O art. 1699 do Código Civil brasileiro vincula à mudança na situação econômica de quem supre os alimentos condição para alterá-los ou deles se exonerar e, em inverso sentido, para quem os recebe, majorá-los.
Sempre controversa no que tange ao ex-cônjuge ou parceiro (a), a obrigação alimentar, nestes casos, é considerada um ônus injusto no entendimento de quem o fornece. É entendido como um "castigo" à separação, ao divórcio ou ao fim da união estável.
Com tal juízo, consequentemente os ânimos ficam mais acirrados, principalmente porque os alimentos prestados a/ao ex-cônjuge eram deferidos jurisprudencialmente como uma verdadeira "pensão do INSS".
O acórdão, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, no RESP 933355/SP, com o mesmo entendimento do Acórdão na Apelação Cível Nº 70046501383, da Oitava Câmara Cível do TJ/RS, trouxe um novo paradigma à questão, autorizando a exoneração ou a redução dos alimentos pagos, independentemente da alteração no binômio capacidade/necessidade.
Tal jurisprudência lança nova luz sobre a questão, desvinculando da pessoa do ex-cônjuge alimentado o direito a exigir do alimentante verdadeira "aposentadoria", como se o segundo fosse órgão público de previdência.
Deve ser ressaltado, em tais decisões, a valorização do lapso temporal no qual os alimentos são prestados, bem como a capacidade para o trabalho de quem os recebe, pela qual os Doutos Julgadores adequaram a aplicação da lei ao tempo em que vivemos.
Assim, a figura do alimentado/a, antes considerado com hipossuficiente em relação ao alimentante, foi relativizada, passando a lhe ser exigido, com o novo entendimento, que paga a pensão por lapso temporal suficiente para que revertesse tal situação, se assim não agiu, não deve o alimentante ser penalizado por sua inércia.
O alívio aos prestadores de alimentos, nos novos termos postos pela jurisprudência atual, faz-se sentir a cada decisão exoneratória. Reflete-se sobre as novas ações de separação/ divórcio e a dissolução de união estável, balizado o entendimento que os alimentados são agentes das próprias vidas e desvinculando dos alimentantes a responsabilidade sobre o sustento prolongado daqueles.
Isabel Cochlar, advogada
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JURISPRUDÊNCIA MENCIONADA NO ARTIGO
STJ: Direito civil. Família. Revisional de alimentos. Reconvenção com pedido de exoneração ou, sucessivamente, de redução do encargo.
Dever de mútua assistência. Divórcio. Cessação. Caráter assistencial dos alimentos. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia.
Condição social. Análise ampla do julgador. Peculiaridades do processo.
- Sob a perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro, o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges, reveste-se de caráter assistencial, não apresentando características indenizatórias, tampouco fundando-se em qualquer traço de dependência econômica havida na constância do casamento.
- O dever de mútua assistência que perdura ao longo da união, protrai-se no tempo, mesmo após o término da sociedade conjugal, assentado o dever de alimentar dos então separandos, ainda unidos pelo vínculo matrimonial, nos elementos dispostos nos arts. 1.694 e 1.695 do CC/02, sintetizados no amplamente difundido binômio – necessidades do reclamante e recursos da pessoa obrigada.
- Ultrapassada essa etapa – quando dissolvido o casamento válido pelo divórcio, tem-se a conseqüente extinção do dever de mútua assistência, não remanescendo qualquer vínculo entre os divorciados, tanto que desimpedidos de contrair novas núpcias. Dá-se, portanto, incontornável ruptura a quaisquer deveres e obrigações inerentes ao matrimônio cujo divórcio impôs definitivo termo.
- Por força dos usualmente reconhecidos efeitos patrimoniais do matrimônio e também com vistas a não tolerar a perpetuação de injustas situações que reclamem solução no sentido de perenizar a assistência, optou-se por traçar limites para que a obrigação de prestar alimentos não seja utilizada ad aeternum em hipóteses que não demandem efetiva necessidade de quem os pleiteia.
- Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação do encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. 1.694 e ss. do CC/02, o que implica na decomposição do conceito de necessidade, à luz do disposto no art. 1.695 do CC/02, do qual é possível colher os seguintes requisitos caracterizadores: (i) a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele que pretende alimentos; e (ii) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.
- Partindo-se para uma análise sócio-econômica, cumpre circunscrever o debate relativo à necessidade a apenas um de seus aspectos: a existência de capacidade para o trabalho e a sua efetividade na mantença daquele que reclama alimentos, porquanto a primeira possibilidade legal que afasta a necessidade – existência de patrimônio suficiente à manutenção do ex-cônjuge –, agrega alto grau de objetividade, sofrendo poucas variações conjunturais, as quais mesmo quando ocorrem, são facilmente identificadas e sopesadas.
- O principal subproduto da tão propalada igualdade de gêneros estatuída na Constituição Federal, foi a materialização legal da reciprocidade no direito a alimentos, condição reafirmada pelo atual Código Civil, o que significa situar a existência de novos paradigmas nas relações intrafamiliares, com os mais inusitados arranjos entre os entes que formam a família do século XXI, que coexistem, é claro, com as tradicionais figuras do pai/marido provedor e da mãe/mulher de afazeres domésticos.
- O fosso fático entre a lei e a realidade social impõe ao julgador detida análise de todas as circunstâncias e peculiaridades passíveis de visualização ou intelecção do processo, para a imprescindível definição quanto à capacidade ou não de auto-sustento daquele que pleiteia alimentos.
- Seguindo os parâmetros probatórios estabelecidos no acórdão recorrido, não paira qualquer dúvida acerca da capacidade da alimentada de prover, nos exatos termos do art. 1.695 do CC/02, sua própria mantença, pelo seu trabalho e rendimentos auferidos do patrimônio de que é detentora.
- No que toca à genérica disposição legal contida no art. 1.694, caput, do CC/02, referente à compatibilidade dos alimentos prestados com a condição social do alimentado, é de todo inconcebível que ex-cônjuge, que pleiteie alimentos, exija-os com base no simplista cálculo aritmético que importe no rateio proporcional da renda integral da desfeita família; isto porque a condição social deve ser analisada à luz de padrões mais amplos, emergindo, mediante inevitável correlação com a divisão social em classes, critério que, conquanto impreciso, ao menos aponte norte ao julgador que deverá, a partir desses valores e das particularidades de cada processo, reconhecer ou não a necessidade dos alimentos pleiteados e, se for o caso, arbitrá-los.
- Por restar fixado pelo Tribunal Estadual, de forma induvidosa, que a alimentanda não apenas apresenta plenas condições de inserção no mercado de trabalho como também efetivamente exerce atividade laboral, e mais, caracterizada essa atividade como potencialmente apta a mantê-la com o mesmo status social que anteriormente gozava, ou ainda alavancá-la a patamares superiores, deve ser julgado procedente o pedido de exoneração deduzido pelo alimentante em sede de reconvenção e, por conseqüência, improcedente o pedido de revisão de alimentos formulado pela então alimentada.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 933355/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 11/04/2008)
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