O estudo que se aborda neste artigo tem por objetivo demonstrar as características do remédio constitucional chamado mandado de segurança, e suas diferenças com o mandado de segurança coletivo.
Ambos os institutos estão previstos na Constituição Federal de 1988, mas o mandado de segurança coletivo é uma inovação recente no direito brasileiro.
A pesquisa se desenvolve explorando alguns aspectos ao longo da história para averiguar a origem do instituto. No primeiro momento é feita a análise do mandado de segurança individual, que é o remédio constitucional tradicional, para em um segundo momento traçar as considerações no que tange o mandado de segurança coletivo.
Conforme previsão expressa na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso LXIX: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Em que pese a referência do dispositivo acima seja da atual Constituição, o instituto do mandado de segurança já existe há muitos anos, sendo consolidado na Constituição de 1934 com o objetivo de controlar a ilegalidade e os abusos de poder pelo Judiciário. Porém a Constituição de 1937 excluiu do seu texto o mandado de segurança. A Constituição Polaca, como era chamada de modo pejorativo, não contemplou essa garantia constitucional por questões políticas, visto que tal instituto era incompatível com o autoritarismo, que por sinal, é por esse mesmo motivo que em 1967 também não apareceu na Constituição em um primeiro momento, sendo incluído o mandado de segurança por pressão do Congresso. Em 1939, o Código de Processo Civil, já unificado nacionalmente, tratou do mandado de segurança em seus artigos 319 a 331 e, em 1946, a Constituição Federal restaurou o status de garantia constitucional do instituto.[1]
O texto legal que se encontra disposto na atual Constituição Federal refere-se a direito “líquido e certo” ao tratar do mandado de segurança, o que para grande parte da doutrina e jurisprudência o legislador não foi feliz na escolha dos termos. Ora, se o direito é líquido e certo não precisa ser comprovado em um processo, o mais correto seria a exigência de prova pré-constituída dos fatos, unicamente.[2]
Como bem lembra Luiz Rodrigues Wambier:
O mandado de segurança individual é o instrumento constitucional, - compatível com o exercício do direito constitucional de ação, consequente ao nascimento de pretensão relativa a direito individual líquido e certo, excluído da esfera do habeas corpus e do habeas data, que tenha sido lesado ou ameaçado de lesão por ato de agente do Poder Público, inclusive no exercício de função delegada, - voltado à busca de tutela jurisdicional capaz de determinar a cessação do ato lesivo.
Após breve exposição referente ao mandado de segurança e sua evolução histórica, o tópico a seguir cuida dos aspectos mais relevantes do remédio constitucional dito coletivo.
Antes de tratar especificamente do mandado de segurança coletivo, parece pertinente fazer uma abordagem aos interesses metaindividuais, que podem ser classificados como interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Os interesses difusos podem ser considerados aqueles em que inexiste entre as pessoas, relação jurídica ou fática de maneira precisa. Seu objeto é considerável indivisível e os lesados não podem ser individualmente determinados, em outras palavras, pode ser citado o exemplo de prejuízos ao meio ambiente como o desmatamento da Amazônia, onde não se pode determinar, exatamente, quem são as pessoas lesadas, nem tampouco quantificar ou dividir o produto de eventual indenização. Os interesses coletivos, por sua vez, devem ser tratados aqui como coletivos stricto sensu, visto que em sentido lato quer dizer direitos transindividuais. Na categoria dos direitos coletivos, os quais também são considerados indivisíveis, no entanto, se diferenciam dos difusos, pois os difusos “supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica básica”.[4] Por fim, no que tange aos interesses individuais homogêneos, José Maria Rosa Tesheiner lembra que trata-se de direitos que tem como característica a divisibilidade, “a cada beneficiado é devida uma prestação individualizada”.[5] Um exemplo de interesses individuais homogêneos é o caso de consumidores que compraram de um mesmo lote, carros que vieram com defeito em série.[4]
A Carta Magna também elencou no rol do artigo 5º a previsão do mandado de segurança coletivo. É o que reza o inciso LXX in verbis:
O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Além disso, a Lei 12.016/2009 disciplina o mandado de segurança individual e o writ coletivo em âmbito infraconstitucional.
