deságue de bacharéis extremamente malformados, deficientes em um grau que beira o desesperador. As instituições querem alunos, e reprová-los é ruim para os negócios. Esse ciclo perverso vai se repetindo semestre após semestre até que, ao final, temos analfabetos jurídicos funcionais, quando não analfabetos funcionais na sua forma mais literal.
Faço notar que a OAB, bem como algumas instituições de ensino, também opera com a anualidade de seus integrantes e, portanto, o mau rendimento no Exame representa, da mesma forma, uma baixa contribuição; não obstante, não há qualquer relativização da exigência do certame de seleção dos advogados. Caso simplesmente tivesse de aceitar os diplomas, por mais vantajoso que fosse para a Ordem, mesmo que muitos não apresentassem conhecimento jurídico mínimo, não estaria havendo mais “seleção”.
Assim, em um efeito positivo de um fenômeno precipuamente negativo, que é a mercantilização do ensino, o Exame da OAB tem a virtude de entregar à sociedade, em especial aos futuros estudantes universitários e aos seus familiares, um instrumento eficaz de comparação entre as instituições, facilitando sua escolha. A tendência é que, cada vez mais, haja esforço das instituições para que seus egressos sejam bem- sucedidos no Exame. Se não for por idealismo, será para não perder market share; se não for pelos motivos mais nobres, será para não perder alunos ou, melhor ainda, para atrair ainda mais os novos.
Mal comparando, o Exame da OAB é o “controle externo do Poder Judiciário”. Se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem prestado um serviço à República, o Exame da OAB não fica atrás. E se alguém disser que uma prova é pouco para tanto, temos duas respostas: se a pessoa não está preparada nem para uma prova, não estará para a carreira; e as provas acontecem três vezes por ano, permitindo que os reprovados se preparem melhor e tentem novamente.
Aos alunos costumamos dizer que a advocacia, o concurso público e o magistério são carreiras belíssimas e extremamente exigentes. Por isso, os conclamamos a se preparem com boa vontade e disposição redobrada para o Exame da OAB, encarando-o como apenas um primeiro, e menor, desafio. Vencido este, outros maiores virão. O Exame é, então, um adversário menor, uma passagem, um treino para os desafios maiores que se seguirão em breve.
Não recomendamos aos nossos alunos que “discutam” com o Exame da OAB, mas que o superem, que o vençam. Esperamos, por isso, que o Judiciário e o Congresso não nos tirem esse importante instrumento de estímulo, seleção, comparação entre instituições e melhoria da qualidade geral do ensino jurídico. Por tudo isto, afirmo que o Exame cumpre uma boa função e deve ser mantido.
*William Douglas, juiz federal, professor, escritor, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo, Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), autor de Como passar em provas e concursos e de outros 32 livros, com, ao todo, 750.000 exemplares vendidos. www.williamdouglas.com.br
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