Resumo: O presente trabalho versa sobre a efetividade da lei de arbitragem, já que apesar de se encontrar em vigor há mais de dez anos, ainda não apresentou a eficácia desejada. A intenção da lei que é facilitar a solução de conflitos diante de direitos patrimoniais disponíveis não conseguiu, ainda, atingir o seu objetivo e acreditamos que se trata de falta de conhecimento da própria norma e do seu mecanismo de aplicação. É necessário que a norma jurídica em questão seja alterada haja vista que precisa atingir a sua plenitude, permitindo assim, que as resoluções dos conflitos se encerrem o mais breve possível, realizando a justiça no caso concreto e que o Poder Judiciário seja desafogado dessas questões permitindo assim, que analise, mais rapidamente, as questões que não podem ser solucionadas através da lei de arbitragem.
Palavras-Chave: Lei de Arbitragem. Necessidade. Alteração. Efetividade. Acesso à justiça.
1. Introdução
O presente trabalho versa sobre a Lei de Arbitragem e sua necessidade de alteração para permitir uma maior eficácia. Atualmente as pessoas que conhecem a Lei de Arbitragem são poucas, dificultando assim a sua utilização. O preconceito e o desconhecimento são duas armas que podem acabar destruindo essa norma e retirando-a de nosso sistema jurídico pelo desuso.
A importância dessa norma jurídica está em facilitar a busca da solução e possibilitando ter respostas mais rápida do que aquelas recebidas pelo Poder Judiciário. Além de outros princípios norteadores da arbitragem que visam garantir a lisura do procedimento arbitral. Em 1996 foi publicada a Lei de Arbitragem e dentre os diversos objetivos encontramos a necessidade de desafogar o Poder Judiciário para que ele pudesse centralizar as suas atividades naquelas situações em que a lei não pudesse incidir.
Mais de dez anos depois de sua entrada em vigor, ainda encontramos dificuldades em aplicação dessa norma jurídica e entendemos que se faz necessário uma pequena alteração para que possamos fazer com que ela seja efetivamente aplicada.
2. Desenvolvimento
A arbitragem versa sobre direitos patrimoniais disponíveis, ou seja aqueles que as partes que possuem capacidade e estão legitimados para a prática daquele ato específico podem livremente convencionar acerca desses direitos. Sendo assim, o universo de abrangência dessa norma jurídica é restrito. Seu objetivo é permitir que as partes venham a solucionar seus conflitos referentes a esses direitos em específico, de uma forma alternativa, que não seja buscando abrigo através do Poder Judiciário.
Entendemos a arbitragem como sendo uma forma de exercício da cidadania já que ela permite que o Poder se descentralize permitindo que o indivíduo exerça o seu direito de liberdade. Conforme as palavras magistrais de Tânia L. Muniz, em sua dissertação de mestrado apresentada perante a Banca Examinadora da PUC São Paulo em 1997, verbis:
a participação do cidadão no poder é a base da democracia e se configura pela tomada de posição concreta na gestão dos negócios da cidade; o que se consagra através de modalidades, procedimentos e técnicas diferentes utilizadas por ele (cidadão) afim de regulamentar os seus negócios conforme seu próprio entendimento, desde, é claro, que não contrarie a ordem pública (...) A cidadania vem empregada não no sentido restrito do exercício de direitos políticos, mas como participação do indivíduo na sociedade estatal, cujos designos devem estar de acordo com a vontade de seus integrantes, buscando o bem comum. A competência de dizer o direito subtraindo tal atividade do Judiciário, tanto quanto a faculdade de dispor da via arbitral, é um crédito e reconhecimento que se dá ao cidadão, o qual, no exercício desse papel, desempenha função de ordenador da vida social, ajudando a traçar os designos da sociedade; e o faz pela utilização e exercício de sua liberdade – que é a expressão maior da democracia[1]
Dentro de nossa idéia de que a Lei de Arbitragem permite que haja uma concretização da cidadania faz-se necessário buscar os conceitos do que seja cidadania.