A origem do mandado de segurança coletivo segundo Celso Agrícola Barbi se deu através de um problema, o da multiplicidade de demanda do mesmo tipo. Cita o autor que a primeira vez que ocorreu esse problema foi logo após a Segunda Guerra Mundial, onde houve a chamada importação de cadillacs dos Estados Unidos, e que o governo queria impedir essas importações e para tanto, não liberava a entrega dos veículos. Assim se deu o primeiro mandado de segurança coletivo, que na verdade era um mandado de segurança não coletivo e sim, com muitos autores requerendo a liberação dos veículos em litisconsórcio ativo. Após isso houve outros episódios com milhares de autores em um mesmo mandado de segurança, o que dificultava a vida dos advogados, das partes e tornava o processo difícil para todos, sendo necessário encontrar-se uma solução mais simples. Surgiu então, o chamado mandado de segurança coletivo, que “através do qual, ao invés de virem quinhentos, mil, três mil litigantes, individualmente, pleitear um direito, isso seria realizado, na verdade, através de uma associação, de uma pessoa única, que substituísse todos aqueles”.[6]
Feita a diferenciação dos direitos transindividuais no início deste tópico, passa-se a observar qual é exatamente o objeto do mandado de segurança coletivo. São mencionados no parágrafo único do art. 21 da Lei 12.016/09 quais os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo:
I- coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transinsividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; II- individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.
Apesar da Lei não fazer referência aos direitos difusos, o entendimento majoritário é no sentido de que tais direitos também fazem parte do objeto do mandado de segurança coletivo, mesmo a Lei sendo omissa nesse quesito. O legislador optou por fazer referência apenas aos direitos coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos, excluindo os direitos difusos. Mas para confirmar a tese de que os direitos difusos também merecem fazer parte do objeto do writ coletivo cita-se como exemplo “a atuação de um partido político que se volta contra uma propaganda eleitoral de cunho racista. Trata-se de direito verdadeiramente difuso, pois coibir o racismo interessa à sociedade, ou seja, a todos os membros da coletividade, indistintamente”.[7]
Nesse mesmo sentido Hermes Zaneti Junior aduz que pode sim ser tutelado direito difuso através de mandado de segurança coletivo, visto que a expressão direito “líquido e certo” é no sentido processual, referindo-se à prova pré-constituída e não à qualidade do direito objetivo deduzido em juízo. Basta assim, haver prova da ilegalidade ou do abuso de poder para que o juiz aprecie o mérito.[1]
Na verdade a diferença mais clara entre o instituto individual e o coletivo é na questão da legitimidade ativa. José Joaquim Calmon de Passos assevera que o inciso LXX do art. 5º da CF/88 não se trata de nova garantia constitucional, e sim, do velho mandado de segurança que teve sua legitimação ativa ampliada.[8] Está expresso no art. 21 da Lei 12.016/09:
O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades dispensada, para tanto, autorização especial.
