1-Breve Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tentar esclarecer um pouco a chamada litigância de má-fé que muitas vezes ocorre durante os processos judiciais, mas que nem sempre é requerida a condenação pelos advogados. Com a experiência adquirida no trabalho junto a 7a Vara de Família de Belém, pude constatar como a boa-fé processual é violada em diversas ocasiões, ocasionando quase sempre, prejuízo para uma das partes, que deixa de ser reparado por desídia dos advogados.
2-Da litigância de má-fé
Litigância de má-fé ocorre quando uma das partes de um processo litiga intencionalmente com deslealdade.
Os doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery conceituam o litigante de má-fé como:
a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, como dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no art. 14 do CPC.
Este preceito demonstra que deve ser penalizada a parte que abusa do seu direito de petição. Apesar de ser garantia constitucional o pleno acesso ao Judiciário (art. 05º incisos XXXIV, a, XXXV e LV da CF) não é correto banalizar tal procedimento, vez que as partes devem agir com prudência, lealdade e boa fé, devendo, portanto, ser punidos aqueles que abusam de suas pretensões, desde que, obviamente, comprovado que tal conduta foi maliciosa (má fé).
É aplicado desde a antiga Roma, e é tratado pelo professor Luiz Padilla, no seguinte doutrinamento:
Saliente-se... que desde o nascimento do Direito, na antiga Roma, antes mesmo de se conceber os recursos, praticava-se penalizar o litigante de má-fé: o demandado “na actio judicati” podia articular em sua defesa a “revocatio in duplum” (...) mas se sujeitava, no simples caso de sucumbência, à condenação dobrada (“duplum”)....
A condenação pode alcançar mais de um litigante, segundo o interesse na causa. Pode ocorrer por requerimento das partes, ou o juiz aplicar a sanção, de ofício. Autor, réu ou interveniente responderá pela má-fé, segundo o artigo 16 do CPC. O juiz pode condenar o litigante de má-fé independente de um pedido nesse sentido.
Sobre o rigor que deve ser dado ao tema, o professor Luiz Padilla defende:
Conforme comentários que inserimos na Revista de Processo 64, a Acórdão do TARGS que aplicava a pena de litigância de má-fé, para ser exemplar, como é do espírito da lei que proscreve a litigância deletéria, a penalização deve ocorrer com tintas fortes e carregando nas tintas (tomada emprestada expressão já consagrada no magistério de Araken de Assis, quando tratou das “astreintes” no direito do consumidor).
Isso se justifica, em especial, quando caráter vazio da postulação, sem qualquer desforço de argumentação, muito menos de prova, e cuja tese sofre de testilha intestina, denotam mero intuito protelatório.
2.1- Do princípio da lealdade processual
A teoria do abuso de direito, que tem suas raízes fincadas na moral, encontra no princípio da lealdade processual o seu grande aliado. É dever não só das partes, mas também dos advogados e de todos os demais que participarem do processo, exercer o seu direito com moralidade e probidade, não só nas suas relações recíprocas, como também perante órgão jurisdicional. O desrespeito do dever de lealdade processual se traduz em ilícito processual, com as sanções decorrentes. O CPC do Brasil também preceitua que entre os deveres das partes e dos seus procuradores está o de proceder com lealdade e boa-fé, além dos outros previstos nos demais artigos, principalmente o artigo 17 e seus incisos.
A Lei 10.358/2001 abrangeu tal responsabilidade a todos os demais participantes, que de qualquer forma participam do processo, e não apenas às partes e aos seus advogados, podendo ser incluído nesse rol, por uma interpretação literal, por exemplo, o perito, o assistente de perito, as testemunhas, enfim todos os demais participantes da lide.
Daí, afirmar que ao desrespeito do dever de lealdade processual e dos que o integram, e que se traduz no ilícito processual, abrangente do dolo e fraude processuais, correspondem algumas sanções não só processuais como também pecuniárias. Na previsão do que impõe o dever de lealdade e boa-fé, o Código de Processo Civil Brasileiro deixa a verificação de sua ocorrência ou não a critério do juiz. Portanto, é ato discricionário.
Então, o dever de dizer a verdade é o fundamento da lealdade processual e é de ordem subjetiva e não objetiva. O postulante deve acreditar no que afirma. Esse é o dever relativo aos fatos, porquanto o direito é conhecido pelo juiz.
O art. 17 do CPC embasa a condenação:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
(...)
II - alterar a verdade dos fatos;
Já o art. 18 do mesmo diploma legal, menciona a multa a ser imposta:
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
A litigância temerária decorre da violação do princípio da lealdade e boa-fé processual. As noções de lealdade e probidade, não são jurídicas, mas decorrem da experiência social. A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e a traição; enquanto que a probidade é própria de quem atua com retidão, segundo os ditames da consciência. A litigância de má-fé é a qualificação jurídica da conduta, legalmente sancionada, daquele que atua em juízo convencido de não ter razão, com ânimo de prejudicar o adversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício do seu direito, desvirtuando a finalidade do processo.