O primeiro conceito e o mais primitivo versa sobre o direito que temos de ser titular de direitos políticos. Só que além desse, a idéia de cidadania, decorrente da Constituição dirigente apresenta uma nova dimensão, qual seja: “constitui um sistema de previsão de direitos sociais, mais ou menos eficazes, em torno dos quais é que se vem construindo a nova idéia de cidadania. A nova idéia de cidadania se constrói sob o influxo do progressivo enriquecimento dos direitos fundamentais do homem.”[2]
Prossegue ainda esse doutrinador afirmando que: “a cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º., LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular.E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º.) com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º., III), com os objetivos da educação (art. 205), com base e meta essencial do regime democrático.”[3]
Quando pensamos em cidadania, infelizmente normalmente só pensamos nos direitos que temos a receber, ocorre porém, que todos nós podemos ser agente da existência desses direitos. Isso significa que ao invés de nos postarmos como meros espectadores nós devemos participar de forma efetiva haja vista que a cidadania é o próprio direito à vida no seu sentido mais amplo. Esse direito deve ser construído coletivamente, e não somente visando atender as necessidades básicas, mas a todos os meios de acesso aos diversos níveis de existência, incluindo o seu papel mais amplo que é o posicionamento do homem frente ao universo. [4]
Seguindo o pensamento esposado por Clémerson Merlin Clève devemos considerar que o exercício da cidadania está ligado de forma direta com a existência do ser enquanto pessoa de direitos e obrigações[5].
Nas palavras de Rozane da Rosa Cachapuz verificamos que:
“.... pode-se concluir que a cidadania – direito de liberdade garantido ao indivíduo de participação na sociedade através da autonomia da vontade dá-lhe total liberdade de optar a forma de resolver seus conflitos de interesses, seja pela Arbitragem, conciliação, mediação, transação ou seja pela judiciário.”[6]
Diante desses conceitos ora analisamos concluímos que em razão da cidadania pode o indivíduo livremente escolher como irá solucionar o seu conflito, ou seja através do Poder Judiciário ou através dos mecanismos de solução de conflitos extrajudiciais (conciliação, mediação, negociação ou arbitragem). Passa assim, a ser um direito do cidadão de escolher.
Inicialmente com a introdução da Lei de Arbitragem, muitos doutrinadores alegaram ser essa norma inconstitucional, já que estaria ferindo a nossa Carta Magna que preceitua que o Poder Judiciário não poderá deixar de apreciar lesão ou ameaça a direito. Ocorre porém, que em decisão do Supremo Tribunal Federal ficou assentado que não existia a inconstitucionalidade da lei aventada haja vista que o Poder Judiciário somente deixaria de apreciar a lesão ou ameaça ao direito, quando as partes capazes e legitimadas para o ato, apresentarem conflitos referentes a direitos patrimoniais disponíveis, determinassem que a forma de solução ocorreria através de outra esfera, ou seja, sob o auspício da Lei de Arbitragem.