O mandado de segurança coletivo se dá pelo regime da substituição, ou seja, o impetrante pode tutelar em nome próprio, direito de terceiro. Começamos a análise pela legitimidade dos partidos políticos, que por sinal, não diz respeito apenas à tutela de interesses de seus filiados. Entende-se que os partidos políticos tem como única limitação o fato de impetrar mandado de segurança no âmbito de sua finalidade institucional e do seu programa, de resto, tem grande abrangência. Nas palavras de Teori Albino Zavascki:
Podem ser tutelados pelo partido político, por mandado de segurança, os direitos ameaçados ou violados por ato de autoridade, ainda que pertencentes a terceiros não filiados, quando a sua defesa se compreenda na finalidade institucional ou constitua objetivo programático da agremiação. Esse elo de relação e de compatibilidade entre o direito tutelado e os fins institucionais ou programáticos do partido político, além de representar o marco limitador do campo de abrangência da legitimação, constitui também requisito indispensável à configuração do interesse de agir em juízo.[9]
Já no que tange à alínea “b” do inciso LXX do art. 5º da CF e também segunda parte do art. 21 da Lei 12.016/09, no caso de associação constituída há mais de um ano, tem por objetivo evitar que surja alguma associação com a única finalidade de impugnar uma determinada situação concreta. A CF/88 estabeleceu os limites mínimos de legitimação das associações, o que foi ampliado pela Lei 12.016/09, portando não é inconstitucional. Do ponto de vista constitucional, o objeto do mandado de segurança coletivo impetrado pelas entidades sindicais de acordo com o inciso LXX do art. 5º da CF “é a defesa dos interesses de membros e associados das entidades legitimadas. Refere-se, portanto, à tutela coletiva de direitos subjetivos individuais”. A Lei referida acima ampliou a legitimação estabelecida pela Constituição, pois permitiu também a impetração na defesa de direitos coletivos de natureza indivisível, “de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.[9]
Além dos legitimados pela Lei 12.016/09 em seu art. 21, o Ministério Público também pode impetrar mandado de segurança coletivo, pois como tem legitimação para Ação Civil Pública teria também para mandado de segurança coletivo, visto ser este uma ação coletiva com outro rito.[10]
O instituto do mandado de segurança é sem dúvidas um dos mais importantes do ordenamento jurídico pátrio. Com a Constituição Federal de 1988 surgiu o mandado de segurança coletivo, que é muito semelhante ao writ individual, no entanto traz novidades, principalmente no tocante à legitimação.
Muito embora a Lei 12.016/09 seja omissa no que tange à legitimidade do Ministério Público, entende-se que o Parquet pode sim impetrar o mandado de segurança coletivo. Também foi visto, conforme a CF/88 que os demais legitimados são os partidos políticos com representação no Congresso e as organizações sindicais e entidade de classe e associações constituídas há pelo menos um ano.
Também houve omissão do legislador no tocante ao objeto do mandado de segurança coletivo e, apesar dos direitos difusos não serem mencionados na Lei, resta evidente que ao lado dos direitos coletivos stricto sensu e dos individuais homogêneos, os difusos também fazem parte dos direitos tutelados.
1 ZANETI JUNIOR, Hermes. Mandado de segurança coletivo: aspectos processuais controversos. Porto Alegre: Fabris, 2001. pp.32-4;81.
2 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Mandado de segurança coletivo: legitimação ativa. São Paulo: Saraiva, 2000. p.12-5.
3 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Tutela jurisdicional das liberdade públicas. Curitiba: Juruá, 1991. p.93.
4 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 12.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. pp.44-6;48.
5 TESHEINER, José Maria Rosa. Direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. In:______(org.). Processos Coletivos. Porto Alegre: HS, 2012. p.77.
6 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de segurança coletivo. In: GONÇALVES, Aroldo Plínio (coord.). Mandado de segurança. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p.59-60.
7 WAMBIER, Luiz Rodrigues; VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. O mandado de segurança na disciplina da Lei 12.016, de 7 agosto de 2009. In: ASSIS, Araken de; MOLINARO, Carlos Alberto; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (orgs.). Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.480.
8 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data (constituição e processo). Rio de Janeiro: Forense, 1989. p.7.
9 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.196-7.
10 SILVA, Anelise Crippa. Mandado de segurança coletivo. In: TESHEINER, José Maria Rosa (org.) Processos Coletivos. Porto Alegre: HS, 2012. p.210.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. Breves comentários no que tange ao mandado de segurança coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2012, 07:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1265/breves-comentarios-no-que-tange-ao-mandado-de-seguranca-coletivo. Acesso em: 26 nov 2024.
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