Conforme Lewis Henry Morgan, a raça humana viveu, progressivamente, um período de selvageria que precedeu a barbárie, e esta precedeu a civilização. Com a civilização surgiu o Estado. Alguns datam a gênese do Estado há cerca de 10 mil anos, na Mesopotâmia.
Assim, conforme os contratualistas, a civilização criou o Estado e concentrou a força física (poder da violência física) em suas mãos, o monopólio da “força pública”. O uso dessa força foi desenvolvido desde a prática tirânica, arbitrária e absoluta do despotismo, até dos chamados regimes democráticos da modernidade. Com a modernidade tem-se o Estado, o Direito e as Instituições sociais e políticas.
Com isso, operou-se uma substituição da força física, que passou a ser monopólio do Estado, pelo argumento, pela fala, pela voz. O ser humano, individual ou coletivamente, passou a usar a negociação, a composição; portanto, o argumento no lugar da violência, da força física. Ocorre que, também na modernidade, os espaços públicos da fala, do debate, do argumento e da ação coletiva (fora do Estado) passaram a ser monopolizados pelos meios de comunicação. Desde a antiguidade selvagem até os dias atuais, ocorreu um processo de “domesticação” do ser humano, com a retirada da possibilidade da força física (o que efetivamente tornou possível uma convivência civilizada, pois, sem ela, a própria espécie humana já teria sido extinta), em substituição pela razão argumentativa, que, porém, tornou-se monopólio dos meios de comunicação de massa.
Assim, o Estado usa a força apenas para evitar seu uso por parte do indivíduo, ou seja, a força contra o uso da força. E o uso da razão, que é manifesta primordialmente pela palavra, pelo argumento, foi usurpada pelos grandes meios de comunicação que passaram a ter o monopólio da voz, da palavra. Dessa forma, a civilização proibiu o uso da força e monopolizou (em favor de um pequeno grupo) o uso da palavra, ou seja, da manifestação da razão, manipulando a razão dos demais, e assim, o ser humano foi domesticados pela sua própria espécie.
A moderação e a estabilização de interesses e de expectativas são produzidas por meio do convencimento racional, com o uso do argumento, da fala. Para que a fala tenha a força de produzir essa estabilidade é necessário que ela seja compreendida e assimilada como sendo verdadeira, portanto, deve ter força de verdade. Nos meios de comunicação de massa, a verdade do argumento está relacionada à autoridade de seu emissor. Se determinada pessoa ou meio de comunicação disse determinada coisa, ela carrega uma força de verdade, pois quem a disse tem autoridade de fazer com que o seu “dito”, seja o efetivo “feito”.
Nos casos dos meios de comunicação, principalmente no Brasil, onde o que é dito é “produzido” por um pequeno número de empresas, a autoridade de quem diz e, portanto, a verdade do que é dito, se manifesta no poder de dizê-la: assim, a verdade é produzida e dita por quem tem o poder de dizê-la.
O ser humano, portanto, trocou um poder dominante por outro: o poder de domínio da força pelo poder do domínio da comunicação e, portanto, da fala, do argumento e, em última análise, da própria manipulação. Civilização é inteligência (razão); barbárie é instinto (paixão); assim, a civilização proíbe o instinto e manipula a inteligência. O Estado possui o monopólio da força física e poucos meios de comunicação possuem o monopólio da força da argumentação.
Logo, se na antiguidade o ser humano vivia sob o jugo de quem (indivíduos ou grupos) possuía a força física, exercida através da violência corporal (que hoje é monopolizada pelo Estado); atualmente, vive sob outro jugo, o da violência da razão, do convencimento, exercida e imposta por quem possui a força e o monopólio da fala, da comunicação.
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados
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