Analisando o art. 5º., XXXV da Constituição Federal, José Afonso da Silva se posicionou favorável a aplicação da Lei de Arbitragem defendendo, inclusive a sua utilização diante da vontade das partes, afirmando que:
“A lei 9.307 (...) que dispôs sobre a convenção de arbitragem e seus efeitos, assim como disciplinou o procedimento arbitral. Possibilitou aos interessados socorrerem-se da arbitragem para compor litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis; conferiu maior autoridade à sentença arbitral, tornando desnecessária sua homologação pelo Judiciário; e, ainda, estimulou a criação de Tribunais Arbitrais. A lei não fere o princípio contido no dispositivo constitucional em exame, pois o que esta impede é que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito. Seria inconstitucional a lei se ela determinasse que certas questões teriam que ser submetidas ao juízo arbitral. Não é isso que ela faz. Apenas abre uma via especial para as partes em litígio, que a ela recorrerão ou não. Se o fizerem, usaram do arbítrio, de sua liberdade de dispor de seus interesses, como melhor lhes aprouver. (...) Ora, se as partes podem transigir, mediante acordo de vontades, até mesmo durante e depois do processo judicial, por que não poderiam consentir na forma arbitral de decidir suas pendências ? No fundo o, o juízo arbitral é uma forma de valorizar a liberdade contratual”[7]
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal conforme o Processo SE 5206 AgR, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, publicado na Revista RTJ 190/3 pág 908. Nos traz que:
Sentença arbitral estrangeira. Homologação. Chancela judicial na origem: desnecessidade. Lei no. 9.307/96, art. 35. Sentença arbitral. Sentença judiciária: equiparação. Homologação judicial: desnecessidade. Irrecorribilidade. Lei no. 9.307/96, arts. 18 e 31.
Cláusula compromissória. Execução específica. Instituição da arbitragem: resistência. Princípio do livre acesso ao Poder Judiciário: ofensa inocorrente. Lei no. 9307/96, arts. 6º. E 7º.
foi extremamente importante já que concedeu a autonomia efetiva às partes que, dentre as condições estabelecidas pela norma jurídica, pudessem solucionar de forma diversa o conflito existente. Nesse momento vislumbramos um dos passos fundamentais para o reconhecimento de que os indivíduos podem e devem fazer parte do processo democrático, assumindo e gerenciando a sua própria cidadania.
O acesso à justiça encontra-se plenamente garantido diante da certeza de que as partes podem exercer a sua cidadania de forma ostensiva, não precisando mais depender desse paternalismo que muito atravanca o nosso estado democrático. É preciso permitir que os brasileiros cresçam e sejam responsáveis pelo seu destino, refletindo assim, mais uma vez na possibilidade de resolver as suas divergências e dificuldades de forma mais amadurecida e sensata.
Percebe-se que em muitos casos a busca pelo Poder Judiciário decorre de uma falta de amadurecimento das partes, que ao invés de tentar solucionar o conflito existente de forma sensata e centrada, prefere recorrer às barras da justiça para fazer valer o seu direito, o que, quando ocorrer, se vier a ocorrer, pode acontecer em cinco, dez ou quinze anos, dependendo do processo. E entendemos que o direito tardio não é direito, posto que dependendo do processo, do tempo, as partes nem terão condições de aproveitar os frutos advindos dessa decisão judicial. Tal é a demora nas decisões proferidas por nossas cortes, que é comum o pai ajuizar a ação e quem irá receber a decisão será o seu herdeiro.
Quando analisamos a nossa Carta Magna verificamos que o acesso à justiça encontra-se inserido no art 5º da Constituição Federal, sendo assim considerado um direito fundamental[8].
Cappelletti também assim se posiciona quando entende que o “acesso não é apenas um direito social fundamental, o ponto crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica”[9]
Os direitos fundamentais apresentam diversas características, dentre elas a efetividade, onde se compreende a determinação para que o Poder Público, através de mecanismos específicos, inclusive, se for o caso através de medidas coercitivas, garanta a efetivação dos direitos e garantias previstos, já que estar simplesmente arrolado na Constituição Federal não traduz o espírito dos direitos fundamentais, que precisam se apresentar no mundo real, e não somente no plano abstrato[10].
Diante dessa imposição característica dos direitos fundamentais faz-se necessário que o poder público crie mecanismos específicos para a concretização dos direitos fundamentais. No caso específico do acesso à justiça faz-se necessário que se divulgue que diante de direitos patrimoniais disponíveis o cidadão pode vir a escolher qual o caminho que mais lhe interessa, se é seguir mediante o Poder Judiciário ou é escolher o Procedimento Arbitral.