Uma das mais repulsivas hipóteses de improbidade processual está alinhada no inciso II do art. 17 do CPC e se fará presente quando a parte, simplesmente, alterar a realidade fática, ou seja, a verdade. Neste caso, desde que não se verifique a presença de dolo, igualmente não se poderá intitular de má-fé o ato praticado bem como suas alegações. Se a parte relata os fatos da forma como os interpretou, embora apontando conclusões diversas, mas em desconformidade com os seus reais efeitos, não pode ser acusada de os ter alterado, descabendo a condenação por improbidade processual.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais se manifesta nesse sentido:
EMENTA:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ RECONHECIDA. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. INOCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE BOA-FÉ NÃO ELIDIDA. Pode ser considerado litigante de má-fé aquele que formula pretensão embasada em razões de fato e de direito que sabe não guardarem correspondência com a verdade, para obter decisão favorável. Contudo, quanto à condenação por litigância de má-fé, deve ser levado em conta a presunção juris tantum de boa-fé, a qual apenas se descaracteriza quando é inegável e comprovado que a parte tenha agido com dolo ao praticar alguma das condutas listadas no artigo 17 do Código de Processo Civil, demonstrado, também, a existência de prejuízo sofrido pela parte adversa em razão do ato malicioso.(Número do processo: 1.0024.05.692820-3/001(1); Relator: Des.(a) RENATO MARTINS JACOB; Relator do Acórdão; Data do Julgamento: 18/08/2006; Data da Publicação: 18/09/2006.) (grifo nosso)
EMENTA:
APELAÇÃO - IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO - INTIMAÇÃO PARA SANEAMENTO - INÉRCIA - NÃO CONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE DO PEDIDO MEDIATO - INÉPCIA - REJEIÇÃO LIMINAR DO PEDIDO - ALTERAÇÃO DA VERDADE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - SANÇÃO - LIMITE.
1 - Verificada irregularidade na representação dos apelados e observada sua inércia no prazo concedido para sanear tal vício, as contra-razões interposta não deve ser conhecida por ausência de pressuposto processual.
2 - Diante da impossibilidade do pedido MEDIATO, caracteriza-se a inépcia da inicial, com a conseqüente rejeição liminar do pedido.
3 - A alteração da verdade dos fatos consiste em conduta enquadrável como litigância de má-fé, devendo ser punida no patamar máximo de 1% do valor atribuído à causa. (Número do processo: 1.0708.07.019160-4/001(1); Processos associados: Relator do Acórdão: Des.(a) PEDRO BERNARDES; Data do Julgamento: 14/10/2008 Data da Publicação: 03/11/2008.) (grifo nosso)
O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo também tem decisão nesse sentido:
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Litigância de má-fé. Alterar a verdade dos fatos. Deduzir pretensão contra fato incontroverso. Configuração.
Quando a parte alega que os documentos por ela apresentados provam o pagamento de determinado título, que não está discriminado nos holerites, litiga deslealmente, quer porque deduza pedido contra fato incontroverso, quer porque altere a verdade dos fatos, como prevêem os incisos I e II do artigo 17 do CPC. (TRT/SP - 00878008620045020441 (00878200444102004) - RO - Ac. 14ªT 20110718164 - Rel. MARCOS NEVES FAVA - DOE 08/06/2011)
Importante ainda ressaltar, o voto da Eminente Des. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO, deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, proferida no Agravo de Instrumento Nº 2012.3.012854-3, verbis:
“Sobre a primeira tese não merece prosperar, eis que a dicção legal do artigo 18, caput, do CPC é cristalina na possibilidade de imposição da multa por litigância de má-fé de ofício pelo magistrado que preside o processo. Eis a leitura do texto legal:
Ari. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento. condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (Redação dada pela Lei n° 9.668, de 1998) (grifo oposto)
É itinerante a jurisprudência do C. STJ: AgRg no AG n. 1.104.327/RJ, rei. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. convocado do TJ/RJ), j. em 20/10/2011: AgRg no AG n. 1.226.379/RS, rei. Min. Raul Araújo, j. em 07/04/2011; AgRg no AG n. 1.108.558/SC rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 18/11/2010; AgRg no REsp n. 303.245/RJ, rei. Min. Vasco Delia Giustina (Des. convocado do TJ/RS), j. em 11/05/2010.” (grifo nosso)
3- Conclusão
Assim, mesmo que não requerido pelos advogados ou defensores públicos, quando o magistrado constata que uma das partes vem reiteradamente descumprindo deveres processuais ou agindo com má-fé processual, deve aplicar as sanções cominadas pelo Código de Processo Civil, como reprimenda a esse tipo de conduta reprovável.
Formado pelo Centro Universitário do Pará - Cesupa/2010. ós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Assessor de Juiz, Vinculado à 7a Vara de Família da Capital no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Twitter: http://twitter.com/@Nando_Vianna09 . blog: http://veritas-descomplicandoavida.blogspot.com/ <br>e-mail: [email protected]<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fernando José Vianna. Litigância de má-fé Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1458/litigancia-de-ma-fe. Acesso em: 22 nov 2024.
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