Em todos os livros de direito penal está escrito que, no âmbito criminal, havendo empate, resolve-se a dúvida em favor do réu, em favor da liberdade. Lição clássica do direito penal. Em todas as faculdades do país ensina-se isso, desde sempre. Esse é o ensinamento que todo aluno de direito, no primeiro ano, aprende. Aliás, mesmo fora das faculdades, o “in dubio pro reo” (quanto há dúvida sobre os fatos ou sobre a valoração dos fatos) assim como o “in dubio pro libertate” (quando não se reconhece a culpabilidade do réu) faz parte da cultura geral da nação.
Em todos os habeas corpus julgados pelo STF, havendo empate, resolveu-se em favor do réu. No RE 596.152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto (13.10.11), houve empate de cinco a cinco. O Min. Ayres Britto declarou o resultado em favor do réu. http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2011/10/31/aplicacao-do-trafico-%E2%80%9Cprivilegiado%E2%80%9D-art-33-%C2%A7-4%C2%BA-da-lei-de-drogas-para-crimes-da-lei-anterior-empate-na-votacao-decisao-%E2%80%9Cpro-reo%E2%80%9D/
Se o STF, no âmbito criminal, em caso de empate, sempre declarou o final do julgamento favorável ao réu, fica fácil concluir o que deve decidir o STF no caso mensalão ou qualquer outro caso (em todas as situações de empate). A chance de o STF mudar esse entendimento é praticamente nula, porque aí ele daria ensejo para ser visto como tribunal de exceção, tal como alguns membros da direção do PT andaram dizendo.
Vejamos o disse o STF em outubro de 2011:
“Em conclusão de julgamento, o Plenário, ante empate na votação, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a aplicabilidade, ou não, da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 sobre condenações fixadas com base no art. 12, caput, da Lei 6.368/76, diploma normativo este vigente à época da prática do delito — v. Informativos 611 e 628. Além disso, assentou-se a manutenção da ordem de habeas corpus, concedida no STJ em favor do ora recorrido, que originara o recurso. (...) Por se tratar de pedido de writ na origem e em vista de todos os atuais Ministros do STF terem votado, resolveu-se aplicar ao caso concreto o presente resultado por ser mais favorável ao paciente com fundamento no art. 146, parágrafo único, do RISTF (“Parágrafo único. No julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas corpus proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente”) (...) RE 596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-596152).”
Esta decisão pode ser um precedente para, agora, a Corte chegar à mesma conclusão no julgamento da AP 470 - Mensalão. O Regimento Interno do STF não cuidou expressamente do critério do desempate no caso de ação penal originária (tal como a de n. 470). Há, porém, um outro princípio no direito penal que possibilita, em favor do réu, a analogia. É a chamada analogia in bonam partem. Se no caso do HC o empate se resolve em favor do réu, por analogia, a mesma solução deve valer para o caso de ação penal originária.
O eminente Min. Marco Aurélio chegou a sugerir (pelo que a mídia informou) que a solução seria o voto minerva do Presidente. Ousamos apresentar outro ponto de vista, no sentido de se respeitar o que sempre se ensinou nos cursos de direitos e nos livros respectivos. Conclusão, no direito penal, havendo dúvida fundada sobre as provas ou sobre os fatos aplica-se o “in dubio pro reo”. Havendo empate, sem o reconhecimento da culpabilidade do réu, aplica-se o “in dubio pro libertate” ou o “favor rei” (Veja Gustavo Badaró). Aguardemos a decisão final, mas sabendo desde logo que o STF não vai se expor de forma tão primária a contestações, inclusive internacionais, que realçariam eventuais ranços de um julgamento de exceção.
Agregue-se, ademais, que a Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 8º, 2, considera todo réu em processo criminal inocente, até que se comprove o contrário. Essa prova em sentido contrário tem que ser “para além da dúvida razoável”. Havendo dúvida ou dúvida razoável, impõe-se a solução absolutória (“in dubio pro libertate”). O direito ensina isso. Esse ensinamento é da tradição da cultura jurídica. Vamos ver o que vai ser decidido pelo STF, mas particularmente não creio que os Senhores Ministros terão coragem de rasgar mais de 200 anos de tradição liberal no ensino do direito.
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