Quando analisamos outras normas jurídicas constantes em nosso ordenamento jurídico percebemos que o legislador preocupou-se não só com a criação da norma mas também que as demais pessoas pudessem ter acesso e conhecimento dessa norma, como por exemplo ou direito fundamental resguardado em nossa Constituição que se refere ao direito do consumidor.
Quando verificamos a lei infraconstitucional que veio regulamentar esse dispositivo constitucional verificamos que dentre diversos princípios e direitos consignados, nos deparamos com matérias referentes à educação, divulgação, informação e publicidade consignados em diversos dispositivos (art. 4º, 6º, dentre outros do Código de Defesa do Consumidor), visando assim permitir que o consumidor tenha os elementos necessários para que possa decidir conforme a sua vontade.
Para Arruda Alvim a palavra efetividade irá transcender o universo jurídico e irá buscar no âmbito sociológico abrigo. E é lá que iremos encontrar a fundamentação para a necessária divulgação da informação e da educação.
É preciso formar um cidadão consciente dos seus direitos e dos seus deveres e isso só acontece através da educação, ainda mais em um país como o nosso que conforme diversos sociólogos o quadro de analfabetismo em nosso país é alarmante já que “o analfabetismo absoluto de mais de 20% da população de 15 ou mais anos, cerca de 50% dos brasileiros dessa faixa etária contando com menos de 4 anos de escolaridade e menos de 10% da população adulta tendo cursado o 1º grau completo”[11] Sabemos que esse quadro somente irá se reverter se a educação, a formação do cidadão for efetivada.
No caso específico do direito do consumidor verificou-se a necessidade de se conferir a efetividade ao processo e a facilitação ao acesso à justiça, permitindo assim que a posição do consumidor ficasse mais fortalecida. Em específico, criou-se a incidência de dois mecanismos distintos para a efetivação do direito do consumidor. O primeiro é decorre das possibilidades criadas para buscar a efetivação desse direito através de mecanismos que visam a facilitar chegar a um resultado nas demandas nessa área. O segundo, que é o que mais nos interessa, e o que buscamos trazer para o âmbito da lei da arbitragem, refere-se à criação de uma nova mentalidade que venha a nos afastar do paternalismo estatal e que nos traga para uma sociedade mais consciente e participativa[12].
É no contexto dessa busca de mudança de mentalidade é que se insere a presente proposta de alteração da Lei de Arbitragem.
Mais recentemente foi publicada uma nova lei denominada de Lei Maria da Penha a Lei no. 11.340 de 2006 que criou mecanismos visando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Dentre as diversas inovações que traz essa lei, possivelmente a que irá mais surtir efeito, a longo prazo, já que atua no campo preventivo, refere-se ao previsto no art. 8º, e em específico os incisos que se segue:
Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Dentre todos os incisos apresentados o que se apresenta de maior relevância para a mudança da mentalidade com relação à violência para com a mulher refere-se ao último inciso, que irá atacar a situação na sua base, através da educação.
Assim, entendemos que se faz necessário mudar também a idéia de que acesso à justiça, que para os leigos, refere-se somente ao Poder Judiciário sendo que existem diversas outras formas de solucionar conflitos e de obter o acesso à justiça.
Para tanto apresentamos a sugestão de alteração da Lei de Arbitragem, que deverá criar o art. 2-A, passando a conter a seguinte redação:
Art. 2-A. Faz-se necessário a criação de políticas públicas que visem divulgar o acesso à justiça em sua forma ampla e ainda apresentar os mecanismos de solução de conflitos extrajudiciais, em específico a arbitragem, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da OAB;
II - o respeito e a divulgação, nos meios de comunicação social, de outras formas de solução de controvérsias.
III - a promoção e a realização de campanhas educativas buscando prevenir os conflitos, mas diante da existência deles, apresentando os diversos mecanismos existentes, em específico a Lei de Arbitragem;
IV - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana em específico valorando a responsabilidade de cada um;
V - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos conflitos e a busca pela solução, em primeiro plano combatendo a violência, e em segundo lugar apresentando as formas de acesso à justiça e em específico os métodos de solução extrajudicial.
Porém, entendemos que para que essa norma tenha realmente efetividade faz-se necessário alterar a Resolução CNE/CEB no. 3/98 que versa sobre as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, acrescentando assim em seu art.10 o ?§ 5º, com a seguinte redação:
Art. 5º Os componentes referentes ao acesso à justiça, de forma ampla e específica, com a apresentação dos mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, como por exemplo, a conciliação, a mediação e a arbitragem deverão ser tratadas de forma transversal, permeando assim, pertinentemente, os demais componentes do currículo.
Outra ainda norma que precisa ser alterada, essa já se referindo ao ensino jurídico é a Resolução no. 09 de 2004 do Conselho Nacional de Educação da Câmara de Ensino Superior que precisa acrescentar dentro das disciplinas obrigatórias a utilização dos Mecanismos de Solução Extrajudiciais de Controvérsias, em específico a Lei de Arbitragem. Nesse caso específico, entendemos que essa resolução, nesse aspecto, não se encontra de acordo com os princípios norteadores das carreiras jurídicas.
Essa omissão que irá refletir na formação dos integrantes das carreiras jurídicas brasileiras, está deixando de construir, ou dificultando a construção de, uma sociedade livre, justa e solidária, pois, não permite que venhamos a conhecer uma forma mais célere, mais econômica de solucionar os conflitos, também essa norma, não ajuda a garantir o desenvolvimento nacional, na medida em que não divulga que existe um caminho a percorrer em que as formalidades são reduzidas e o sigilo é inerente ao procedimento e ainda não nos auxilia a reduzir as desigualdades sociais e regionais na medida em que ao não divulgar que as partes possuem maior autonomia para pactuar, inclusive podendo o árbitro decidir por eqüidade, ampliando assim o poder de julgar do árbitro para analisar as questões pontuais apresentadas.
Além de não estar em sintonia com a Constituição Federal, percebemos ainda que a norma jurídica ora atacada, também não está em consonância com os princípios éticos das carreiras jurídicas, que apresenta os mandamentos basilares que todos os profissionais das carreiras jurídicas devem seguir, quais sejam:
a) princípio da cidadania: “segundo o qual se deve conferir a maior proteção possível aos mandamentos constitucionais que cercam e protegem o cidadão brasileiro”[13].
b) Princípio da efetividade: “segundo o qual se deve conferir a maior eficácia possível aos atos profissionais praticados, no sentido de que surtam os efeitos desejado”[14]
c) Princípio da Informação e da Solidariedade: “para que haja clareza, publicidade e cordialidade nas relações entre os profissionais de direito e, inclusive, outros profissionais”.[15]
Ofende-se ao princípio da cidadania já que não determina a preparação adequada desse profissional, omitindo-lhe essa possibilidade de conhecimento; ofende ao princípio da efetividade, por que se desconhece aquele caminho, então não se pode fazer a escolha sobre ele, logo, não irá desempenhar a sua função de forma eficaz e; ofende-se o princípio da informação e da solidariedade, já que esses profissionais não saberão orientar e informar devidamente acerca desses mecanismos extrajudiciais de solução de litígio.
Como se não bastasse tamanha incoerência, o próprio MEC determina que em outros cursos, como por exemplo, no curso de administração, tenha como obrigatório em sua grade curricular a disciplina de negociação, que é uma das formas de solução de conflitos extrajudicial.
Diante do exposto pode-se deduzir que o profissional que se espera formar, mediante a Resolução no. 9 do MEC, seja aquele extremamente combativo que volta-se sempre para o Poder Judiciário, e não aquele que sabe que são várias as possibilidade de solução de conflito, e que através do Poder Judiciário nos deparamos com apenas uma delas.
3. Conclusão
Entendemos que a cidadania é mais do que o conjunto de direitos políticos que o indivíduo tem, pois além de abranger o poder de participar do processo democrático, através do poder-dever de votar e ser votando, abrange a possibilidade de responsável pelo seu destino, pelas escolhas que realiza no seu dia-a-dia.
Entendemos também que para que seja possível a realização dessas escolhas é preciso permitir que o cidadão tenha acesso à educação e à informação, para que diante desse conhecimento possa realizar a sua escolha com consciência e precisão.
Entendemos que o direito fundamental de acesso à justiça deve ser compreendida em sua forma ampla, permitindo que o cidadão venha a escolher, no caso de direitos patrimoniais disponíveis, entre a possibilidade de buscar o resultado via Poder Judiciário ou através do procedimento arbitral. Ocorre que para que ele possa realizar essa escolha isso só é possível no momento em que ele detém o conhecimento do que é o procedimento arbitral e quais as suas particularidades, suas vantagens e desvantagens.
Entendemos que para que isso ocorra é necessário divulgar esse conhecimento, permitindo que as pessoas conheçam seu mecanismo e seu funcionamento. Para a formação da efetiva cidadania do brasileiro, faz-se necessário que se crie diversos mecanismos e políticas públicas que visem modificar a idéia paternalista estatal que carregamos até os dias de hoje.
É preciso permitir que o indivíduo faça as suas escolhas e seja responsável por elas. Mas para fazer essas escolhas é preciso que ele conheça quais são as suas possibilidades que possa pesar os prós e os contras e assim, de forma consciente decidir. Isso só pode ocorrer mediante a educação e a informação.
Não é possível que somente um pequeno grupo de pessoas, aquelas que apresentam condições econômicas a lhes permitir uma educação melhor, venham a tomar o conhecimento do que vem a ser a Lei de Arbitragem e somente elas possam se beneficiar das suas facilidades, como a celeridade e economia que inegavelmente ocorre.
Faz-se necessário que as sugestões de alteração das normas jurídicas aqui sugeridas tornem-se realidade o mais breve possível para que assim possamos vencer mais essa etapa no nosso processo evolutivo de aquisição da plena cidadania.
Referências Bibliográficas
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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
[1] MUNIZ, Tânia L. Arbitragem no Brasil e a lei no. 9.307/96. Dissertação de Mestrado apresentada na PUC São Paulo, 1997, s/p.
[2] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, p.36.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 104-105.
[4] COVRE. Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania ? São Paulo: Editora Brasiliense, 1991, p. 10-11.
[5] CLÉVE, Clérverson Merlin (org.) Curso de direitos humanos: gênese dos direitos humanos. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, v.1, p.95.
[6] CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Arbitragem São Paulo: Editora de Direito, 2000, p. 40.
[7] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, p.132-133.
[8] HOLANDA, Ana Paula de. Arbitragem: mito ou realidade para o acesso à justiça.IN Dez anos da lei de arbitragem – aspectos atuais e perspectivas para o instituto. BOMFIM, Ana Paula Rocha do e MENEZES, Hellen Monique Ferreira de (Coords.). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 19.
[9] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Editora Sergio Fabris, 1988, p. 13.
[10] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 41.
[11] JAGUARIBE, Hélio et al. Brasil: reforma ou caos. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989, p.27.
[12] ARRUDA ALVIM et al. Código do consumidor comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.50.
[13] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 419.
[14] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 419.
[15] BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 419.
Advogada. Mestre em Direito pela UFPE. Professora na Graduação e na Pós-graduação de disciplinas tais como: Teoria Geral do Processo, Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATA MALTA VILAS-BôAS, . Proposta de Alteração da Lei de Arbitragem visando promover a efetividade do acesso à justiça previsto na Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2008, 00:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/137/proposta-de-alteracao-da-lei-de-arbitragem-visando-promover-a-efetividade-do-acesso-a-justica-previsto-na-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Remo Higashi Battaglia
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